RELATÓRIO ANUAL 1996

RELATÓRIO Nº 28/96
CASO 11.297
GUATEMALA
16 de outubro de 1996

I. ANTECEDENTES

 

A. Os fatos denunciados relacionados com a detenção e morte de Juan Hernández Lima

 

1. Segundo os peticionários (Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado da Guatemala e International Humam Rights Law Group), o Senhor Juan Hernández Lima, agricultor de 38 anos de idade, foi preso pela Polícia na Cidade da Guatemala em 26 de abril de 1993 em companhia de mais quatro pessoas, por "atentado aos bons costumes". O detento, juntamente com as outras quatro pessoas, foi conduzido ao Juizado de Paz de Contravenções da Vara Criminal.

 

2. Os detentos confessaram ter praticado atos escandalosos "devido aos efeitos da bebida" e foram sentenciados cada um a 30 dias de prisão, comutáveis por multa. Durante o processo criminal, o Senhor Hernández não contou com a assistência de advogado de defesa. A multa foi fixada em 20 quetçais (aproximadamente 3 dólares na ocasião), mais 2 quetçais diários para cancelar os 30 dias de prisão.

 

3. Três dos sentenciados pagaram a multa e saíram da prisão, enquanto o Senhor Hernández e outro detento permaneceram reclusos por não poderem pagar a soma estabelecida de dinheiro.

 

4. Estando recluso no Centro Preventivo de Detenção da Zona 8, o Senhor Hernández faleceu no dia 2 de maio de 1993, ao que parece vítima de um edema cerebral e de um ataque de cólera. Segundo os peticionários, os funcionários encarregados da assistência médica no centro de detenção não providenciaram o tratamento médico adequado. O diretor em exercício autorizou seu translado a um hospital, mas isso não ocorreu.

 

5. A mãe do Senhor Hernández só tomou conhecimento de sua detenção no dia 6 de maio de 1993, por informações de vizinhos, e só soube da morte e enterro do filho ao apresentar-se nesse mesmo dia ao Centro Preventivo de Detenção para visitá-lo.

 

B. Os fatos alegados com relação à tramitação judicial pela morte de Juan Hernández Lima

6. Os peticionários indicam que em 2 de maio de 1993 o Juiz de Paz Criminal de Turno iniciou o processo penal pela morte de Juan Hernández Lima. Em 5 de maio de 1993, esse processo foi remetido ao Primeiro Juizado de Primeira Instância Criminal de Instrução (causa 1346-93 of. 7º).

 

7. Gabriela de María Lima Morataya, mãe da vítima, constituiu-se em demandante formal em 9 de julho de 1993 e solicitou que se providenciassem as seguintes diligências: 1) ampliação do relatório do médico legista para estabelecer as causas que provocaram o edema cerebral do Senhor Hernández Lima e se foram usadas armas ou instrumentos contundentes para ocasionar-lhe esse edema cerebral; 2) se existe tratamento médico para evitar a morte de uma pessoa pela enfermidade do cólera; 3) estabelecimento da negligência ou imperícia no tratamento do Senhor Hernández; 4) que o juiz solicitasse: a) relatório ao Centro de Detenção Preventiva da Zona 18 para determinar o nome do diretor desse Centro e se existe alguma ficha da vítima; b) estabelecer os motivos pelos quais não se informou aos parentes da vítima sobre seu falecimento; c) quem proporcionou atendimento médico à vítima, qual o tratamento que lhe foi prescrito e por que não foi transladada a um posto médico.

 

8. Os peticionários alegam que desde então o processo criminal não avançou. Não se realizou nenhuma das diligências solicitadas pela Senhora Lima como parte demandante e muito menos lhe foi permitido o acesso ao expediente judicial.

 

 

II. TRAMITAÇÃO NA COMISSÃO

 

9. A Comissão recebeu a denúncia em 1º de abril de 1994 e informações suplementares em 15 de abril de 1994. Em 2 de junho de 1994, a Comissão iniciou a tramitação do caso com o número 11.297, enviando as partes pertinentes da denúncia ao Governo da Guatemala e solicitando informações adicionais sobre os fatos denunciados e em relação a qualquer outro elemento de julgamento que permitisse à Comissão avaliar se no caso se tinham esgotado os recursos da jurisdição interna.

 

10. O Governo respondeu à solicitação da Comissão em 5 de outubro de 1994. De sua parte, os peticionários enviaram sua réplica à Comissão em 1º de fevereiro de 1995. As partes pertinentes dessas informações foram remetidas ao Governo no dia 13 de fevereiro de 1995.

 

11. Em 27 de março de 1995, o Governo enviou à Comissão a resposta às últimas informações fornecidas pelos peticionários no caso. A Comissão enviou aos peticionários as partes pertinentes dessa comunicação em 30 de março de 1995, solicitando que retornassem suas observações sobre a resposta do Governo. A Comissão reiterou este pedido em 6 de outubro de 1995.

12. Em 11 de dezembro de 1995, a Comissão recebeu uma comunicação dos peticionários solicitando prorrogação para responder à comunicação do Governo e explicando que tinham enfrentado dificuldades na coleta de informações e provas necessárias devido à resistência dos tribunais da Guatemala em fornecer as informações relevantes. A Comissão concedeu uma prorrogação de 30 dias em carta datada de 14 de dezembro de 1995.

 

13. A Comissão dirigiu-se ao Governo da Guatemala em 15 de dezembro de 1995 para pedir informações específicas sobre o processo interno em andamento relativo à morte de Juan Hernández Lima, concedendo o prazo de 30 dias para a resposta. O Governo nunca respondeu a esta comunicação da Comissão.

 

14. Os peticionários responderam em 18 de dezembro de 1995, e as partes pertinentes dessa comunicação foram remetidas ao Governo em 20 de dezembro de 1995.

 

15. Em 24 de janeiro de 1996, a Comissão recebeu do Governo um pedido de prorrogação para responder no presente caso, a qual foi atendido na mesma data, sendo-lhe outorgado o prazo adicional de 30 dias. O Governo enviou uma comunicação à Comissão em 27 de fevereiro de 1996 em resposta à comunicação dos peticionários de 18 de dezembro de 1995.

 

III. POSIÇÃO DA PARTES

 

A. Posição dos peticionários

 

16. Os peticionários alegaram que o Senhor Juan Hernández Lima "faleceu no interior de uma prisão guatemalteca de uma doença comum (cólera), que poderia ter sido curada com extrema facilidade". Acrescentaram que "a falta de condições de dignidade humana no tratamento dos réus e das pessoas sujeitas ao processo criminal provocaram sua morte".

 

17. Observaram que no tratamento do Senhor Hernández Lima houve negligência por parte das autoridades penitenciárias, argumentando que, entre outras irregularidades, o pessoal do centro de detenção não ministrou o remédio de reidratação em quantidades suficientes e não transladou o enfermo a um posto médico, como o exigia a gravidade de seu estado de saúde.

 

18. Além disso, alegaram que,

 

[e]m todo caso, tanto as autoridades penitenciárias como os encarregados de saúde da prisão são diretamente responsáveis pela integridade física dos réus dentro do sistema penal e pelo respeito à dignidade humana dos reclusos.

19. Por outro lado, fizeram referência à detenção arbitrária de que foi objeto a vítima. Os peticionários alegaram que o Senhor Hernández Lima foi detido em flagrante violação da Constituição da Guatemala, cujo artigo 11 proíbe que pessoas que portam documento de identidade sejam presas por contravenções ou pequenas infrações. Argumentaram que

 

Juan Hernández Lima portava sua identificação pessoal ou cédula de residência, com a qual, como se deduz do texto constitucional, não era possível detê-lo por contravenção, sendo a detenção totalmente arbitrária.

20. Os peticionários acrescentaram que em nenhum momento se ofereceu um advogado de defesa ao Senhor Hernández Lima e que tampouco se notificou a seus familiares sua detenção. Os reclamantes também deixaram claro que, "por falta de dinheiro, ele não pôde comutar a pena". Alegaram que, se o Senhor Hernández tivesse tido a oportunidade de se comunicar com seus familiares, teria conseguido o dinheiro necessário para cancelar sua sentença de encarceramento.

 

21. Em comunicação de 10 de fevereiro de 1995, os peticionários se referiram ao processo judicial instaurado para investigar a morte do Senhor Hernández Lima observando que,

 

[d]esde 5 de maio de 1993... o processo está no Primeiro Juizado de Primeira Instância Criminal de Instrução (causa 1346-93 Of. 7º) e, embora a mãe de Juan Hernández Lima tenha se constituído em demandante formal desde julho de 1993, ele não avançou absolutamente nada, apesar de, naquela data, se ter solicitado ao juiz a realização de múltiplas diligências.

22. Da mesma forma, os peticionários alegaram que cabe ao Fiscal Geral da República a investigação dos fatos constitutivos de delito e que, segundo informou o Governo, a Comissão Presidencial Coordenadora da Política do Executivo em Matéria de Direitos Humanos (COPREDEH) solicitou a intervenção do Fiscal para levar a cabo as investigações pertinentes. No entanto, essas investigações não produziram qualquer resultado.

 

23. Finalmente, os peticionários argumentaram a existência de uma exceção ao requisito do esgotamento dos recursos internos em conformidade com o artigo 46.2, c, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ("a Convenção"), que estabelece uma exceção ao esgotamento dos recursos da jurisdição interna "quando houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos". Para apoiar este argumento, os peticionários assinalaram que

 

o Senhor Hernández Lima faleceu há exatos 21 meses, e até a presente data não se avançou absolutamente nada, datando a última gestão no processo de 14 de julho de 1993; não existe justificativa para o atraso nos procedimentos judiciais pela morte de Juan Hernández Lima... pelo que é procedente a admissibilidade da petição apresentada.

24. Em comunicação de 18 de dezembro de 1995, os peticionários se referiram à posição assumida pelo Governo da Guatemala quanto à impossibilidade de informar à Comissão sobre as diligências e investigações realizadas no processo penal sob a alegação de que "todos os atos da investigação serão reservados com relação a estranhos". Consideram os peticionários que essa atitude viola as obrigações assumidas pela Guatemala por força da Convenção Americana e observam:

 

Entre outras coisas, talvez se deva à flagrante demora na tramitação judicial e à indesculpável negligência na coleta de provas o fato de a Guatemala se escudar na suposta confidencialidade frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e frente à mãe da vítima, violando suas próprias disposições constitucionais e, mais grave ainda, as normas de direito internacional dos direitos humanos, que segundo o artigo 46 da Constituição da Guatemala têm preeminência sobre o direito interno.

25. Os peticionários reiteraram que consideram aplicável a exceção do artigo 46 à regra do esgotamento dos recursos internos.

 

B. Posição do Governo

 

26. Em sua comunicação de 5 de outubro de 1994, o Governo afirmou que Juan Hernández Lima morreu aos 2 de maio de 1994 no Centro de Detenção Preventiva da Zona 18, Guatemala, "por causa de grave desidratação, dores abdominais e diarréia". O Governo informou sobre o estado da investigação da morte do Senhor Hernández, indicando que o Juiz Criminal de Turno se apresentara ao Centro Preventivo no mesmo dia em que o Senhor Hernández faleceu para instruir e colocar em prática as primeiras diligências, com o que se deu início de ofício ao processo penal destinado a verificar se existiu negligência das autoridades no falecimento do Senhor Hernández e, em caso afirmativo, impor-lhes a respectiva sanção.

 

27. O Governo informou também que, posteriormente, as diligências judiciais foram transferidas para o Primeiro Juizado de Paz Criminal de Turno. Em 5 de maio de 1993, o processo foi remetido ao Primeiro Juizado de Primeira Instância Criminal de Instrução, onde foi identificado com o número de causa 1346-93, Of.7º. O Governo acrescentou que a mãe do Senhor Hernández Lima se constituiu em demandante formal no processo criminal e que "[n]ão existe acusação de nenhuma pessoa no falecimento do Senhor Juan Hernández Lima".

 

28. O Governo observou ainda que a COPREDEH solicitara a intervenção do Fiscal Geral da República para realizar as investigações pertinentes e levar a julgamento os responsáveis.

 

29. Com relação à admissibilidade da petição, o Governo manifestou que, como conseqüência da existência de um processo penal na Guatemala, o presente caso deveria ser declarado inadmissível pela Comissão.

 

30. Nas observações datadas de 25 de março de 1995, o Governo alegou uma vez mais a falta de esgotamento dos recursos internos e indicou o seguinte:

 

O Estado da Guatemala repele categoricamente as observações feitas pelo reclamante, reiterando seu desejo e vontade política para a pronta e adequada resolução do presente caso, mediante uma sentença judicial de acordo com as leis do país.

31. O Governo também destacou o seguinte:

 

[O] Governo da Guatemala não pode aceder a prestar informações sobre as investigações e/ou diligências praticadas, em conformidade com o artigo 314 de Código Processual Penal vigente (Decreto Nº 51-92) que dispõe: "...todos os atos da investigação serão reservados com relação a estranhos...".

32. Em sua resposta de 27 de fevereiro de 1996, o Governo se limitou a informar que o expediente do caso criminal não fora transferido ao Ministério Público para as investigações do caso, como requer o novo Código Processual Penal da Guatemala. O Governo indicou que o Ministério Público tinha realizado as gestões pertinentes para transferir o expediente e reativar o processo.

 

 

IV. Admissibilidade

 

33. A Corte declarou que, quando os recursos internos "não são efetivos", aplicam-se as exceções ao requisito do esgotamento desses recursos.35/ A Comissão determinou que os recursos internos foram e são completamente ineficazes para a proteção dos direitos fundamentais comprometidos no presente caso. Passaram-se 33 meses desde que o Senhor Hernández Lima morreu na prisão, e o processo penal não avançou absolutamente nada, apesar da mãe da vítima ter solicitado a realização de uma série de diligências judiciais. O Governo da Guatemala não alegou nem demonstrou o contrário.

 

34. A Comissão observou, no contexto de outros casos, que "o Estado da Guatemala tem se demonstrado incapaz e negligente em seu dever de realizar a investigação e o devido processo legal para descobrir os responsáveis do ato criminoso."36/

 

35. A Comissão considera que no caso presente se aplica a exceção à regra do esgotamento dos recursos internos do artigo 46.2, c, da Convenção Americana, que preceitua que essa regra não será aplicável quando "houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos". A Comissão não encontra justificativa para o atraso de 33 meses no processo penal, tempo em que não se realizaram as atuações judiciais para promover a investigação. Essa demora impediu o esgotamento dos recursos internos e também justifica a aplicação da exceção do artigo 46.2, b.

 

36. A petição atende aos demais requisitos de admissão e admissibilidade estabelecidos nos artigos 44, 46 e 47 da Convenção Americana e 31 e 32 do Regulamento da Comissão.

 

37. Da mesma forma, a Comissão observa que os peticionários manifestaram, mediante comunicação de 18 de dezembro de 1995, que descartavam a possibilidade de chegar a uma solução amistosa no caso presente. Não existindo a intenção por parte dos peticionários de entrar em um processo de solução amistosa, em conformidade com os artigos 48 e 49 da Convenção Americana, a Comissão considera esgotada esta etapa.

 

 

V. ANÁLISE

 

A. Descumprimento por parte da Guatemala de sua obrigação de colaborar com a Comissão

38. A Comissão considera que a Guatemala violou sua obrigação de apresentar as informações solicitadas no presente caso. O Governo da Guatemala, em suas comunicações à Comissão no presente caso, afirma que "não pode assentir em prestar informações sobre as investigações e/ou diligências praticadas, em conformidade com o artigo 314 do Código Penal Processual vigente (Decreto Nº 51-92), que dispõe: '...todos os atos da investigação serão reservados em relação a estranhos...'". Além disso, mesmo em sua mais recente resposta de 27 de fevereiro de 1996, o Governo não forneceu informações sobre as diligências realizadas no processo criminal relacionado com o caso e tampouco respondeu às perguntas específicas feitas pela Comissão em comunicação de 15 de dezembro de 1995 sobre o estado do processo e as diligências realizadas.

 

39. A Comissão repele em cheio a posição do Governo quando argumenta que não pode fornecer certas informações de acordo com as leis internas que determinam que as informações sejam secretas. Em primeiro lugar, a Comissão considera que a cláusula do Código Processual Penal citada não proíbe ao Governo fornecer as informações solicitadas nesta instância. O Governo, que é o responsável pelo fornecimento das informações a esta Comissão, não é "estranho" ao processo penal que ele conduz mediante seu órgão judicial; e tampouco o é a Comissão.

 

40. Ademais, a Comissão lembra ao Governo o princípio do direito internacional bem estabelecido de que as obrigações internacionais contraídas pelos Estados não podem estar sujeitas ou condicionadas às disposições legais domésticas.37/ A Guatemala contraiu diversas obrigações internacionais em virtude da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Entre essas obrigações está a contemplada no artigo 48.1, a, da Convenção, que estabelece:

 

A Comissão, ao receber uma petição ou comunicação... a)... solicitará informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade apontada como responsável pela violação alegada... As referidas informações devem ser enviadas dentro de um prazo razoável... e) poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente.

A Convenção obriga, portanto, os Estados a fornecer as informações solicitadas pela Comissão no curso de um caso individual.

 

41. Também é mister assinalar que as informações requeridas pela Comissão são as que lhe permitem assumir posições sobre os casos submetidos ao seu conhecimento. Como exemplo relevante desse tipo de posições cabe mencionar o artigo 8.1 da Convenção, quanto à necessidade de estabelecer se uma pessoa foi ouvida por um juiz em um tempo razoável, ou o artigo 46.2, c, com base no qual a Comissão deve determinar se existem atrasos injustificados na tramitação dos recursos internos. No âmbito da Convenção Americana, não seria lógico pensar que um processo criminal possa permanecer indefinidamente em uma "etapa confidencial" e que por isso a Comissão se veja impedida de poder determinar se o prazo é razoável ou justificado.

 

42. As autoridades públicas de um Estado — em qualquer dos três poderes públicos — devem interpretar as normas internas de maneira coerente com as obrigações internacionais, sob pena de gerar, por suas ações ou omissões como agentes do Estado, a responsabilidade internacional do Estado por violação de normas internacionais. Qualquer que seja a interpretação das disposições internas da Guatemala, ela deve atender à obrigação de apresentar informações à Comissão relativamente ao caso individual que está em tramitação. Caso contrário, o Governo da Guatemala estaria infringindo a Convenção e prejudicando sua defesa no caso.

 

43. A Corte observou que a cooperação dos Estados é uma obrigação fundamental no procedimento internacional do sistema interamericano nos seguintes termos:

 

Diferentemente do direito penal interno, nos processos sobre violações de direitos humanos a defesa do Estado não pode repousar sobre a impossibilidade do demandante de recolher provas que, em muitos casos, não se podem obter sem a cooperação do Estado.

É o Estado que tem o controle dos meios para esclarecer fatos ocorridos dentro de seu território. A Comissão, embora tenha competência para realizar investigações, depende na prática, para poder efetuá-las dentro da jurisdição do Estado, da cooperação e dos meios que o Governo lhe proporcionar.38/

44. No caso presente, o Governo não respondeu sobre os fatos denunciados e recusou-se a prestar informações relacionadas com as diligências realizadas no processo criminal levado a cabo na Guatemala. Em conformidade com o entendimento da Corte, devemos concluir que o Governo da Guatemala não pode defender-se negando-se a apresentar as provas necessárias para que a Comissão realize uma análise adequada do caso. Portanto, a Comissão considera que a Guatemala está renunciando a prestar informações adicionais e a debater os fatos alegados pelo peticionário.

 

45. Em vista dessa situação, a Comissão considera necessário aplicar a jurisprudência da Corte, segundo a qual "o silêncio do demandado ou sua resposta evasiva ou ambígua podem interpretar-se como aceitação dos fatos da demanda, pelo menos até que o contrário não apareça dos autos ou não resulte da convicção judicial".39/

 

46. A Comissão julga que os fatos não se presumem certos pelo simples fato de o Governo da Guatemala ter respondido de forma ambígua ou evasiva na tramitação do presente caso, mas que se deve realizar uma análise dos fatos alegados à luz dos critérios aqui estabelecidos.40/ De seu lado, os peticionários devem satisfazer os requisitos de admissibilidade (que foram atendidos, segundo a análise já feita) e os elementos mínimos de coerência, especificidade e credibilidade na versão dos fatos apresentados, para que possam presumir-se como certos.

 

47. A Comissão considera que as informações prestadas lhe permitem avaliar a versão dos fatos apresentada pelo peticionário, de acordo com o prescrito pela Convenção Americana e pelo Regulamento da Comissão. O peticionário apresentou uma versão detalhada e coerente dos fatos, apoiando-os nos documentos a que conseguiu ter acesso. Constam, por exemplo, do expediente submetido à Comissão o ofício da sentença de prisão emitida contra o Senhor Hernández e seu atestado de óbito. As informações fornecidas pelo Governo com relação ao caso não contestam os fatos alegados pelos peticionários nem apresentam fatos ou provas que coloquem em dúvida sua credibilidade.

 

B. Análise das violações dos direitos das vítimas

 

a) Considerações gerais

 

48. Antes de tudo, a Comissão julga de vital importância relembrar que o artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos prescreve: "Os Estados partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social."

 

49. Neste sentido, a Comissão levou em conta a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, ao referir-se aos deveres dos Estados que, como a Guatemala, ratificaram a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, afirmou:

 

O artigo 1.1 é fundamental para determinar se uma violação dos direitos humanos reconhecidos pela Convenção pode ser atribuída a um Estado parte. Com efeito, esse artigo atribui aos Estados partes os deveres fundamentais de respeito e de garantia, de tal modo que todo desprezo aos direitos humanos reconhecidos na Convenção que possa ser atribuído, segundo as regras do direito internacional, à ação ou omissão de qualquer autoridade pública, constitui um fato imputável ao Estado que compromete sua responsabilidade nos termos previstos pela mesma Convenção.41/

50. Outra obrigação que emana do artigo 1.1 da Convenção, além da de respeitar os direitos essenciais e específicos estabelecidos na Convenção, é a de garantir os direitos fundamentais. Essa obrigação envolve o dever de prevenir e investigar toda violação de direitos humanos, o dever de punir aos responsáveis e o dever de indenizar a vítima e/ou sua família pelas ações ou omissões de agentes do Estado que ocasionem o desprezo pelos direitos reconhecidos na Convenção.42/

 

b) Violação do direito à liberdade pessoal

 

51. O direito à liberdade pessoal encontra-se consagrado pelo artigo 7 da Convenção Americana. Este artigo garante o direito humano fundamental de proteção do indivíduo contra as interferências arbitrárias do Estado no exercício de seu direito à liberdade pessoal.43/

 

52. O artigo 7, parágrafos 1, 2 e 3, estabelece:

 

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.

2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.

3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.

53. A Constituição guatemalteca, a que remete o artigo 7 da Convenção, estabelece certas condições para se poder realizar uma detenção no caso de contravenções como a cometida pelo Senhor Hernández no presente caso. O artigo 11 da Constituição da Guatemala declara:

 

Detenção por contravenções ou infrações. Não devem permanecer detidas por contravenção ou infração dos regulamentos as pessoas cuja identidade se possa estabelecer mediante documentação, pelo depoimento de pessoa conhecida ou pela própria autoridade.

Nesses casos, sob pena da sanção cabível, a autoridade limitará sua incumbência a dar parte do fato ao juiz competente e a advertir ao infrator que compareça à sua presença nas 48 horas úteis seguintes.

54. Segundo o alegado pelos peticionários, o Senhor Hernández Lima portava documento de identidade no momento de sua detenção. No entanto, foi preso pelos policiais, em desrespeito ao estabelecido na Constituição guatemalteca. Este fato por si só constitui uma expressa e flagrante violação do direito à liberdade pessoal reconhecido na Convenção. A detenção do Senhor Hernández Lima constitui uma evidente detenção arbitrária nos termos da Convenção.

 

55. Por outro lado, a Constituição da Guatemala determina:

 

Artigo 7. Notificação da causa ao detento. Toda pessoa deverá ser notificada... da causa que motivou sua detenção... A mesma notificação deverá ser feita pelo meio mais rápido disponível à pessoa que o detento designar, e a autoridade será responsável pela efetividade da notificação.

A Constituição também dispõe em sua artigo 19, c, que os reclusos "[t]êm direito a comunicar-se, quando o solicitarem, com seus familiares, advogado de defesa, assistente, religioso ou médico".

 

56. De acordo com a alegação dos peticionários, o Senhor Hernández Lima solicitou às autoridades que o tinham sob custódia que notificassem a sua mãe. No expediente penitenciário, constava a indicação da residência da Senhora Lima. Apesar disso, esta não foi notificada. Somente tomou conhecimento da detenção e morte do filho depois que este já tinha sido enterrado pelas autoridades do centro de detenção.

 

57. É igualmente claro que a omissão dessa notificação por parte das autoridades da Guatemala constitui uma conduta violatória do artigo 7 da Convenção, considerando-se que essa é outra das condições fixadas na Constituição da Guatemala para a detenção.

 

c) Violação do direito à vida (artigo 4) e à integridade pessoal (artigo 5)

58. Segundo se depreende do disposto pelos artigos 4 e 5 da Convenção, toda pessoa privada da liberdade tem direito a que o Estado lhe garanta o direito à vida e o direito à integridade pessoal. Em conseqüência, o Estado, como responsável dos estabelecimentos de detenção, é o garantidor desse direitos dos detentos.44/ É necessário recordar também que a Corte ponderou que, em consonância com o artigo 1.1, o Estado guatemalteco "tem o dever jurídico de prevenir, razoavelmente, as violações dos direitos humanos".45/

 

59. O Estado da Guatemala, como garantidor especial desses direitos dos detentos, deveria alegar e sustentar adequadamente que tomou as medidas necessárias para garantir a vida e saúde do Senhor Hernández Lima. Todavia, o Estado não contestou o alegado pelos peticionários nem apresentou provas que demonstrem que agiu razoavelmente para prevenir a morte do Senhor Hernández.

 

60. O Estado guatemalteco, por conseguinte, cometeu uma omissão que violou seu dever de garantir a saúde e a vida do Senhor Hernández Lima, levando-se em conta que a vítima estava sob sua custódia, sem a possibilidade de recorrer a parentes, a um advogado ou a médico particular, e que, portanto, o Estado exercia um controle completo sobre sua vida e integridade pessoal.

 

61. A Comissão considera que o peticionário sustentou de forma coerente e específica, e com os meios a seu alcance, que o Estado da Guatemala não garantiu ao Senhor Hernández Lima sua integridade pessoal e sua vida. Da mesma forma, e mais importante ainda, a Comissão estabeleceu que o Estado não demonstrou ter atuado com a diligência necessária para proteger a vida e saúde da vítima e que, muito pelo contrário, se negou a prestar informações relevantes no caso presente.

 

d) Violação do artigo 8.2 da Convenção Americana

 

62. O artigo 8.2 da Convenção estabelece que toda pessoa acusada de delito tem direito a certas garantias, incluindo o:

 

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei.

63. A denominação da conduta pela qual a pessoa é presa, seja contravenção, falta ou infração, não tem relevância para os efeitos da aplicação das garantias estabelecidas na Convenção. Devido à grande importância que tem o direito à liberdade pessoal no âmbito da Convenção, a Comissão considera que as garantias processuais reconhecidas para as pessoas privadas de sua liberdade por terem cometido um delito são também aplicáveis às pessoas detidas em virtude de pequenos delitos, contravenções ou infrações.

 

64. O Senhor Hernández Lima gozava das garantias estabelecidas no artigo 8.2 da Convenção. A contravenção pela qual foi processado está contemplada no Código Penal e, por fundamentar sob certas circunstâncias a detenção do imputado, assemelha-se a um delito.46/

 

65. Com efeito, de acordo com o alegado pelos peticionários e segundo consta no ofício de sentença, no presente caso o Senhor Hernández Lima não contou com a assistência de um advogado de defesa. O Governo da Guatemala não rebateu o exposto pelos peticionários. Em conseqüência, a Comissão considera que a Guatemala violou as garantias judiciais do artigo 8.2 da Convenção.

 

f) Violação dos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana

 

66. No contexto dos artigos 1.1 e 25 da Convenção Americana, segundo afirmou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado guatemalteco "está no dever jurídico de prevenir, razoavelmente, as violações dos direitos humanos, de investigar seriamente com os meios a seu alcance as violações cometidas no âmbito de sua jurisdição para identificar os responsáveis, impor-lhes as sanções pertinentes e assegurar à vítima uma reparação adequada".47/ O Estado guatemalteco tem o dever de investigar "com seriedade e não como uma simples formalidade condenada de antemão a ser infrutífera".48/ Conseqüentemente, a obrigação de investigar é uma obrigação de meio, que exige que os Estados apliquem um grau de diligência razoável na determinação dos fatos.

 

67. O artigo 25 da Convenção Americana diz:

 

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

2. Os Estados partes comprometem-se:

 

a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso.

68. O artigo 8.1 da Convenção Americana estabelece:

 

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

69. A obrigação de comportamento consagrada no artigo 1.1 é um corolário necessário do direito de todo indivíduo a recorrer a um tribunal para obter proteção judicial quando for vítima da violação de qualquer de seus direitos humanos. Em caso contrário, o direito a recurso efetivo consagrado no artigo 25 seria absolutamente vazio de conteúdo.49/

 

70. A Comissão considera que o direito a recurso consagrado no artigo 25, interpretado em conjunto com a obrigação do artigo 1.1 e o disposto no artigo 8.1, deve entender-se como o direito de todo indivíduo a ter acesso a um tribunal quando algum de seus direitos for violado — direito que pode ser protegido pela Convenção, pela Constituição ou pelas leis internas do Estado --, de obter uma investigação judicial conduzida por um tribunal competente, imparcial e independente, em que se estabeleça a existência ou não da violação e de que se determine, quando for o caso, uma compensação adequada.

 

71. Desse modo, a vítima tem direito a obter do Estado uma investigação judicial que se realize "seriamente com os meios a seu alcance... para identificar os responsáveis [e] impor-lhes as sanções pertinentes".50/

 

72. A Convenção exige que os Estados ofereçam recursos efetivos às vítimas de violações de seus direitos humanos. A Comissão entende que, nos casos em que existem violações do direito à vida, a omissão do Estado em fornecer recursos efetivos afeta os familiares da pessoa falecida e, portanto, os transforma em "vítimas" indiretas, aplicando-se o direito à proteção judicial, definida em sentido amplo, ou seja, incluindo o direito de conhecer qual foi o destino do ser querido e o direito à reparação.

 

73. No caso presente, a Senhora Lima se constituiu em "demandante formal" dentro do processo criminal, na tentativa de fazer o processo andar com o propósito de investigar e punir os responsáveis pela morte de seu filho. A Comissão observou em outro caso que, quando se permite o acesso à jurisdição criminal por parte da vítima e/ou seus parentes, este acesso se converte em "um direito fundamental do cidadão".51/ A Senhora Lima não recebeu a proteção desse direito prevista nos artigos 1, 8 e 25 da Convenção, por falta de uma investigação e um julgamento efetivos. Como resultado, a Senhora Lima não recebeu nenhuma reparação e não pôde conhecer as circunstâncias da morte do filho e as responsabilidades em relação a ela.

 

74. Não se permitiu que a demandante privada, mãe de Juan Hernández Lima, tivesse acesso às informações relacionadas com o processo judicial sobre a morte do filho, conquanto o artigo 314 do Código Processual Penal da Guatemala permita que qualquer pessoa que intervém no processo examine as atuações. Dessa maneira, ela foi efetivamente impedida de exercer o direito estabelecido no artigo 8.1 da Convenção.

 

75. O direito internacional dos direitos humanos estabelece que, para se determinar se um processo judicial se desenvolveu "em um prazo razoável", em conformidade com o artigo 8.1 da Convenção, é necessário avaliar as circunstâncias específicas do caso em questão. Deve-se realizar esse análise levando em conta três critérios básicos: 1) a conduta da vítima; 2) a conduta do tribunal; e 3) a complexidade do caso em questão.52/ Estes princípios podem ser aplicados também para determinar se houve acesso ao recurso "rápido", requerido pelo artigo 25.1 da Convenção.

 

76. Em relação à conduta da vítima, no caso presente a Senhora Lima se constituiu em demandante formal no processo criminal originado pela morte de seu filho em 1º de julho de 1993. A Senhora Lima solicitou a realização de numerosas diligências com o objetivo claro de conseguir das autoridades guatemaltecas informações a que ela não tinha acesso.

 

77. Quanto à conduta do tribunal, apesar de a Senhora Lima ter solicitado naquela ocasião a realização de diligências, os peticionários alegam que elas nunca foram levadas a cabo e que de fato não houve atuação alguma por parte do tribunal depois daquela data. O Governo não afirmou que as diligências foram realizadas nem que o tribunal tenha efetuado outras depois do mês de julho de 1993. Ao contrário, ele se recusou a fornecer informações neste sentido. No entanto, da resposta do Governo de 27 de fevereiro de 1996, em que se indica que as investigações serão reativadas, tranferindo-se o caso para o Ministério Público, se depreende que o expediente sequer estava na esfera do organismo competente segundo o novo Código Processual Penal e que tampouco foram efetuadas as diligências pertinentes no caso.

 

78. É evidente para a Comissão que a conduta dos agentes judiciais do Governo foi negligente. Decorreram 33 meses desde seu início sem que o processo tenha avançado em sua etapa mais elementar. Por essa razão, a Comissão considera que não é necessário entrar na avaliação da complexidade do caso, já que a total paralisia de um processo durante o período de 33 meses é suficiente para se considerar que o prazo não é razoável e que a Senhora Lima não teve acesso a um recurso rápido.

 

79. Conclui a Comissão que o processo judicial mediante o qual seriam determinados os direitos da Senhora Lima não se desenvolveram de acordo com os requisitos dos artigos 8 e 25 da Convenção.

 

 

VI. RESPOSTA AO RELATÓRIO ARTIGO 50 DA COMISSÃO

 

80. A Comissão, em seu 92º Período Extraordinário de Sessões, aprovou, em conformidade com o artigo 50 da Convenção, o Relatório Nº 22/96 referente ao presente caso e, em comunicação de 31 de maio de 1996, o transmitiu ao Governo da Guatemala com as recomendações da Comissão, solicitando ao Governo que, no prazo de 60 dias, a informasse sobre as medidas que viesse a adotar para cumprir as recomendações e resolver a situação examinada. Em comunicação de 6 de agosto de 1996, o Governo da Guatemala transmitiu à Comissão sua resposta ao Relatório Nº 22/96.

 

81. A Comissão toma nota com satisfação que o Governo aceitou a recomendação formulada no sentido de que cumprisse as normas da Convenção quanto à tramitação de casos na Comissão e assegura que colaborará com as solicitações que lhe forem dirigidas. A Comissão também toma nota das observações feitas na resposta do Governo da Guatemala que indicam que ele está realizando um importante trabalho para conseguir a proteção dos direitos humanos.

 

82. Todavia, a Comissão considera que o Estado não demonstrou em sua resposta ao relatório artigo 50 que cumpriu integralmente as recomendações mais importantes feitas pela Comissão para resolver a situação examinada. A Comissão observa que a resposta do Governo coloca em evidência que o Ministério Público está realizando atualmente diligências investigativas importantes relacionadas com o caso. No entanto, tal como reconhece o mesmo Governo, as investigações não estão concluídas e não se conhecem seus resultados. O Estado guatemalteco não identificou, processou ou puniu qualquer dos responsáveis pelas violações. Tampouco determinou uma indenização.

 

Portanto,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 

CONCLUI:

 

83. Com fundamento no que foi exposto no presente relatório e considerando as observações do Governo da Guatemala prestadas sobre o Relatório Nº 22/96, a Comissão chega às seguintes conclusões:

 

a) que o Estado da Guatemala é responsável pela violação da obrigação de respeitar o direito à liberdade pessoal (artigo 7, itens 1, 2 e 3) e pela violação da obrigação de respeitar as garantias judiciais (artigo 8.2) do Senhor Juan Hernández Lima, em conformidade com o artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos;

b) que o Estado da Guatemala é responsável, por omissão, pela violação de sua obrigação de garantir o direito à vida (artigo 4) e o direito à integridade pessoal (artigo 5, itens 1 e 2) do Senhor Juan Hernández Lima, em conformidade com o artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos;

c) que o Estado da Guatemala é responsável pela violação da obrigação de respeitar as garantias judiciais (artigo 8.1) e de conceder um recurso efetivo (artigo 25) à Senhora Gabriela de María Lima Morataya, mãe do Senhor Juan Hernández Lima, em conformidade com a obrigação genérica estabelecida no artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

RECOMENDA:

 

84. A Comissão recomenda que o Estado da Guatemala:

 

a) investigue e puna os responsáveis pela violação dos direitos do Senhor Hernández Lima e de sua mãe;

b) proponha um processo rápido e efetivo voltado para a compensação da família do Senhor Hernández Lima pelas violações dos direitos humanos antes enunciados dentro do período estabelecido no parágrafo seguinte, que satisfaça plenamente as normas do sistema interamericano de direitos humanos nessa matéria;

c) assegure o direito à defesa e o exercício das garantias indispensáveis consagradas no artigo 8.2 da Convenção nos casos de pequenos delitos e contravenções que possam resultar na detenção do acusado.

85. Publicar o presente relatório no Relatório Anual a ser submetido à Assembléia Geral da OEA, em virtude dos artigos 48 do Regulamento da Comissão e 51.3 da Convenção, uma vez que o Governo da Guatemala não adotou as medidas necessárias para solucionar a situação denunciada dentro dos prazos concedidos.

 

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36 . Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1994, Relatório Nº 25/94, Caso 10.508, Guatemala, 22 de setembro de 1994, página 52.

37 . Ver artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

38 . Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafos 135 e 136.

39 . Idem, parágrafo 138.

40 . Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1995, Relatório Nº 13/96, Caso 10.948, El Salvador, 1º de março de 1996, parágrafos 19-21; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1995, Relatório Nº 5/96, Caso 10.970, Peru, 1º de março de 1996, páginas 185-186.

41 . Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 164.

42 . Idem, parágrafo 166.

43 . Neste sentido, ver Corte Européia de Direitos Humanos, Caso Brogan e Others v. Reino Unido, Sentença de 29 de novembro de 1988, Série A Nº 145-B, parágrafo 58.

44 . Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Neira Alegría e Outros, Sentença de 19 de janeiro de 1995, parágrafo 60.

45 . Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 174.

46 . Ver Corte Européia de Direitos Humanos, Caso DeWilde, Ooms e Versyp vs. Bélgica, Série A, Nº 12.

47 . Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 174.

48 . Idem, parágrafo 178.

49 . Neste sentido, a Corte Interamericana observou em sua Sentença de Exceções Preliminares no caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 91:

[Nos termos da Convenção,] os Estados partes se obrigam a fornecer recursos judiciais efetivos às vítimas de violação dos direitos humanos (artigo 25), recursos que devem ser consubstanciados de conformidade com as regras do processo legal devido (artigo 8.1), tudo isso dentro da obrigação geral que incumbe aos mesmos Estados de garantir o exercício livre e pleno dos direitos reconhecidos na Convenção a toda pessoa que se encontre sob sua jurisdição (artigo 1.1).

50 . Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 174.

51 . Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1992-1993, Relatório Nº 28/92, Casos 10.147, 10.181, 10.240, 10.262, 10.309 e 10.311, Argentina, 2 de outubro de 1992, parágrafo 34; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1992-1993, Relatório Nº 29/92, Casos 10.029, 10.036, 10.145, 10.305, 10.372, 10.373, 10.374 e 10.375, Uruguai, 2 de outubro de 1992, parágrafo 41.