RELATÓRIO
ANUAL 1996
RELATÓRIO Nº 12/97
A. Contexto
1. Em 9 de novembro de 1994, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante chamada "Comissão") recebeu uma denúncia contra o Estado equatoriano, na qual se alega que o Senhor Víctor Rosario Congo morrera em conseqüência dos maus-tratos e agressões de que foi vítima por parte de agentes do Centro de Reabilitação Social de Machala, Equador. Os fatos ocorrem num contexto de numerosos atos de agressão e maus-tratos que vinham sendo cometidos contra os prisioneiros. Segundo informação dos próprios funcionários do Centro de Reabilitação Social de Machala, as condições carcerárias eram deploráveis e havia forte pressão para que os reclusos não denunciassem as irregularidades que se verificavam. Os detentos às vezes apresentavam marcas de mau-trato físico. Havia privilégios, especialmente no que se refere às visitas dos familiares dos detentos. Investigava-se o fato de que guardas do centro penitenciário introduziam álcool e drogas no cárcere e logo extorquiam dinheiro dos detentos.
B. Fatos
2. Segundo a denúncia, alega-se que, em 14 de setembro de 1990, o detento Víctor Rosario Congo, do Centro de Reabilitação Social de Machala, que sofria de doença mental, foi agredido com um garrote por guardas do Centro de Reabilitação, ocasionando-lhe grave ferimento. Apesar de seu estado, o detento foi posto incomunicado numa solitária, nu, sem socorro médico.
3. Os peticionários alegam na denúncia que, em 2 de outubro de 1990, médicos legistas da Procuradoria verificaram o estado do detento e fizeram constar em seu relatório a presença de ferida contusa, suja, rodeada de lodo, além de outras escoriações em seu corpo. Em 8 de outubro de 1990, o Terceiro Agente Fiscal de Trânsito de El Oro solicitou o traslado do detento para um hospital; o pedido não foi, porém, atendido oportunamente. No dia 24 de outubro de 1990, Víctor Rosario Congo foi trasladado ao Centro de Reabilitação Social de Homens de Guayaquil e, no dia seguinte, 25 de outubro, foi transferido para o Hospital Luís Vernaza, onde morreu a poucas horas de chegar.
4. Anteriormente à morte de Víctor Rosario Congo, organizações não-governamentais haviam solicitado por diversos meios que fosse ele transferido para um hospital a fim de dispensar-lhe os necessários cuidados médicos.
C. Documentos que acompanham a denúncia
C.1. Relatório do Terceiro Agente Fiscal de Trânsito de El Oro
5. O relatório elaborado pelo Terceiro Agente Fiscal de Trânsito de El Oro, de 8 de outubro de 1990, dirigido ao Ministro da Fiscalização de El Oro, cita sua participação numa sessão de trabalho no Centro de Reabilitação Social de Machala, da qual também participou a Doutora Martha Sánchez de Rodríguez, Secretária Executiva da Comissão de Direitos Humanos de El Oro, o Doutor Luís Chuchuca Pasiche, Governador da Província de El Oro, o Doutor Reinaldo Montaño, Presidente da Corte Superior de Justiça de Machala, e o Licenciado Alberto Soriano, Diretor do Centro de Reabilitação Social de Machala. Nessa sessão de trabalho, a Doutora Sánchez denunciou que nesse Centro de Reabilitação, na cela nº 12, havia algo especial com relação ao Senhor Congo e solicitou expressamente que a cela fosse visitada.
6. Ante essa denúncia específica, o Diretor do Centro de Reabilitação Social de Machala informou, na mesma sessão de trabalho, que, quanto ao caso de Congo, já haviam sido tomadas as medidas jurídicas cabíveis quanto a uma agressão que havia sofrido o detento por parte do guarda Walter Osorio. Informou que o caso estava na justiça e que o Senhor Rosario Congo já havia recebido tratamento médico.
7. Os participantes da sessão de trabalho percorreram o interior do Centro de Reabilitação Social de Machala e determinaram o seguinte:
8. Concluindo esse informe, o Terceiro Agente Fiscal de Trânsito de El Oro afirmou o seguinte:
C.2. Solicitações de traslado
9. Em comunicação por escrito, a advogada Martha Sánchez de Rodríguez, Secretária Executiva da Comissão Diocesana de Direitos Humanos de El Oro, em 28 de setembro de 1990, denunciou perante o Ministro da Fiscalização de El Oro que o Senhor Víctor Amable Rosario Congo era um detento acusado de roubo que, segundo investigações realizadas e por haver ela observado sua situação, sofre de demência, o que o converte numa pessoa inimputável, observando, ademais, que o referido detento fora alvo de agressões e torturas por parte dos guardas da prisão. A Doutora Sánchez solicitou então um exame médico-legal imediato do Senhor Rosario Congo e as respectivas investigações do caso a fim de determinar os responsáveis.
10. A mesma petição fora apresentada perante o Segundo Juiz da Vara Criminal de El Oro, em 20 de setembro de 1990, solicitando a avaliação psiquiátrica do acusado, por ser ele quem conhecia das causas penais contra este último.
11. Em comunicação da Doutora María Teresa Bernal, Fiscal de Trânsito de El Oro, ao Segundo Comissário de Polícia de Machala, de fins do mês de setembro,8/ ordena-se a realização de reconhecimento médico-legal de Víctor Rosario Congo, como parte das investigações das supostas agressões e torturas que a vítima sofrera por parte de um dos guardas do Centro de Reabilitação Social de Machala.
C.3. Reconhecimento médico
12. No dia 2 de outubro de 1990, procedeu-se ao reconhecimento médico-legal na pessoa de Víctor Amable Rosario Congo por parte dos médicos peritos Doutor José. R. Santacruz e Doutor Wilmer Riofrío R., mediante o qual se estabeleceu o seguinte:
C.4 Translado de Víctor Rosario Congo
13. Mediante comunicação enviada em 8 de outubro de 1990 pelo Diretor do Centro de Reabilitação Social de Machala, solicitou-se ao Diretor Nacional de Reabilitação Social, autorização para o traslado de Víctor Rosario Congo ao Centro de Reabilitação Social de Homens de Guayaquil a fim de que recebesse tratamento médico. Essa mesma solicitação havia sido feita ao Segundo Juiz da Vara Criminal de El Oro, em 20 de setembro de 1990.
14. Em 23 de outubro de 1990, o Segundo Juiz da Vara Criminal de Machala dispôs, mediante comunicação enviada ao Diretor do Centro de Reabilitação Social de Machala, o traslado de Víctor Rosario Congo para o Hospital Psiquiátrico Lorenzo Ponce da cidade de Guayaquil para que fosse submetido a tratamento psiquiátrico ordenado. O detento foi trasladado em 24 de outubro de 1990 para o Hospital Psiquiátrico, onde foi rejeitado seu ingresso, havendo sido então trasladado ao Hospital Luís Vernaza, onde também foi rejeitado. Foi deixado então no Centro de Reabilitação Social de Homens de Guayaquil e, no dia seguinte, em 25 de outubro de 1990, foi internado no Hospital Luís Vernaza, onde faleceu a poucas horas de haver chegado.
15. Segundo a autópsia do cadáver de Víctor Rosario Congo, as causas de morte foram desnutrição e desidratação de 3º grau, o que provocou insuficiência cardio-respiratória da vítima.
D. Violações alegadas
16. De acordo com os fatos constantes da denúncia, alega-se que foram violados os direitos à vida, à integridade pessoal e à proteção judicial, todos eles constantes dos artigos 4, 5 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, uma vez que Víctor Rosario Congo foi agredido por um dos guardas do Centro de Reabilitação Social, onde se encontrava detido, sofrendo, em conseqüência disso, de ferida contusa em sua cabeça, sem receber adequada assistência médica; apesar de essa pessoa ser mentalmente desequilibrada, não lhe foi dispensado tratamento psiquiátrico. Finalmente, quando foi transferido para outro centro de assistência já era demasiado tarde e faleceu. Tais violações dos direitos do Senhor Víctor Rosario Congo ocorreram estando ele sob a custódia das autoridades de um centro de detenção do Equador.
II. PROCESSO PERANTE A COMISSÃO
17. A denúncia dos abusos de que se alega foi vítima o Senhor Víctor Rosario Congo e ocasionou seu falecimento foi apresentada à Comissão em 9 de novembro de 1994 e, anexos à mesma, se encontravam documentos probatórios tais como o reconhecimento médico-legal da vítima, no qual se estabeleceu que padecia de psicose carcelária e que, além disso, apresentava uma ferida contusa na cabeça. Pelos motivos expostos, os médicos recomendaram que o Senhor Rosario Congo fosse transferido para um centro médico especializado em psiquiatria.
18. Juntamente com a petição inicial, foi apresentada cópia da notificação por escrito da Advogada Martha Sánchez de Rodríguez, Secretária Executiva da Comissão Diocesana de Direitos Humanos de El Oro, denunciando os abusos de que estava sendo vítima o Senhor Rosario Congo e a premente necessidade de que fosse transferido para um centro médico especializado.
19. Também se apresentaram dois artigos publicados no jornal El Correo, o primeiro deles sob o título Guía casi mata a interno de cárcel: Recluso agoniza en pestilente calabozo, de sábado 29 de setembro de 1990, e o outro intitulado Falleció interno herido por guía, de 29 de outubro de 1990. Nesses artigos se denunciava a situação do Senhor Rosário Congo e como fora ele brutalmente espancado por um dos guardas do cárcere e, em seguida, colocado numa solitária, onde não havia água nem luz, fazia suas necessidades biológicas no solo e ali mesmo tinha de dormir, sem que nenhuma autoridade interviesse. Em conseqüência disso, o Senhor Rosario Congo morreu, havendo sido acerbamente criticada a cumplicidade de várias autoridades governamentais, por não intervirem a tempo.
20. Em 15 de fevereiro de 1995, a Comissão enviou as partes pertinentes da denúncia ao Estado equatoriano, concedendo-lhe o prazo de 90 dias para enviar sua resposta. Na mesma comunicação, a Comissão solicitou ao Estado que apresentasse qualquer elemento de juízo que lhe permitisse apreciar se no caso 11.427 haviam sido esgotados ou não os recursos da jurisdição interna.
21. Em 29 de maio de 1995, o Estado equatoriano respondeu à Comissão, apresentando documentação sobre o caso do Senhor Rosario Congo. Foram os seguintes os documentos enviados:
22. Em 19 de junho de 1995, enviou-se a reposta do Estado aos peticionários, concedendo-lhes o prazo de 45 dias para que enviassem suas observações.
23. Em 20 de junho de 1995, o Estado apresentou à Comissão informação adicional prestada pelo Ministério do Governo e Polícia sobre os relatórios e resultados das investigações do falecimento de Víctor Rosario Congo. Esse relatório, datado de 22 de maio de 1995, assinala o seguinte:
24. Em 27 de junho, foram enviadas aos peticionários as partes pertinentes da informação adicional enviada pelo Estado, concedendo-lhes o prazo de 45 dias para apresentar sua resposta à Comissão.
25. Em 26 de outubro de 1995, reiterou-se o pedido de informação aos peticionários e, em 10 de maio de 1996, enviou-se novo pedido de informação, uma vez que não havia sido apresentada pelos peticionários.
26. Em 10 de julho de 1996, a Comissão recebeu a resposta dos peticionários, na qual observam que o relatório policial incorreu em erro ao não mencionar que funcionários judiciais sabiam da situação em que se encontrava o Senhor Víctor Rosario Congo no Centro de Reabilitação de Machala. Além disso, os peticionários asseguram que o caso do Senhor Rosario Congo consistia em morte sob custódia, ocasionada por lesão infligida ao detento e pela falta de atendimento médico oportuno por encontrar-se incomunicado numa solitária.
27. Afirmam os peticionários que as investigações feitas pela polícia e as diligências efetuadas em relação à morte de Víctor Rosario Congo demonstram urgência em concluir a investigação da causa de morte. Mencionam que havia irregularidades quanto às providências tomadas e os documentos apresentados, tais como as seguintes:
28. Em 10 de julho de 1996, a Comissão enviou as partes pertinentes da comunicação anterior ao Estado do Equador.
29. Em 4 de setembro de 1996, o Estado enviou sua resposta à Comissão, acompanhada de documentos sobre a detenção de Víctor Rosario Congo e seu falecimento, sem acrescentar nada de novo em relação ao já incorporado ao expediente da Comissão. Em 7 de novembro de 1996, notificou-se o Estado do recebimento dessa comunicação.
III. CONSIDERAÇÕES SOBRE ADMISSIBILIDADE
30. Em seu 95º Período Ordinário de Sessões, realizado de 24 de fevereiro a 14 de março de 1997, a Comissão pronunciou-se sobre a admissibilidade do caso 11.427.
III.1 Competência da Comissão
31. Vistos os antecedentes e a tramitação da denúncia assinalados nos parágrafos anteriores, a Comissão considerou as condições de admissibilidade do caso nos seguintes termos:
32. A Comissão poderá conhecer de um caso submetido à sua consideração quando, prima facie, este reúna os requisitos formais de admissibilidade exigidos no artigo 46 da Convenção e no artigo 32 do Regulamento da Comissão.
33. A competência ratione loci faculta a Comissão a conhecer de petições relativas a violações de direitos humanos que afetem uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado parte na Convenção Americana. Considerando-se que os casos constantes da denúncia ocorreram no território da República do Equador, Estado parte na Convenção desde 28 de dezembro de 1977, pode a Comissão conhecer do caso de Víctor Rosario Congo.
34. In casu, a denúncia apresentada pelos peticionários refere-se a fatos que caracterizam supostas violações dos direitos à vida, à integridade física e à proteção judicial do Senhor Víctor Rosario Congo, direitos constantes dos artigos 4, 5 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, motivo por que se enquadra na competência ratione materiae da Comissão, de acordo com os artigos 44 e 47, b, do referido instrumento internacional.
35. A Comissão considera que não há razões que permitam alegar que a denúncia seja manifestamente infundada, uma vez que os peticionários demonstraram que a suposta violação é imputável a um órgão ou a agentes do Estado, conforme se estabelece no artigo 47, c, da Convenção. Nos parágrafos relativos à análise do esgotamento dos recursos internos, salienta-se que as supostas violações seriam o resultado de ações ou omissões de funcionários do sistema penitenciário e do Poder Judiciário do Equador.
III.2 Esgotamento dos recursos internos
36. A questão do esgotamento dos recursos da jurisdição interna encontra-se estabelecida no artigo 46.1, a e b, da Convenção Americana, que se transcreve a seguir:
37. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos também estabelece, em seu artigo 46.2, três exceções ao esgotamento dos recursos internos, as quais se transcrevem a seguir:
38. O artigo 37 do Regulamento da Comissão acrescenta que: "Quando o peticionário alegar a impossibilidade de comprovar o requisito indicado neste artigo, caberá ao Governo contra o qual for dirigida a petição demonstrar à Comissão que os recursos internos não foram previamente esgotados, a menos que isso se deduza claramente dos antecedentes constantes da petição". Com esse critério, a Corte Interamericana assinalou nas exceções preliminares do caso Velásquez Rodríguez o seguinte: "... que o Estado que alegue o não-esgotamento tem a responsabilidade de assinalar os recursos internos que devem ser esgotados e de assegurar sua efetividade".9/ Desse modo, obedecendo ao princípio do onus probandis incumbit actoris, o Estado tem a obrigação de provar que tais recursos não foram esgotados ou, na falta disso, assinalar os recursos que devem ser esgotados e por que motivo esses recursos não surtiram efeito.
39. Na tramitação deste caso, o Estado equatoriano não controverteu expressis verbis a condição do esgotamento prévio dos recursos internos. Entretanto, informou a Comissão sobre o resultado das investigações que as autoridades competentes levaram a efeito em 1995, ou seja, cinco anos depois da ocorrência dos fatos alegados na denúncia. Por esse motivo, a Comissão assinalará as providências tomadas a fim de esgotar os recursos internos, de acordo com a informação prestada pelas partes.
40. Mediante comunicação por escrito de 20 de setembro de 1990, a advogada Martha Sánchez, em representação do Senhor Víctor Rosario Congo, solicitou ao Segundo Juiz da Vara Criminal de El Oro que ordenasse a avaliação psiquiátrica do detento, uma vez que este sofria de enfermidade mental, com a finalidade de determinar com exatidão que o Senhor Rosario Congo era efetivamente um enfermo mental e dispor seu traslado para um centro psiquiátrico.
41. Como não obteve resposta, a advogada Sánchez compareceu por escrito, mediante comunicação de 28 de setembro de 1990, perante o Ministro da Fiscalização denunciando que o Senhor Víctor Rosario Congo fora "ultrajado e torturado por um dos guardas do Centro de Reabilitação" e, por esse motivo, pedia ao Fiscal sua intervenção no sentido de que, por seu intermédio, fosse ele examinado, bem como ordenasse a correspondente investigação a fim de determinar os responsáveis da agressão sofrida pelo Senhor Víctor Rosario Congo.
42. Depreende-se da denúncia que a Doutora Sánchez assinalou ao Ministro que havia ela anteriormente apresentado uma petição ao Segundo Juiz da Vara Criminal, uma vez que conhecia ele das causas penais contra o Senhor Víctor Rosario Congo, solicitando que ordenasse a avaliação psiquiátrica do detento; contudo, não obteve resposta. Por conseguinte, "solicitava sua intervenção a fim de obrigar o Segundo Juiz da Vara Criminal a efetuar a diligência solicitada".
43. Em decorrência dessa solicitação, foi a Doutora Maria Teresa Bernal, Segundo Fiscal de Trânsito de El Oro, convidada a investigar as agressões cometidas contra o Senhor Víctor Rosario Congo. Como primeira medida, ordenou que se fizesse um reconhecimento médico por médicos legistas da Procuradoria Geral do Estado e do próprio Centro de Reabilitação de Machala. Embora esse reconhecimento médico tenha sido feito, não se dispõe de registro algum de que se tenha iniciado a correspondente investigação para punição dos responsáveis.
44. O Estado equatoriano não apresentou uma resposta específica sobre o assunto, ignorando completamente o excessivo lapso de cinco anos transcorrido desde que os reclamantes solicitaram a investigação dos fatos alegados e a falta de ação por parte da justiça. Por outro lado, o relatório que o Estado enviara à Comissão sobre a investigação realizada entre fevereiro e maio de 1995 tampouco explica o injustificável atraso na administração da justiça, conforme prevê a exceção do esgotamento prévio dos recursos interno constante do artigo 46.2, c, da Convenção e do artigo 37.2, c, do Regulamento da Comissão.
45. Na hipótese de que não tenham sido esgotados os recursos internos, a Comissão considera que, desde 14 de dezembro de 1990, data em que o Senhor Víctor Rosario Congo foi agredido, transcorreu tempo mais longo que qualquer prazo razoável ou justificado sem que se tenha chegado a uma decisão sobre os mencionados recursos, o que configura, prima facie, um atraso por parte do sistema judicial.
46. A Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou a esse respeito o seguinte: "... quando se invocam certas exceções à regra do não-esgotamento dos recursos internos, tais como a inefetividade de tais recursos ou a inexistência do devido processo judicial, não só se está alegando que o agravado não está obrigado a interpor tais recursos, mas indiretamente se está imputando ao Estado de que se trate nova violação das obrigações assumidas como parte na Convenção. Nessas circunstâncias, a questão dos recursos internos aproxima-se sensivelmente da matéria de fundo".10/ Entretanto, a interposição dos recursos internos no caso do Senhor Víctor Rosario Congo foi infrutífera e isto colocou a vítima na situação de indefensibilidade; por isso se explica que a Comissão deva conhecer deste caso em termos de exceção à regra do esgotamento prévio dos recursos internos.
47. A Comissão considera que, nessa etapa da análise, a questão do não-esgotamento do recursos internos se relaciona com o tema de fundo, dado que os recorrentes alegam a falta de proteção judicial em relação aos direitos conculcados do Senhor Víctor Rosario Congo. Por esse motivo, a Comissão, fundamentando-se na exceção do artigo 46.2, c, sobre o esgotamento dos recursos internos, prosseguirá a tramitação do caso e oportunamente se pronunciará sobre o fundo da questão suscitada.
III.3 Interposição da petição no prazo estabelecido na Convenção
48. No que diz respeito ao lapso (ratione temporis), conforme assinala a Convenção em seu artigo 46, b, conjugado ao artigo 38 do Regulamento da Comissão, a petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses a contar da data em que se tenha notificado o peticionário sobre o conteúdo da decisão definitiva (res judicata).
49. A Comissão considera que o prazo de seis meses previsto no artigo 38.1 do Regulamento da Comissão para a apresentação da denúncia perante a Comissão, a partir da data em que o suposto lesado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva, não se aplica, uma vez que o caso se enquadra na exceção prevista no artigo 37.2, c, do Regulamento da Comissão, que diz o seguinte:
50. Ante essa circunstância, o Regulamento estabelece em seu artigo 38.2 que o prazo será um "período razoável", a critério da Comissão, a partir da data em que haja ocorrido a suposta violação dos direitos, considerando-se as circunstâncias de cada caso específico. Pelo acima exposto, a Comissão não se inibe de conhecer deste caso.
III.4 Duplicidade de procedimentos na esfera internacional
51. A Comissão considera que o caso do Senhor Víctor Rosario Congo não se encontra pendente de outro procedimento de solução internacional, uma vez que esta exceção não foi alegada pelas partes e tampouco se deduz dos antecedentes constantes da petição. A matéria da queixa tampouco é reprodução de petição anterior solucionada pela Comissão ou outro órgão internacional em virtude do artigo 47, d, da Convenção e do artigo 39.1, a e b, do Regulamento, motivo por que a Comissão não se inibe de conhecer dessa denúncia.
IV. OFERECIMENTO DE SOLUÇÃO AMISTOSA
52. A Comissão considera que os fatos que motivaram a denúncia são suscetíveis de serem solucionados mediante a aplicação do procedimento de solução amistosa previsto no artigo 48.1, f, da Convenção e no artigo 5 do Regulamento da Comissão, motivo por que ela se coloca à disposição das partes a fim de que se chegue a acordo amistoso sobre o assunto, com base no respeito aos direitos humanos.
53. Levando em conta o acima exposto,
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
ACORDA:
54. Declarar admissível o caso 11.427 de Víctor Rosario Congo.
55. Colocar-se à disposição das partes a fim de chegar a uma solução amistosa para o assunto, baseada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana. Para esse efeito, as partes deverão manifestar à Comissão sua intenção de iniciar o processo de solução amistosa, dentro dos trinta dias subseqüentes à notificação deste relatório.
56. Publicar este relatório de admissibilidade como parte do Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.
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8. Depreende-se do expediente que a comunicação foi enviada em fins do mês de setembro de 1990. Entretanto, na cópia dessa comunicação enviada à CIDH, a data é ilegível. 9. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 88, página 38. 10. Ibid., parágrafo 91, página 40.
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