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SITUAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER NA CIDADE DE JUÁREZ, MÉXICO:O DIREITO A NÃO SER OBJETO DE VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO
SITUAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER NA CIDADE DE JUÁREZ, MÉXICO:O DIREITO A NÃO SER OBJETO DE VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO
I. INTRODUÇÃOA. Temas a serem desenvolvidos1. O presente relatório refere-se aos direitos das mulheres da Cidade de Juárez, México, a não serem objeto de violência e discriminação. O relatório expõe a grave situação de violência que enfrentam as mulheres e meninas da Cidade de Juárez, consistentes, inter alia, em homicídios e desaparecimentos, bem como atos de violência sexual e doméstica, e oferece recomendações destinadas a ajudar aos Estados Unidos Mexicanos (doravante denominado “Estado” ou “Estado mexicano”) a ampliar seus esforços no sentido de respeitar e garantir esses direitos.
2. O presente relatório e a visita in loco que o precedeu tiveram origem numa série de comunicações dirigidas à Relatora Especial sobre os Direitos da Mulher (doravante denominada “Relatora Especial”) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão Interamericana” ou “CIDH”) no final de 2001, assinadas por centenas de organizações e pessoas, que informam que mais de 200 mulheres foram brutalmente assassinadas na Cidade de Juárez a partir de 1993; denúncia m a ineficácia dos serviços de segurança pública, e solicitam que a Relatora Especial visite o México para examinar a situação. Como resposta as essas preocupações manifestadas pela Relatora Especial a este respeito, o Governo do Presidente Vicente Fox convidou a Relatora para realizar a visita in loco, a qual foi efetuada em fevereiro de 2002. O Governo manifestou sua preocupação com respeito à situação, bem como seu compromisso de combater a impunidade que carcacterizou esses crimes. O presente relatório é o produto da informação colhida durante esta visita e de atividades conexas de acompanhamento.
3. Durante a visita, as autoridades da Cidade de Juárez apresentaram informação referente ao assassinato de 268 mulheres e meninas a partir de 1993. Num considerável número de casos, as vítimas eram mulheres ou meninas, trabalhadoras das indústrias de montagem ou estudantes que foram objeto de abusos sexuais e depois assassinadas brutalmente. Estas autoridades também informaram sobre mais de 250 denúncias de desaparecimento de pessoas apresentadas nesse período que continuam sem resolução. Durante a visita, representantes da sociedade civil apresentaram ampla informação, bem como uma carta assinada por mais de 5.000 pessoas, as quais exigem que o Estado mexicano providencie resposta eficaz a esta situação. A carta manifestava que: “Desde 1993 as mulheres que vivem na Cidade de Juárez tem medo. Medo de sair na rua e recorrer a distância do caminho de sua casa ao seu trabalho. Medo aos 10, 13, 15, e 20 anos, não importa se é menor ou adulta …”.
4. Conquanto a situação da mulher na Cidade de Juárez tem muitos aspectos comuns aos de outras cidades no México e da região em geral, esta apresenta diferenças em determinados e importantes aspectos. Primeiramente, a taxa de homicídios de mulheres aumentou extraordinariamente na Cidade de Juárez em 1993, e desde então continua aumentando. Em segundo lugar, como explicado mais detalhadamente no relatório, o número de homicídios de mulheres, em comparação com o de homens na Cidade de Juárez é consideravelmente maior que o de cidades em situação similar, e que do média nacional. Em terceiro lugar, as circunstâncias sumamente brutais de muitos dos assassinatos permitiram centrar a atenção na situação reinante na Cidade de Juárez. Um considerável número dessas vítimas eram jóvens de 15 a 25 anos de idade, e muitas delas foram golpeadas ou objeto de violência sexual antes de serem estranguladas ou mortas a punhaladas. Alguns dos assassinatos com estas características foram descritos como homicídios múltiplos ou “em série”. Em quarto lugar, a resposta das autoridades frente a estes crimes tem sido notadamente deficiente. Dois aspectos dessa reação revistem de especial importância. Por uma parte, a grande maioria dos assassinatos continuam impunes; aproximadamente 20% deram lugar a processos penais e condenações. Por outra parte, ao mesmo tempo que começou a aumentar a taxa de homicídios, alguns dos funcionários encarregados da investigação desses fatos e dos julgamentos dos acusasdos começaram a manifestar um discurso que culpava a vítima pelo delito. Segundo declarações públicas de determinadas autoridades de alto patente, as vítimas utilizavam saias curtas, saiam para bailes, eran “fáceis” ou prostitutas. Há relatórios acerca que demonstram que a resposta das autoridades pertinentes aos familiares das vítimas oscilou entre indiferença e hostilidade.
5. As falhas da resposta do Estado eram tão evidentes que em 1998 a Comissão Nacional de Direitos Humanos de México emitiu uma recomendação referente a insuficiência da resposta oficial frente aos assassinatos e exigiu o esclarecimento dos crimes e o julgamento de seus perpetradores, bem como a imposição de sanções aos funcionários que haviam omitido-se em cumprir com suas obrigações conforme a lei. Não obstante, essa recomendação não teve um acompanhamento institucional tendente a garantir o cumprimento das medidas indicadas, e a informação colhida para o presente relatório indica que a maior parte dos assassinatos continuam impunes e que nenhuma funcionário jamais foi considerado responsável pelas graves falhas comprovadas.
6. Além disso, enquanto os assassinatos cometidos na Cidade de Juárez chamam cada vez mais a atenção e foram condenados por muitas pessoas dessa localidade e de todo o México, incluindo o Presidente da República e a Primeira Dama, as Comissões de Gênero e Equidade do Congresso da União, bem como do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, os Relatores Especiais das Nações Unidas para execuções extrajudiciais e independência dos magistrados e advogados, respectivamente, e o Diretor do Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Mulher, essas condenações não têm sido suficientes para suscitar mudanças na situação de impunidade. Esta impunidade é destacada no presente relatório porque alimenta o perpetuamento desses delitos.
7. Ainda que o alto nivel de violência contra homens e mulheres é uma fonte de preocupação para a CIDH em termos mais gerais, os esforços tendentes a punir os assassinatos cometidos no passado contra mulheres e prevenir futuros fatos do mesmo tipo, foram afetados por obstáculos adicionais, mais especificamente a discriminação baseada no gênero. Nesse sentido cabe ressaltar que, como deixa claro a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (doravante denominada “Convenção de Belém do Pará”), a violência contra a mulher é uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres. Como estabelecido pela Declaração e a Plataforma de Ação de Beijing, adotadas pela Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, essa violência “é um dos mecanismos sociais fundamentais mediante os quais coloca a mulher numa posição de subordinação frente ao homem”. A falta da devida diligência para esclarecer e punir esses delitos e prevenir sua repetição reflete o fato de que os mesmos não são considedos como problema grave. A impunidade desses delitos enviam uma mensagem de que essa violência é tolerada, o que favorece sua perpetuação.
8. Ao mesmo tempo em que a Comissão Interamericana e sua Relatora Especial reconhecem o fato de que houve algumas melhorias importantes na resposta oficial frente a esses delitos, faltam melhorias que levem a maiores progressos em direção ao esclarecimento destes fatos e a responsabilização de sues perpetradores. O Estado mexicano designou recursos humanos e materiais adicionais para enfrentar o problema dos assassinatos, através da criação em 1998 de uma Procuradoria Especializada encarregada de investigar esses homicídios, seguida por uma série de medidas tendentes a reforçar sua capacidade. É mais o que pode e deve fazer a este respeito. Um fato importante é que as autoridades encarregadas de fazer frente a esta situação já não se desentendem abertamente com ela, como no passado, mas em suas comunicações com a CIDH e com a Relatora Especial, autoridades de todo nivel manifestaram sua determinação de por fim aos assassinatos e combater a impunidade existente. É importante assinalar que entre o setor estatal e o não estatal no México existe uma noção generalizada de que a situação da Cidade de Juárez é incomum e requer medidas especiais. Os atuais governos no âmbito nacional e local demonstraram-se abertos a novas iniciativas, por exemplo, o estabelecimento de mesas interinstitucionais destinadas a dar participação a diversos representantes estatais e não estatais no trabalho destinado a resolver esses assassinatos. Essa abertura à novos enfoques que abarquem distintos âmbitos resulta vital, já que para modificar a situação existente se requer a enérgica participação de todos os níveis do Governo num trabalho conjunto e deve contar com a contribuição da sociedade civil.
9. A análise e as recomendações contidas neste relatório baseiam-se, principalmente nas obrigações regionais sobre direitos humanos assumidas pelo Estado mexicano, em especial, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção Americana”) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (doravante denominada “Convenção de Belém do Pará”). Conforme a obrigações diante do marco do direito internacional, o Estado mexicano está obrigado a atuar com a devida diligência na investigação, julgamento e punição de delitos de violência cometidos contra mulheres, e adotar medidas eficazes para prevenir e erradicar essa violência. As recomendações estipuladas estão destinadas a garantir que as dimensões de gênero da violência na Cidade Juárez recebam do Estado a resposta enérgica que se espera.
10. As recomendações formuladas compreenden três categorias: recomendações gerais, recomendações referentes à aplicação da devida diligência para investigar esses crimes e julgar e punir seus autores, bem como a aplicação da devida diligência para prevenir futuros crimes desse gênero. As recomendações concentram-se em fazer frente à impunidade que caracterizou a grande maioria desses assassinatos, como mecanismo chave para castigar os homicídios do passado e prevenir futuros homicídios do mesmo tipo. Enquanto que algumas recomendações centralizam-se na necessidade de ampliar a capacidade técnica, outras referem-se ao desafio principal em garantir que as causas específicas de gênero e as consequências da violência contra a mulher sejam compreendidas, e que a dimensão de gênero desses assassinatos tenha sido levada em conta nos esforços tendentes a resolvê-los.
11. A este respeito, o relatório destaca que muitos desses homicídios são manifestações de violência baseada no gênero, especialmente violência sexual e violência doméstica e intrafamiliar. Embora a atenção pública e oficial centralizou-se na brutalidade e o temor vinculados ao denominados homicídios “em série”, não prestou suficiente atenção a necessidade de enfrentar a discriminação que reside nos delitos de violência sexual e doméstica, e que igualmente reside na ineficácia quanto ao esclarecimento dos delitos e o julgamento dos culpados. Para resolver esses casos de homicídio é preciso prestar atenção as causas da violência contra a mulher em todas as suas principais manifestações.
12. É neste sentido que a Cidade de Juárez apresenta algumas desalentadoras semelhanças com outras cidades de toda a região. Na Declaração e na Plataforma de Ação de Beijing se reconhece que “[e]m todas as sociedades, em maior ou menor medida, as mulheres e as meninas estão sujeitas a maus tratos de índole física, sexual e psicológica, sem distinção quanto a seu nível de renda, classe e cultura”. Ainda não se compreendeu que a violência perpetrada por companheiros íntimos representa riscos iminentes para as mulheres. Recentes estudos realizados no Distrito Federal do México e a escala mundial por parte da Organização Mundial da Saúde indicam que do número de mulheres assassinadas em determinada localidade, não menos da metade foram ultimadas por um companheiro íntimo. Contudo, as causas profundas desta violência ainda não foram abordadas suficientemente. Um importante segmento dos assassinatos cometidos na Cidade de Juárez tiveram lugar em mãos de um companehiro íntimo, mas sua importância ainda não foi reconhecida pelas autoridades locais.
13. A Relatora Especial e a Comissão Interamericana reiteram seu compromisso de ajudar o Estado mexicano a aplicar soluções aos problemas identificados. Alguns passos adotados para enfrentar esta situação demonstram o compromisso, por parte de integrantes do setor estatal e do não estatal, de determinar a responsabilidade dos autores da violência e prevenir fatos similares no futuro. Esses passos iniciais mostram a capacidade de adotar as medidas adicionais são urgentemente necessárias.
14. Neste aspecto, a Comissão ressalta a atitude positiva e construtiva do Governo dos Estados Unidos Mexicanos em relação ao trabalho da Relatora Especial e a Comissão referente à situação dos direitos humanos da mulher na Cidade de Juárez. Em suas observações a primeira versão do relatório, o Estado mexicano destacou as conclusões da CIDH como construtivas e positivas, e afirmou que “coincide com as apreciações da Relatora Especial e com o sentido de suas recomendações”. “Estas recomendações já estão sendo analisadas pelas autoridades competentes, tanto federais como estatais e municipais, com a finalidade de determinar a forma e modalidade mais adequadas para a implementação daquelas que sejam ou não parte no processo ”. Ademais o Estado comprometeu-se manter a Comissão devidamente informada dos avanços e ações concretas a serem realizados em relação ao presente relatório e suas recomendações.
B. A Relatoria Especial sobre os Direitos da Mulher da CIDH e seu mandato
15. A CIDH estabeleceu sua Relatoria Especial sobre os Direitos da Mulher em 1994 para renovar seu compromisso de garantir o pleno respeito dos direitos da mulher e suas garantias, em cada um dos Estados membros. A atual Relatora Especial, Marta Altolaguirre, integrante da Comissão Interamericana e atual Primeira Vice-Presidenta da mesma, foi designada como Relatora Especial sobre os Direitos da Mulher no ano 2000.
16. A Relatoria Especial foi estabelecida com o mandato inicial de analisar em que medida a legislação e as práticas dos Estados membros correspondentes aos direitos da mulher cumprem com as amplas obrigações sobre igualdade e não discriminação estipuladas na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homeme (doravante denominada a “Declaração Americana”) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Após o estudo intensivo realizado pela Relatoria Especial, a CIDH publicou seu Relatório sobre a Condição da Mulher nas Américas a fim de apresentar um panorama da situação, formular recomendações destinadas a ajudar os Estados membros a erradicar a discriminação na legislação e na prática, e estabelecer prioridades de medidas futuras a cargo da Relatoria Especial e a Comissão Interamericana. As obrigações em matéria de igualdade e não discriminação continuam sendo os pontos de orientação para a seleção de temas que estão sendo abordados pela Relatoria Especial. Ademais, a CIDH e sua Relatoria Especial insistem no problema da violência contra a mulher, que em si mesma é uma manifestação da discriminação baseada no gênero, como reconhecido na Convenção de Belém do Pará.
17. A Relatoria Especial permite compreender mais claramente a necessidade de medidas adicionais que garantam a possibilidade de que a mulher exerça plenamente seus direitos básicos; emite recomendações especiais destinadas a reforçar o cumprimento, por parte dos Estados membros, de suas obrigações prioritárias referentes à igualdade e a não discriminação. A Relatoria Especial também promove certos mecanismos --por exemplo, a apresentação de denúncias individuais sobre violação de direitos—prevista no sistema interamericano de direitos humanos para proteger os direitos da mulher; realiza estudos especializados e prepara relatórios sobre este tema; e ajuda a Comissão Interamericana a dar resposta a petições e outros relatórios sobre violação desses direitos na região.[1]
18. A prioridade dada pela CIDH e por sua Relatoria Especial aos direitos da mulher reflete também a importância que concedem a este tema os Estados membros da OEA. Em especial, o Plano de Ação adotado pelos Chefes de Estado e de Governo durante a Terceira Cúpula das Américas reconhece a importância do fortalecimento da mulher e sua plena e igual participação no desenvolvimento, a vida política e a adoção de decisões em todo nível. Este Plano de Ação está respaldado no Programa Interamericano para a Promoção dos Direitos Humanos da Mulher e a Equidade e Igualdade de Gênero e outras iniciativas regionais dirigidas a efetivar os compromissos estipulados na Declaração de Beijing e sua Plataforma de Ação.
19. A Comissão Interamericana é um órgão principal da OEA cuja principal função consiste em proteger e promover os direitos humanos e atuar como órgão de assessoramento da Organização nesta esfera. As faculdades da Comissão Interamericana provem principalmente da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Carta da OEA. A Comissão Interamericana investiga e pronuncia-se sobre denúncias de violações de direitos humanos, realiza visitas in loco, prepara esboços de tratados e declarações e informa sobre a situação dos direitos humanos nos países da região.
C. A visita in loco a Cidade de Juárez e a Cidade do México em fevereiro de 2002
20. A visita teve início na Cidade de Juárez em 11 de fevereiro, prosseguiu com reuniões realizadas na Cidade do México em 12 de fevereiro, e foi finalizada com uma conferência de imprensa ocorrida no dia 13 de fevereiro de 2002. No curso de sua visita, a Relatora Especial reuniu-se com autoridades federais, como a Senadora Susana Stephenson Pérez, Presidenta da Comissão de Equidade e Gênero do Senado; a Deputada Federal Concepção González Molina, Presidenta da Comissão de Equidade e Gênero da Câmara de Deputados; as Deputadas Silvia López Escoffié e Olga Haydee Juárez, e as Senadoras Leticia Burgos e María del Carmen Ramírez García, integrantes destas comissões, o Sr. Sadot Sánchez Carreño, Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado; o Dr. David Rodríguez Torres, Deputado Federal integrante da Comissão Especial para o Seguimento das Investigações de Homicídios de Mulheres na Cidade Juárez; a Dra. Mariclaire Acosta Urquidi, Subsecretaria para Direitos Humanos e Democracia e a Dra. Patricia Olamendi, Subsecretaria para Temas Globais, ambas do Ministério de Relações Exteriores; a Dra. Patricia Espinosa Torres, Presidenta do Instituto Nacional das Mulheres (INMULHER ES) e Martha Laura Carranza, Secretaria Técnica de INMULHER ES, e os seguintes funcionários da Procuradoria Geral da República (PGR): Dr. Carlos Vega Memije, Subprocurador de Procedimentos Penais “B” do Estado, Dr. María da Luz Lima Malvido, Sub-procuradora de Coordenação Geral e Desenvolvimento do Estado, Dr. Eduardo Ibarrola Nicolín, Sub-procurador Jurídico e de Assuntos Internacionais do Estado, Dr. Miguel Oscar Aguilar Ruiz, Diretor Geral de Serviços Periciais e o Dr. Mario I. Álvarez Ledesma, Diretor Geral de Proteção dos Direitos Humanos da PGR.
21. A Relatora Especial também manteve entrevistas com autoridades do estado de Chihuahua e do Município da Cidade de Juárez, inter alia o Dr. Jesús José Solís Silva, Procurador Geral; o Dr. Lorenzo Aquino Miranda, Delegado da Procuradoria Geral da República em Chihuahua, a Dr. Suly Ponce, Coordenadora Regional da Zona Norte da PGJE; a Dr. Zulema Bolívar, Promotora Especial para a Investigação de Homicídios Contra Mulheres; o Dr. Sergio A. Martínez Garza, Secretário Geral de Governo do estado de Chihuahua; o Dr. Oscar Francisco Yáñez Franco, Presidente da Comissão Estatal de Direitos Humanos (CEDH); o Dr. José Luis Armendáriz, Secretário Técnico da CEDH; o Dr. Jaime Flores Castañeda, Visitador Titular de Cidade Juárez (CEDH); o Dr. José Reyes Ferriz, Prefeito do Município da Cidade de Juárez, e vários funcionários da Direção de Segurança Pública Municipal.
22. A Relatora Especial recebeu informação e depoimentos de familiares das vítimas e reuniu-se com representantes de organizações não governamentais de direitos humanos e outros representantes da sociedade civil no âmbito local e nacional, inter alia Casa Amiga Centro de Crise, A.C., Rede de Não Violência e Dignidade Humana, Campanha “Pare a Impunidade: Nem uma Morta Mais”, Grupo Feminista Oito de Março de Chihuahua, FEMAP, CIESAS, Círculo de Estudos de Gênero, Associação de Amigos e Pessoas Desaparecidas A.C., MILETNIA, Pastoral do trabalho, Pastoral Juvenil do Trabalho, CETLAC, Comissão de Solidaridade e Defesa dos Direitos Humanos (COSYDDHAC), Despacho Trabalhista, Centro Mulheres, Centro de Investigação e Solidaridade Trabalhista, Associação de Trabalhadores Sociais, A.C., Consórcio para o Diálogo Parlamentar e a Equidade, Centro Norte-Americano para a Solidaridade Sindical Internacional AFL-CIO, Milênio Feminista Convergência Socialista, ELIGE Rede de Jovens para os Direitos Sexuais e Reprodutivos, A.C., Mulheres Trabalhadoras Unidas, A.C., Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C., Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro Juárez, e a Comissão de Equidade e Gênero do Sindicato de Telefonistas da República Mexicana.
23. A Relatora Especial agradece ao Governador de Chihuahua e ao Presidente do Município da Cidade de Juárez pela hospitalidade oferecida durante a visita. O Governo do Presidente Vicente Fox ofereceu plena assistência e cooperação durante a visita, o que permitiu a Relatora Especial levar a cabo um amplo programa de atividades em cumprimento de seu mandato. Agradece o Governo e a seus funcionários pela assistência que lhe dispensaram e por sua determinação em colaborar para encontrar soluções aos problemas existentes. A Relatora Especial deseja expressar sua gratidão aos representantes da sociedade civil mexicana --em especial aqueles afetados diretamente pela situação que aqui se descreve-- por sua colaboração e pela importante informação que proporcionaram durante a visita. O valioso trabalho realizado pelas organizações não governamentais mexicanas no campo dos direitos humanos é um fator chave na capacidade da CIDH de realizar o seguimento da situação dos direitos humanos no país.[2]
D. Atividades subsequentes da Relatora Especial e da CIDH para enfrentar a situação
24. Após a visita, a Comissão Interamericana e sua Relatora Especial continuaram recebendo informação de fontes estatais e não estatais. Durante o 114º período ordinário de sessões da Comissão Interamericana, em março de 2002, a Relatora Especial Marta Altolaguirre informou ao plenário da Comissão os detalhes da visita e a informação colhida e organizou uma audiência de seguimento na sede da CIDH com representantes do Estado e da sociedade civil mexicanos. A Comissão Interamericana convocou uma audiência adicional durante seu 116º período ordinário de sessões, em outubro de 2002, a fim de receber informação atualizada do Estado mexicano e de organizações não governamentais.
25. Durante esta última audiência, o Estado aceitou a solicitação das organizações não governamentais “Pare a Impunidade: Nem uma Morta Mais” e “Nossas Filhas de Regresso a Casa” de que proporcionasse relatórios de seguimento a Comissão Interamericana sobre as medidas adotadas para realizar o seguimento desses delitos, informação que a CIDH deveria depois encaminhar aos representantes destas organizações que participaram nessa audiência. No fianl de novembro de 2002 o Estado apresentou o primeiro desses relatórios, mencionando medidas adotadas em determinados casos, atualizando outros dados e informando sobre o trabalho inicial de um grupo de trabalho interinstitucional criado para tratar destes delitos. A Comissão Interamericana e sua Relatora Especial valorizam enormemente a disposição do Estado mexicano de oferecer informação atualizada de forma regular e prosseguir com o diálogo com representantes do setor não estatal a procura de soluções ao problema em questão.
26. A CIDH recebeu petições individuais referentes a mulheres e meninas assassinadas na Cidade de Juárez, e está tramitando as petições números 104/02, 281/02, 282/02 e 283/02 conforme o seu Regulamento. Ademais adotou medidas cautelares conforme o artigo 25 de seu Regulamento, a favor de Esther Chávez, defensora de direitos humanos que participou intensamente na busca de justiça para estes crimes e que recebeu uma série de ameaças evidentemente vinculadas com seu trabalho. A Comissão Interamericana também adotou medidas cautelares a favor de Miriam García e Blanca Guadalupe López e suas famílias devido às ameaças recebidas. Essas mulheres são esposas de dois dos homens detidos por causa desses assassinatos, Víctor Javier García Uribe e Gustavo González Meza respectivamente. Depois da morte do senhor González em sua cela no dia 8 de fevereiro de 2003, em circunstâncias que continuam sendo investigadas, a CIDH decidiu ampliar as medidas cautelares para incluir o senhor García.
27. Por último, cabe assinalar que no curso da visita de trabalho realizada ao México para efetuar o acompanhamento de determinadas petições individuais e examinar a situação dos trabalhadores migrantes e suas famílias, o Presidente da CIDH, Dr. Juan E. Méndez, recebeu informação adicional.[3] Foram realizadas reuniões de informação na Cidade de Juárez em 30 de julho de 2002, com representantes da sociedade civil e familiares de determinadas vítimas e posteriormente com representantes da Procuradoria Especializada encarregada de investigar esses crimes. A informação recebida foi logo remetida a Relatoria Especial sobre os Direitos da Mulher.
E. Alcance do presente relatório, sua aprovação e acompanhamento
28. O presente relatório refere-se à situação de violência contra a mulher na Cidade de Juárez. Nele são examinados detalhadamente os assassinatos que ocorreram a partir de 1993 e outras manifestações de violência contra mulheres além de diferentes formas de discriminação baseadas no gênero. Conquanto a Cidade de Juárez, como localidade, padece dificuldades especiais, incluindo altos níveis de violência que afetam homens, mulheres e crianças, os níveis de violência contra a mulher e a impunidade que subsiste na maioria dos casos mostram que ainda não foram adotadas medidas eficazes a altura da dimensões de gênero desta violência .
29. Em virtude de sua competência como principal órgão da Organização dos Estados Americanos encarregado de proteger e promover os direitos humanos nas Américas e conforme o seu mandato, estipulado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e mais especificamente definida em seu Estatuto e seu Regulamento, a Comissão Interamericana realiza o acompanhamento da evolução dos direitos humanos em cada um dos Estados membros da OEA. A CIDH considera útil informar periodicamente sobre os resultados de seu estudo de determinado país, formulando as recomendações correspondentes destinadas a ajudar a esse Estado a garantir o mais pleno goze dos direitos e liberdades protegidos, por parte das pessoas sujeitas a sua jurisdição.
30. O presente relatório foi preparado pela Relatoria Especial com base numa gama de diversas informações: entrevistas e outra informação colhida durante a visita in loco, bem como informação atualizada proporcionada por fontes governamentais, intergovernamentais, não governamentais e jornalísticas através dos procedimentos normais de monitoramento da Comissão Interamericana e através de seu sistema de petições.
31. O esboço do “Relatório sobre a Situação de Violência Contra a Mulher na Cidade de Juárez” foi aprovado pela CIDH em 13 de dezembro de 2002. Conforme o artigo 58 do seu Regulamento, a Comissão transmitiu este documento ao Estado mexicano em 26 de dezembro de 2002, e lhe solicitou que encaminhasse as observações que considerara pertinentes dentro de um prazo de um mês. O Estado mexicano apresentou suas observações ao projeto em 29 de janeiro de 2003. A Comissão aprovou a versão final do relatório durante seu 117º período de sessões.
32. A Relatoria Especial e a CIDH continuarão acompanhando cuidadosamente a situação existente na Cidade de Juárez, prestando especial atenção as medidas que venham a ser adotadas a fim de cumprir com as recomendações enunciadas no presente relatório. Tanto a Relatora Especial como a Comissão Interamericana destacam sua disposição de cooperar com o Estado mexicano no processo de remediar os graves problemas identificados, a fim de dar plena realização do direito das mulheres e meninas a não serem objeto de violência
II. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA CIDADE DE JUÁREZ: EXPOSIÇÃO GERAL DO PROBLEMA
A. Introdução
33. Quando centenas de organizações não governamentais começaram a contactar a Relatora Especial em relação a situação das mulheres na Cidade de Juárez, no final de 2001, a principal preocupação mencionada referia-se a continuidade da impunidade do assassinato de mais de 200 mulheres a partir de 1993. As vítimas haviam sido assassinadas brutalmente, muitas delas foram violadas ou golpeadas e depois estranguladas ou mortas a punhaladas. Alguns dos cadáveres mostravam sinais de torturas ou mutilações. As teorias referentes aos motivos dos assassinatos dessas jovens iam desde o narcotráfico até a prostituição ou os homicídios “em série”. As entidades em questão assinalaram que embora a Procuradoria Especializada tivesse sido criada em 1998 para investigar esses crimes, o clima de violência e a intimidação contra mulheres persistia, e somente uma pessoa havia sido condenada por um dos crimes caracterizados como “em série”. As organizações em questão informaram também que as autoridades tinham uma tendência a responder a esses crimes e as manifestações dos familiares das vítimas de forma discriminatória e desrespeituosa.
34. As organizações perceberam a negligência das autoridades encarregadas de investigar esses delitos e processar seus perpetradores, bem como a ineficácia global da administração de justiça e a falta de vontade política em todos os níveis de enfrentar o problema. Assinalaram que conquanto o problema havia recebido atenção no âmbito nacional e inclusive internacional, não existía a genuina determinação de dar-lhe efetiva resposta. Por exemplo, embora a Comissão Nacional de Direitos Humanos tivesse formulado uma recomendação específica em 1998, destinada a corrigir algumas dessas falhas, não foram levados à pratica os seus aspectos mais improtantes. Tampouco se havia cumprido as recomendações dos Relatores Especiais das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais e sobre a independência de juíxes e advogados referentes a ineficácia da resposta do Estado mexicano frente a esses delitos. As organizações em questão assinalaram que o Estado mexicano, ao permitir que esses crimes continuassem impunes, estaria promovendo a sua perpetuação.
35. Nesta etapa inicial o Estado mexicano, tanto no âmbito federal como através das autoridades de Chihuahua, manifestou grande preocupação com respeito aos assassinatos e se mostrou disposto a receber a visita da Relatora Especial. As autoridades pertinentes de Chihuahua, principalmente da Procuradoria Geral de Justiça do Estado (doravante denominada “PGJE”), proporcionaram informação sobre os esforços realizados para investigar e esclarecer os assassinatos, em especial os esforços da Procuradoria Especializada criada em 1998 para tratar destes crimes. As autoridades assinalaram que o estabelecimento dessa Procuradoria e a posterior adoção de novos métodos de trabalho, políticas e programas como resposta a esses delitos demostrava a seriedade de sua resposta. A PGJE insistiu que, na sua opinião, avanços importantes haviam sido conquistados.
36. Ficou claro no curso da visita da Relatora Especial e na informação analisada posteriormente a ela, que os assassinatos que receberam especial atenção devido à barbárie de suas circunstâncias ou seu possível carácter de assassinatos “em série” estão integralmente vinculados com uma situação mais ampla de violência baseada no gênero, que compreende desaparecimentos, bem como outros delitos sexuais e de violência doméstica. Um denominador comum da maioria desses crimes é a impossibilidade das vítimas ou seus familiares de obter pronto acesso a proteção e garantias judiciais. Estes problemas, por sua vez, estão bastante vinculados com padrões históricos de discriminação baseada no gênero. A denegação de uma resposta eficaz faz com que a percepção de que a violência contra a mulher -sendo o caso mais eloquente a da violência doméstica-- não seja um delito grave. A falta de uma resposta oficial eficaz forma parte do contexto mais amplo da discriminação. Para enfrentar os assassinatos se requer enfrentar os problemas de maior escala da violência e a discriminação baseadas no gênero, primeira e principalmente através de um breve e eficaz acesso à justiça. B. O contexto da Cidade de Juárez
37. A Cidade de Juárez é uma cidade porta no Estado de Chihuahua. É a porta de muitos mexicanos que emigran ao Norte em busca de emprego no setor industrial que predomina na zona fronteriça. A Cidade de Juárez é um centro manufatureiro importante em que as indústrias estrangeiras e nacionais atraem uma força de trabalho de enormes proporções. Nesse sentido, muitos a consideran como a via de acesso a melhores oportunidades de emprego. Também é porta para a emigração, legal e ilegal, em direção aos Estados Unidos. A Cidade de Juárez está localizada perto de El Paso, Texas, ao Norte. O Estado de Chihuahua tem limites no leste com o o Estado de Sonora e pelo oeste com o Estado de Coahuila.
38. Representantes do Estado e de setores não estatais sempre insistiram no fato de que a Cidade Juárez padece de uma ampla gama de desafios sérios. O Município da Cidade de Juárez, com mais de 1.200.000 habitantes, é o maior centro do Estado de Chihuahua, que é a maior extensão territorial dos Estados Unidos Mexicanos. Devido a sua localização e a seu desenvolvimento industrial, a população do Município vem crescendo muito rapidamente. Segundo o Estado de Chihuahua, mais da metade da população do Município está formada por pessoas provenientes de outras zonas do país ou de estrangeiros.[4] O Estado assinalou que as diferenças culturais, econômicas e sociais existentes na população geram problemas especialmente complexos. Ademais, a Cidade de Juárez não possui uma infra-estructura ou serviços públicos suficientes para satisfazer as necessidades da população, que cresce constantemente. Os setores marginalizados da população carecem de acesso a uma moradia adequada, água potável, serviços de saneamento e serviços de saúde pública.
39. A informação colhida durante a visita deixou claro que, na sua condição de cidade fronteiriça, a Cidade de Juárez vem caracterizando-se pelo aumento do delito, onde imperam o crime organizado e o narcotráfico, e o incremento da atividade de grupos ilícitos e a presença de armas de fogo. Um fato notável a este respeito é que quase todos os assassinatos classificados como execuções cometidos no Estado de Chihuahua ocorrem na Cidade de Juárez.[5] Esses e outros problemas geram elevados níveis de violência que afetam a homens, mulheres e crianças que nela residem.
40. Durante a visita da Relatora Especial, alguns representantes da sociedade civil também assinalaram as modificações das modalidades culturais estabelecidas por alguns dos que emigram em direção a Cidade de Juárez. Explicaram que há um maior número de postos de trabalho para mulheres, incluindo mulheres jovens, que podem assim conseguir uma maior independência econômica. De fato, os relatórios recebidos indicam que mais da metade da força de trabalho das indústrias da zona está integrada por mulheres. Os representantes da sociedade civil afirmaram que essas modificações das estruturas tradicionais em alguns casos geram tensões numa sociedade caracterizada por desigualdades históricas entre homens e mulheres; e que são muitos escassos os recursos disponíveis para ajudar a modificar essas atitudes.
C. Panorama geral da violência que afeta as mulheres na Cidade de Juárez 1. Assassinatos de mulheres e meninas a partir de 1993
Esmeralda[6] tinha 15 anos de idade a última vez que foi vista com vida, em 29 de outubro de 2001. Trabalhava num domicílio privado, como empregada doméstica. Quando sua mãe dirigiu-se as autoridades, em 30 de outubro de 2001, para apresentar uma denúncia sobre desaparecimento de pessoa, lhe disseram que tinha que esperar 48 horas. O cadáver de Esmeralda pode ter sido encontrado juntamente com outros restos humanos, em 7 de novembro de 2001, mas sua mãe não tinha certeza no momento da identificação. Foram realizadas provas de ADN, mas os resultados demoraram vários meses. A mãe da vítima conhece muitos outros casos, mas ela somente está preocupada com o caso de sua filha..
Lilia Alejandra tinha 17 anos quando desapareceu em 14 de fevereiro de 2001. Trabalhava como operadora em uma indústria. Sua mãe começou a distribuir volantes para colaborar na busca. Dias depois a janela do carro da mãe apareceu quebrada e em seu interior foi encontrado um maço de volantes que ela distribuia. Quando a polícia apareceu em resposta a sua chamada, tentou levar o automóvel ao posto policial, mas as chaves não foram encontradas. O cadáver de Lilia Alejandra, desnudo e estrangulado, foi encontrado em um terreno baldio depois de uma semana do desaparecimento. A vítima deicou dois filhos, o caçula tinha cinco meses de idade. Quando a mãe de Lilia Alejandra dirigiu-se as autoridades para perguntar informação sobre a investigação, lhe foi dito que estava “fazendo tempestade em copo de água” e que mulheres como Lilia morrem em todas as partes do mundo.
41. Os relatórios indicam que pelos menos 285 mulheres e meninas foram assassinadas na Cidade de Juárez desde o começo de 1993 até o fim de outubro de 2002. Durante a visita realizada pela Relatora Especial em fevereiro de 2002, o Estado mexicano informou sobre o assassinato de 268 mulheres entre janeiro de 1993 e janeiro de 2002. Ainda não exista coincidência total entre as cifras declaradas pelo Estado e por organizações não governamentais, ambas são compatíveis em grande medida. Até a data da audiência de outubro de 2002, os relatórios das entidades não governamentais e da imprensa estimavam que o total de mortes era entre 285 e 300.
42. A informação recolhida pela CIDH e por sua Relatora Especial indica que Cidade de Juárez vem se caracterizando por um pronunciado aumento dos índices de crimes cometidos contra homens e mulheres, mas que o aumento referente as mulheres é anômalo em vários aspectos. O ano de 1993 foi o primeiro em que houve aumento notável dos assassinatos de mulheres. Uma entidade informou que entre 1985 e 1992 foram assassinadas 37 mulheres, e entre 1993 e 2001 foram assassinadas 269.[7] Embora coeficientes de homicídios de homens e mulheres aumentaram, os das mulheres duplicaram-se em relação aos dos homens .[8] Ademais, o índice de homicídios correspondente a mulheres na Cidade de Juárez é desproporcionalmente maior que o de cidades fronteiriças em circunstâncias análogas.[9]
43. Conquanto seja difícil caracterizar os motivos destes crimes em geral, o setor estatal e o não estatal concordam, pelas circunstâncias em que foram cometidos e a falta de esclarecimento, que a maior parte deles tem relação com manifestações de violência com causas e consequências específicas de gênero. Um número substancial deles está vinculado a violência sexual e outros a violência doméstica e intrafamiliar. Alguns casos apresentam modalidades múltiplas desses tipos de violência .
44. Tanto o setor público como o não estatal informaram que um número considerável de assassinatos foram caracterizados como múltiplos, ou “em série”, que representam determinada modalidade nas circunstâncias do caso. As vítimas desses crimes eram preponderantemente mulheres jovens, entre 15 e 25 anos de idade. Algumas eram estudantes e muitas eram trabalhadoras de indústrias, lojas ou outras empresas locais. Algumas viviam na Cidade de Juárez há relativamente pouco tempo e haviam emigrado de outras zonas do México. Em geral seus familiares haviam denunciado o seu desaparecimento e seus cadáveres foram encontrados dias ou meses mais tarde, abandonados em terrenos baldios ou zonas periféricas. Na maioria dos casos existiam sinais de violência sexual, abusos, torturas ou, em alguns casos, mutilações. Até a data da visita da Relatora Especial, a PGJE estimava que 76 dos assassinatos correspondiam a essa modalidade.
45. Essas características estão ilustradas, em certa medida, pelo descobrimento de oito cadáveres num prédio vazio nos dias 6 e 7 de novembro de 2001. Depois de encontrado um cadáver, em 6 de novembro, a busca realizada na zona revelou a existência de mais dois cadáveres no mesmo dia e cinco grupos de ossos no dia seguinte. Até a data da visita da Relatora Especial, a PGJE manifestou sua convicção de que os cadáveres eram os de Guadalupe Luna da Rosa, Verónica Martínez Hernández, Bárbara Aracely Martínez Ramos, María dos Ángeles Acosta Ramírez, Mayra Juliana Reyes Solís, Laura Berenice Ramos Monarrez, Claudia Ivette González e Esmeralda Herrera Monreal. Na maioria dos casos foram realizadas provas científicas para confirmar as identificações efetuadas.
46. Os relatórios e declarações testemunhais recebidos durante a visita da Relatora Especial traziam a seguinte informação sobre as jovens mencionadas acima: Guadalupe era estudante do Instituto Tecnológico de Cidade de Juárez e tinha 19 anos, quando foi vista por última vez por seus pais ao sair de sua casa em 30 de setembro de 2000, para encontrar-se com uma amiga para fazer compras. Verónica, de 19 anos de idade, trabalhadora da indústria e estudante, desapareceu depois de tomar um ônibus no centro da cidade em 19 de outubro de 2000. Bárbara, de 21 anos e empregada, desapareceu em 26 de dezembro de 2000. María dos Ángeles, trabalhadora da indústria e estudante de 19 anos desapareceu em 25 de abril de 2001, depois de ter sido vista pela última vez no centro da cidade. Mayra, de 17 anos foi vista pela última vez no centro da cidade quando saia para buscar trabalho em 25 de junho de 2001. Laura Berenice, estudante, tinha 17 anos quando desapareceu, em 25 de setembro de 2001. Claudia Ivette, de 20 anos, operadora de indústria, desapareceu em 10 de outubro de 2001. Por último, Esmeralda, trabalhadora doméstica, tinha 15 anos quando desapareceu, em 29 de outubro de 2001. Las vítimas desapareceram num período de aproximadamente um ano, todas em datas e lugares diferentes. Todas eram jovens, de idades entre 15 21 anos. Os cadáveres encontrados nos dias 6 e 7 de novembro haviam sido jogados em terrenos baldios depois da morte das vítimas.
47. Muitas pessoas, incluindo familiares, integrantes de organizações não governamentais e outros representantes da sociedade civil, manifestaram grave preocupação sobre as circunstâncias desses crimes e sobre a resposta dada pelas autoridades. Em particular, assinalaram que faltava informação básica necessária para confiar na veracidade da identidades atribuídas pelas autoridades. Por exemplo, num dos casos as autoridades disseram ao familiar da vítima que este não podia ver os restos humanos, “para sua própia proteção”, e em outros casos os restos ainda não haviam sido devolvidos aos familiares. Alguns familiares afirmaram ter muitas dúvidas sobre se os restos humanos encontrados eram realmente os de seus parentes, ou se podiam conservar a esperança de que a pessoa denunciada desaparecida continuasse com vida. Foram realizadas provas de DNA dos restos humanos recuperados em novembro, mas transcorreram-se vários meses até que se obtivese resposta. As autoridades da PGJE indicaram a Comissão Interamericana que em outubro de 2002 os resultados dessas provas ainda não haviam sido liberados. Afirmaram que um número não especificado de casos, os familiares das vítimas tinham solicitado provas de DNA para confirmar a identidade da vítima, mas lhes foi negado.
48. Devido a falta de informação básica, os familiares das vítimas, nesses e em outros casos, manifestaram uma profunda falta de confiança na determinação ou capacidade das autoridades de esclarecer os fatos delitivos e encontrar os responsáveis. Ademais, os familiares das vítimas, nesses e outros casos, manifestaram ter recebido das autoridades informações contraditórias e confusas, e de terem sido tratados de forma humilhante, desrespeituosa ou agressiva quando trataram de obter informação sobre as investigações. No curso da audiência de março de 2002 realizada perante a CIDH, representantes de “Pare a impunidade: nem uma morta mais” informaram que os familiares das vítimas cujos supostos cadáveres foram encontrados nos dias 6 e 7 de novembro de 2001 haviam regressado ao lugar do delito em 25 de fevereiro de 2002, e encontraram roupas e outros objetos vinculados a algumas das vítimas na cena do crime.
49. As autoridades de Chihuahua, por sua parte, informam sobre a detenção, em 9 de novembro de 2001, de Gustavo González Meza (“La Foca”) e Javier García Uribe (“El Cerillo”), em relação a esses crimes. Durante a visita da Relatora Especial, porém, numerosas pessoas, incluindo alguns funcionários do Estado mexicano, manifestaram grave preocupação sobre alegações de que esses detidos haviam sido torturados a fim de confessarem. Ambos confessaram nos depoimentos e mais tarde retrataram-se.
50. Com relação a essas alegações de tortura, a Relatora Especial recebeu durante sua visita dois conjuntos diferentes de certificados médicos. O certificados apresentados pela PGJE foram preparados pelo Departamento de Medicina Legal em 11 de novembro de 2001, as 02:40 horas e 02:45 horas, respectivamente. O certificado relativo a González não indica a presença de sinais externos de violência, enquanto o certificado de García refere-se a uma pequena equimose no braço direito, que foi curada em menos de 15 dias. O outro conjunto de certificados preparado pela Unidade Médica do Centro de Detenção as 21:00 horas do 11 de novembro de 2001, referia-se, no caso de González, a “múltiplas queimaduras nos genitais” e equimose na zona do tórax, bem como edemas. No caso de García, refere-se a “[m]últiplas queimaduras de primeiro grau nos genitais” e marcas no braço direito.[10] Os relatórios subsequentes indicam que as alegações de torturas foram denunciadas perante as autoridades, mas que os juízes rejeitaram as denúncias de coação. A Relatora Especial também recebeu informação de que a pessoa encarregada dos serviços periciais da PGJE na época havia renunciado porque sofria pressões para que modificara os resultados de determinadas provas periciais a fim de culpar os dois detidos.[11] A morte do Sr. González em 8 de fevereiro de 2003 em sua cela, em circunstâncias que ainda estão sob investigação, gerou renovadas expressões de preocupação em relação a este processo penal.
2. Desaparecimentos de mulheres
51. Até a data da visita da Relatora Especial, a PGJE afirmou que no período compreendido entre 1993 e janeiro de 2002 foram apresentadas na Cidade de Juárez 4.154 denúncias de desaparecimento de pessoas. Delas, 3.844 das pessoas em questão haviam sido localizadas. Em 53 casos a PGJE possuia conhecimento direto ou indireto da situação da pessoa respectiva, mas negou-se a declarar encerrado o caso a menos que a pessoa aparecesse fisicamente na Subprocuradoria. Das pessoas declaradas desaparecidas, 257 não foram encontradas.
52. Em 2002, o Estado indicou que haviam sido apresentadas 285 denúncias de desaparecimento de mulheres no período compreendido entre janeiro e outubro. Destas, 257 mulheres foram localizadas, seis casos foram mantidos “em reserva” porque a direção correspondente era errada ou haviam-se mudado, ou porque a suposta vítima tinha contactado a família sem proporcionar informação sobre seu paradeiro, e 22 casos continuam sendo investigados.
53. Segundo informação recente, ao longo destes anos somente um pequeno número de expedientes (menos de dez) foi transferido da promotoria a cargo dos casos de desaparecidos para a Promotoria de Homicídios. Até a data da visita da Relatora Especial não era claro em que medida se havia tentado estabelecer referências cruzadas dos dados relacionados as mulheres desaparecidas com aqueles das vítimas de homicídios não identificadas.
54. Com respeito as mulheres declaradas como desaparecidas cujos cadáveres foram recuperados e as não encontradas, uma das preocupações principais manifestadas pelos familiares e outros representantes da sociedade civil foi a demora no início das investigações. Por uma parte, indicaram que os familiares que dirigiram-se a polícia para denunciar o desaparecimento de uma pessoa receberam em muitos casos a resposta de que deveriam voltar em 48 horas, e a explicação de que a mulher ou menina desaparecida deveria ter saido com um namorado e logo voltaria. Por outra parte, assinalaram que nos casos em que conseguiram apresentar a denúncia de desaparecimento, a resposta da autoridade não foi rápida nem integral.
55. As autoridades de Chihuahua reconheceram frente a Relatora Especial que no passdo a polícia costumava a não receber a denúncia da desaparecimento de uma pessoa antes do transcurso de certo tempo, mas que isto havia sido corregido através de mudanças de políticas e práticas, que requerem agora uma rápida investigação. Em outubro de 2002, a PGJE informou que a Unidade de Atenção a Vítimas da Procuradoria Especial tinha sido reforçada com pessoal adicional; que se havia dado prioridade as buscas imediatas (em especial quando as circunstâncias do caso indicam um alto risco, como nas características vinculadas aos homicídios “em série”), e que os agentes da PGJE participam agora nestes esforços, para poder adotar medidas in situ. A PGJE indicou que, consequentemente, um maior número de denúncias era resolvido através da localização da pessoa supostamente desaparecida. Tendo em vista as alegações de demora nas denúncias de desaparecimento até o final de 2001, a questão de uma rápida investigação das mesmas merece um acompanhamento e uma avaliação mais estreitas.
56. Após sua visita a Cidade de Juárez, a Relatora Especial dedicou-se a analisar uma série de desaparecimentos ocorridos na Cidade de Chihuahua que talvez tenham algumas das características dos crimes ocorridos na Cidade de Juárez. Durante a audiência de outubro de 2002, representantes de “Pare a impunidade: nem uma morta mais” informaram sobre o desaparecimento de 15 mulheres e meninas na Cidade de Chihuahua. Assinalaram que o cadávere de uma das vítimas havia sido encontrado, embora o caso ainda não tivesse sido objeto de uma investigação efetiva. Indicaram também que os demais desaparecimentos não haviam sido devidamente investigados, a tal ponto de que o expediente de uma das vítimas que havia desaparecido em 1998 tinha apenas seis páginas.
[1] Os estudos temáticos, relatórios de casos e relatórios sobre países podem ser consultados através do website da CIDH na Internet, www.cidh.org (que contém um mecanismo de busca). [2] O Comunicado de Imprensa Nº 04/02, emitido pela Relatora Especial no final de sua visita no sentido de deixar claras suas observações preliminares sobre o tema examinado está publicado neste Relatório da CIDH 2002, e pode ser consultado no website da Comissão www.cidh.org. [3] Sobre a visita em geral, ver Comunicado de Imprensa Nº 32/02, “CIDH visita a México”, emitido em 1º de agosto de 2002. [4] Ver Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, “Investigação sobre Mulheres Vítimas de Homicídio Múltiplo na Cidade de Juárez”, apresentado durante a visita da Relatora Especial. [5] Ídem. [6] Estes dois exemplos foram extraídos de informação recebida pela Relatora durante sua visita. Ver também, “Relatório de atividades da Comissão Especial da Cãmara de Deputados, para que conheça e de seguimento das investigações relacionadas com as homicídios das mulheres perpetrados na Cidade de Juárez, Chihuahua”, notas de entrevistas de 29 de novembro de 2002. [7] Rede Cidadã de Não Violência e Dignidade Humana, “Reporte Cidade ano sobre o homicídios contra mulheres em Juárez”, 6 de março de 2002, pág. 4. [8] Uma análise baseada nos atestados de óbito e outros dados levaram à conclusão de que no período 1990-1993 foram assassinados 249 homens , enquanto que entre 1994-1997 foram 942 homens, o que implica num incremento de 300%. Segundo o mesmo estudo, entre 1990 e 1993 foram assassinadas 20 mulheres, e 143 entre 1994-1997, o que implica num incremento de 600%. Ver Cheryl A. Howard, Ph.D., Georgina Martínez, M.A., Zulma y. Méndez, M.A., “Women, Violence and Politics”, exposição realizada perante a LASA, 17 de março de 2000. [9] Numa análise conclui-se que o índice correspondente a homens na Cidade de Juárez, foi de 47,1 por 100.000 e de 7,9 por 100.000 no caso das mulheres. O índice correspondente a Tijuana, por exemplo, que é uma cidade loclizada também sobre a frontera setentrional, caracterizada por uma forte presença de indústrias e uma população aproximadamente igual a da Cidade de Juárez, foi, no mesmo período, de 34,9 e de 2,4 para homens e mulheres, respectivamente. Os índices correspondentes a totalidade do México no período em questão foram de 28,2 para homns e de 3,1 para mulheres. Id. [10] Informação ulterior preparada en defensa dos detenidos señala que las quemaduras habían sido provocadas pelo ectricidad. [11] Alto a la impunidad: ni una muerta más, “Relatório Temático: Assassinato s de mulher es en Cidade Juárez, Chihuahua”, presentado ante el Comité para la Eliminação da Discriminação contra la Mulher da s Nações Unidas, agosto de 2002, pág. 7. |