RELATÓRIO ANUAL 1996


RELATÓRIO Nº 19/97
CASO 11.212
Solução Amistosa
GUATEMALA
13 de março de 1997


I. OS FATOS

 

1. Em 3 de agosto de 1993, membros da comunidade de Colotenango, Huehuetenango, Guatemala, se reuniram com o finalidade de fazer uma nova manifestação contra os abusos e atividades ilegais cometidos na região pelas patrulhas civis [conhecidas como Patrulhas de Autodefesa Civil (PAC) ou Comitês Voluntários de Defesa Civil (CVDC)].1/ Depois de sua manifestação pacífica, os participantes se dispersaram para regressar a suas casas. A maioria deles tinha que cruzar a ponte Los Naranjales, que liga Colotenango com a Rodovia Pan-Americana. Ao cruzar a ponte, se depararam com patrulheiros postados em suas duas extremidades. Os patrulheiros atacaram e abriram fogo contra o grupo. O ataque deixou o saldo de um morto, Juan Chanay Pablo, dois feridos graves, Julia Gabriel Simón e Miguel Morales e diversos outros feridos com menor gravidade. A partir desse incidente, membros das patrulhas civis começaram a pôr obstáculo aos procedimentos penais iniciados para esclarecê-lo, intimidando e atacando as testemunhas, os demandantes particulares e um dos advogados no caso. Enquanto duraram os processos judiciais continuaram os ataques contra os que deles participavam, como represália por suas atividades voltadas para fazer o processo caminhar.

 

 II. A TRAMITAÇÃO NA COMISSÃO

 

2. A Comissão iniciou a tramitação do caso 11.212 em resposta a uma petição de 4 de novembro de 1993, em que se denunciava que, com relação a esses fatos, o Estado da Guatemala descumprira as obrigações contraídas com a Convenção Americana e que, além disso, as autoridades não tinham atuado com a devida diligência no que diz respeito ao ataque em si e à intimidação de testemunhas e demais pessoas envolvidas no processo.2/ O caso foi aberto em 8 de novembro de 1993 e, em conformidade com o artigo 34 do Regulamento da Comissão, foram enviadas ao Governo as partes pertinentes da denúncia, com a solicitação de que fornecesse as informações que considerasse pertinentes no prazo de 90 dias. Além da tramitação que normalmente se segue no caso de petições de particulares, segundo determinações da Convenção Americana e do Regulamento da Comissão, em 8 de novembro de 1993, em conformidade com o artigo 29 de seu Regulamento, a Comissão solicitou ao Governo da Guatemala que tomasse as medidas cautelares necessárias para proteger a vida e a integridade física de nove pessoas que, segundo relatórios, se encontravam em perigo pela sua participação nos procedimentos legais.

 

3. Em sua resposta de 18 de março de 1994, o Governo afirmou que estava investigando o que considerava uma troca de tiros entre os patrulheiros e os manifestantes, devido à provocação destes últimos ou a sua tentativa de desarmar os patrulheiros. O Governo observou que tinha sido emitida ordem de captura contra os 15 patrulheiros considerados responsáveis pelo ataque. Em 30 de março de 1994, a Comissão dirigiu-se ao Governo solicitando que tomasse as medidas cautelares necessárias para proteger a segurança de mais duas pessoas.

 

4. Em 29 de abril de 1994, a Comissão recebeu as observações formuladas pelos peticionários sobre o relatório do Governo. Elas informavam sobre a existência de irregularidades nos procedimentos judiciais internos do caso e descreviam vários atos de represália contra as pessoas que insistiam em dar continuidade ao caso perante os tribunais. Foram remetidas ao Governo as partes pertinentes dessas observações.

 

5. Em 17 de junho de 1994, a Comissão solicitou à Corte Interamericana de Direitos Humanos que ordenasse ao Estado a adoção das medidas provisórias necessárias para proteger as 12 pessoas que, segundo os peticionários, corriam perigo devido à sua participação no caso. Mediante resolução datada de 22 de junho de 1994, a Corte ordenou essas medidas para proteger as seguintes pessoas: Patricia Ispanel Medimilla, Marcos Godínez Pérez, Natividad Godínez Pérez, María Sales López, Ramiro Godínez Pérez, Juan Godínez Pérez, Miguel Godínez Domingo, Alberto Godínez, María García Domingo, Gonzalo Godínez López, Arturo Federico Méndez Ortíz e Alfonso Morales Jiménez. A Corte ordenou que a Comissão e o Governo informassem periodicamente sobre a situação das medidas adotadas. Além do relatório que apresentou em setembro de 1994, a Comissão viajou para a Guatemala a fim de certificar-se da situação e da segurança das 12 pessoas protegidas pelas medidas provisórias ordenadas pela Corte.

 

6. Em 14 de julho de 1994, o Governo deu sua resposta às observações apresentadas pelos peticionários em 29 de abril de 1994. Em setembro de 1994, em seu 87º Período Ordinário de Sessões, a Comissão realizou uma audiência sobre este caso e recebeu informações adicionais das partes.

 

7. Em 1º de dezembro de 1994, com o consentimento expresso do Estado durante a audiência de 28 de novembro de 1994, a Corte Interamericana ordenou uma prorrogação de seis meses para as medidas. A Corte ordenou, além disso, que elas fossem ampliadas para incluir a Francisca Sales Martín e que as medidas tomadas incluíssem aquelas necessárias para efetuar a prisão dos patrulheiros civis incriminados. Tanto a Comissão como o Governo continuaram informando periodicamente a Corte sobre a situação das medidas provisórias adotadas.

 

8. Em dezembro de 1994, a Comissão realizou uma visita in loco na Guatemala. Em 28 de dezembro de 1994, a Comissão enviou ao Governo as informações fornecidas pelas pessoas cuja proteção se ordenara. O Governo respondeu a essas informações em 2 de janeiro de 1995.

 

9. Os peticionários proporcionaram informações adicionais em 24 de março de 1995, às quais o Governo respondeu em 5 de maio de 1995. Em 16 de maio de 1995, o Governo submeteu um relatório adicional sobre as medidas que tinha tomado para efetuar a prisão de oito das pessoas implicadas no ataque de 3 de agosto de 1993. Em 28 de junho de 1995, a Comissão remeteu ao Governo as observações dos peticionários sobre sua comunicação de 5 de maio de 1995. Em 20 de julho de 1995, os peticionários responderam ao relatório do Governo de 16 de maio. Em 28 de agosto de 1995, o Governo respondeu a essas observações dos peticionários.

 

10. Em seguida à apresentação dos relatórios à Corte pela Comissão e pelo Governo sobre a situação das medidas provisórias, a Corte os convocou para uma audiência em 6 de setembro de 1995.

 

11. Em 23 de novembro, em 1º e em 8 de dezembro de 1995, os peticionários submeteram informações e documentação adicionais sobre o caso. O Governo por sua parte apresentou um relatório adicional em 2 de janeiro de 1996. Entretanto, em 5 de dezembro, a Comissão solicitara ao Governo que fornecesse informações a respeito de determinados pontos concretos.

 

12. Em 29 de janeiro de 1996, a Comissão apresentou uma solicitação por escrito à Corte para que se prorrogassem as medidas provisórias já ordenadas. O Governo solicitara sua expiração para 1º de fevereiro de 1996. A Corte prorrogou as medidas por mais um período de seis meses, mediante resolução de 1º de fevereiro de 1996. A Comissão e o Governo continuaram submetendo seus relatórios à Corte sobre a situação das medidas provisórias.

 

13. Em 26 de fevereiro de 1996, a Comissão recebeu uma comunicação do Governo em resposta a sua solicitação de informações de 5 de dezembro de 1995 e a comunicações anteriores dos peticionários.

 

14. Em virtude da faculdade que lhe confere o artigo 50 da Convenção Americana e depois de considerar as diversas comunicações recebidas das partes, a Comissão aprovou em 1º de março de 1996 o Relatório Nº 8/96, que contém suas conclusões e recomendações relativas à situação denunciada. Esse relatório foi transmitido ao Governo, com a solicitação de que informasse à Comissão, no prazo de 60 dias, sobre as medidas que viesse a adotar para pôr em prática as recomendações. Dentro do período estipulado pelo artigo 51 da Convenção, as partes acordaram dar início ao processo de negociação, com a mediação da Comissão, para chegar a uma solução amistosa, como contempla o artigo 48.f da Convenção. Esse processo exigiu uma série de reuniões entre as partes, sob os auspícios da Comissão, que também intermediou as comunicações entre elas.

 

15. Enquanto se realizavam essas negociações, o Presidente Alvaro Arzú tomou a decisão, digna de menção, de dissolver as PAC. Em uma cerimônia para comemorar a dissolução das PAC/CVDC, que teve lugar em 9 de agosto de 1996, a Presidenta da Comissão Coordenadora de Política Executiva em Matéria de Direitos Humanos reconheceu que, embora muitos membros dos CVDC se defendessem "dos ataques da subversão", "... alguns também excederam suas faculdades e abusaram de suas armas, agredindo a pessoas alheias pelo simples fato de não participarem de suas atividades".

 

Os que abusaram foram responsáveis por ações intimidatórias contra a população, especialmente contra aqueles que expressavam descontentamento pela conduta de alguns membros desses comitês. ... [N]ão se pode deixar de mencionar aqui o lamentável fato sucedido em 1993, nesta comunidade, quando foram atacados vários manifestantes e do ataque resultaram a morte do senhor Juan Chanay Pablo e os ferimentos da senhora Julia Gabriel Simón e do senhor Miguel Morales Mendoza.

Outros 13 membros da comunidade foram posteriormente ameaçados de morte, fato que motivou a intervenção de organizações internacionais para sua proteção.

O Presidente da República e as mais altas autoridades do país reconhecem os excessos em todos esses anos de enfrentamento armado e reiteram a vontade política do Governo de pôr fim à impunidade, para que predomine a justiça e o império da lei seja restaurado em todo o território nacional. Colotenango não é uma exceção.

16. Em 21 de agosto de 1996, enquanto se realizava o processo de negociação, o Governo se dirigiu à Corte Interamericana de Direitos Humanos para solicitar uma prorrogação de seis meses para as medidas provisórias que esta ordenara, com o objetivo de criar "um quadro de segurança e tranqüilidade para o... processo de solução amistosa".

 

17. O processo de negociações foi concluído com êxito em 20 de fevereiro de 1997 com a assinatura simultânea de um acordo de solução amistosa em Colotenango, Huehuetenango, e na sede da Comissão em Washington por representantes da República da Guatemala e por representantes das pessoas afetadas da comunidade de Colotenango, que são o Escritório do Arcebispado para os Direitos Humanos (ODHA), o Center for Justice and International Law (CEJIL) e o Humam Rights Watch/Americas (HRW/A). O texto final do acordo foi assinado pelo Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pelo relator da Guatemala, Decano Claudio Grossmam, e pelo Secretário Executivo da Comissão, Embaixador Jorge E. Taiana.

 

III. A SOLUÇÃO AMISTOSA

 

18. O acordo estipula que o Estado da Guatemala proporcionará assistência municipal às comunidades afetadas de Colotenango, conforme um programa de projetos acordado pelas partes (que será executado pela FONAPAZ). O Estado pagará Q 300.000, que serão repartidos entre os cidadãos diretamente afetados pelos fatos em questão e utilizados para fazer face aos gastos médicos e legais que os peticionários considerarem pertinentes. Os peticionários fornecerão à Comissão os nomes dos indivíduos afetados, bem como uma lista com o valor exato a ser recebido por cada um deles. A Comissão Interamericana se certificará da entrega aos peticionários das somas especificadas. Os peticionários declaram que todas suas demandas objeto desse caso foram atendidas. O Governo tomará as medidas necessárias para conseguir que se faça justiça neste caso, incluindo a investigação dos fatos, esforços contínuos para prender os implicados que continuam em liberdade e punir os responsáveis, de acordo com as normas internacionais em vigência no Estado, a fim de que os autores não gozem de impunidade. A Comissão de Verificação e Acompanhamento zelará pelo cumprimento de cada uma das disposições acordadas e apresentará um relatório escrito à Comissão duas vezes por ano.

 

IV. CONCLUSÕES

 

19. Em conformidade com o que foi exposto acima, depois de ter-se colocado à disposição das partes, nos termos do que estabelece o artigo 48.1.f da Convenção, de ter consolidado o acordo celebrado entre as partes e de ter assegurado que ele se fundamentasse no respeito dos direitos humanos reconhecidos pela Convenção Americana, a Comissão:

 

20. Expressa sua profunda satisfação pela proveitosa conclusão do acordo de solução amistosa desse caso.

 

21. Manifesta a cada uma das partes, ao Estado da Guatemala e aos peticionários, seu apreço mais sincero pelos esforços que realizaram para colaborar com a Comissão na solução da situação denunciada. Reconhece que as medidas tomadas pelo Executivo para dissolver as PAC são elemento importante da solução e constituem um avanço valioso na proteção dos direitos humanos na Guatemala. Felicita as partes pela boa fé com que participaram do processo de solução amistosa e por sua vontade de encontrar novas abordagens para solucionar assuntos certamente complexos.

 

22. Decide publicar este relatório no Relatório Anual a ser submetido à Assembléia Geral da OEA.

 

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1. As PAC foram criadas em 1981, durante o regime militar do General Efraín Ríos Montt, como parte de uma política voltada para o extermínio de pessoas e comunidades "suspeitas". Fundamentando-se em seus próprios relatórios e nos dos grupos defensores dos direitos humanos nacionais, internacionais e intergovernamentais, segundo os quais as PAC são responsáveis por graves violações dos direitos humanos, a Comissão recomendou sua dissolução em repetidas ocasiões. (Ver, por exemplo, Quarto Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Guatemala, OEA/Ser.L/VII.83., doc.16 rev., 1º de junho de 1993, página 55-63.

2 . Durante sua visita in loco no mês de setembro de 1993, antes de receber a petição, a Comissão viajou para Colotenango, onde se encontrou com membros das PAC e com vítimas do incidente de 3 de agosto de 1993. Por meio de comunicação de 1º de setembro de 1993, o governo prontificou-se a fornecer à Comissão informações sobre o andamento de sua investigação sobre a matéria.