RELATÓRIO ANUAL DA RELATORIA PARA A
LIBERDADE DE EXPRESSÃO 2002

 

 

                                                                                                             

 

INTRODUÇÃO

 

CAPÍTULO I            RELATÓRIOS GERAIS

 

A.  Mandato e Competência da Relatoria para a Liberdade de Expressão

 

B.   Principais atividades da Relatoria

 

 

 

CAPÍTULO II       AVALIAÇÃO SOBRE O ESTADO DA LIBERDADE DE
                             EXPRESSÃO NO HEMISFÉRIO

 

A.      Introdução. Metodologia

 

B.       Avaliação

 

C.      Situação da liberdade de expressão nos Estados membros

 

D.        Assassinatos de Trabalhadores de meios de comunicação

 

CAPÍTULO III           JURISPRUDÊNCIA

 

A.  Síntese sobre a jurisprudência interamericana em matéria de Liberdade de Expressão

 

B.   Jurisprudência doméstica dos Estados membros

 

 

CAPÍTULO IV          LIBERDADE DE EXPRESSÃO E POBREZA

 

A.   Introdução

 

B.   O exercício da liberdade de expressão sem discriminação por razão de origem social
      ou posição econômica

 

C.   O acesso à informação pública como exercício da liberdade de expressão dos pobres

 

D.   O exercício da liberdade de expressão e o direito de reunião

 

E.   O exercício da liberdade de expressão pelos meios de comunicação comunitários

 

F.   Observações finais

 

  

CAPÍTULO V           LEIS DE DESACATO E DIFAMAÇAO

 

A.   Introdução

 

B.   As Leis de Desacato são incompatíveis com o Artigo 13 da Convenção

 

C.   Os delitos de difamação (calúnia, injúria, etc)

 

D.   Observações finais: parcos avanços no processo de derrogação das leis de   
      desacato nos projetos de reforma legislativa com relação aos delitos de
      calúnia e injúria

 

 

CAPÍTULO VI          CONSIDERAÇÔES FINAIS E RECOMENDAÇÔES

 

 

ANEXOS

 

§        Texto completo do artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos

 

§        Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão

 

§        Declaração de Chapultepec

 

§        Mecanismos Internacionais para a Promoção da

          liberdade de expressão

 

§        Apresentação da Relatoria perante a Comissão de Assuntos

          Jurídicos e Políticos do Conselho Permanente da OEA

 

§        Comunicados de imprensa

 


 

INTRODUÇÃO

 

 

          1.       A Relatoria para a Liberdade de Expressão é um escritório criado no seio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 1997, mas o primeiro Relator Especial, Santiago Cantón, foi designado no ano seguinte. Durante 2002, o escritório realizou a primeira mudança de Relator, que iniciou suas funções em maio. A Relatoria destaca estas datas toda vez que é importante remarcar que se trata de um escritório relativamente novo, mas que sob a liderança do primeiro Relator conseguiu estabelecer-se como uma referência para a proteção da liberdade de expressão no hemisfério.

 

          2.       Os quatro relatórios realizados pela Relatoria desde sua criação, a organização de um bom grupo humano de colaboradores, a cooperação das atividades da CIDH em matéria de liberdade de expressão, as constantes consultas e comunicações que a Relatoria recebe de amplos setores da sociedade e de alguns Governos, a insistência da instalação na agenda de discussões de variados assuntos para fortificar este direito, são apenas alguns exemplos visíveis do esforçado trabalho levado a cabo até o momento em que começou seu trabalho o novo Relator.

 

          3.       A história institucional que a Relatoria soube construir, em algum aspecto facilita a continuidade do trabalho, em comparação com as atividades que puderam dar-se no início da gestão em 1998. São incontáveis os lugares no hemisfério onde se conhece a existência deste escritório como entidade da Organização dos Estados Americanos encarregada da promoção e monitoramento do respeito da liberdade de expressão. Por esta razão, as expectativas sobre a Relatoria têm aumentado consideravelmente.

 

          4.       Esse aumento de expectativas gera um novo desafio: fortalecer o escritório de forma a cumprir com grande parte delas. A Relatoria foi criada com autonomia financeira, a maioria de suas atividades estão financiadas com contribuições voluntárias ou doações. Desde o começo de sua gestão, a Relatoria insistiu, frente a diferentes Governos, na necessidade de que o apoio político institucional dado à Relatoria a partir de sua criação, fosse somado ao apoio financeiro, imprescindível para o funcionamento da Relatoria e para cumprir com as atividades que demanda seu mandato.

 

          5.       A Relatoria, agradece aos Governos que dão contribuições voluntárias. Entre os que pela primeira vez o fizeram este ano estão Brasil, México e Peru. A eles se soma os que o fizeram em anos anteriores, os Estados Unidos da América e a Argentina. Também a Relatoria agradece o apoio da Swedish International Development Cooperation Agency (SIDA) por ter mantido tanto a confiança pelo trabalho desenvolvido como o interesse nas atividades da Relatoria ao subscrever este ano um novo convênio de cooperação financeira.

 

6.       Sem prejudicar outras iniciativas que estão em andamento e  que permitirão que a Relatoria aumente seu potencial de atividades, solicita-se que mais países da região imitem o caminho iniciado pelos antes mencionados, em cumprimento dos compromissos assumidos durante as diferentes cúpulas do hemisfério: vale destacar que no plano de ação aprovado pelos Chefes de Estado e de Governo durante a Terceira Cúpula celebrada em Québec, em abril de 2001, estabeleceram que para fortalecer a democracia, criar prosperidade e desenvolver o potencial humano, os Governos “Apoiarão o trabalho do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em matéria de liberdade de expressão através do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da CIDH.

 

          7.       A liberdade de expressão é um dos direitos mais valiosos numa democracia. É verdade que sua definição e conteúdo são discutidos, mas a necessidade de sua vigência é reconhecida amplamente. Alguns entendem que a liberdade de expressão e a democracia não estão conectadas instrumentalmente, ou seja, que a primeira não é um instrumento da segunda, se não que, a dignidade humana que protege a liberdade de expressão é um componente essencial da democracia concebida corretamente.

 

          8.       Muitos dos desacordos sobre o conteúdo da liberdade de expressão, tem que ver, na realidade, com os desacordos sobre o conteúdo da democracia. Em geral, a democracia é entendida como o governo do povo ao invés do governo de algumas famílias, classes, castas ou tiranos em geral. Porém, o conceito de “governo do povo” pode ser entendido ao menos em dois pontos de vista bem diferentes. 

 

          9.       O primeiro ponto de vista pode ser o que o “governo do povo” significa o governo da maior quantidade de gente. Isto é o que se conhece como a concepção “majoritária” da democracia. Também, esta concepção majoritária pode ter diferentes versões: a versão populista, onde o governo formula políticas que são aceitas por grande quantidade de indivíduos num momento dado; mas uma versão mais sofisticada da concepção majoritária indica que a aceitação de grandes quantidades de indivíduos não importa a não ser que exista uma adequada informação dos assuntos públicos e uma adequada deliberação sobre eles.

 

          10.     Pelo conceito de democracia pode ser entendido desde outro ponto de vista: um conceito “Associativo” (partnership) de acordo com o qual, o “governo do povo” significa o governo de todo o povo, atuando em conjunto como sócios de uma empresa coletiva de auto-governo. Esta é uma concepção mais abstrata que a “majoritária”, mas sua vantagem é que permite fundar por que todos os indivíduos devem ter um papel como iguais na construção da empresa coletiva. Nesta versão, a igualdade citada requer que não existam grupos que tenham desvantagens em seus esforços para ganhar a atenção e expressar seus pontos de vista.

 

          11.     Lamentavelmente no hemisfério nem todos os indivíduos tem a oportunidade de participar desta empresa coletiva. Os altos índices de pobreza em grande parte da região geram uma impossibilidade para que os que tem suas necessidades básicas insatisfeitas participem nessa empresa comum. “Se diz muito plausivelmente que se um homem é tão pobre que não pode se permitir algo, a respeito do qual não há nenhum impedimento legal –um pão, uma viagem ao redor do mundo ou o recurso dos tribunais- ele tem muita pouca liberdade para obtê-lo, como se a lei o impedisse.”[1].

 

          12.     Porém, equivocadamente poderia se entender que as imperiosas necessidades econômicas geradoras de pobreza pelas que atravessam muitas regiões do hemisfério merecem ser atendidas em primeiro lugar, postergando a urgência de trabalhar pela expansão de liberdades políticas, no nosso caso, para fortalecer e consolidar a liberdade de expressão. Amartya Zen dá pelo menos três razões que explicam como esta análise[2] está equivocada.  O Premio Nobel de economia explica que a preeminência das liberdades básicas está relacionada com: a) sua direta importância para a vida humana associada com as capacidades básicas, incluindo a participação social e política; b) ser papel instrumental para permitir que os indivíduos possam expressar suas demandas e colocá-las na pauta política, incluindo suas reclamações referentes a necessidades econômicas; e c) seu papel construtivo na conceituação do que são as “necessidades”, incluindo-se o que se deve entender por necessidades econômicas em um determinado contexto social.

 

          13.     Por esta razão, este Relatório desenvolve o tema da "Liberdade de Expressão e Pobreza". A investigação deste relatório teve início em 2001, dada a importância que a Relatoria  outorga à participação de todos os setores da sociedade sem discriminação para o melhor funcionamento da democracia.  Esta é uma primeira aproximação na análise do direito à liberdade de expressão dos setores da população da América Latina que não tem suas necessidades básicas satisfeitas. É também uma exortação para sejam concedidos os mecanismos para reforçar e permitir os canais de expressão dos setores oprimidos como um instrumento para o desenvolvimento. A liberdade de expressão pode também ser um instrumento para isto. No relatório “Construindo Instituições para os Mercados” publicado, em 2002, pelo Banco Mundial, explica-se que os meios de comunicação –como canais perfeitos para o exercício deste direito- pode ter um papel importante no desenvolvimento econômico influindo tanto nos incentivos dos participantes do mercado, como na demanda de mudanças[3].

 

          14.     Neste Capítulo do presente Relatório, expõem-se aspectos relacionados com a necessidade de garantir o exercício deste direito sem nenhum tipo de discriminação; também se aborda o tema relacionado com a importância de estabelecer mecanismos para que os pobres tenham acesso à informação pública como parte de sua liberdade de expressão. Este ultimo tema, o acesso à informação pública, é um assunto que tem tido uma atenção especial por parte da Relatoria, e continuará tendo.

 

          15.     É importante insistir que quando a informação pública  transforma-se em secreta como regra, seja porque a legislação o dispõe, ou porque as práticas instaladas na sociedade assim o fazem, os efeitos, como diz Joseph Stiglitz, não são somente politicamente adversos, mas também produzem efeitos econômicos adversos.[4] A razão é que muitas das decisões tomadas no âmbito da política têm consequências econômicas, especialmente as políticas de distribuição. Em consequência, a informação é benéfica para uma melhor alocação dos recursos existentes numa sociedade. Por outro lado, a sociedade toda paga pelos dados que formam a informação pública: a apropriação, por parte dos funcionários, desta informação é, de acordo com Stiglitz, um roubo do mesmo calibre ao de qualquer outro bem público.

 

          16.     Por último, o Capítulo sobre “Liberdade de Expressão e Pobreza” traça algumas linhas gerais sobre o exercício da liberdade de expressão, o direito de reunião em espaços públicos e a utilização de meios de comunicação comunitários como canais para fazer efetivos estes direitos.

 

          17.     Infelizmente nas Américas continua existindo outras práticas que tentam restringir a livre expressão. Jornalistas, defensores de direitos humanos e pessoas em geral que fazem uso deste direito são acusadas em tribunais penais pela comissão de delitos de desacato, ou de difamação quando se manifestam criticamente sobre assuntos de interesse público. Isto não contribui para gerar um ambiente onde a liberdade de expressão possa se desenvolver plenamente. O temor pelas sanções penais gera um temor em expressar-se livremente. A Relatoria e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, repetidas vezes, tem argumentado sobre o nocivo “efeito amedrontador” que produzem estas leis. É importante destacar que há algumas investigações empíricas que sustentam tal argumentação. Num trabalho publicado há alguns anos, concluiu-se que o impacto das leis de difamação demonstra claramente que este temor existe e que gera  significantes restrições no que o público poderia ler ou escutar.[5]

 

          18.     Por esta razão, no Capítulo V, o tema desenvolvido é "Leis de Desacato e Difamação Criminal". Este capítulo explicita o desejo da Relatoria em renovar a argumentação e fazer uma avaliação dos avanços no hemisfério sobre este tema a cada dois anos. Em 1998 e em 2000, os relatórios da Relatoria se referiram ao delito de desacato, mas se avançou sobre o tema da problemática dos delitos de calúnia e injúria quando são utilizados de igual maneira que o desacato. Neste relatório, faz-se referência novamente à necessidade da derrogação do delito de desacato com novas apreciações da comunidade internacional, e inclui-se uma seção sobre a possibilidade de descriminalizar parcialmente os delitos contra a honra quando se faz menção a questões de interesse público. Finalmente, expõe-se os poucos avanços que ocorreram na região desde a publicação do relatório de 2000 a este respeito.

 

          19.     Durante a Terceira Cúpula das Américas celebrada em Quebec, Canadá, em abril de 2001, os Chefes de Estado e de Governo ratificaram o mandato da Relatoria adicionando que os Estados “Apoiarão o trabalho do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em matéria de liberdade de expressão através do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da CIDH, e procederão à divulgação dos trabalhos de jurisprudência comparada, e buscarão, também, garantir que sua legislação nacional sobre liberdade de expressão esteja de acordo com as obrigações jurídicas internacionais.” A fim de cumprir este mandato, a Relatoria tem contribuído para a promoção da jurisprudência comparada desde que iniciou suas funções. 

 

          20.     Seguindo essas iniciativas, o Capítulo III deste Relatório Anual é inovador e estará presente nos futuros relatórios como um capitulo fixo. O capítulo tem duas partes: a primeira, a jurisprudência do sistema. O presente Relatório engloba temas de toda a jurisprudência do sistema Interamericano em matéria de liberdade de expressão. A segunda seção deste Capítulo refere-se à jurisprudência doméstica dos Estados. Ali aparecem decisões de Tribunais locais que respeitam os padrões da liberdade de expressão. Como mencionado na introdução desse Capítulo, este pode ser uma ferramenta útil no trabalho de outros juizes para decidir da mesma maneira e sustentar suas decisões em jurisprudência comparada, latino-americana, que nem sempre é de fácil acesso.

 

          21.     O resto dos Capítulos deste Relatório tem o formato dos anteriores; vale destacar que o Capítulo II, "Avaliação do Estado da Liberdade de Expressão no Hemisfério", descreve a opinião da Relatoria em relação à informação que foi recebida, de diferentes fontes, durante todo o ano.

 

22.             Finalmente: como fica demonstrado neste relatório, a expressão livre segue resultando perigosa em muitas partes do hemisfério. O assassinato de jornalistas continua representando um problema grave em matéria de liberdade de expressão e informação nas Américas. O assassinato de jornalistas reflete não somente a violação do direito fundamental à vida, mas também expõe ao resto dos comunicadores sociais a uma situação de extrema vulnerabilidade e risco. Infelizmente, em muitos casos estes crimes continuam impunes.

 

          23.     Ao grupo tradicionalmente mais atacado, ou seja, os jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação, somam-se os defensores de direitos humanos. Estes últimos, são objeto também de agressões tanto por denunciar violações fundamentais como por identificar os responsáveis por elas.

 

          24.     A Relatoria condena energicamente todos estes atos intimidatórios que tem por finalidade provocar um temor generalizado que suprima ou restrinja a livre expressão. Mas ao mesmo tempo, parabeniza a todos aqueles, jornalistas, comunicadores sociais, defensores de direitos humanos, entre outros, que demonstrando sua coragem e seu desejo de não se deixar atropelar por aqueles que querem calá-los, seguem exercendo este direito fundamental, indispensável para uma vida digna e democratica.


 

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[1] Isaiah Berlin, “Quatro Ensaios sobre a Liberdade”, Alianza Editorial, Madri, 1998, pág. 221.

[2] Ver, “Development as Freedom”, Ed. Anchor Books, Nova Iorque, 1999, pág. 148.

[3] Além disso, o papel que o Banco Mundial dá aos meios em relação dos setores pobres da sociedade é fundamental: por exemplo, cita o relatório que dado o alcance dos meios de comunicação, na América Latina seu papel foi importante como complemento da educação pública ou como mecanismo para baixar os preços dos produtos. O relatório cita exemplos de programas originais de radio no Brasil e na Nicarágua.

[4] Ver, “The Right to Tell: the Role of the Mass Media in Economic Development”, World Bank Institute Development Studies, Washington DC, 2002, pág. 35.

[5] O estudo de referência explorou o impacto das leis de difamação nos meios. Foi realizado baseado em entrevistas com advogados de meios, jornalistas, editores, etc. Os autores analisaram o estado das leis de difamação dando também dados estatísticos sobre a situação na Inglaterra e Escócia. Ver, “Libel and The Media: The Chilling Effect”, Oxford University Press, 1997.