RELATÓRIO ANUAL 1996

RELATÓRIO Nº 29/96
CASO 11.303
GUATEMALA
16 de outubro de 1996


1. O peticionário Carlos Ranferí Gómez López, de nacionalidade guatemalteca e membro ativo de grupos sindicais de seu país, alega ter sido vítima de um atentado contra sua vida por agentes das forças militares da Guatemala no dia 25 de fevereiro de 1993 e ter sido privado de proteção judicial. Em sua denúncia, alega a violação de vários artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ("a Convenção").

 

I. ANTECEDENTES

 

A. As alegações de fato contidas nas comunicações do peticionário

2. Em 7 de junho de 1994, o Senhor Carlos Ranferí Gómez López fez chegar à Comissão uma denúncia contra o Estado da Guatemala, em que alegava a violação de direitos garantidos pela Convenção. Em sucessivas comunicações, ampliou os fatos denunciados.

 

3. O peticionário explica em sua denúncia que, antes dos fatos relatados, desempenhava a função de Secretário-Geral do Sindicato de Trabalhadores do Instituto Nacional de Comercialização Agrícola e, ao mesmo tempo, exercia o cargo de Secretário Geral Adjunto da União de Trabalhadores de Quetzaltenango (UTQ). Vários dias antes do ataque, recebeu por telefone ameaças de morte, nas quais era advertido de que, se não abandonasse seu trabalho sindical e social, seria morto.

 

4. Segundo a denúncia, dias antes do atentado o Senhor Gómez López integrou uma delegação — junto com repórteres internacionais — que visitou as Comunidades de População em Resistência (CPR) pertencentes ao departamento de Quiché, que tiveram de abandonar seus lares em razão do conflito armado existente na área. O propósito da delegação era observar como estavam vivendo essas comunidades e colher os depoimentos e denúncias relacionados com a perseguição a que eram submetidas por parte do Exército guatemalteco. A tarefa específica do Senhor Gómez López era filmar e fotografar as condições de vida da comunidade e fornecer os elementos necessários para a criação de um documentário que seria exibido nacional e internacionalmente. Sua filmagem incluía a tomada de cenas de ações militares do Exército, que perseguia e intimidava os membros das mencionadas comunidades.

 

5. Em 25 de fevereiro de 1993, o Senhor Gómez López regressava em um ônibus público da visita às CPR. Quando o coletivo percorria a Rodovia Interamericana, perto de Quetzaltenango, um grupo de indivíduos o interceptou e parou. Os homens estavam armados, usavam gorros que lhes cobriam os rostos, vestiam camisas militares verde oliva, usavam chapéus também militares e calças civis. Portavam armas automáticas de cabo reto, como as usadas pelo Exército guatemalteco. Vários desses indivíduos entraram no ônibus e fizeram todos os passageiros descer, com exceção do Senhor Gómez López, que dormia na parte traseira e não percebeu o incidente. Acordaram-no a pontapés e puxando pelo cabelo; logo começaram a revistar a bolsa que continha seu equipamento de filmagem.

 

6. Um dos homens disse: "Este é o equipamento." Outro falou: "Você vai morrer, seu marxista de merda" e lhe atirou no peito, a centímetros de coração. O homem que atirou disse a outro ter certeza de que matara o peticionário, por ter acertado o coração. Os homens pegaram o equipamento de filmagem, atiraram contra os pneus do ônibus e fugiram do lugar com os demais indivíduos que esperavam fora.

 

7. Segundo a denúncia, um colega do Senhor Gómez López da União de Trabalhadores de Quetzaltenango que viajava no ônibus o socorreu transportando-o em um veículo particular à Delegacia de Polícia Nacional em Cuatro Caminos, onde os acompanhantes do Senhor Gómez López pediram a cooperação dos policiais para transportá-lo ao hospital mais próximo, mas estes se negaram e ameaçaram a outras pessoas que se ofereceram para transportá-lo.

 

8. Enquanto isso, a situação do Senhor Gómez López piorava e ele continuava perdendo sangue. Um motorista que não se identificou ofereceu-se para levá-lo ao hospital em Totonicapán. Chegaram à clínica às 12h30 de 26 de fevereiro. O peticionário permaneceu no Hospital Nacional de Totonicapán por dois dias. Durante sua estadia neste hospital, membros da Polícia Nacional e das forças armadas visitaram o centro médico pedindo informações sobre as suas condições de saúde. As enfermeiras da clínica não atenderam às solicitações de policiais e membros do Exército de entrar no quarto em que ele se encontrava. Temendo por sua segurança, seus companheiros sindicalistas decidiram removê-lo do hospital, embora sua condição não fosse propícia para viajar.

 

9. Foi transladado para o Hospital Privado de Quetzaltenango, onde se fizeram radiografias. Comprovou-se que a bala se fragmentara ao penetrar em seu corpo, causando lesões múltiplas no fígado e no pâncreas. O estado do Senhor Gómez López exigia uma intervenção cirúrgica e um atendimento intensivo imediato.

 

10. Após a intervenção cirúrgica, sua situação continuou delicada, sendo necessário um tempo prolongado para sua recuperação. Depois de 30 dias de permanência no hospital, aconteceu ainda que uma determinada quantidade de fluido intravenoso que deveria ser ministrada no período 24 horas lhe foi aplicada em apenas uma hora. Isso provocou uma reação grave, e ele teve de ser transladado à unidade de tratamento intensivo. Como conseqüência, o Senhor Gómez López sentiu que não estava seguro na Guatemala e, em 5 de abril, foi transferido de Quetzaltenango para a Cidade da Guatemala. Ali permaneceu dois dias em um hospital, seguindo depois para o aeroporto, onde embarcaria para a cidade de Chicago com o objetivo de continuar seu tratamento médico.

 

11. Foi acompanhado até o aeroporto por um médico. Depois de passar pela alfândega e pelo departamento de migrações, o Senhor Gómez López foi detido por agentes aduaneiros, que o intimidaram afirmando que seu visto e passaporte eram falsos. O Senhor Gómez López só conseguiu autorização para ter acesso a seu vôo devido à insistência do médico acompanhante.

 

12. Tendo chegado aos Estados Unidos em 8 de abril de 1993, foi internado no Hospital do Condado de Cook em Chicago, Ilinois, onde recebeu tratamento durante 22 dias. Recebeu alta em 30 de abril e hospedou-se em um centro para refugiados em Chicago. Ali permaneceu dois meses e oito dias.

 

13. Durante esse tempo, o Senhor Gómez López viveu em condições extremas de dor e angústia, provocadas pelas intervenções cirúrgicas, que não lhe permitiam levar uma vida normal. Ele precisava da ajuda de enfermeiras para realizar atividades vitais mínimas, como alimentar-se, ir ao banheiro ou dormir.

 

14. Depois que o Licenciado Ramiro de León Carpio assumiu a Presidência da República da Guatemala, o Senhor Gómez López decidiu regressar a seu país. Chegou em 2 de julho de 1993, acompanhado do Senhor William Wagner, um assistente social norte-americano e voluntário do Centro Kovler para o Tratamento de Sobreviventes de Tortura.

 

15. Segundo o peticionário, durante os 20 dias que permaneceu na Guatemala a casa em que se hospedava e o escritório do sindicato foram mantidos sob constante vigilância por veículos com vidros fumê e sem placas e por desconhecidos à paisana. William Wagner observou soldados mantendo guarda no teto da casa onde estavam hospedados. Da mesma forma, entre 8 e 11 de julho, indivíduos armados, alguns de uniforme militar de camuflagem, em caminhões do tipo militar, estacionaram em frente à casa do Senhor Gómez López durante determinadas horas do dia, acelerando os motores dos veículos em sinal evidente de ameaça.

 

16. Em seguida a esses acontecimentos, o Senhor Gómez López decidiu sair de seu país. Em 22 de julho, acompanhado de repórteres, de membros das Brigadas de Paz e de amigos pessoais, dirigiu-se ao aeroporto da Guatemala e abandonou o país sem nenhum incidente.

 

17. O peticionário denuncia a violação de seu direito à proteção judicial. Sustenta que a causa judicial Nº 399/93, depois de passar por várias contendas de jurisdição, radicou-se no Juizado de Primeira Instância de Sololá. Ali nunca se recebeu o depoimento da vítima e das testemunhas; tampouco foram solicitados relatórios do médico legista e de balística. Segundo consta do próprio expediente judicial, não houve qualquer avanço na investigação desde o dia 6 de abril de 1993.

 

18. Sustenta que as diligências realizadas pelo Fiscal Geral do Departamento de Sololá em 1995 resultaram insuficientes e limitadas. A investigação preliminar levada a cabo pelo Departamento de Investigações da Procuradoria dos Direitos Humanos tampouco lançou luz sobre as investigações.

 

19. O peticionário alega, em definitivo, que, apesar de terem se passado três anos desde que um representante da Unidade de Ação Sindical Popular (UASP) apresentou a queixa judicial pelos fatos e de se ter aberto o expediente penal Nº 399/93 perante o Juizado de Primeira Instância de Sololá, os órgãos judiciais do Governo da Guatemala não conduziram uma investigação adequada nem realizaram as diligências necessárias para tentar esclarecer os fatos e identificar e processar seus responsáveis.

 

B. Procedimento na Comissão - Posição das partes

 

20. A Comissão acusou recebimento da petição em 4 de junho de 1994 e registrou o caso com o número 11.303. Em 22 de junho de 1994, o peticionário enviou à Comissão o alegado em apoio da denúncia e o memorial de um Amicus Curiae relacionado com os fatos.

 

21. Atuando de acordo com o estabelecido no artigo 48.1.a da Convenção e no artigo 34 de seu Regulamento, em 27 de junho de 1994 a Comissão passou ao Governo da Guatemala cópia das partes pertinentes da petição, solicitando-lhe que fornecesse informações sobre os fatos que eram objeto dessa comunicação no prazo de 90 dias. Da mesma forma, solicitou todos os elementos de julgamento que permitissem apreciar se no caso tinham sido esgotados os recursos de jurisdição interna.

 

22. A resposta inicial do Governo da Guatemala resume a sua versão dos fatos ocorridos em 25 de fevereiro de 1993 e expõe o modo e a situação atual das investigações levadas a cabo pelo Estado. Afirma que, embora não tenham ainda chegado a resultado positivo, as investigações se encontram em tramitação. Por isso, solicita a declaração de inadmissibilidade da petição, já que a existência de um processo em tramitação e regulado pela lei processual criminal do país indica que o peticionário não esgotou a jurisdição interna, como estabelecem os artigos 35 alínea a) e 37 parágrafo primeiro do Regulamento da Comissão. Em 17 de outubro de 1994, a Comissão passou ao peticionário cópia das partes pertinentes da resposta inicial do Governo, concedendo-lhe 45 dias para o envio de suas observações.

 

23. Em 28 de dezembro de 1994, foi remetido ao Governo as partes pertinentes da resposta dos peticionários.

 

24. A Comissão promoveu uma audiência com a presença de ambas as partes em 3 de fevereiro de 1995, de acordo com o estabelecido no artigo 65 de seu Regulamento. A parte reclamante reiterou suas pretensões e expôs as razões que justificariam a aplicação da exceção do esgotamento dos recursos internos. O peticionário Carlos Ranferí Gómez López prestou seu depoimento perante a Comissão. Por sua vez, os representantes do Estado apresentaram uma versão dos fatos distinta da do peticionário. Qualificaram o fato como delito comum, sem motivações políticas nem de caráter seletivo, já que outros passageiros também tinham sido vítimas de roubo. Descartaram assim a autoria de agentes públicos. Por outro lado, alegaram que a ineficácia das investigações existentes tinha sua causa na falta de cooperação da vítima, a que ela estava obrigada. Por isso, sustentaram a falta de esgotamento dos recursos internos.

 

25. Em 15 de fevereiro de 1995, o Governo da Guatemala enviou à Comissão uma carta informando sobre os resultados do Departamento de Investigações da Procuradoria de Direitos Humanos de Sololá. Em 22 de fevereiro de 1995, a Comissão passou ao peticionário cópia da referida comunicação.

 

26. Em 29 de março de 1995, a Comissão passou ao peticionário cópia das partes pertinentes de uma comunicação enviada pelo Governo datada de 18 de março de 1995. Nessa comunicação, o Governo anexava cópia de determinadas seções do relatório preparado pelo Departamento de Investigações da Procuradoria de Direitos Humanos.

 

27. Em 17 de abril de 1995, o peticionário apresentou suas observações relativas às comunicações do Governo. A Comissão passou cópia das partes pertinentes ao Estado da Guatemala.

 

28. Em 18 de abril de 1995, o Governo enviou uma comunicação em que informava que a investigação dos fatos continuava em andamento. Além disso, o Governo reiterava sua versão de que os fatos que afetaram o peticionário não constituíram uma ação seletiva, mas que resultaram de um atentado comum. Sustentava igualmente que o peticionário se negou a cooperar nas investigações, uma vez que as autoridades não conseguiram fazê-lo comparecer por ignorarem o seu paradeiro. Por isso, alegava a falta de esgotamento dos recursos internos. Em 5 de maio de 1995, foram remetidas ao reclamante as partes pertinentes da comunicação do Governo.

 

29. O peticionário enviou suas observações, e em 2 de junho de 1995 a Comissão remeteu ao Governo as partes pertinentes. O peticionário sustenta que as afirmações do Governo são inconsistentes porque não se fundamentam em fatos e documentos probatórias. Afirma que até a presente data nenhuma das investigações realizadas na Guatemala produziu resultados satisfatórios. Acha absurda a afirmação do Governo no sentido de que desconhece seu paradeiro pois que, pelo menos a partir de junho de 1994 (data do início do caso), teria sido possível conseguir sua localização por meio de seu advogado.

 

30. Em 17 de julho de 1995, a Comissão passou ao peticionário cópia da resposta do Governo da Guatemala. O Governo da Guatemala sustenta que o Fiscal Geral do Departamento de Sololá tentou realizar diversas diligências. Da mesma forma, o Departamento de Investigações da Procuradoria dos Direitos Humanos levou a cabo uma investigação preliminar, cujo resultado consta de um relatório especial que foi entregue ao Juiz de Primeira Instância de Sololá.

 

31. Em 20 de outubro de 1995, remeteu-se ao Governo as partes pertinentes da resposta dos peticionários. A Comissão solicitou também ao Governo da Guatemala que dentro do prazo de 30 dias informasse sobre as diligências realizadas pelo Ministério Público e fornecesse o relatório da Procuradoria de Direitos Humanos e das declarações por ela tomadas. O Governo não respondeu a esta solicitação nem à comunicação do peticionário.

 

II. ANÁLISE

 

A. Admissibilidade

 

32. Dos antecedentes analisados se depreende que esta Comissão é competente para tomar conhecimento da matéria, posto que a denúncia expõe fatos que caracterizam violações de direitos garantidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 47.b da Convenção).

 

33. Com relação às condições impostas pelos artigos 46.c e 47.d da Convenção, não aparece do expediente nem se alegou que a denúncia constitua a reprodução substancial de uma petição já examinada ou que se encontre na dependência de outro procedimento de acordo internacional.

 

34. Em concordância com a instância prevista no artigo 48.1.f da Convenção, em 7 de fevereiro de 1995 a Comissão enviou às partes uma carta por meio da qual se ofereceu para gerir e mediar um procedimento de solução amistosa no caso. Por sua parte, o representante do peticionário também apresentou esta ação aos representantes do Governo em 7 de março de 1995. No entanto, em 8 de abril de 1995 o Governo fez saber à Comissão de forma expressa que não tinha a intenção de submeter o caso a um procedimento de solução amistosa.

 

35. Levando-se em conta que o caso do Senhor Gómez López apresenta as situações contempladas no artigo 46.2 da Convenção, a condição do esgotamento dos recursos internos prevista no artigo 46.1.a. não se aplica. Efetivamente, as disposições do artigo 46.2 eximem o esgotamento dos recursos internos, pois, no caso do Senhor Gómez López, tendo-se dado entrada aos recursos judiciais adequados para a investigação dos fatos, depois de três anos de sua interposição eles não tinham apresentado resultados apropriados nem decisões expressas em relação a seus direitos.

 

36. Em 26 de fevereiro de 1993, um dia depois do atentado, um representante da Unidade de Ação Sindicalista Popular (UASP) deu uma declaração à imprensa tornando público o incidente e formulou uma denúncia solicitando sua investigação judicial. (Depoimento de Nery Barrios e Luis Gonzáles; recortes de matéria publicada nos jornais El Nacional, de 26 de fevereiro de 1993, página 7, e Siglo Veintiuno, de 27 de fevereiro de 1993, página 6).

 

37. Abriu-se um processo criminal no Juizado de Paz de Totonicapán. De seu expediente constava um relatório policial muito precário, que apresentava apenas um relato dos fatos sem indicar os elementos de investigação. (O peticionário apresentou como prova uma ata notarial dos expedientes judiciais levantada em 4 de janeiro de 1994 pelo tabelião Alejandro Rodríguez Barillas, convocado por ele para esse efeito. Daqui por diante, "ata notarial").

 

38. Em 27 de fevereiro de 1993, o Juiz de Paz de Totonicapán ordenou o início da etapa de formação de culpa do processo. No mesmo dia, porém, sustou-se o caso alegando falta de jurisdição territorial. Por isso, o caso foi remetido ao Juiz de Paz de Sololá (ata notarial).

 

39. Em 15 de março, o Juiz de Paz de Sololá recebeu o caso e também ordenou que se desse início à etapa de formação de culpa, que requer a investigação criminal do fato. No entanto, em 7 de março, também ele se retirou do caso por falta de jurisdição territorial e o remeteu ao Juiz Criminal de Primeira Instância de Sololá (ata notarial).

 

40. O Juiz de Primeira Instância Penal de Sololá recebeu o expediente em 29 de março e mais uma vez ordenou a abertura da etapa de formação de culpa (ata notarial).

 

41. Depois de aproximadamente duas semanas da intervenção do Juiz de Sololá, o Fiscal Oficial (o Ministério Público) recebeu o caso via carta oficial e solicitou uma investigação legal dos fatos. Com esse requerimento, o processo foi oficialmente admitido (ata notarial).

 

42. Desde a abertura do expediente nº 399/93 no Juizado de Primeira Instância Criminal de Sololá para investigar os fatos que afetaram o Senhor Gómez López até a data do levantamento da ata notarial extraída pelo Licenciado Alejandro Rodríguez Barillas em 4 de janeiro de 1994, não se realizou nem promoveu qualquer diligência. Isso significa que, passados quase 12 meses da data dos acontecimentos, nem a vítima nem as testemunhas do processo tinham sido ouvidas, nem o relatório médico legal fora anexado ao processo para fazer constar as lesões sofridas pelo Senhor Carlos Ranferí Gómez López (ata notarial).

 

43. O Governo da Guatemala alega em comunicação de 7 de julho de 1995 que o Fiscal Geral do Departamento de Sololá tentou realizar diversas diligências. E também que o Departamento de Investigações da Procuradoria dos Direitos Humanos levou a cabo uma investigação preliminar, cujo resultado consta de um relatório especial que foi entregue ao Juiz de Primeira Instância de Sololá.

 

44. Todavia, o Governo da Guatemala não deu resposta à comunicação da Comissão de 20 de outubro de 1995 em que se solicitavam informações específicas relativas às diligências realizadas ou tentadas pelo Ministério Público e em que se pedia a apresentação do relatório da Procuradoria de Direitos Humanos.

 

45. O próprio Governo da Guatemala afirmou que o expediente nº 399/93 continua tramitando no Juizado de Primeira Instância Criminal do Departamento de Sololá na etapa da instrução, sem que até a presente data tenha produzido uma decisão sobre a matéria. Isso significa que, decorridos três anos da data dos episódios, os órgãos judiciais do Governo da Guatemala não conseguiram conduzir uma investigação adequada nem realizar as diligências necessárias para esclarecer o caso e identificar e processar os responsáveis.

 

46. A Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu "...que o Estado que alega o não-esgotamento tem a seu cargo indicar os recursos internos que devem ser esgotados e sua efetividade". [Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 88 (ênfase acrescida)]. O Governo da Guatemala justifica a ineficácia do recurso judicial sustentando que o Senhor Gómez López não cumpriu o seu dever de cooperar com a investigação e o prosseguimento do caso; o juiz do processo teria tido dificuldades em seu trabalho em virtude dessa falta de cooperação. Afirma que, segundo a legislação vigente na época do fato (artigos 77, 165 e 174 do Código Processual Penal), cabia ao ofendido apresentar-se e oferecer seu depoimento, as provas, as evidências, a indicação dos responsáveis e todos os elementos pertinentes, no prazo de cinco dias, para cooperar com o juiz na investigação do caso. A falta desse comparecimento corresponde à retirada da denúncia.

 

47. Cabe dizer, em primeiro lugar, que o Governo da Guatemala não apresentou os elementos necessários para provar suas afirmações e que tampouco elas são extraíveis da documentação existente no caso. Além disso, alega apenas a falta de cooperação, e não a paralisia das investigações ou a atuação contra elas.

 

48. Em segundo lugar, as conclusões jurídicas do Governo da Guatemala não são corretas. De acordo com o artigo 68 do Código Processual Penal anterior, a ação penal é pública. Por isso, seu exercício cabe ao Ministério Público. Nos casos de delitos contra a liberdade e a segurança sexuais e contra o pudor, as ações são públicas mas dependentes de instância privada (artigo 72). Isso significa que para o início da ação é necessária a denúncia do ofendido. Mas, no caso do Senhor Gómez López, qualquer que seja a qualificação legal do fato (tentativa de homicídio ou ferimentos gravíssimos), a ação é pública pelo tipo de delito e cabe ao Ministério Público iniciá-la e levá-la adiante.

 

49. As disposições dos artigos 77, 165 e 174 do antigo Código Processual Penal regem a possibilidade de a vítima participar oficialmente do processo criminal de ação pública. Assim, se o ofendido não formular acusação em sua primeira declaração ou dentro de cinco dias, ele será considerado fora do processo. Mas isso não significa que se retire sua denúncia ou que a ação pública seja suspensa, pois essa deverá continuar a ser exercida pelo Ministério Público. Deve ficar claro que a possibilidade de participar do processo oferecendo provas e opiniões é um direito, e não uma obrigação. As coisas se passam dessa forma porque a obrigação de esclarecer o fato e identificar os responsáveis é do Ministério Público e do juiz instrutor, que estão autorizados pelas normas processuais a implementar para esse fim todas as medidas necessárias. Por isso, não é válida a variável que o Governo da Guatemala tenta apresentar para justificar a ineficácia dos recursos internos.

 

50. Além disso, a forma como se constituiu a lei interna é a que a Corte Interamericana adotou quando, em Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 177, se refere à obrigação de investigar que emana dos compromissos assumidos pelos Estados partes no artigo 1.1 da Convenção Americana. Essa obrigação "...deve ter um sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou do aporte privado de elementos probatórios, sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade". No presente caso, os recursos internos foram devidamente apresentados e o Governo não cumpriu seu dever de levá-los adiante, incorrendo em um atraso injustificado. Por isso, não pode sustentar a falta de esgotamento dos recursos internos.

 

51. O peticionário anexa opiniões de peritos na matéria que a Comissão considera relevantes. Os peritos coincidem em afirmar que na Guatemala não é possível esgotar devidamente os recursos domésticos, dada a falta de efetividade e adequação crônica difundida no sistema judicial. (Declaração Jurada de Richard Wilson, página 5; Declaração Jurada de Paul Soreff, parágrafos 19, 28; Declaração Jurada de Alice Jay, Persecution by Proxy, páginas 51, 66; Declaração Jurada de Kenneth Anderson, Maximizing Deniability, página 5; Declaração Jurada de Elizabeth Iglesias, Guatemala Harvard/Report, páginas 46, 53, 88; Declaração Jurada de Thomas J. Barret, Justice Suspended, páginas 19, 57; ver também State Department Report, página 9).

 

52. Por tudo que se expôs, a Comissão considera que os recursos internos na Guatemala não são adequados e eficientes e que, portanto, as exceções do artigo 46.2 da Convenção Americana se aplicam ao caso.

 

53. A disposição do artigo 46.b da Convenção, que estabelece que toda petição deve ser interposta dentro do prazo de seis meses a partir da data em que se tenha notificado a decisão definitiva, não resulta aplicável ao caso porque não houve decisão definitiva nos recursos interpostos. Nos termos do artigo 38.2 de seu Regulamento, esta Comissão considera que a apresentação da petição foi efetuado dentro de um período razoável contado a partir da data em que ocorreu a violação dos direitos. Os fatos aconteceram em 25 de fevereiro de 1993, e a petição foi apresentada a esta instância em 7 de junho de 1994. Durante o tempo compreendido entre as duas datas, o peticionário aguardou razoavelmente os resultados a que as investigações judiciais poderiam chegar. Levando-se em conta a irregularidade e a falta de conhecimento claro do desenvolvimento das investigações, este espaço de tempo parece razoável e não atenta contra a segurança jurídica. De qualquer modo, o Governo da Guatemala não alegou o descumprimento desse requisito.

 

B. Méritos

 

1. A comprovação dos fatos

 

54. O peticionário incorporou ao caso importantes elementos de comprovação que a Comissão avaliou detidamente para elaborar suas conclusões de fato.

 

55. Com o que se extrai dos depoimentos jurados de Carlos Ranferí Gómez López, Nery Roberto Barrios de León e Luis González (vítima e testemunhas oculares do ataque), do conteúdo dos registros médicos do Hospital Privado de Quetzaltenango e do artigo publicado no jornal El Gráfico de 20 de março de 1993 (página 41), a Comissão dá como provados o caráter de dirigente sindical do peticionário, as ameaças de morte recebidas e a visita e as atividades realizadas nas CPR. Fundamentalmente, a Comissão dá como provado o atentado contra sua vida ocorrido em 25 de fevereiro de 1993.

 

56. Com efeito, está provado que em 25 de fevereiro de 1993 o Senhor Gómez López regressava em um ônibus público da visita às CPR. Que, quando o coletivo percorria a Rodovia Interamericana, perto de Quetzaltenango, um grupo de indivíduos o interceptou e parou. Que os homens estavam armados, usavam gorros que lhes cobriam os rostos, vestiam jaqueta militar verde oliva, chapéus também militares e calças civis. Que suas armas eram automáticas de cabo reto, armamento oficial do Exército guatemalteco. Que vários desses indivíduos entraram no ônibus e fizeram descer todos os passageiros, com exceção do Senhor Gómez López, que dormia na parte traseira e não tinha percebido o incidente. Que o acordaram a pontapés e puxões de cabelo. Que logo começaram a revistar a bolsa que continha seu equipamento de filmagem. Que um dos homens disse: "Este é o equipamento" e outro falou: "Você vai morrer, seu marxista de merda" e lhe atirou no peito, a centímetros de coração. Que o homem que atirou disse ao outro ter certeza de que matara o peticionário, porque acertara o coração. Que os homens pegaram o equipamento de filmagem, atiraram contra os pneus do ônibus e fugiram do lugar com os demais indivíduos que esperavam fora.

 

57. Diante dos depoimentos jurados de Carlos Ranferí Gómez López, Nery Barrios, William Wagner e Benito Juárez, a Comissão considera provado que, ao chegar a uma estação de polícia, os acompanhantes do Senhor Gómez López pediram cooperação aos agentes policiais para transportá-lo ao hospital mais próximo e que estes se negaram, afirmando que a condição do Senhor Gómez López era delicada e não convinha movimentá-lo. E que, além disso, ameaçaram a outras pessoas que se ofereceram para transportá-lo.

 

58. Os mesmos documentos permitem também dar por provado que no aeroporto da Guatemala, quando se preparava para sair do país, o Senhor Gómez López foi intimidado por agentes da alfândega, que o interceptaram e detiveram, dizendo que seu visto e passaporte eram falsos, e que somente devido à insistência do médico acompanhante o Senhor Gómez López conseguiu autorização para ter acesso a seu vôo. O fato de não se ter instruído nenhuma investigação com o propósito de demonstrar a falsidade incriminada, como aparece do expediente, permite considerar o ato como de caráter intimidatório.

 

59. Finalmente, e com os elementos antes mencionados, a Comissão considera como certo que durante os 20 dias que o Senhor Gómez López, de volta ao país, permaneceu na Guatemala, a casa em que se hospedou e o escritório de seu sindicato foram continuamente vigiados por veículos com vidros fumê e sem placas, e por desconhecidos à paisana. Considera ainda que se observou a presença de soldados mantendo guarda no teto da casa em que estava hospedado e, igualmente, que, entre 8 e 11 de julho, indivíduos armados, alguns vestindo uniforme militar de camuflagem, em caminhões do tipo militar, estacionaram em frente à casa do Senhor Gómez López durante determinadas horas do dia, acelerando os motores de seus veículos em evidente sinal de ameaça.

 

60. O Governo reconheceu os acontecimentos de 25 de fevereiro de 1993 quanto à substância dos fatos alegados, contestando apenas um ponto. Sustentou que o peticionário não foi o único a ser objeto de violência, pois que outros dois passageiros também teriam sido roubados. O Governo não provou de maneira definitiva essa posição, e os depoimentos apresentados pelo peticionário indicam que somente ele foi vítima de roubo. Por isso, a Comissão aceita como certa esta última circunstância.

 

61. Os demais fatos têm sido negados pelo Governo da Guatemala, que nada fez para provar sua negativa.

 

2. Os autores dos fatos

 

62. A Comissão concluiu que os autores do ataque sofrido pelo Senhor Gómez López em 25 de fevereiro de 1993 na Rodovia Interamericana eram agentes governamentais. São vários os elementos que levam a esta conclusão.

 

63. A roupa que vestiam os atacantes, seu modus operandi e o tipo de armas utilizadas são elementos indicadores claros nesse sentido.

 

64. Outro indicador é o modo seletivo e particular como se desenrolou o ataque: a descida forçada de todos os passageiros, com exceção do Senhor Gómez López; a falta de intenção de roubar (do Senhor Gómez López levaram somente a filmadora, e não outros objetos pessoais, como carteira, relógio, etc.); o fato de os atacantes terem despertado o Senhor Gómez López com violentos pontapés; a intenção manifesta de se apropriar do equipamento de filmagem; a conotação política das atitudes assumidas pelos atacantes. Todos estes elementos, somados à proximidade temporal entre as comprovações feitas pelo Senhor Gómez López sobre o maneira de agir das milícias nas CPR e o ataque que sofreu, permitem à Comissão concluir que o fato foi perpetrado por agentes públicos como represália e com o objetivo de evitar conseqüências derivadas das ações e atividades desempenhadas por Carlos Ranferí Gómez López.

 

65. Por outro lado, devem-se levar em conta os acontecimentos ocorridos antes e depois do ataque sofrido pelo Senhor Gómez López. As ameaças de morte recebidas para que abandonasse seu trabalho sindical, a negativa dos agentes policiais de auxiliar o Senhor Gómez López e a ameaça aos que se dispunham a fazê-lo, o incidente intimidatório no aeroporto quando o Senhor Gómez López estava saindo da Guatemala e, em seu regresso a Guatemala, o acompanhamento e a vigilância clandestina de indivíduos não identificados e de agentes militares em evidente sinal de ameaça, são ações cometidas em geral por agentes públicos que denotam a intenção de ocultar e proteger os autores do atentado do 25 de fevereiro de 1993, e que levam a Comissão a supor que também foram praticadas por agentes públicos.

 

66. O Governo negou tudo isso, alegando que o fato de 25 de fevereiro de 1993 não passou de um delito comum. Sustentou que o peticionário não foi o único a sofrer violência, mas que dois outros passageiros também tiveram seus pertences roubados. Como se disse, o Governo não provou suficientemente esta afirmativa. De qualquer modo, a análise precedente indica que os autores do fato ostentavam caráter de agentes públicos e visavam diretamente o peticionário.

 

67. Por outro lado, mesmo sem se considerar o fato em si e suas provas, a intervenção de agentes oficiais no ataque se apresenta como certa em virtude do fato de, na Guatemala, a participação de agentes oficiais em atos de repressão e ataque clandestino contra grupos de direitos humanos e sindicais ter constituído e continuar constituindo uma prática governamental. A Corte afirmou no caso Velásquez Rodríguez que, "quando se pode demonstrar que existiu uma prática governamental de desaparecimentos... realizada pelo Governo ou pelo menos por ele tolerada, e quando [este] desaparecimento... pode ser vinculado com ela, as denúncias feitas pela Comissão ficam provadas perante a Corte". (Ver Sentença do 29 de julho de 1988, parágrafo 126). Esta jurisprudência é aplicável ao caso. (No que se refere à prática governamental na Guatemala, ver Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1990-1991, página 480; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1991, página 221).

 

68. A Comissão constatou em sua última visita à Guatemala que as execuções extrajudiciais cometidas por agentes do Estado "seguem o modelo de assassinatos seletivos de autoridades, líderes comunitários, sindicalistas, universitários, defensores dos direitos humanos, etc., na tentativa de semear a intimidação geral e encerrar o processo de abertura constitucional e democrática". (Ver Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1994, página 195). Carlos Ranferí Gómez López pertencia a esse grupos de intermediação; por isso, pode-se concluir que também ele foi submetido a esse tipo de comportamento por parte de agentes públicos.

 

3. Os procedimentos judiciais internos

 

69. O Governo da Guatemala afirmou que o expediente nº 399/93 está em tramitação no Juizado de Primeira Instância na Vara Criminal de Sololá e que nesse expediente estão sendo investigados os fatos que afetaram o Senhor Gómez López em 25 de fevereiro de 1993.

 

70. Sustenta igualmente que o Fiscal Geral do Departamento de Sololá realizou várias diligências relacionadas com o caso e também que o Departamento de Investigações da Procuradoria dos Direitos Humanos levou a cabo uma investigação preliminar, cujo resultado consta de um relatório especial que foi entregue ao Juiz de Primeira Instância de Sololá.

 

71. No entanto, o próprio Governo afirma que o expediente nº 399/93 continua tramitando no Juizado de Primeira Instância Criminal do Departamento de Sololá na etapa da instrução, sem que até a presente data tenha chegado a uma decisão sobre a matéria. Isso significa que, transcorridos três anos da data dos episódios, os órgãos judiciais do Governo da Guatemala não conduziram uma investigação adequada nem realizaram as diligências necessárias para esclarecer o caso e identificar e processar os responsáveis.

 

C. Conclusões de direito

 

1. Direito à vida

 

72. O artigo 4 da Convenção Americana estabelece que toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. No caso presente, a Comissão conclui que o Governo da Guatemala não respeitou o direito à vida de Carlos Ranferí Gómez López e que, por conseguinte, violou a Convenção Americana.

 

73. Antes do atentado, o peticionário recebera ameaças explícitas de morte. Durante o atentado, após terem se apossado do equipamento de filmagem, os atacantes atiraram intencionalmente no Senhor Gómez López com o objetivo de matá-lo. O peticionário declarou que, depois do disparo, ouviu um dos atacantes dizer a outro que tinha certeza de ter conseguido seu intento porque lhe acertara o coração.

 

74. Embora os atacantes não tenham conseguido concretizar a intenção de matar o peticionário, o ataque do 25 de fevereiro de 1993 constituiu um desfecho prático que atentou contra a vida do Senhor Gómez López. O disparo recebido colocou o Senhor Gómez López à beira da morte. O risco de morte não pôde ter sido maior. (Ver os registros médicos do Hospital Privado de Quetzaltenango, os registros autenticados do Hospital do Condado de Cook e os depoimentos de Patricia Murphy e Joann Persch).

 

2. Direito à integridade pessoal

 

75. O artigo 5 da Convenção Americana estabelece o direito que tem toda pessoa a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Os fatos denunciados no presente caso — que a Comissão tem como provados — constituem uma violação por parte do Governo da Guatemala do direito do peticionário à integridade pessoal, em seus três aspectos.

 

76. A ferida produzida pelo disparo do atacante constitui uma violação direta da integridade física do peticionário. Por esse motivo, o Senhor Gómez López teve que se submeter a várias intervenções cirúrgicas. Seu delicado estado de saúde exigiu cuidados médicos especiais. Foi obrigado a enfrentar dolorosos processos de reabilitação e sofreu diminuição em sua capacidade física para desempenhar funções vitais básicas.

 

77. Sua integridade psíquica também foi afetada pelo ataque e pelos fatos ocorridos antes e depois dele. As ameaças de morte recebidas para que abandonasse seu trabalho sindical, o ataque de 25 de fevereiro de 1993, a negativa dos agentes policiais de auxiliá-lo e a ameaça a quem o fizesse, o incidente intimidatório no aeroporto quando estava para abandonar Guatemala e, de volta a seu país, o acompanhamento e a vigilância clandestina de indivíduos não-identificados e de agentes militares em evidente sinal de ameaça constituem uma sucessão de fatos voltados para um objetivo final: a aniquilação de sua pessoa e o amedrontamento permanente e constatado com o objetivo de colocá-lo na inatividade e fazê-lo abandonar seus trabalhos sociais. A ameaça periódica, levada ao extremo de sua realização — que por puro acaso não produziu sua morte —, constitui um tratamento cruel, desumano e degradante, que gerou efeitos psicológicos derivados no Senhor Gómez López.

 

78. Os fatos sofridos pelo peticionário afetaram definitivamente sua integridade moral. O Senhor Gómez López tinha uma participação ativa em comunidades sociais intermediárias. Exercia os cargos de Secretário Geral do Sindicato de Trabalhadores do Instituto Nacional de Comercialização Agrícola e de Secretário Geral Adjunto da União de Trabalhadores de Quetzaltenango. Desempenhava tarefas de atendimento e desenvolvimento social.

 

79. Foi esse tipo de trabalho que ele se propôs realizar ao integrar a delegação — juntamente com repórteres internacionais — que visitou Comunidades de População em Resistência pertencentes ao Departamento do Quiché, que tiveram de abandonar seus lares por causa do conflito armado existente na área. Como se explicou, o propósito da delegação era observar as condições de vida em que se encontravam essas comunidades e recolher os depoimentos e as denúncias relacionadas com a perseguição a que eram submetidas pelo Exército guatemalteco.

 

80. Esse tipo de atividades evidencia uma atitude de compromisso social que o Senhor Gómez López teve de deixar para trás ou abandonar devido à perseguição sofrida, e que teve seu desfecho no ataque sofrido em 25 de fevereiro de 1993, e aos fatos ocorridos antes e depois dele. E por isso teve também de abandonar seu país.

 

81. Por outro lado, o decaimento físico de que veio a padecer o Senhor Gómez López como decorrência dos ferimentos sofridos afetou sua auto-estima pessoal. Isso também representa um dano importante para a sua integridade moral.

 

3. Direito às garantias judiciais e à proteção judicial

 

82. Os artigos 8 e 25 da Convenção Americana estabelecem o direito de todo indivíduo a ter acesso aos tribunais competentes para ser amparado contra atos que violem seus direitos e a obrigação do Estado de proporcionar as garantias mínimas na determinação de seus direitos. O Governo da Guatemala não proporcionou o necessário para o cumprimento desses direitos, tendo, portanto, violado a Convenção Americana.

 

83. O artigo 25.1 incorpora o princípio, reconhecido no direito internacional dos direitos humanos, da efetividade dos instrumentos ou meios processuais destinados a garantir tais direitos. Não basta que o ordenamento jurídico do Estado reconheça formalmente o recurso em questão, mas é necessário que viabilize a possibilidade do recurso efetivo e que este se consubstancie em conformidade com as regras do processo legal devido. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Casos Velásquez Rodríguez, Fairén Garbi e Solís Corrais e Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentenças de 26 de junho de 1987, parágrafos 91, 90 e 92, respectivamente).

 

84. O Governo da Guatemala não propiciou ao Senhor Gómez López, vítima de fatos delituosos processáveis de ofício, um recurso adequado e efetivo que atendesse às garantias mínimas e chegasse a uma decisão no que diz respeito a seus direitos. Mais de três anos se passaram desde o desenrolar-se dos fatos, e os tribunais da Guatemala, por falta de intenção e eficiência, não os esclareceram devidamente e não estabeleceram a identidade e a responsabilidade de seus autores. Dadas as condições em que se desenvolveram os recursos judiciais relativos ao caso, é possível presumir-se que a possibilidade de uma resolução adequada no caso do Senhor Gómez López se apresenta como incerta.

 

85. A proteção judicial que o Governo da Guatemala proporcionou ao Senhor Gómez López carece claramente de efetividade e adequação. E essas deficiências características não são estranhas ao modo e à forma como a Guatemala procede judicialmente quando se vê frente à necessidade de investigar alguma violação dos direitos humanos. Muito pelo contrário, a ineficiência das investigações nesses casos gera graves estados de impunidade e frustra o direito à justiça e à reparação dos danos produzidos.

 

86. A partir de 1986, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos vem observando repetidamente em seus relatórios anuais a substancial incapacidade do sistema judicial guatemalteco de proteger os direitos de seus cidadãos na esfera interna, destacando a ineficácia e inoperância dos recursos judiciais e o problema de credibilidade e fragilidade do sistema judicial guatemalteco. (Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1986-1987, página 251; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1989-1990, página 157; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1988-1989, páginas 185-187; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1990-1991, página 480; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1991-1992, página 205; e Relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a Situação dos Direitos Humanos na Guatemala de 1985 e 1993, páginas 55, 57, respectivamente, e Quarto Relatório, páginas 15-16, 51).

 

87. O resultado da visita in loco feita pela Comissão a Guatemala em 1993 foi a constatação, uma vez mais, de que um dos problemas mais graves que afetam à sociedade guatemalteca é o da impunidade, devido, entre outras razões, à administração ineficiente da justiça. A Comissão verificou "...que a impunidade imperante surge em boa parte da ineficácia com que policiais, juízes, fiscais e auxiliares de justiça exercem atualmente suas funções, essenciais à ordem e segurança geral". (Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1994, página 190).

 

88. As condições impróprias em que a Guatemala desenvolve as investigações de violação dos direitos humanos são defendidas e justificadas pelo peticionário com depoimentos jurados de peritos na matéria e em textos citados em apoio ao caso (Elizabeth Iglesias, Guatemala/Harvard Criminal Justice Project, Final Report; Paul Soreff; Kenneth Anderson, Maximizing Deniability: The Justice System and Humam Rights in Guatemala e conclusões extraídas do relatório; Thomas J. Barret, Justice Suspended: The Failure of the Habeas Corpus in Guatemala; Richard Wilson, Conclusions & Recommendations for a Defense Component, Guatemala/Harvard Criminal Justice Project; Alice Jay, Persecution by Proxy; e Bonnie Tenneriello, The Administration of Injustice, Military Accountability in Guatemala e Habits of Repression, Military Accountability for Humam Rights, Abuse under the Serrano Government in Guatemala).

 

89. Os peritos observam que o atual sistema judicial guatemalteco não pode proteger os direitos humanos nem oferecer recursos jurídicos básicos em caso de violações desses direitos. Esse fracasso do sistema jurídico, indicam eles, retirou virtualmente da vítima a possibilidade de solicitar reparação por meio dos mecanismos internos do sistema judicial guatemalteco. (Declaração Jurada de Paul Soreff, parágrafos 16, 19, 21, 22, 24, 28; Declaração Jurada de Kenneth Anderson, Maximizing Deniability, páginas 9, 28, 53; e Declaração Jurada de Thomas J. Barret, Justice Suspended, página 19).

 

90. O peticionário também se refere aos relatórios do Senhor Christiam Tomuschat, Perito Independente sobre Direitos Humanos das Nações Unidas na Guatemala até 1993. Em seu relatório de 18 de dezembro de 1992, o Senhor Tomuschat afirma que a máquina para a prevenção e repressão de crimes continua sendo inefetiva na Guatemala; que, na maioria dos casos de ofensas contra a vida e a integridade física de seres humanos, é impossível reunir informações suficientes para julgar os autores; e que os processos judiciais são normalmente lentos e em geral terminam com a absolvição por falta de prova, de maneira que os crimes acabam ficando sem punição. (E/CN.4/1991/5, parágrafo 243). O Senhor Tomuschat também conclui em seus dois últimos relatórios anuais que o atual sistema de justiça criminal da Guatemala não é satisfatório e que o sistema judicial em geral é ineficaz e deficiente. (Documentos E/CN.4/1992/5, parágrafo 189; E/CN.4/1993/10, parágrafo 108; E/CN.4/1993/10 parágrafo 174; e E/CN.4/1993/10, parágrafo 187, respectivamente).

 

4. Liberdade de pensamento e de expressão

 

91. O artigo 13 da Convenção Americana protege o direito que tem toda pessoa à liberdade de pensamento e de expressão. O artigo estabelece: "este direito compreende a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, seja oralmente, por escrito ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro procedimento de sua escolha".

 

92. Os agentes do Governo que cometeram o ataque do 25 de fevereiro de 1993 evidenciaram um objetivo tático preciso: apossar-se do material da filmagem que o Senhor Gómez López fizera durante sua visita às CPR e neutralizar sua difusão por meio de sua morte. Conseguiram levar-lhe o material e, embora tenham falhado no segundo intento, perpetraram contra ele uma agressão física que se equiparou, em ilegitimidade, à intenção demonstrada. As ações desenvolvidas por Carlos Ranferí Gómez López durante sua visita às CPR constituem o legítimo exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão. Em conseqüência, o atentado do 25 de fevereiro de 1993 constitui uma violação a esses direitos protegidos pelo artigo 13 da Convenção.

 

5. Liberdade de associação

 

93. O artigo 16 da Convenção Americana estabelece o direito de toda pessoa de associar-se livremente para qualquer finalidade e de exercer esse direito, que só tem limite na lei. O Governo da Guatemala gerou determinadas situações que impediram ao Senhor Gómez López de exercer seu direito à livre associação e que, além disso, foram executadas em represália a suas atividades no exercício dessa liberdade.

 

94. As ameaças de morte recebidas pelo peticionário constituíram o primeiro evento destinado a provocar o afastamento de suas atividades sindicais. Foram explícitas neste sentido. A efetivação dessa ameaça ocorrida em 25 de fevereiro de 1993 e os acontecimentos posteriores terminaram por completar o círculo intimidatório que tinha por objetivo deter suas atividades sindicais.

 

95. A tentativa de morte do Senhor Gómez López, provocada com a finalidade de evitar a continuidade de seu trabalho sindical e social, constitui, além disso, por sua própria natureza ilegítima e violenta, uma represália justificada pela necessidade de vingar, do ponto de vista da intolerância e do autoritarismo, uma discordância de opinião e ideologia.

6. Direito de circulação e de residência

 

96. Os fatos a que se viu submetido Carlos Ranferí Gómez López, que a Comissão dá como provados, afetaram, em suas conseqüências, o direito de circulação e residência do Senhor Gómez López.

 

97. Com efeito, o artigo 22.1 da Convenção Americana estabelece que "[t]oda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as disposições legais". Os fatos sofridos pelo Senhor Gómez López impossibilitaram sua residência no Estado da Guatemala, tendo sido ele obrigado a abandonar o país para evitar graves perigos contra sua vida e sua integridade física e moral.

 

98. Em particular, o fato ocorrido no aeroporto da Guatemala, quando o Senhor Gómez López estava para abandonar o país, constitui um atentado ao direito de toda pessoa de sair livremente de qualquer país, inclusive o próprio, contemplado no artigo 22.2. Naquela oportunidade, o Senhor Gómez López foi intimidado por agentes aduaneiros, que o interceptaram e detiveram, afirmando que seus visto e passaporte eram falsos. Ele só conseguiu a autorização para ter acesso a seu vôo devido à insistência do médico acompanhante. Levando-se em conta o quadro de perseguição em que aconteceu este fato, e não tendo sido instruída qualquer investigação para demonstrar a falsidade incriminada, a Comissão o considera como de caráter intimidatório e violentador do direito de Carlos Ranferí Gómez López a sair de seu país.

 

7. Obrigação de garantir e respeitar os direitos

 

99. As violações descritas anteriormente demonstram que o Estado da Guatemala não cumpriu a obrigação emanada do artigo 1.1 da Convenção Americana de "respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e [de] garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição".

 

100. Nos termos do artigo 1.1, a primeira obrigação dos Estados partes da Convenção Americana é a de respeitar os direitos e liberdades nela estabelecidos.

 

101. No intuito de determinar que formas de exercício do poder público violam a obrigação do artigo 1.1 de respeitar os direitos, a Corte Interamericana sustentou que "...é um princípio de direito internacional que o Estado responde pelos atos de seus agentes realizados sob a égide de seu caráter oficial e por suas omissões, mesmo quando atuam fora dos limites de sua competência ou em violação do direito interno". Da mesma forma, "...é imputável ao Estado toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção realizada por um ato do poder público ou de pessoas que atuam se prevalecendo dos poderes que ostentam por seu caráter oficial". (Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafos 170, 172).

 

102. A Comissão considera provado que o fato de 25 de fevereiro de 1993 que afetou ao Senhor Gómez López e que os acontecidos antes e depois dele foram perpretados por agentes que ostentavam caráter público. Por isso, em conformidade com os conteúdos acima mencionados, o Governo da Guatemala violou a obrigação do artigo 1.1 de respeitar os direitos de Carlos Ranferí Gómez López previstos na Convenção Americana, relacionados com a violação dos direitos reconhecidos nos artigos 4, 5, 8, 13, 16, 22 e 25 da mesma Convenção.

 

103. A segunda obrigação emanada do artigo 1.1 é a de garantir o livre e pleno exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção.

 

104. "Esta obrigação implica o dever dos Estados partes de organizar o aparelho governamental, e em geral todas as estruturas por meio das quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira que se tornem capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Como conseqüência dessa obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção". (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 166).

 

105. Os elementos probatórios coletados no caso indicam que os processos judiciais da Guatemala não conseguiram investigar a violação dos direitos sofrida pelo Senhor Gómez López nem punir seus responsáveis. E não conseguiram porque, de um lado, não houve vontade de fazê-lo e, do outro, o nível de ineficiência e irresponsabilidade existente permitiu que isso acontecesse. Conseqüentemente, esta Comissão conclui que a Guatemala também violou o artigo 1.1 porque não garantiu o exercício dos direitos do Senhor Gómez López.

 

106. O Governo da Guatemala apresentou como uma das justificativas da ineficácia dos recursos judiciais a suposta falta de cooperação do peticionário nas investigações. Em particular, aplica-se a esta afirmação o que a Corte Interamericana determinou no caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 177, com relação à obrigação de investigar: "Deve ter um sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou do aporte privado de elementos probatórios, sem que a autoridade pública procure efetivamente a verdade".

 

III. RESPOSTA AO RELATÓRIO ARTIGO 50 DA COMISSÃO

 

107. A Comissão, em seu 91º Período Ordinário de Sessões, aprovou, em conformidade com o artigo 50 da Convenção, o Relatório Nº 6/96 referente ao presente caso e, por comunicação de 15 de março de 1996, o transmitiu ao Governo da Guatemala com as recomendações da Comissão, solicitando-lhe que informasse à Comissão sobre as medidas que viesse a adotar para cumprir as recomendações e resolver a situação examinada dentro do prazo de 60 dias. Em comunicação datada de 16 de maio de 1996, o Governo da Guatemala transmitiu à Comissão sua resposta ao Relatório Nº 6/96. Em 8 de julho de 1996, em comunicação da mesma data, a Comissão recebeu também do Governo o expediente autenticado encaminhado pelo Departamento Auxiliar da Procuradoria de Direitos Humanos com sede em Sololá, relativo ao caso de Carlos Ranferí Gómez López.

 

108. O Governo sustenta em sua resposta, como argumento fundamental, que o acontecido com o Senhor Gómez López foi um delito comum e declara, por conseguinte, que não pode aceitar a responsabilidade pelos fatos nem pode indenizar a vítima.

 

109. Afirma textualmente que, "apesar das conclusões do Relatório que se comenta, existem indícios suficientes que poderiam ser consideradas como provas pela Comissão para determinar que o fato constitui um crime comum, produto da delinqüência, que sob nenhum ponto de vista pode ser considerado como violação dos direitos humanos, ao amparo do que se deve entender como tal de acordo com a doutrina internacional dos direitos humanos".

 

110. Com relação a esse argumento, o Governo fornece o Relatório da Procuradoria de Direitos Humanos. Convém lembrar que estas informações foram solicitadas ao Governo durante a tramitação do caso e antes da aprovação do relatório artigo 50, e o Governo não as forneceu. A Comissão lembra que esta etapa do processo não tem por objeto fixar fatos, que já se encontram estabelecidos e demonstrados no expediente anterior a ela; nesta fase, o que se submete à consideração da Comissão é se o Estado cumpriu ou não as recomendações que lhe foram formuladas no Relatório Nº 6/96.

 

111. Além disso, esta Comissão considera que a simples remessa do expediente do Departamento Auxiliar da Procuradoria de Direitos Humanos não acrescenta nenhum elemento novo aos fatos já conhecidos, que permitam a esta instância concluir de maneira diferente da estabelecida no Relatório artigo 50, no sentido de que o Senhor Carlos Ranferí Gómez López foi vítima de abusos cometidos por agentes do Estado. Por outro lado, os fatos e argumentos narrados por essa respeitável autoridade do Estado guatemalteco não têm a força de verdade legal como coisa julgada, o que está reservado aos tribunais de justiça. Em todo caso, nesta Comissão os fatos em julgamento se encontram suficientemente estabelecidos e analisados em seu contexto, pois não se trata da simples determinação do que ocorreu em 25 de fevereiro de 1993, como se fosse um fato isolado, como o expediente da Procuradoria deixa transparecer, mas da sucessão de uma série de atos intimidatórios e de perseguição realizados depois de 25 de fevereiro de 1993 contra a pessoa do reclamante, os quais ficaram provados e cuja existência foi negada pelo Governo, sem no entanto jamais promover algum elemento probatório para fundamentar sua negativa.

 

112. Ainda que a Comissão chegasse à conclusão de que os fatos sofridos pelo Senhor Gómez López não foram cometidos por agentes do Estado, em sua resposta o Governo da Guatemala reconheceu sua deficiência na observância da garantia à segurança e integridade física no mesmo grau de responsabilidade que por qualquer outro delito cometido contra os habitantes do Estado. Com essa afirmação, o Estado deixaria desprotegido o direito que têm os cidadãos de garantia à sua segurança e integridade física. No que diz respeito a este caso especificamente, o Estado é responsável por não ter prevenido e garantido os direitos humanos do Senhor Gómez López, incorrendo em responsabilidade internacional. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 172).

 

113. Com relação à recomendação ao Estado da Guatemala que "desenvolva uma investigação imediata, imparcial e efetiva dos fatos denunciados para determinar a identidade dos autores e impor as sanções cabíveis", a resposta do Estado foi que a investigação continua; todavia, como não obteve a cooperação da vítima para levar a cabo essa investigação, solicita a esta Comissão que se dê por cumprida essa recomendação.

 

114. Quanto à recomendação da Comissão ao Estado da Guatemala no sentido de que "desenvolva a atividade necessária para determinar e punir os responsáveis pelas deficiências e demoras existentes nas investigações conduzidas no caso de Carlos Ranferí Gómez López", o Governo informou o seguinte:

 

O Governo da Guatemala estima que os critérios sustentados por essa Comissão para apresentar essa recomendação são muito subjetivos, posto que a deficiência e demora na obtenção de resultados positivos em uma investigação não podem medir-se unicamente pelo fator tempo, mas terão que obedecer a uma análise séria do caso, como as circunstâncias em que se deu, as provas físicas, os depoimentos e outras provas que conduzem à certeza jurídica sobre os responsáveis, não importando para isso o tempo empregado.

115. O Estado da Guatemala não pode evitar sua responsabilidade internacional argumentando que o processo continua tramitando, mas com dificuldade devido à falta de cooperação da vítima. A Comissão já concluiu que o processo era deficiente, e o Governo não prestou informações demonstrando o contrário. O Estado da Guatemala não deve esquecer que a obrigação de garantir os direitos reconhecidos na Convenção se traduz na obrigação de fazer, ou seja, de iniciar as averiguações e dar-lhes continuidade com toda diligência, quer encontre quer não cooperação por parte das vítimas, porque se trata de um dever jurídico próprio que, por sua essência, é irrenunciável e indelegável.

 

116. A Comissão entende que a coleta das provas para demonstrar a prática de um fato e, portanto, determinar as responsabilidades dependem de muitos fatores. No entanto, o tempo é um elemento processual determinante, que entre outras razões produz segurança jurídica, permite conservar provas que de outra maneira se perderão ou serão destruídas; em casos extremos, deixar transcorrer os prazos indefinidamente permite a impunidade. Desse modo, o fato de o Estado da Guatemala não ter informado, ao longo de seu relatório, sobre o progresso das investigações permite inferir que o tempo continua correndo e que o delito perpetrado contra o Senhor Gómez López permanece impune.

 

117. A Comissão considera que o Estado não demonstrou em sua resposta ao Relatório artigo 50 que cumpriu as recomendações mais importantes feitas pela Comissão para remediar a situação examinada.

 

Portanto,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 

CONCLUI:

 

118. Com fundamento no que foi exposto no presente relatório e considerando as observações prestadas pelo Estado da Guatemala com relação ao Relatório Nº 6/96, a Comissão chega às seguintes conclusões:

 

119. que o Estado da Guatemala é responsável por violações dos direitos de Carlos Ranferí Gómez López à vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais, à liberdade de pensamento e de expressão, à liberdade de associação, à liberdade de circulação e de residência e à proteção judicial, todos eles previstos, respectivamente, nos artigos 4, 5, 8, 13, 16, 22 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos;

 

120. que o Estado da Guatemala não cumpriu as obrigações impostas no artigo 1 da Convenção Americana de respeitar os direitos nela previstos e de garantir seu livre e pleno exercício.

 

RECOMENDA:

 

A Comissão recomenda que o Estado da Guatemala:

 

121. desenvolva uma investigação imediata, imparcial e efetiva dos fatos denunciados para determinar a identidade dos autores e impor as sanções cabíveis;

 

122. desenvolva a atividade necessária para determinar e punir os responsáveis pelas deficiências e demoras existentes nas investigações judiciais conduzidas no caso de Carlos Ranferí Gómez López;

 

123. repare as conseqüências das violações constatadas, inclusive com uma indenização adequada que compense os danos sofridos por Carlos Ranferí Gómez López.

 

124. Publicar o presente relatório no Relatório Anual a ser submetido à Assembléia Geral da OEA, em virtude dos artigos 48 do Regulamento da Comissão e 51.3 da Convenção, de vez que o Governo da Guatemala não adotou as medidas necessárias para solucionar a situação denunciada dentro dos prazos concedidos.

 

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52 . Ver Corte Européia de Direitos Humanos, Caso Foti vs. Itália, Sentença de 10 de dezembro de 1982, Série A, Nº 56, parágrafo 56; e Caso Corigliano vs. Itália, Sentença de 10 de dezembro de 1982, Série A, Nº 57, parágrafo 37.