RELATÓRIO ANUAL 1996


CAPÍTULO IV    PROJETO DE DECLARAÇÃO AMERICANA SOBRE 
OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS



DECLARAÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS DAS POPULAÇÕES INDÍGENAS. PROCESSO DE PREPARAÇÃO, CONSULTA REGIONAL E PROPOSTA DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 

 Em seu 95º Período Ordinário de Sessões, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou uma proposta de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, atendendo à recomendação da Assembléia Geral [AG/RES. 1022 (XIX-O/89)].11/ Esta proposta recolhe sugestões e comentários que foram feitos pelos governos, por organizações indígenas e intergovernamentais, por peritos na matéria e pelas reuniões especiais de consulta realizadas entre outubro de 1995 e fevereiro de 1997, com fundamento na Minuta de Consulta aprovada pela CIDH em seu 90º Período Ordinário de Sessões, e leva em conta a tarefa das Nações Unidas e de outras organizações governamentais [AG/RES. 1404 (XXVI-O/96)].

 

Tal como se assinala na Recomendação 8 do Capítulo VII deste Relatório Anual, esta proposta é submetida à consideração da Assembléia Geral e do Conselho Permanente da OEA, bem como é dada a conhecer publicamente pela Comissão, com o propósito de que seja considerada não só na próxima Assembléia Geral, como de forma ampla pelos governos, povos indígenas e organizações interessadas, com vistas à sua aprovação pelos Estados membros na Assembléia Geral de 1998, em comemoração do 50º aniversário da Organização.

 

ANTECEDENTES

 

A partir de outubro de 1995 a Comissão iniciou uma ampla rodada de consultas12/ sobre a Minuta de Consulta, preparada e aprovada então com base em consultas anteriores, nas constituições e legislações nacionais, em instrumentos internacionais e declarações sobre o tema. Essa minuta teve ampla divulgação, e por meio de correspondência direta foram solicitados comentários aos governos e a várias centenas de organizações indígenas, organizações não-governamentais e peritos na matéria, além de se haver divulgado seu texto pelos meios de comunicação.

 

Na consulta foram utilizados distintos mecanismos: a) a consulta direta por correspondência, já mencionada; b) a apresentação e discussão da Minuta em reuniões técnicas especializadas; c) as consultas nacionais e multinacionais com organizações indígenas, e d) as reuniões regionais.

 

REUNIÕES TÉCNICAS

 

A Minuta de Consulta foi apresentada e analisada em várias reuniões técnicas: em Arequipa, Peru, na Primeira Reunião Mundial dos Povos Indígenas, em outubro de 1995, organizada pelo Conselho Mundial dos Povos Indígenas; em Ottawa, na reunião especial "Widening the Circle", em 27 de fevereiro de 1996, organizada pela Fundação Canadense para a América Latina e o Caribe (FOCAL), pela Universidade de Ottawa e pelo Conselho Mundial dos Povos Indígenas, com a presença de mais de cem delegados de todo o Continente; na Guatemala, organizada pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos, em março de 1996; perante o Congresso General Kuna, em Ogubscun, Panamá, 1996, e perante o Sovereignty Symposium, em Tulsa, Oklahoma, 1996.

 

CONSULTAS NACIONAIS E REGIONAIS

 

Para as consultas nacionais e regionais sob a sua coordenação, a CIDH contou com a cooperação do Instituto Indigenista Interamericano, da Unidade para a Promoção da Democracia, do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, do Fundo Interamericano para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas (com sede na Bolívia) e com a assistência financeira do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

 

Foram realizadas as seguintes consultas nacionais:

 

ARGENTINA

 

Organização responsável: ORIANA (Organização Regional Indígena Andina do Norte Argentino). Cobertura: todo o país. Participaram 14 delegados representando 18 povos indígenas do país. Foi realizada em Buenos Aires, de 20 a 23 de outubro de 1996.

 

BOLÍVIA

 

Foram realizadas duas consultas paralelas. I. Organização responsável: CIDOB (Organizações das Terras Baixas) e CSUTCB (Organizações das Terras Altas), com o patrocínio da Secretaria Nacional de Assuntos Étnicos, a qual publicou a Minuta da CIDH nos jornais, com vistas à sua mais ampla divulgação. Os resultados da consulta foram assumidos pelo Governo boliviano. Cobertura: todo o país. Foram realizados dois seminários, um na cidade de Santa Cruz, para a região do Oriente, Chaco e Amazônia, e o outro em Oruro, para a Região Andina. II. Organização responsável: Parlamento Indígena da Bolívia (Câmara de Deputados). Cobertura: Participaram da consulta 10 deputados indígenas membros do Parlamento Nacional da Bolívia.

 

BRASIL

 

Organização responsável: CAPOIB (Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil). Cobertura: todo o país. Participaram dirigentes das organizações mais diretamente envolvidas — COIAB, COR, UNI, AC e CAPOIB —, além de advogados assessores das duas últimas organizações citadas. Foi realizada em Brasília em outubro de 1996.

 

COLÔMBIA

 

Organização responsável: ONIC (Organização Nacional Indígena da Colômbia). Cobertura: nacional. Realizada em Bogotá em outubro de 1996.

 

COSTA RICA

 

Realizou-se uma reunião em San José, de 11 a 14 de dezembro de 1996, organizada pela Mesa Nacional Indígena da Costa Rica, filial da CICA. Como parte do processo de consulta foram realizados dois seminários regionais, dois nacionais e algumas jornadas locais.

 

CHILE

 

Organização responsável: Representante dos povos indígenas do Chile junto ao Fundo. Cobertura: foram realizadas duas consultas, uma aos povos Aymaras e outra ao povo Atacameño (norte do Chile).

 

EL SALVADOR

 

Foi realizado um seminário da Mesa Indígena de El Salvador, com representantes dos povos indígenas do país, em dezembro de 1996.

 

EQUADOR

 

Organização responsável: Secretaria de Assuntos Étnicos e comissão paritariamente integrada por representantes dos povos indígenas e afro-equatorianos. Cobertura: todo o país. Foi realizado um seminário nacional em Quito, com três dias de duração, de 7 a 9 de outubro de 1996. Uma comissão bipartite redigiu o relatório final.

 

HONDURAS

 

Um encontro teve lugar em Ruinas de Copán, nos dias 9 e 10 de novembro de 1996, organizado pela Confederação dos Povos Autóctones de Honduras, CONPAH, com aproximadamente 100 representantes dos povos Misquitos, Garifuna, Pech, Talupanes O-Xroquaz, Incas, Negros de língua inglesa e Chortis.

 

MÉXICO

 

Foram realizadas consultas diretas, bem como um seminário em Tuxtepac, Oaxaca, nos dias 7 e 8 de dezembro de 1996, com a presença de 19 representantes de 15 entidades indígenas nacionais e estaduais.

 

PANAMÁ

 

Organização responsável: Coordenadoria Nacional dos Povos Indígenas do Panamá (COONAPIP), em representação dos povos Ngobe-Bugle, Kuna Yala, Kuna de Mandugandi, Embera Wounan (comarca e terras coletivas) e Kuna de Takarkunyala.

 

PARAGUAI

 

Organização responsável: quinze organizações indígenas do Paraguai. Cobertura: todo o país. Participaram 15 líderes de igual número de organizações. A reunião realizou-se na cidade de Benjamín Aceval, em 15 de novembro de 1996.

 

PERU

 

Organizações responsáveis: UNCA (União das Comunidades Aymaras) e CAH (Conselho Aguaruna Huambisa). Cobertura: todo o país. Foram convocadas seis organizações nacionais (AIDESEP, CONAP, CNA, CCP, COICAP, Conselho Andino dos Produtores de Folha da Coca) e as organizações regionais de todo o país. Participaram 26 líderes nacionais. O seminário realizou-se em Lima em novembro de 1996.

 

CANADÁ E ESTADOS UNIDOS

 

Além da apresentação da Minuta de Consulta nas distintas reuniões técnicas já referidas, foram recebidas respostas sobre a mesma de centros representativos de direitos indígenas e realizada, sob os auspícios do Council of Energy Resources Tribes (EUA), da International Organization of Indigenous Resources Development e do Grand Council of the Crees (Canadá), uma reunião em Denver, Colorado, na qual se fez uma revisão da Minuta, juntamente com representantes de 140 povos indígenas da América do Norte. Esta versão foi a seguir aprovada por aclamação pelo Grande Conselho dos Crees e dos Hobema e apresentada na Conferência sobre Povos Ameríndios organizada pela UNESCO em Paris, em junho de 1996.

 

REUNIÕES MULTINACIONAIS

 

Conselho Indígena da América Central (CICA). Reunião realizada em 18 de outubro de 1996, na cidade de Guatemala.

 

Coordenadoria dos Povos Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). Realizou uma reunião especial de consulta de 1º a 4 de outubro de 1996, em Quito, com 11 representantes da CONFENIAE (Equador), OPIAC (Colômbia), COIAB (Brasil), APA (Guiana), OIS (Suriname) e COICA (Peru).

 

REUNIÕES REGIONAIS

 

Em novembro de 1996 foram realizadas as reuniões regionais para a América do Sul, em Quito, Equador, e para a América Central e o Caribe, na Guatemala. Nelas, os delegados das consultas nacionais e outros peritos e representantes governamentais apresentaram os resultados de suas consultas e discutiram o processo de preparação do Projeto de Declaração.

 

I. Reunião Regional para a América Central e o Caribe

 

Sede: Parlamento Centro-Americano, Cidade da Guatemala, 14 a 16 de novembro de 1996. Patrocínio governamental: Ministério da Cultura e dos Desportos. Os participantes declararam seu apoio ao processo de consulta adotado e apontaram a conveniência de ampliá-lo a fim de aprofundar as consultas. Participantes: 67 pessoas, das quais 28 eram representantes de organizações indígenas da Guatemala, 17 eram representantes de organizações indígenas de El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, Belize e Suriname, 6 representavam os governos de Belize, Canadá, Guatemala e México, e 16 eram representantes e/ou peritos da Minugua, Flacso, PNUD, III, IIDH e Parlamento Centro-Americano. Também participaram delegados da CIDH, do III, da UPD, do Fundo Indígena e do Ministério da Cultura e dos Desportos da Guatemala.

 

II. Reunião Regional de Consulta para a América do Sul

 

Sede: Hotel Quito, Quito, Equador, 21 a 23 de novembro de 1996. Patrocínio governamental: Secretaria de Assuntos Étnicos, Ministério de Assuntos Indígenas. Participantes: 165 pessoas, das quais 77 eram representantes indígenas e afro-equatorianos e 20 eram representantes indígenas da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru, 19 eram representantes diplomáticos e técnicos credenciados para a reunião pelos governos da Argentina, Bolívia (o Subsecretário de Assuntos Técnicos), Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai, e 4 eram dirigentes de organizações regionais (COICA, Conselho Mundial dos Povos Indígenas e IIDH). Também participaram funcionários da CIDH, da UPD e do III.

 

Em dezembro, o Instituto Indigenista Interamericano realizou no México, com a presença de 18 líderes indígenas da região, o Primeiro Foro Indígena das Américas, cujo objetivo principal foi a discussão do instrumento interamericano sobre direitos indígenas. Esse foro apoiou a iniciativa e recomendou maior amplitude da consulta.

 

COMENTÁRIOS DOS GOVERNOS

 

Foram recebidos comentários dos governos da Argentina, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Honduras, El Salvador, México e Venezuela. O Governo da Bolívia aderiu às observações da consulta nacional.

 

RESPOSTAS DE INSTITUIÇÕES E DE PERITOS

 

Foram recebidas respostas destas organizações intergovernamentais, com comentários sobre o texto da Minuta: Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Missão das Nações Unidas na Guatemala (Minugua). Também foram recebidas respostas de organizações não-governamentais, destacando-se as do Indian Law Resource Center (EUA), Inter-American Dialogue, Child Rights International Research Institute, International Indian Treaty Council (EUA) e Hutchins, Soroka, Dionne (Ottawa, Canadá). Foram recebidas, ainda, respostas dos seguintes especialistas: Augusto Willemsen Díaz (Guatemala), Aureliano Turpo Choquehuanca (Conselho Mundial dos Povos Indígenas), Prof. Fernand de Varennes (U. Murdoch, Austrália), Prof. Joe Palacio (UWI, Belize) e Doutor Hugo Mondragón (Colômbia).

 

REUNIÃO TÉCNICA DA CIDH PARA REVISÃO DA MINUTA

 

Levando em conta todas as respostas e conclusões das reuniões, em janeiro de 1997 a CIDH realizou uma Reunião Técnica, com o finalidade de nela proceder à revisão da Minuta e propor uma versão revista para ser considerada pela CIDH em seu 95º Período Ordinário de Sessões. Participaram dessa reunião os membros relatores Doutor Carlos Ayala Corao e Embaixador John Donaldson, e os especialistas contratados, Doutora Magdalena Gómez Rivera (Diretora da Procuradoria Legal do Instituto Nacional Indígena do México), Doutor Patrick Robinson (ex-membro da Comissão e relator do tema), e Doutor Wilton Littlechild, Q.C. (advogado indígena e membro do Parlamento do Canadá), com a colaboração do especialista principal da CIDH, Doutor Osvaldo Kreimer.

 

PROPOSTA DA COMISSÃO

 

A Comissão aprovou o texto transcrito a seguir como projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a ser submetido à consideração da Assembléia Geral, em cumprimento da recomendação contida na resolução AG/RES. 1022 (XIX-O/89). Na Recomendação Nº 8 deste Relatório Anual, a CIDH também propõe à Assembléia Geral que, após considerar este Projeto de Declaração na sua reunião de junho de 1997, disponha as consultas e medidas necessárias para que a Declaração seja aprovada em sua reunião anual de 1998, a realizar-se em Caracas, Venezuela, em comemoração do 50º aniversário da Organização.

 

PROJETO DE DECLARAÇÃO AMERICANA

SOBRE OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

 

Aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos

em 26 de fevereiro de 1997, em sua 1333ª sessão,

durante o 95º Período Ordinário de Sessões

 

 PREÂMBULO

 

1. As instituições indígenas e o fortalecimento nacional

 

Os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (doravante denominados Estados),

 

Recordando que os povos indígenas das Américas constituem um segmento organizado, diferenciado e integrante da sua população e têm direito a fazer parte da identidade nacional dos países, com um papel especial no fortalecimento das instituições do Estado e na realização da unidade nacional baseada em princípios democráticos;

 

Recordando também que algumas das concepções e instituições democráticas consagradas nas Constituições dos Estados americanos têm origem em instituições dos povos indígenas e que muitos de seus atuais sistemas participativos de decisão e de autoridade contribuem para o aperfeiçoamento das democracias nas Américas; e

 

Recordando ainda que é necessário desenvolver contextos jurídicos nacionais para consolidar a pluriculturalidade de nossas sociedades;

 

2. Erradicação da pobreza e direito ao desenvolvimento

 

Preocupados com as frequentes privações que sofrem os indígenas dentro e fora de suas comunidades no que diz respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e também com o fato de seus povos e comunidades serem despojados de suas terras, territórios e recursos, ficando assim privados de exercer, em particular, seu direito ao desenvolvimento segundo suas próprias tradições, necessidades e interesses;

 

Reconhecendo que os povos indígenas sofrem grave empobrecimento em várias regiões do Hemisfério e que suas condições de vida chegam a ser lamentáveis; e

 

Recordando que, em dezembro de 1994, na Declaração de Princípios da Cúpula das Américas, os chefes de Estado e de Governo anunciaram que, em consideração à Década Mundial do Povo Indígena, concentrariam suas energias em melhorar o exercício dos direitos democráticos e o acesso aos serviços sociais dos povos indígenas e de suas comunidades;

 

3. Cultura indígena e ecologia

 

Reconhecendo o respeito dedicado ao meio ambiente pelas culturas dos povos indígenas das Américas, bem como sua especial relação com o ambiente, com suas terras e recursos e com os territórios onde habitam;

 

4. Convivência, respeito e não-discriminação

 

Reafirmando a responsabilidade dos Estados e dos povos das Américas no sentido de acabar com o racismo e a discriminação racial, para estabelecer relações marcadas por harmonia e respeito entre todos os povos;

 

5. O território e a sobrevivência indígena

 

Reconhecendo que, para muitas culturas indígenas, suas tradicionais formas coletivas de controle e uso de terras, territórios, recursos, águas e zonas costeiras são uma condição necessária à sua sobrevivência, organização social, desenvolvimento e bem-estar individual e coletivo, e que essas formas de controle e domínio são diversas e idiossincráticas e não coincidem necessariamente com os sistemas protegidos pelas legislações comuns dos Estados que habitam;

 

6. A segurança e as áreas indígenas

 

Reafirmando que, nas áreas indígenas, as forças armadas devem limitar sua atividade ao desempenho de suas funções e não devem ser causa de abusos ou violações dos direitos dos povos indígenas;

 

7. Instrumentos de direitos humanos e outros avanços do Direito Internacional

 

Reconhecendo a proeminência e a aplicabilidade, aos Estados e povos das Américas, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dos demais instrumentos sobre direitos humanos do Direito interamericano e internacional; e

 

Recordando que os povos indígenas são sujeito do Direito Internacional e tendo presentes os progressos alcançados pelos Estados e pelos povos indígenas, especialmente no âmbito das Nações Unidas e da Organização Internacional do Trabalho, com os diversos instrumentos internacionais, particularmente o Convênio Nº 169 da OIT; e

 

Afirmando o princípio da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos e da aplicação, a todos os indivíduos, dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos;

 

8. O gozo dos direitos coletivos

Recordando o reconhecimento internacional de direitos que somente se podem gozar coletivamente; e

 

9. Progressos jurídicos nacionais

 

Levando em conta os avanços constitucionais, legislativos e jurisprudenciais conseguidos nas Américas no sentido de garantir os direitos e instituições dos povos indígenas,

 

DECLARAM:

 

PRIMEIRO CAPÍTULO. POVOS INDÍGENAS

 

Artigo I. Âmbito de aplicação e definições

 

1. Esta Declaração aplica-se aos povos indígenas, bem como àqueles cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional e cujo status jurídico é, parcial ou totalmente, regulado por seus próprios costumes e tradições ou por regulamentos ou leis especiais.

 

2. Na determinação dos grupos a que se aplicam as disposições da presente Declaração, deverá considerar-se como critério fundamental a autoidentificação como indígena.

 

3. Nesta Declaração, o uso do termo "povos" não deve ser interpretado no sentido de ter implicação alguma para outros direitos que se possam atribuir a figuras designadas por esse mesmo termo no Direito Internacional.

 

SEGUNDO CAPÍTULO. DIREITOS HUMANOS

 

Artigo II. Plena vigência dos direitos humanos

 

1. Os povos indígenas têm direito ao pleno e efetivo gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais reconhecidos na Carta da OEA, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e em outros instrumentos internacionais sobre direitos humanos; e, nesta Declaração, nada pode ser interpretado no sentido de limitar, restringir ou negar de qualquer forma esses direitos ou no sentido de autorizar ação alguma que não se coadune com os princípios de Direito Internacional, inclusive o dos direitos humanos.

 

2. Os povos indígenas têm os direitos coletivos indispensáveis ao pleno gozo dos direitos humanos individuais de seus membros. Neste sentido, os Estados reconhecem o direito dos povos indígenas, inter alia, a sua ação coletiva, a suas próprias culturas, a professar e praticar suas crenças espirituais e a usar seus idiomas.

 

3. Os Estados assegurarão a todos os povos indígenas o pleno gozo de seus direitos e, com relação a seus procedimentos constitucionais, adotarão as medidas legislativas e de outra natureza que forem necessárias para efetivar os direitos reconhecidos nesta Declaração.

 

Artigo III. Direito de pertencer aos povos indígenas

 

Os indivíduos e comunidades indígenas têm o direito de pertencer aos povos indígenas, de acordo com as respectivas tradições e costumes.

 

Artigo IV. Personalidade jurídica

 

Os povos indígenas têm direito a ter sua plena personalidade jurídica reconhecida pelos Estados, no contexto de seus sistemas jurídicos.

 

Artigo V. Repúdio à assimilação

 

1. Os povos indígenas terão o direito de preservar, expressar e desenvolver livremente sua personalidade cultural, em todos os seus aspectos, livres de qualquer tentativa de assimilação.

 

2. Os Estados não adotarão, apoiarão ou favorecerão política alguma de assimilação artificial ou forçada, de destruição de uma cultura ou que implique possibilidade alguma de extermínio de um povo indígena.

 

Artigo VI. Garantias especiais contra a discriminação

 

1. Os povos indígenas têm direito a garantias especiais contra a discriminação, que se possam requerer para o pleno gozo dos direitos humanos reconhecidos internacional e nacionalmente, bem como às medidas necessárias para permitir às mulheres, homens e crianças indígenas exercerem, sem discriminação, direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e espirituais. Os Estados reconhecem que a violência exercida sobre as pessoas por razões de gênero ou idade impede e anula o exercício desses direitos.

 

2. Os povos indígenas têm direito a participar plenamente da definição dessas garantias.

 

TERCEIRO CAPÍTULO. DESENVOLVIMENTO CULTURAL

 

Artigo VII. Direito à integridade cultural

 

1. Os povos indígenas têm direito a sua integridade cultural e a seu patrimônio histórico e arqueológico, que são importantes tanto para sua sobrevivência como para a identidade de seus membros.

 

2. Os povos indígenas têm direito à restituição de propriedades integrantes desse patrimônio de que tenham sido despojados ou, quando isto não for possível, a uma indenização em termos não menos favoráveis que a praxe do Direito Internacional.

 

3. Os Estados reconhecem e respeitam as formas de vida dos indígenas, seus costumes, tradições, formas de organização social, instituições, práticas, crenças, valores, vestuário e idiomas.

 

Artigo VIII. Concepções lógicas e linguagem

 

1. Os povos indígenas têm direito a seus idiomas, filosofias e concepções lógicas como componentes da cultura nacional e universal e como tais os Estados deverão reconhecê-los, respeitá-los e promovê-los, consultando os povos interessados.

 

2. Os Estados tomarão medidas para promover e assegurar a transmissão de programas de rádio e televisão em idioma indígena em regiões de alta presença indígena, bem como para apoiar a criação de emissoras de rádio e outros meios de comunicação indígenas.

 

3. Os Estados adotarão medidas efetivas para que os membros dos povos indígenas possam entender e ser entendidos em relação a normas e procedimentos administrativos, jurídicos e políticos. Nas áreas de predomínio lingüístico indígena, os Estados empreenderão as atividades necessárias para estabelecer essas línguas como idiomas oficiais e colocá-las em situação de igualdade com idiomas oficiais não-indígenas.

 

4. Os povos indígenas têm direito a usar seus nomes indígenas e a tê-los reconhecidos pelos Estados.

 

Artigo IX. Educação

1. Os povos indígenas terão direito a: a) definir e aplicar seus próprios programas, instituições e instalações educacionais; b) preparar e aplicar seus próprios planos, programas, currículos e materiais didáticos; e c) formar, capacitar e acreditar seus professores e administradores. Os Estados devem tomar medidas para assegurar que estes sistemas garantam igualdade de oportunidades educacionais e docentes para a população em geral e complementaridade em relação aos sistemas educacionais nacionais.

 

2. Quando os povos indígenas assim o desejarem, os programas educacionais serão ministrados em línguas indígenas e incorporarão conteúdo indígena e lhes serão proporcionados também o treinamento e os meios necessários ao completo domínio da língua ou línguas oficiais.

 

3. Os Estados garantirão a estes sistemas educacionais igualdade em termos de qualidade, eficiência, acessibilidade e todos os outros aspectos, em relação aos previstos para a população em geral.

 

4. Os Estados incluirão em seus sistemas educacionais nacionais conteúdos que reflitam a natureza pluricultural de suas sociedades.

 

5. Os Estados proporcionarão a assistência, financeira e de outra natureza, necessária à aplicação prática das disposições constantes deste artigo.

 

Artigo X. Liberdade espiritual e religiosa

 

1. Os povos indígenas terão direito à liberdade de consciência, de religião e de prática espiritual e de exercê-las, tanto em público quanto no âmbito privado.

 

2. Os Estados tomarão as medidas necessárias para impedir tentativas de conversão forçada de povos indígenas ou de imposição de crenças contra sua vontade.

 

3. Em colaboração com os povos indígenas interessados, os Estados deverão adotar medidas efetivas para assegurar que seus lugares sagrados, incluídos os locais de sepultura, sejam preservados, respeitados e protegidos. As sepulturas sagradas e relíquias de que se tenham apossado instituições estatais deverão ser devolvidas.

 

4. Os Estados garantirão o respeito do conjunto da sociedade à integridade dos símbolos, práticas, cerimônias sagradas, expressões e protocolos espirituais indígenas.

 

Artigo XI. Relações e vínculos familiares

 

1. A família é a unidade natural básica da sociedade e deve ser respeitada e protegida pelo Estado. Em conseqüência, o Estado reconhecerá e respeitará as diversas formas indígenas de família, casamento, nome de família e filiação.

 

2. Para pronunciar-se acerca dos melhores interesses do menor em matérias relacionadas com a adoção de filhos de membros de povos indígenas e em relação a matérias relativas a rompimento de vínculo e outras circunstâncias semelhantes, os tribunais e outras instituições pertinentes considerarão os pontos de vista desses povos, inclusive as posições do indivíduo, da família e da comunidade.

 

Artigo XII. Saúde e bem-estar

 

1. Os povos indígenas terão direito ao reconhecimento legal e à prática de sua medicina tradicional, tratamento, farmacologia, práticas e promoção da saúde, inclusive da prevenção e reabilitação.

 

2. Os povos indígenas têm direito à proteção das plantas de uso medicinal, dos animais e minerais essenciais à vida em seus territórios tradicionais.

 

3. Os povos indígenas terão direito a usar, manter, desenvolver e administrar seus próprios serviços de saúde, bem como de ter acesso, sem discriminação alguma, a todas as instituições e serviços de saúde e atendimento médico acessíveis à população em geral.

 

4. Os Estados proverão os meios necessários para que os povos indígenas consigam eliminar situações de saúde reinantes em suas comunidades que sejam deficientes em relação aos padrões aceitos para a população em geral.

 

Artigo XIII. Direito à proteção ambiental

 

1. Os povos indígenas têm direito a um meio ambiente seguro e sadio, condição essencial para o gozo do direito à vida e ao bem-estar coletivo.

 

2. Os povos indígenas têm direito a ser informados sobre medidas que possam afetar o meio ambiente, inclusive recebendo informações que assegurem sua efetiva participação em ações e decisões de política capazes de afetá-lo.

 

3. Os povos indígenas têm o direito de conservar, restaurar e proteger seu meio ambiente e a capacidade de produção de suas terras, territórios e recursos.

 

4. Os povos indígenas têm direito a participar plenamente da formulação, planejamento, ordenação e execução de programas governamentais de conservação de suas terras, territórios e recursos.

 

5. Os povos indígenas terão direito a assistência de seus Estados com a finalidade de proteger o meio ambiente e poderão solicitar a assistência de organizações internacionais.

 

6. Os Estados proibirão e punirão e, em conjunto com as autoridades indígenas, impedirão a introdução, abandono ou depósito de materiais ou resíduos radioativos, substâncias e resíduos tóxicos que contrariem disposições legais vigentes; bem como a produção, introdução, trânsito, posse ou uso de armas químicas biológicas ou nucleares em áreas indígenas.

 

7. Quando o Estado declarar que um território indígena deve ser área protegida, as terras e territórios estiverem sob reivindicação potencial ou real por parte de povos indígenas e as terras forem sujeitas a condições de reserva de vida natural, as áreas de conservação não devem ser objeto de forma alguma de desenvolvimento de recursos naturais sem o consentimento fundamentado e a participação dos povos interessados.

 

QUARTO CAPÍTULO. DIREITOS DE ORGANIZAÇÃO E POLÍTICOS

 

Artigo XIV. Direito de associação e de reunião e liberdade de expressão e pensamento

 

1. Os povos indígenas têm os direitos de associação, reunião e expressão conforme seus valores, usos, costumes, tradições ancestrais, crenças e religiões.

 

2. Os povos indígenas têm direito a reunir-se e a usar seus espaços sagrados e cerimoniais, bem como o direito de manter pleno contato e realizar atividades comuns com seus membros que habitem o território de Estados vizinhos.

 

Artigo XV. Direito de autogoverno

 

1. Os povos indígenas têm direito a determinar livremente seu status político e a promover livremente seu desenvolvimento econômico, social, espiritual e cultural e, por conseguinte, têm direito à autonomia ou autogoverno em relação a vários assuntos, inter alia cultura, religião, educação, informação, meios de comunicação, saúde, habitação, emprego, bem-estar social, atividades econômicas, administração de terras e recursos, meio ambiente e ingresso de não-membros, bem como a determinar os recursos e meios para financiar essas funções autônomas.

 

2. Os povos indígenas têm o direito de participar sem discriminação, se assim o desejarem, de todos os níveis do processo decisório referente a assuntos capazes de afetar seus direitos, suas vidas e seu destino. Tal direito poderá ser exercido diretamente ou por intermédio de representantes por eles eleitos conforme seus próprios procedimentos. Terão igualmente o direito a manter e desenvolver suas próprias instituições decisórias indígenas e à igualdade de oportunidades de acesso a todas as instituições e foros nacionais.

 

Artigo XVI. Direito indígena

 

1. O direito indígena deverá ser reconhecido como parte da ordem jurídica e do contexto de desenvolvimento social e econômico dos Estados.

 

2. Os povos indígenas têm o direito de manter e fortalecer seus sistemas jurídicos e de aplicá-los aos assuntos internos de suas comunidades, inclusive os sistemas relacionados com assuntos como a solução de conflitos, para prevenir o crime e manter a paz e a harmonia.

 

3. Na jurisdição de cada Estado, os assuntos referentes a pessoas indígenas ou aos seus interesses serão geridos de modo a proporcionar aos indígenas o direito de plena representação, com dignidade e igualdade perante a lei. Isso incluirá a observância do direito e dos costumes indígenas e, se necessário, o uso de sua língua.

 

Artigo XVII. Incorporação nacional dos sistemas legais e de organização indígenas

 

1. Os Estados promoverão a inclusão, em suas estruturas organizacionais, de instituições e práticas tradicionais dos povos indígenas, consultando-os e obtendo seu consentimento.

 

2. As instituições relevantes de cada Estado que sirvam aos povos indígenas serão concebidas consultando os povos interessados e com sua participação, de modo a reforçar e promover a identidade, a cultura, as tradições, a organização e os valores desses povos.

 

QUINTO CAPÍTULO. DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E DE PROPRIEDADE

 

Artigo XVIII. Formas tradicionais de propriedade e sobrevivência cultural. Direito a terras e territórios

1. Os povos indígenas têm direito ao reconhecimento legal das distintas modalidades e formas de posse, domínio, uso e gozo de seus territórios e propriedades.

 

2. Os povos indígenas têm direito ao reconhecimento de sua propriedade e dos direitos de domínio sobre suas terras, territórios e recursos que ocupem historicamente, bem como ao uso daqueles a que tenham tido igualmente acesso para realizar suas atividades tradicionais e obter seu sustento.

 

3. i. Ressalvado o disposto em 3, ii, quando os direitos de propriedade e uso dos povos indígenas decorrerem de direitos preexistentes à existência dos Estados, estes deverão reconhecer esses títulos como permanentes, exclusivos, inalienáveis, imprescritíveis e não embargáveis.

ii. Tais títulos somente serão modificáveis de comum acordo entre o Estado e o respectivo povo indígena, com pleno conhecimento e entendimento por parte deste último sobre a natureza e atributos dessa propriedade.

iii. Nenhum elemento de 3, i, deve ser interpretado no sentido de limitar o direito dos povos indígenas a atribuir a titularidade dentro da comunidade segundo seus costumes, tradições, usos e práticas tradicionais, nem afetará qualquer direito comunitário coletivo sobre os mesmos.

4. Os povos indígenas têm direito a uma estrutura legal efetiva de proteção a seus direitos aos recursos naturais de suas terras, inclusive no tocante à capacidade de usar, administrar e conservar tais recursos e no que tange aos usos tradicionais de suas terras e a seus interesses em terras e recursos, como os de subsistência.

 

5. Se a propriedade dos minerais ou dos recursos do subsolo pertencer ao Estado ou se a este couberem direitos sobre recursos existentes na superfície, o Estado estabelecerá ou manterá procedimentos para a participação dos povos interessados em determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de executar ou autorizar qualquer programa de prospecção, planejamento ou exploração dos recursos existentes em suas terras. Os povos interessados deverão participar dos benefícios decorrentes dessas atividades e receber, por qualquer dano que sofram em conseqüência dessas atividades, indenização em termos não inferiores à praxe do Direito Internacional.

 

6. Exceto quando necessário devido a circunstâncias excepcionais e para atender ao interesse público, os Estados não poderão transferir ou reassentar povos indígenas sem o seu consentimento livre, genuíno, público e fundamentado; e, em todos os casos, somente o farão com indenização prévia e a imediata substituição por terras adequadas de igual ou melhor qualidade e igual status jurídico, e garantindo o direito a retorno se deixarem de existir as causas que deram origem ao deslocamento.

 

7. Os povos indígenas têm direito à restituição das terras, territórios e recursos de que tenham sido tradicionalmente proprietários, ocupantes ou usuários e que tenham sido confiscados, ocupados, usados ou danificados; ou, quando a restituição não for possível, o direito a uma compensação em termos não menos favoráveis que a praxe no Direito Internacional.

 

8. Os Estados recorrerão a todas as medidas, inclusive o poder de polícia, para prevenir, impedir e punir, conforme o caso, toda intrusão nessas terras ou seu uso por terceiros sem direito a sua posse ou uso. Os Estados atribuirão máxima prioridade à demarcação e reconhecimento das propriedades e áreas de uso indígena.

 

Artigo XIX. Direitos trabalhistas

 

1. Os povos indígenas têm direito ao pleno gozo dos direitos e garantias reconhecidos na legislação trabalhista internacional ou nacional e a medidas especiais para corrigir, reparar e prevenir a discriminação a que tenham sido historicamente submetidos.

 

2. Na medida em que não estiverem eficazmente protegidos pela legislação aplicável aos trabalhadores em geral, os Estados adotarão as medidas especiais que se façam necessárias para:

 

a) proteger eficazmente trabalhadores e empregados membros das comunidades indígenas com vistas a contratações e condições de emprego justas e igualitárias;

b) melhorar o serviço de fiscalização do trabalho e aplicação de normas nas regiões, empresas ou atividades assalariadas de que participem trabalhadores ou empregados indígenas;

c) garantir que os trabalhadores indígenas:

i. gozem de igualdade de oportunidades e de tratamento em todas as condições de emprego, bem como na promoção e na ascensão; e de outras condições estipuladas no Direito Internacional;

ii. gozem dos direitos de associação, de livre exercício de atividades sindicais para fins lícitos e de assinar convênios coletivos com empregadores ou organizações de trabalhadores;

iii. não sejam submetidos a perseguição racial, assédio sexual ou de qualquer outro tipo;

iv. não estejam sujeitos a sistemas de contratação coercitivos, inclusive a servidão por dívida ou qualquer outra forma de servidão, origine-se esta na lei, nos costumes ou em um entendimento individual ou coletivo, que padecerão de nulidade absoluta;

v. não sejam submetidos a condições de trabalho perigosas para a saúde ou para a segurança pessoal;

vi. recebam proteção especial quando prestarem serviços como trabalhadores sazonais, eventuais ou migrantes e também quando recrutados por contratantes de mão-de-obra, de modo que recebam os benefícios previstos na lei e na praxe nacional, que devem ser acordes com as normas internacionais de direitos humanos estabelecidas para essa categoria de trabalhadores; e

vii. que seus empregadores tenham pleno conhecimento dos direitos dos trabalhadores indígenas segundo a legislação nacional e as normas internacionais, bem como dos recursos de que dispõem para proteger tais direitos.

Artigo XX. Direitos de propriedade intelectual

 

1. Os povos indígenas têm direito a reconhecimento e à plena propriedade, controle e proteção de seu patrimônio cultural, artístico, espiritual, tecnológico e científico, bem como à proteção legal de sua propriedade intelectual em forma de patentes, marcas comerciais, direitos autorais e outros procedimentos estabelecidos na legislação nacional, bem como a medidas especiais que assegurem o seu status jurídico e a capacidade institucional para desenvolver, utilizar, compartilhar, comercializar e legar essa herança a gerações futuras.

 

2. Os povos indígenas têm direito a controlar e desenvolver suas ciências e tecnologias, inclusive os recursos humanos e genéticos em geral, sementes, medicina, conhecimentos da fauna e da flora, desenhos e procedimentos originais.

 

3. Os Estados tomarão as medidas adequadas para garantir a participação dos povos indígenas na determinação das condições para o uso público e privado dos direitos enumerados nos parágrafos 1 e 2.

 

Artigo XXI. Direito ao desenvolvimento

 

1. Os Estados reconhecem o direito dos povos indígenas a decidir democraticamente a respeito dos valores, objetivos, prioridades e estratégias que presidirão e orientarão seu desenvolvimento, ainda que os mesmos sejam distintos dos adotados pelo Estado nacional ou por outros segmentos da sociedade. Os povos indígenas terão direito a obter, sem discriminação alguma, os meios adequados para o seu próprio desenvolvimento, de acordo com suas preferências e valores, e de contribuir, por meio das formas que lhes são próprias e como sociedades distintas, para o desenvolvimento nacional e para a cooperação internacional.

 

2. Exceto em circunstâncias excepcionais que o justifiquem com base no interesse público, os Estados adotarão as medidas necessárias para impedir que as decisões referentes a todo plano, programa ou projeto que afete direitos ou condições de vida de povos indígenas sejam tomadas sem o consentimento e a participação livre e fundamentada desses povos, para que se reconheçam suas preferências a respeito e que não se inclua disposição alguma capaz de resultar em efeitos negativos para esses povos.

 

3. Os povos indígenas têm direito a restituição e indenização, em termos não menos favoráveis que a praxe do Direito Internacional, por qualquer prejuízo que, não obstante as citadas garantias, lhes possa ter sido causado pela execução desses planos ou propostas, e à adoção de medidas para mitigar impactos ecológicos, econômicos, sociais, culturais ou espirituais adversos.

 

SEXTO CAPÍTULO. DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Artigo XXII. Tratados, Atos, acordos e entendimentos

 

Os povos indígenas têm direito ao reconhecimento, observância e aplicação dos tratados, convênios ou outros acordos eventualmente concluídos com os Estados ou seus sucessores e dos Atos históricos, em consonância com seu espírito e intenção; e a ter honrados e respeitados, por parte dos Estados, esses tratados, Atos, convênios e acordos, bem como os direitos históricos deles emanados. Os conflitos e disputas que não se possam resolver de outra maneira serão submetidos a órgãos competentes.

 

Artigo XXIII

 

Este instrumento nada contém que possa ser considerado como exclusão ou limitação de direitos presentes ou futuros de que os povos indígenas sejam titulares ou que venham a adquirir.

 

Artigo XXIV

 

Os direitos reconhecidos nesta Declaração constituem o padrão mínimo para a sobrevivência, dignidade e bem-estar dos povos indígenas das Américas.

 

Artigo XXV

 

Esta Declaração nada contém que implique a concessão de direito algum a desconsiderar fronteiras entre Estados.

 

Artigo XXVI

 

Esta Declaração nada contém que implique uma permissão para o exercício de qualquer atividade contrária aos propósitos e princípios da Organização dos Estados Americanos, inclusive a igualdade soberana, a integridade territorial e a independência política dos Estados, ou que possa ser interpretado como tal.

 

Artigo XXVII. Implementação

 

A Organização dos Estados Americanos e seus órgãos, organismos e entidades, em particular o Instituto Indigenista Interamericano e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, deverão promover o respeito e aplicação plena das disposições desta Declaração.


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11 . Esta resolução foi reiterada em anos posteriores nas resoluções AG/RES. 1044 (XX-O/90), AG/RES. 1169 (XXII-O/92), AG/RES. 1269 (XXIV-O/94) e AG/RES. 1331 (XXV/O/95).

12 . Uma primeira rodada de consultas com a finalidade de obter pareceres sobre os temas e pontos de vista incluídos no instrumento foi levada a efeito pela Comissão entre 1991 e 1993; seus resultados foram publicados no Relatório Anual da CIDH 1992-93, páginas 281-330.