RELATÓRIO ANUAL 1996

RELATÓRIO Nº 13/97
CASO 11.515
Sobre Admissibilidade
EQUADOR
12 de março de 1997
 

I. RESUMO

 

1. Em 8 de novembro de 1994, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante chamada "Comissão"), recebeu uma petição na qual se denunciava que o Senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda foi detido em 7 de outubro de 1989 e, depois de transcorridos cinco anos, não havia sido decidida sua situação processual. Após cinco anos e três meses, proferiu-se sentença absolutória a seu favor. O Senhor Camacho Arboleda foi posto em liberdade no mês de fevereiro de 1995 e reclama que se repare o dano causado por haver sido arbitrariamente privado de sua liberdade durante 63 meses. Os peticionários afirmam que não há no Equador lei alguma ou procedimento que permita seja efetuada, em caso como esse, reclamação de indenização.

 

II. FATOS

 

2. O Senhor Camacho Arboleda, de 25 anos de idade e de nacionalidade equatoriana, foi detido em 7 de outubro de 1989, aproximadamente às 16h00, por agentes da Interpol de Santo Domingo de los Colorados. O Senhor Camacho Arboleda foi acusado de posse ilícita de cocaína (um total de seis gramas) e foi posto à disposição do Sexto Juizado Criminal de Pichincha, situado em Santo Domingo de los Corolados.

 

3. O Sexto Juizado instou o Segundo Juizado Criminal de Quito a que destruísse a droga apreendida e submetesse o detento a interrogatório, solicitação que não fora atendida.11/

 

4. Transcorridos quase cinco anos, o juiz expediu uma ordem de suspensão do processo e, mediante a consulta obrigatória, o caso é encaminhado à segunda instância da Corte Superior de Quito, onde ficou por 180 dias sem que se tomasse decisão alguma.

 

5. Os peticionários assinalam que, apesar de haverem solicitado às autoridades competentes que os informassem sobre a situação processual do Senhor Camacho Arboleda, estas não deram resposta nem se agilizou o processo.

 

6. Em 24 de janeiro de 1995, a Corte Superior de Quito proferiu sentença absolutória a favor do Senhor Camacho Arboleda, que foi posto em liberdade em fevereiro de 1995.

 

7. O Senhor Camacho Arboleda reclama indenização pelo dano causado por haver ele sido arbitrariamente privado de sua liberdade durante mais de cinco anos (63 meses). Ao mesmo tempo, afirma que não há no país lei alguma que lhe permita reclamar indenização.

 

Documentos probatórios

 

8. Constam do expediente perante a Comissão cópia dos seguintes documentos probatórios: auto de investigação, ordem de suspensão provisória, pedido de revogação da ordem de suspensão provisória e confirmação da sentença absolutória. Salientam-se a seguir as partes pertinentes dos referidos documentos.

 

A. Relatório de investigação 12/

 

9. Em 11 de outubro de 1989, o Subchefe de Entorpecentes e a Interpol da cidade de Pichincha, de Santo Domingo de los Colorados, apresentaram ao Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal da mesma cidade, o relatório de investigação Nº 012-SJI-SDC-89, no qual se relatam os seguintes fatos:

 

Mediante informação reservada de que na Cooperativa de Vivienda Modelo Santo Domingo havia pessoas dedicadas ao negócio ilícito de base de cocaína, agentes da Interpol dessa cidade se dirigiram ao lugar indicado onde perceberam a presença de um indivíduo que deambulava de maneira suspeita, motivo por que o seguiram e chamaram sua atenção, fizeram o respectivo registro e encontraram em seu poder uma porção de base de cocaína numa pequena bolsa de plástico. Ao ser interrogado, esse indivíduo declarou chamar-se Bolívar Franco Camacho Arboleda e que a droga se destinava a um indivíduo que se encontrava no lugar mas que ao perceber a presença dos agentes havia fugido.

Segundo o relatório de investigação, ao apresentar sua declaração na sede da Interpol, Bolívar Camacho declarara que, em ocasião anterior, comprara dois envelopes de base de cocaína de um cidadão chamado José Sarmiento Jaramillo e, posteriormente, em duas outras ocasiões, comprara a droga de Héctor N., vulgo El Tito; a segunda dessas ocasiões um era um sábado, dia 7 de outubro de 1989, aproximadamente às 15h00, data em que, às 16h00, fora detido pelos agentes da Interpol no momento em que ia entregar a droga a um cidadão desconhecido que havia fugido.

B. Auto de investigação

 

10. Em 13 de outubro de 1989, considerando que os fatos relatados no relatório de investigação nº 012-SJI-SDC-89 constituem delito punível e passível de investigação oficial, o Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal de Pichincha expede o auto de investigação e ordena a instrução criminal a fim de estabelecer as respectivas responsabilidades legais, mediante citação do advogado Germán Moya Mondrafón, Décimo Primeiro Fiscal da Vara Criminal de Pichincha, e do Senhor Gregorio López Granizo, que foi designado defensor ex officio do autor ou autores, cúmplices ou encobridores do fato que se investiga e de Camacho Arboleda, José Sarmiento Jaramillo e Héctor N., vulgo El Tito, acusados nesta causa, ordenando a prisão preventiva dos mesmos.

 

11. Expediu-se uma ordem constitucional de prisão para Camacho Arboleda, que já se achava detido, enviando-se o respectivo ofício à autoridade competente para que fosse transferido à Prisão Estadual de Homens da cidade de Quito. Também se estabeleceu no auto de investigação a necessidade de tomar as seguintes providências preparatórias:

 

i. Recebimento dos testemunhos do interrogatório dos detentos e de todas as pessoas que tomaram conhecimento do fato.

ii. Citar os acusados com o auto de investigação e todas as peças autuadas.

iii. Proceder ao exame psicossomático da pessoa do detento Bolívar Franco Camacho Arboleda mediante a intervenção de peritos médicos da Procuradoria Geral do Estado e da Função Jurisdicional. Também se ordenou que se fizesse o reconhecimento e análise química do que se disse era base de cocaína o que fora confiscado do detento e enviado à Chefatura de Saúde de Pichincha mediante o ofício nº 126-SJI-SDC-89. Para a essas diligências, deprecou-se 13/ ao Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha, a quem se encaminhou o respectivo despacho, concedendo-lhe o prazo de 10 dias em virtude da distância.

iv. Encarregar o Chefe do SIC de proceder à captura dos acusados José Sarmiento Jaramillo e Héctor N. vulgo El Tito, para que fossem postos à disposição da autoridade.

v. Fazer o reconhecimento do lugar dos fatos, na quinta-feira 19 de outubro de 1989 às 11h00, com a intervenção de peritos a serem nomeados e que tomem posse momentos antes da diligência.

vi. Efetuar, enfim, todas as diligências necessárias para o pleno esclarecimento do fato e a total organização da instrução de culpa.

C. Auto de suspensão provisória

 

12. Em 28 de junho de 1994, o Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal de Pichincha expediu auto de suspensão provisória e observou que, na etapa preparatória e mediante carta precatória enviada ao Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha, recebeu-se o testemunho do interrogatório de Camacho Arboleda, em que ele declara o seguinte: "Devo aclarar que a pessoa que diz que fugiu, não foi assim e se chama José Sarmiento, que é o que trafica com drogas em Santo Domingo e dá dinheiro à Interpol; o que diz com relação ao lugar de detenção é falso, pois me detiveram na rua Santa Martha, esperando o ônibus, nunca encontraram droga alguma em meu poder, mas em poder de José Sarmiento; me pegaram com uma moça da qual nunca registraram o nome. "Quando fizeram o meu registro, não se achava presente o Agente Fiscal. Eu sim consumo drogas, mas nunca encontraram uma só grama em meu poder ...".

 

13. Procedeu-se ao exame psicossomático de Camacho Arboleda, quando se comprovou que quando o detiveram não tinha nenhuma droga em seu poder, uma vez que, assegura ele, estava fazendo um esforço para afastar-se do vício, pois já o havia tentado algumas vezes mas, infelizmente, recaía. Também declara que a droga que consta do relatório era de José Sarmiento, mas, ao que parece, este solucionou o problema com a polícia e esta, para justificar seu trabalho, o culparam.

 

14. O relatório acrescenta que o examinado havia sido um consumidor moderado e pouco freqüente de cocaína, mas que atualmente parecia desabituado e, não obstante insistir ele em que a droga não lhe pertencia, o peso bruto da pasta de cocaína era de seis gramas, que pode ser considerado como não excessivo para uso dessa pessoa, uma vez que era consumidor da droga.

 

15. Procedeu-se ao reconhecimento e análise química da droga apreendida, com a intervenção de peritos, cuja ata e relatório policial constam do expediente judicial, dando como resultado do exame pasta de cocaína. Em seguida, procedeu-se à destruição da droga.

 

16. Encerrada a instrução de culpa, o Décimo Primeiro Agente Fiscal da Vara Criminal de Pichincha emitiu parecer em que se absteve de acusar os três suspeitos. Levando em conta tais aspectos e a situação do processo, o Juiz expediu auto de suspensão provisória, considerando:

 

PRIMEIRO: que não se omitiu solenidade substancial alguma que vicie o processo, razão por que se declara sua validade;

SEGUNDO: que a existência material da infração é justificada com o relatório policial, apresentado pela Subchefatura da Interpol; com o reconhecimento e análise química da substância apreendida; com a ata de destruição de entorpecentes; e com o exame psicossomático da pessoa de Bolívar Franco Arboleda;

TERCEIRO: que, quanto à responsabilidade dos acusados José Sarmiento Jaramillo e Héctor N., vulgo El Tito, que a polícia não pôde deter, não obstante o disposto pelo Juizado, não se havia podido determinar responsabilidade alguma sua, pois a referência de outro acusado não constitui prova suficiente. Quanto ao acusado Bolívar Franco Camacho Arboleda, embora seja certo que, por um lado, segundo anota o Senhor Fiscal em seu parecer, a lei anterior sobre controle e fiscalização do tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas não pune o consumo de drogas, por outro lado, há dúvida quanto a que tenha sido efetivamente apreendida a droga em seu poder ou em poder de José Sarmiento Jaramillo, que segundo se indica trabalha com o assentimento da polícia.

17. Ante o exposto, com base no artigo 242 do Código de Processo Penal, expediu-se auto de suspensão provisória do processo de acusação de Camacho Arboleda, José Sarmiento Jaramillo e Héctor N., vulgo El Tito. O Juiz dispôs que se submetesse a consulta essa decisão e salientou que, em virtude de que se achava preso unicamente Camacho Arboleda, seria ele posto em liberdade uma vez que com a consulta se declarasse improcedente a acusação.

 

D. Solicitação de revogação do auto de suspensão

 

18. Em 15 de julho de 1994, o Ministro Fiscal de Pichincha, Doutor José García Falconi solicitou à Segunda Câmara da Corte Superior de Justiça de Quito a revogação da suspensão ordenada pelo Juiz e, em seu lugar, se expedisse um auto de abertura do plenário pelo delito de que se trata. Em suas conclusões, o Fiscal afirma que se encontra devida e legalmente justificada a infração que se investiga com as seguintes diligências:

 

i. Com o capítulo referente a provas físicas do relatório da polícia, em que se consigna que nos depósitos da referida instituição encontram-se seis gramas de cocaína;

ii. Com a análise química da droga apreendida, que se comprova ser positivamente cocaína; e

iii. Com a ata de destruição da mencionada droga.

19. O Fiscal também assinalou que constam dos autos somente as conclusões a que chega o relatório da polícia e a declaração prestada pelo acusado no interrogatório preliminar, na qual aceita a circunstância de que adquiriu seis gramas de cocaína para seu consumo pessoal, droga que lhe foi vendida numa ocasião por José Sarmiento e em outra por Héctor N., vulgo El Tito. No testemunho de indagação apresentado por Camacho Arboleda declara ele que é consumidor de cocaína e que quem fornece a droga em Santo Domingo de los Colorados é José Sarmiento.

 

20. Posteriormente, o Fiscal fez as seguintes observações de natureza jurídica:

 

i. O artigo 16 da Codificação da Lei de Controle e Fiscalização do Tráfico de Entorpecentes assinala que pessoa alguma poderá manter em seu poder, seja em suas roupas ou valises, seja em seu domicílio, escritório ou outro lugar, sob sua ordem ou responsabilidade, sem autorização judicial ou aviamento prévio de receita médica, quantidade alguma dos entorpecentes ou substâncias psicotrópicas mencionados na Lista I, parte II, do anexo à referida Lei. Entre as drogas mencionadas na referida Codificação, vigente no momento em que foi cometido o delito de que se trata, encontrava-se a maconha e a cocaína.

ii. O artigo 27 da aludida Codificação dispõe o seguinte: "Entende-se por uso indevido de entorpecentes ou de substâncias psicotrópicas aquele que não seja o terapêutico". O artigo 22, alínea c, estabelece o seguinte: "Entender-se-á por tráfico ilícito qualquer transação comercial, posse ou entrega a qualquer título de medicamentos, entorpecentes e drogas em contravenção dos preceitos constantes desta Lei".

iii. Do acima exposto se depreende que a lei considera legal a posse de dose pessoal, mas unicamente com respeito às pessoas que se encontram em tratamento com drogas, desde que a quantidade encontrada corresponda à sua dose terapêutica registrada na respectiva receita médica, assinada por um médico para isso legalmente autorizado.

21. O Fiscal afirmou que, por ter sido provada a infração investigada e por haver grave presunção de responsabilidade contra os acusados Camacho Arboleda, José Sarmiento Jaramillo e Héctor N., vulgo El Tito, de que sejam autores do delito tipificado e previsto no artigo 33, alínea c, da Codificação da Lei de Controle e Fiscalização do Tráfico de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, decidiu acusá-los do referido delito e solicitou que se revogasse a suspensão ordenada pelo Juiz e, em vez disso, se expedisse auto de abertura do plenário pelo aludido delito.

 

E. Revogação do auto de suspensão

 

22. A suspensão provisória ordenada pelo Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal de Pichincha foi revogada pela Câmara da Corte Superior, que declarou aberta a etapa do plenário contra os acusados, motivo por que se prosseguiu a tramitação até a sentença, no que dizia respeito a Camacho Arboleda, uma vez que, por se acharem os outros foragidos, se suspendera o julgamento.

 

F. Sentença absolutória

 

23. A Quinta Vara Criminal de Pichincha proferiu posteriormente sentença absolutória a favor de Camacho Arboleda, dispondo a respectiva consulta, motivo por que a causa chegou à Segunda Câmara da Corte Superior de Quito, que por sua vez resolveu confirmar, em consulta de 24 de janeiro de 1995, a sentença proferida. A Segunda Câmara assinalou que, no que se refere à responsabilidade de Camacho Arboleda, consignava não haver prova plena de posse de droga, uma vez que no testemunho do interrogatório ele nega que tenha sido encontrada em seu poder essa substância e o relatório de investigação policial unicamente constitui uma presunção, o que não é suficiente para o proferimento de sentença condenatória, tanto mais pelo fato de que a declaração preliminar não foi prestada perante representante do Ministério Público e não é corroborada com outras diligências na etapa plenária.

 

III. VIOLAÇÕES ALEGADAS

 

24. De acordo com os fatos constantes da denúncia, alega-se que foram violados os direitos à liberdade pessoal (artigo 7), às garantias judiciais (artigo 8) e à proteção judicial (artigo 25) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

IV. TRAMITAÇÃO PERANTE A COMISSÃO

 

25. A denúncia foi apresentada em 8 de novembro de 1994 e nela se expunha o fato de que o Senhor Camacho Arboleda foi detido em outubro de 1989, acusado de posse ilícita de cocaína e que o processo durara mais de cinco anos, sem que o Poder Judiciário resolvesse sua situação jurídica.

 

26. Em 19 de julho de 1995, a Comissão enviou as partes pertinentes da denúncia ao Estado da República do Equador, concedendo-lhe o prazo de 90 dias para que apresentasse sua resposta, em virtude do artigo 34 do Regulamento do Comissão. Na mesma comunicação, a Comissão solicitou ao Estado equatoriano que, juntamente com a informação sobre os fatos, apresentasse também qualquer elemento de juízo que lhe permitisse apreciar se, no caso de que se trata, se haviam esgotado ou não os recursos da jurisdição interna.

 

27. Em 10 de outubro de 1995, o Estado equatoriano enviou sua resposta afirmando que a Segunda Câmara da Corte Superior de Quito havia aprovado em 24 de janeiro de 1995 resolução adotando a sentença absolutória a favor de Camacho Arboleda e que, "... segundo o artigo 401 do Código de Processo Penal, a sentença está executada; e unicamente o sentenciado ou o próprio Tribunal poderá interpor ou ordenar de ofício o recurso de revisão, de conformidade com o artigo 385 e seguintes do citado órgão jurídico".

 

28. O Estado anexa à sua comunicação cópias de decisões judiciais que demonstram as seguintes etapas processuais:

 

i. A suspensão provisória ordenada pelo Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal de Pichincha foi revogada pela Câmara da Corte Superior, declarando aberta a etapa do plenário.

ii. A Quinta Vara Criminal de Pichincha proferiu posteriormente sentença absolutória a favor de Bolívar Franco Camacho Arboleda, dispondo a respectiva consulta, razão por que a causa chegou à Segunda Câmara da Corte Superior de Quito, que por sua vez resolveu confirmar em 24 de janeiro de 1995 a sentença objeto da consulta.

iii. A Câmara confirmou a sentença e decidiu que, uma vez que o motivo da demora em despachar se deveu a descuido do Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha, que não procedeu às diligências insistentemente ordenadas pelo Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal, aplicando-se a ele multa de 30% de seu salário básico.

iv. Em 26 de janeiro de 1995, o Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha solicitou que se reformasse e se revogasse a penalidade imposta, alegando que a demora do processo não era responsabilidade sua. Essa petição foi denegada pela Segunda Câmara da Corte Superior de Quito em 15 de fevereiro de 1995. Por sua vez, em 23 de fevereiro de 1995, o Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha apela perante a Corte Superior essa resolução, por motivo de que a mesma não era legítima nem justa. Nesse mesmo dia, a Segunda Câmara da Corte Superior denega o recurso de apelação interposto pelo Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha, por improcedente.

29. Em 26 de outubro de 1995, acusa-se o recebimento da resposta do Estado e enviam-se as partes pertinentes da resposta aos peticionários, concedendo-lhes prazo de 45 dias para que apresentassem suas observações a respeito do assunto.

 

30. Em 23 de novembro de 1995, os peticionários apresentaram sua réplica à resposta do Estado, argumentando o seguinte:

 

i. A documentação anexada pelo Estado é correta, uma vez que demonstra que o Senhor Bolívar Camacho se beneficiou de uma sentença absolutória. O que é incorreto é que o Estado indique que o Senhor Camacho podia interpor recursos de revisão, argumento que não tem sentido, posto que de acordo com o artigo 385 do Código de Processo Penal, só se pode intepor recurso de revisão das sentenças condenatórias, não sendo evidentemente este o caso.

ii. O que sucede é que no Equador só as pessoas que recebem sentença condenatória e posteriormente são beneficiadas pelo recursos de revisão podem ser objeto de indenização. O artigo 21 da Constituição do Equador estabelece que "Quando uma sentença condenatória for modificada ou revogada por força do recurso de revisão, a pessoa que houver sofrido pena em decorrência de tal sentença será reabilitada e indenizada pelo Estado de acordo com a Lei V4.31

iii. Por sua vez, o artigo 392 do Código de Processo Penal dispõe que: "Quando a Corte Suprema de Justiça, aceitando o recursos de revisão, revogue ou modifique a sentença recorrida, a pessoa injustamente condenada terá direito a indenização ...". O mesmo Código assinala nos artigos seguintes o procedimento para tornar efetiva essa indenização.

iv. Por outro lado, o artigo 20 da Constituição do Equador estabelece que "O Estado e demais entidades do setor público estarão obrigados a indenizar particulares pelos prejuízos que lhes forem impostos em conseqüência de serviços públicos ou de atos de seus funcionários e empregados no desempenho de suas funções". Entretanto, os peticionários assinalam que não há no Equador lei alguma ou regulamento algum que viabilize esse mandato constitucional, ou seja, que não existe o procedimento para reclamação de indenização.

v. No caso de que se trata, o Senhor Camacho Arboleda foi prejudicado pela lentidão judicial e pelas disposições discriminatórias da Lei de Entorpecentes, uma vez que permaneceu detido por 63 meses, ou seja, cinco anos e três meses, recebendo posteriormente sentença absolutória.

vi. Por último, assinalam os peticionários que o Estado não empreendeu ação alguma tendente a compensar os 63 meses que o Senhor Camacho esteve detido injustamente. Por sua vez, o Senhor Camacho não pôde fazer reclamação administrativa alguma, nem reclamação judicial, porquanto não há no país essa possibilidade, ou seja, é impossível realizar qualquer reclamação nesse sentido, o que torna também impossível esgotar os recursos internos, posto que, para o caso, estes não existem.

31. Em 28 de fevereiro de 1996, a Comissão transmitiu ao Estado as partes pertinentes das observações dos peticionários, concedendo-lhe prazo de 30 dias para apresentar sua resposta.

 

32. Em 29 de abril de 1996, o Estado equatoriano enviou sua resposta, na qual declarou o seguinte:

 

i. Da documentação que lhe envio, pode-se depreender que Bolívar Franco Camacho Arboleda foi acusado do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, havendo o caso sido suspenso pelo Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal de Pichincha, com sede em Santo Domingo de los Colorados; entretanto, mediante consulta e sorteio prévio, coube à Segunda Câmara da Corte Superior deste Distrito revogar essa suspensão e declarar aberta a etapa do plenário e ao Quinto Tribunal Penal proferir sentença absolutória, correspondendo à mesma Câmara a que a causa foi confiada confirmar la sentença absolutória, segundo sentença proferida em 24 de janeiro de 1995.

ii. Do conteúdo da referida sentença, pode-se estabelecer que o Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha, incumbido das diligências de análise química e de destruição das substâncias entorpecentes, demorou em cumpri-las, motivo por que lhe foi imposta uma multa de 30% de seu salário básico.

iii. O processo foi devolvido ao Quinto Tribunal Penal de Pichincha em 27 de fevereiro de 1995. Ante o exposto, o Estado considera que a reclamação de Bolívar Franco Camacho Arboleda é improcedente, pois na data em que recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o caso já havia sido solucionado.

33. Em 12 de julho de 1996, a Comissão transmitiu aos peticionários as partes pertinentes da resposta do Estado e concedeu-lhes prazo de 45 dias para sua resposta.

 

34. Em 6 de agosto de 1996, os peticionários enviaram suas observações, mediante as quais manifestam seu desacordo com a resposta do Estado com respeito ao fato de se haver proferido sentença absolutória e de se haver estabelecido a penalidade de 30% do salário básico do Segundo Juiz da Vara Criminal pela demora na tramitação da causa, tornando a reclamação de Camacho Arboleta improcedente, uma vez que na data em que este recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos o caso já havia sido solucionado.

 

35. Os peticionários alegam a seguir que "Em primeiro lugar, a denúncia do caso do Senhor Camacho Arboleta perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi feita em novembro de 1994 e o prejudicado foi posto em liberdade em fevereiro de 1995. Em outras palavras, quando se apresentou a denúncia, o Senhor Camacho Arboleda ainda estava detido. Em segundo lugar, é insólito pensar que se queira dar por solucionado o caso com a penalidade imposta ao Juiz, dinheiro que nem sequer chega às mãos do prejudicado. Que autoridade compensará o dano causado a Bolívar Camacho por haver ele sido privado arbitrariamente de sua liberdade durante 63 meses? Ou o Estado equatoriano considera que por haver recuperado ele a liberdade o exime de qualquer tipo de obrigação pela irregularidade cometida?".

 

V. CONSIDERAÇÕES SOBRE ADMISSIBILIDADE

 

36. Em seu 95º Período Ordinário de Sessões, realizado de 24 de fevereiro a 14 de março de 1997, a Comissão se pronunciou sobre a admissibilidade do caso 11.515.

 

V.1 Competência da Comissão

 

37. Vistos os antecedentes e os trâmites da denúncia acima assinalados, a Comissão considerou as condições de admissibilidade do caso nos seguintes termos:

 

38. A Comissão poderá conhecer de um caso submetido à sua consideração, sempre que, prima facie, este reúna os requisitos formais de admissibilidade a que se referem o artigo 46 da Convenção e o artigo 32 do Regulamento da Comissão.

 

39. A competência ratione loci autoriza a Comissão a conhecer de petições relativas a violações de direitos humanos que afetem uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado parte na Convenção Americana. Considerando-se que os fatos constantes da denúncia ocorreram no território da República do Equador, Estado parte na Convenção desde 28 de dezembro de 1977, está a Comissão autorizada a conhecer do caso do Senhor Camacho Arboleda.

 

40. In casu, a denúncia apresentada pelos peticionários refere-se a fatos que caracterizam supostas violações dos direitos à liberdade, às garantias judiciais e à proteção judicial do Senhor Camacho Arboleda, direitos esses constantes dos artigos 7, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, motivo por que se enquadra na competência ratione materiae da Comissão, de acordo com os artigos 44 e 47, do referido instrumento internacional.

 

41. A Comissão considera que não há razões que permitam alegar que a denúncia seja manifestamente mal fundada, uma vez que os peticionários demonstraram que a suposta violação é imputável a um órgão ou agentes do Estado, conforme se estabelece no artigo 47, c, da Convenção. Nos parágrafos relativos à análise do esgotamento dos recursos internos, salienta-se que as supostas violações seriam o resultado de ações ou omissões de funcionários do Poder Judiciário do Equador.

 

V.2 Esgotamento dos recursos internos

 

42. Na tramitação do caso de que se trata, o Estado alegou o não-esgotamento dos recursos internos; por esse motivo, a Comissão analisará em primeiro lugar esse requisito de admissibilidade.

 

43. A questão do esgotamento dos recursos de jurisdição interna encontra-se estabelecida no artigo 46.1, a e b, da Convenção Americana, que se transcreve a seguir:

 

1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário:

a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos;

b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva;

44. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos também estabelece, em seu artigo 46.2, três exceções ao esgotamento dos recursos internos:

 

2. As disposições das alíneas a e b do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando:

a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados;

b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.

45. O artigo 37 do Regulamento da Comissão acrescenta que "Quando o peticionário alegar a impossibilidade de comprovar o requisito indicado neste artigo, caberá ao Governo contra o qual for dirigida a petição demonstrar à Comissão que os recursos internos não foram previamente esgotados, a menos que isso se deduza claramente dos antecedentes constantes da petição". Nesse contexto, a Corte Interamericana salientou nas exceções preliminares do caso Velásquez Rodrígues, o seguinte: "... que o Estado que alegue o não-esgotamento tem a responsabilidade de assinalar os recursos internos que devem ser esgotados e sua efetividade".14/ Desse modo, obedecendo ao princípio onus probandis incumbit actoris, o Estado tem a obrigação de provar seu argumento segundo o qual tais recursos não foram esgotados e, se não o foram, assinalar os recursos que devem ser esgotados ou por que motivo não surtiram efeito.

 

46. No caso em exame, o Estado equatoriano assinalou a falta de esgotamento dos recursos internos ao informar sobre as últimas resoluções judiciais, manifestando que "no caso de que se trata, a Segunda Câmara da Corte Superior de Quito havia aprovado resolução, em 24 de janeiro de 1995, confirmando a sentença absolutória a favor do Senhor Camacho Arboleda e que, nos termos do artigo 401 do Código de Processo Penal, a sentença está executada" e "que, em conformidade com o artigo 385 e seguintes do citado instrumento jurídico, unicamente o sentenciado ou o próprio Tribunal poderá interpor ou ordenar de ofício, respectivamente, o recursos de revisão".

 

47. Com efeito, o Estado declara que, em 24 de janeiro de 1995, foi proferida a sentença absolutória a favor do Senhor Camacho Arboleda, que foi posto em liberdade em fevereiro de 1995, mas omite referência aos 65 anos transcorridos da detenção do Senhor Camacho Arboleda até a decisão final da Corte, o que configura um atraso injustificado na administração da justiça, conforme prevê a exceção do esgotamento prévio dos recursos internos constante do artigo 46.2, c, da Convenção e do artigo 37.2, c, do Regulamento da Comissão.

 

48. Por outro lado, no que se refere à pretensão aduzida pela vítima de obter indenização pelo dano causado por haver permanecido injustificadamente na prisão por cinco anos, o Estado observa que não se esgotou o recursos de revisão, em conformidade com o artigo 385 do Código de Processo Penal. Entretanto, os peticionários mencionam a impossibilidade de esgotar esse recursos, uma vez que o artigo 385 só é procedente no caso de revogação de sentenças condenatórias, o que não é a situação a que se refere este caso.

 

49. A Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou a esse respeito o seguinte:

"... quando se invocam certas exceções à regra do não-esgotamento dos recursos internos, tais como a inefetividade de tais recursos ou a inexistência do devido processo jurídico, não só se está alegando que o agravado não está obrigado a interpor tais recursos, mas que indiretamente se está imputando ao Estado de que se trate nova violação das obrigações assumidas na Convenção. Em tais circunstâncias, a questão dos recursos internos aproxima-se sensivelmente da matéria de fundo".15/ Segundo assinalam os peticionários, a interposição dos recursos internos, no caso do Senhor Camacho Arboleda, seria infrutífera, uma vez que não há na legislação interna do Equador o devido processo jurídico para a proteção do direito ou dos direitos alegados e isto colocaria a vítima em situação de indefensibilidade. Por isso se explica que a Comissão deve continuar a conhecer do caso.

 

50. A Comissão considera que nesta etapa da análise, a questão do não-esgotamento dos recursos internos relaciona-se com o tema de fundo, uma vez que os recorrentes alegam a inexistência de uma legislação interna que permita à vítima o acesso a recurso para proteção de seus direitos conculcados. Por esse motivo, a Comissão, fundamentando-se na exceção do artigo 46.2, a sobre esgotamento dos recursos internos, prosseguirá a tramitação do caso e oportunamente se pronunciará sobre o fundo da questão suscitada.

 

V.3 Interposição da petição no prazo estabelecido na Convenção

 

51. No que se refere ao lapso (ratione temporis), conforme dispõe o artigo 46, b, da Convenção concatenado com o artigo 38 do Regulamento da Comissão, a petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses a partir da data em que tenha sido notificado o peticionário do conteúdo da decisão definitiva (res judicata).

 

52. A Comissão considera que o prazo de seis meses previsto no artigo 38.1 do Regulamento da Comissão para a apresentação da denúncia perante a Comissão, a partir da data em que o suposto lesado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva não se aplica, uma vez que o caso se enquadra na exceção prevista no artigo 37.2, a, do Regulamento da Comissão, que diz o seguinte:

 

As disposições [sobre esgotamento dos recursos internos] do parágrafo anterior não se aplicarão quando:

a) não existir na legislação interna do Estado de que se tratar o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue haverem sido violados.

53. Ante essa circunstância, o Regulamento estabelece em seu artigo, 38.2 que o prazo será um "período razoável", a critério da Comissão, a partir da data em que houver ocorrido a suposta violação dos direitos, consideradas as circunstâncias de cada caso específico.

 

54. Ante o exposto, a Comissão goza de competência para prosseguir a tramitação deste caso.

 

V.4 Duplicidade de procedimentos no âmbito internacional

 

55. A Comissão considera que o caso do Senhor Camacho Arboleda não se encontra pendente de outro processo de solução internacional, uma vez que essa exceção não foi alegada pelas partes, nem se deduz dos antecedentes constantes da petição. A matéria da queixa tampouco é uma reprodução de petição anteriormente resolvida pela Comissão nem outro órgão internacional em virtude do artigo 47, d, da Convenção e do artigo 39.1, a e b, do Regulamento, motivo por que a Comissão não deixa de conhecer da denúncia de que se trata

 

VI. OFERECIMENTO DE SOLUÇÃO AMISTOSA

 

56. A Comissão considera que os fatos que motivaram a denúncia são, por sua natureza, suscetíveis de serem solucionados mediante a aplicação do procedimento de solução amistosa previsto no artigo 48.1, f, da Convenção e no artigo 45 de seu Regulamento, motivo por que ela se coloca à disposição das partes a fim de chegar a acordo amistoso sobre o assunto, fundado no respeito aos direitos humanos.

 

57. Levando em conta o acima exposto,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

ACORDA:

 

58. Declarar admissível o caso 11.515, relativo ao Senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda.

 

59. Colocar-se à disposição das partes, a fim de chegar a uma solução amistosa sobre o assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Para esse efeito, as partes deverão manifestar à Comissão sua intenção de iniciar o procedimento de solução amistosa, dentro dos trinta dias subseqüentes à notificação deste relatório.

 

60. Publicar este relatório de admissibilidade como parte do Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.


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11. Do expediente da CIDH consta uma cópia da comunicação enviada no dia 6 de abril de 1992 ao Segundo Juiz da Vara Criminal de Pichincha pelo Décimo Primeiro Juiz da Vara Criminal de Pichincha, à qual se anexa a carta precatória para efetuação das diligências de análise química da droga, recebimento do testemunho indagatório e exame psicossomático da pessoa do detento Camacho Arboleda, relacionadas com o juízo penal em tramitação, com a finalidade de que se ordenasse seu despacho oportuno.

12. O relatório de investigação encontra-se incluído no auto de investigação.

13 . Pedir com instância e submissão.

14. Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Velásquez Rodrígues, sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 88, página 38.

15. Ibid., parágrafo 91, página 40.