RELATÓRIO ANUAL 1996

RELATÓRIO Nº 54/96
CASO 8075
GUATEMALA
6 de dezembro de 1996



I. ANTECEDENTES

 

1. Em 22 de setembro de 1982, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (a "Comissão") recebeu uma comunicação em que se denunciava o presumido seqüestro e desaparecimento do Senhor Luis Gustavo Marroquín, perpetrado por agentes do Estado da Guatemala. O Senhor Marroquín, de nacionalidade guatemalteca, era contador do Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola (BANDESA), próximo ao qual, segundo a denúncia, foi seqüestrado.

 

II. FATOS

 

2. De acordo com o que se alega na denúncia, às 7h50 de 9 de agosto de 1982, o Senhor Luis Gustavo Marroquín foi seqüestrado na área de estacionamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola, aonde chegara para dar início a seu expediente de trabalho no Banco. A denúncia afirma que os seqüestradores eram homens à paisana, fortemente armados, que utilizavam um microônibus vermelho marca Mitsubishi e um automóvel marca Datsun, ambos com vidros fumê.

 

3. Sustenta-se na denúncia que o Senhor Luis Gustavo Marroquín permanece desaparecido, sem que o Estado da Guatemala tenha investigado e esclarecido o fato, e que um recurso de exhibición personal (também conhecido como habeas-corpus) interposto pelos familiares do Senhor Marroquín em 11 de agosto de 1982, com o objetivo de determinar seu paradeiro, foi conduzido de maneira defeituosa e ineficaz.

 

 

III. TRAMITAÇÃO NA COMISSÃO

 

4. A Comissão deu início à tramitação da denúncia em 7 de outubro de 1982, registrando o caso com o número 8075.

 

5. Na mesma data, e atuando de acordo com o estabelecido no artigo 48.1, a, da Convenção Americana, a Comissão transmitiu ao Governo da Guatemala as partes pertinentes da denúncia, solicitando que fornecesse informações sobre os fatos que eram objeto da comunicação, nos termos do artigo 34 de seu Regulamento (o então artigo 31).

 

6. Não recebendo resposta do Governo da Guatemala, a Comissão reiterou sua solicitação de informações em 17 de maio de 1984, concedendo na ocasião um prazo adicional de 30 dias para a resposta e chamando a atenção para a eventual aplicação do artigo 42 (o então artigo 39) de seu Regulamento sobre a presunção de verdade dos fatos denunciados.

 

7. Em 19 de fevereiro de 1985, não tendo recebido as informações solicitadas ao Governo da Guatemala, a Comissão solicitou de novo as informações relativas ao caso, concedendo novo prazo de 30 dias e indicando uma vez mais a possível aplicação do artigo 42 do Regulamento.

 

8. Diante da falta de resposta do Governo da Guatemala, em 15 de junho de 1985 a Comissão dirigiu ao Governo a mesma solicitação, advertindo novamente sobre a aplicação do artigo 42 de seu Regulamento. Tampouco nessa oportunidade a Comissão recebeu resposta do Governo da Guatemala com relação ao caso.

 

9. Até o momento, o Governo da Guatemala não forneceu nenhuma das informações solicitadas pela Comissão.

 

 

IV. CONSIDERAÇÕES

 

a) Admissibilidade

 

10. Dos antecedentes analisados se depreende que esta Comissão é competente para tomar conhecimento do caso, visto que na denúncia se expõem fatos que caracterizam supostas violações dos direitos de Luis Gustavo Marroquín reconhecidos nos artigos 1, 3, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

11. A Comissão considera que não existem razões que fundamentem a alegação de que a denúncia é manifestamente infundada ou de que é evidente sua improcedência, e tampouco de que constitui a reprodução substancial de uma petição já examinada ou de que depende de outro processo em andamento em instância internacional (artigos 46.1 c e 47, c e d).

 

12. Com relação ao esgotamento dos recursos internos, o Governo da Guatemala não respondeu a nenhuma das solicitações da Comissão, feitas com o objetivo de conseguir informações sobre a matéria. O sentido da regra do esgotamento está na necessidade de se conceder ao Estado a oportunidade de resolver o problema segundo seu direito interno antes de enfrentar um processo internacional.1/ Por isso, diante do silêncio do Governo, a Comissão presume uma renúncia tácita à invocação da regra do esgotamento.2/

 

13. Mas, além da renúncia à aplicação do artigo 46.1, a, da Convenção Americana, a Comissão considera que, no caso do Senhor Luis Gustavo Marroquín, os recursos da jurisdição interna não foram efetivos e não apresentaram as garantias do processo devido, falhando de maneira injustificada em chegar a uma decisão com relação à sua pessoa. Essas situações factuais de exceção, contempladas no artigo 46.2 da Convenção, também condicionam a validade da aplicação do requisito do esgotamento dos recursos internos previsto no artigo 46.1, a.

 

14. Com efeito, as comunicações dirigidas à Comissão pelos peticionários levam à conclusão de que os recursos internos da Guatemala não esclareceram o desaparecimento de Luis Gustavo Marroquín. Em 11 de agosto de 1982, os familiares do Senhor Marroquín interpuseram um recurso de exhibición personal (habeas-corpus) com o objetivo de determinar seu paradeiro. Em razão do recurso, o Ministério do Governo ordenou à Polícia Nacional que investigasse o desaparecimento do Senhor Marroquín, mas a ordem nunca foi cumprida. Alegam os peticionários que o recurso interposto não chegou a tramitar, o que impossibilitou o desenvolvimento das investigações necessárias para se determinar o paradeiro de Luis Gustavo Marroquín.

 

15. Os peticionários afirmam que fizeram outras diligências por escrito junto ao Ministério do Governo e que apresentaram uma denúncia ao Departamento de Investigações Técnicas da Polícia Nacional e a outros órgãos policiais e colônias penais, e que essas gestões não levaram a qualquer resultado prático.

 

16. Em 18 de outubro de 1982, a esposa e a mãe de Luis Gustavo Marroquín solicitaram por escrito uma audiência com o então Presidente da República, Efraín Ríos Montt, que lhes fez saber que não concederia a audiência solicitada.

 

17. Nenhuma das ações interpostas pelos familiares do Senhor Marroquín produziu o efeito visado de conseguir a proteção dos direitos violados. Em especial, o Estado da Guatemala demonstrou-se incapaz de dar andamento ao recurso de exhibición personal (habeas-corpus) interposto, que poderia ter levado a uma investigação eficiente e adequada, com base no processo devido, capaz de determinar o paradeiro do Senhor Marroquín e estabelecer a identidade dos responsáveis por seu desaparecimento.3/ Essa circunstância só faz reforçar o padrão de ineficácia que afetava os recursos legais, sobretudo o recurso de habeas-corpus, detectado pela Comissão na Guatemala na época em que ocorreram os fatos denunciados.4

 

b) Méritos

 

18. O Governo da Guatemala nunca questionou o seqüestro e o desaparecimento do Senhor Marroquín, nem a circunstância de terem sido perpetrados por agentes do Estado. Desde a época em que lhe foram transmitidas as partes pertinentes da denúncia, e mesmo em seguida às sucessivas solicitações, o Governo não forneceu qualquer informação relativa ao caso, descumprindo a obrigação internacional prevista no artigo 48 da Convenção Americana. Por isso, a Comissão considera aplicável ao caso a presunção derivada do artigo 42 de seu Regulamento, que estipula serem verdadeiros os fatos denunciados na petição cujas partes pertinentes tenham sido transmitidas ao Governo se, no prazo máximo fixado pela Comissão, o Governo não fornecer as informações correspondentes, desde que outros elementos de convicção não apontem para uma conclusão diferente.5 No caso presente, as informações existentes não conduzem a uma versão dos fatos distinta da denunciada, mas, ao contrário, a confirmam.

 

19. Com efeito, a forma e as características do seqüestro de Luis Gustavo Marroquín permitem à Comissão concluir que se tratou de uma ação praticada por agentes do Estado da Guatemala, por se tratar das mesmas verificadas em outros seqüestros e detenções ilegais em que estiveram envolvidos agentes de segurança do Estado. Na época em que ocorreram os fatos denunciados, a Comissão constatou a existência de um "número extraordinariamente grande" de fatos semelhantes aos que aconteceram com o Senhor Marroquín, cometidos por agentes de segurança.5/ Os seqüestros e as detenções irregulares geralmente eram executados por grupos de indivíduos fortemente armados, que arrancavam suas vítimas de seus postos de trabalho ou seus lares sem prestar qualquer informação sobre os motivos da presumida detenção nem sobre os centros a que a vítima seria transportada. Os seqüestradores agiam à luz do dia e geralmente se movimentavam em veículos com vidros fumê.6/ Luis Gustavo Marroquín foi seqüestrado exatamente dessa maneira.

 

20. Do exposto, a Comissão conclui que em 9 de agosto de 1982 o Senhor Luis Gustavo Marroquín foi seqüestrado por agentes do Governo da Guatemala sem que até a presente data se tenha conhecimento de seu paradeiro.

 

c) Conclusões de direito

 

21. A descrição dos fatos ocorridos a Luis Gustavo Marroquín em 9 de agosto de 1982, motivo do presente relatório, enquadra-se no conceito de "desaparecimento forçado", desenvolvido pela jurisprudência da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e incorporado no artigo II da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.7/

 

22. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (a "Corte" ou a "Corte Interamericana") declarou que "o desaparecimento forçado de seres humanos constitui uma violação múltipla e continuada de numerosos direitos reconhecidos na Convenção e que os Estados partes estão obrigados a respeitar e garantir".8/ A Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, em seu Preâmbulo, reafirma que o desaparecimento forçado de pessoas viola múltiplos direitos essenciais da pessoa humana de caráter inderrogável, tal como estão consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.9/

 

23. Com base nesses conceitos, a Comissão analisa os direitos humanos de Luis Gustavo Marroquín que foram violados em conseqüência de seu desaparecimento forçado.

 

 

Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica

 

24. O desaparecimento do Senhor Luis Gustavo Marroquín implica uma violação do direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica consagrado no artigo 3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A ação dos agentes do Governo que levou ao desaparecimento do Senhor Marroquín o excluiu necessariamente da ordem jurídica e institucional do Estado, o que significou uma negação de sua existência como ser humano revestido de personalidade jurídica.10/

 

 

Direito à vida

 

25. O Senhor Luis Gustavo Marroquín permanece na qualidade de desaparecido. A Corte Interamericana afirmou: "A prática de desaparecimentos, por fim, tem implicado com freqüência a execução dos detentos, em segredo e sem fórmula de julgamento, seguida do ocultamento do cadáver com o objetivo de apagar toda pista material do crime e de assegurar a impunidade dos que o cometeram, o que significa uma violação brutal do direito à vida".11/ Por outro lado, o contexto em que se produziu o desaparecimento e a circunstância de que, transcorridos 14 anos, ele continue na qualidade de desaparecido permitem a conclusão razoável de que o Senhor Marroquín foi privado de sua vida.12/

 

26. Do exposto, a Comissão conclui que os fatos denunciados violaram o direito à vida de Luis Gustavo Marroquín, reconhecido no artigo 4 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

 

Direito à integridade pessoal

 

27. O artigo 5 da Convenção Americana estabelece o direito que tem toda pessoa a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Os fatos denunciados no presente caso constituem uma violação ao direito de Luis Gustavo Marroquín à sua integridade pessoal.

 

28. A Corte Interamericana sustentou que "o isolamento prolongado e a falta coagida de comunicação a que se vê submetida a vítima (de desaparecimento) representam, por si mesmos, formas de tratamento cruel e desumano, lesivas da integridade psíquica e moral da pessoa e do direito de todo detido ao respeito devido à dignidade inerente ao ser humano, o que constitui, por sua vez, violação das disposições do artigo 5 da Convenção, que reconhecem o direito à integridade pessoal".13/

 

 

Direito à liberdade pessoal

 

29. Com respeito à violação desse direito, a Corte Interamericana afirmou: "O seqüestro da pessoa é um caso de privação arbitrária de liberdade que despreza, ademais, o direito do detido a ser levado sem demora perante um juiz e a interpor os recursos adequados para verificar a legalidade de sua prisão, o que infringe o artigo 7 da Convenção que reconhece o direito à liberdade pessoal."14/

 

30. O seqüestro e o desaparecimento de Luis Gustavo Marroquín, que a Comissão comprovou, constituem uma violação do direito à liberdade pessoal reconhecido no artigo 7 da Convenção Americana.

 

 

Direito às garantias judiciais e à proteção judicial

 

31. Os artigos 8 e 25 da Convenção Americana estabelecem o direito de todo indivíduo a ter acesso aos tribunais competentes para ser amparado contra atos que violem seus direitos, e a obrigação do Estado de proporcionar as garantias mínimas na determinação de seus direitos. Os recursos internos do Estado da Guatemala não forneceram os elementos necessários ao cumprimento desses direitos, e por isso violaram a Convenção Americana.

 

32. O artigo 25.1 incorpora o princípio, reconhecido no direito internacional dos direitos humanos, da efetividade dos instrumentos ou meios processuais destinados a garantir tais direitos. Não basta que o ordenamento jurídico do Estado reconheça formalmente o recurso em questão, mas é necessário que proporcione os meios para tornar o recurso efetivo e que este se consubstancie de acordo com as regras do processo legal devido.15/

 

33. Os recursos internos do Estado da Guatemala não forneceram meios adequados e efetivos para o cumprimento das garantias mínimas e para a fundamentação de uma decisão relativa aos direitos de Luis Gustavo Marroquín, e não contribuíram para a determinação de seu paradeiro e a identificação e responsabilização dos autores do seqüestro.

 

34. Essas características deficientes que os recursos da jurisdição interna apresentam no caso não apenas justificam a afirmação de que os peticionários não estão obrigados a interpor e esgotar tais recursos, como também envolvem o Estado da Guatemala na violação dos direitos à proteção judicial e às garantias judiciais, reconhecidos nos artigos 25 e 8 da Convenção Americana.16/

 

 

Obrigação de garantir e respeitar os direitos

 

35. O Estado da Guatemala não cumpriu a obrigação emanada do artigo 1.1 da Convenção Americana de "respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e [de] garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição". Por isso, são-lhe imputáveis as violações dos direitos reconhecidos nos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25.

 

36. Nos termos do artigo 1.1, a primeira obrigação dos Estados partes da Convenção Americana é a de respeitar os direitos e liberdades nela estabelecidos.

 

37. Quanto à determinação das formas de exercício do poder público que violam a obrigação do artigo 1.1 de respeitar os direitos, a Corte Interamericana sustentou: "é um princípio de direito internacional que o Estado responde pelos atos de seus agentes realizados sob a égide de seu caráter oficial e pelas suas omissões, mesmo quando atuam fora dos limites de sua competência ou em violação do direito interno." Da mesma forma, "é imputável ao Estado toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção executada por atos do poder público ou de pessoas que agem se prevalecendo dos poderes que ostentam em função de seu caráter oficial".16/

 

38. A Comissão concluiu que o seqüestro de Luis Gustavo Marroquín, ocorrido em 9 de agosto de 1982, seu desaparecimento e a subseqüente denegação de justiça, violadores dos direitos reconhecidos nos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção, foram perpetrados por agentes que ostentavam caráter público. Por isso, em conformidade com os conteúdos mencionados anteriormente, o Estado da Guatemala violou a obrigação do artigo 1.1 de respeitar os direitos de Luis Gustavo Marroquín previstos na Convenção Americana.

 

39. A segunda obrigação emanada do artigo 1.1 é a de garantir o livre e pleno exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção. "Esta obrigação implica o dever dos Estados partes de organizar o aparelho governamental e, em geral, todas as estruturas por meio das quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Como conseqüência dessa obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção."17/

 

40. A Comissão chegou à conclusão de que, na esfera dos recursos internos do Estado da Guatemala, não se investigou a violação dos direitos sofrida pelo Senhor Marroquín, não se puniram seus responsáveis e não se repararam as conseqüências das violações. Por isso, a Comissão conclui que o Estado da Guatemala também violou o artigo 1.1 porque não garantiu o exercício dos direitos de Luis Gustavo Marroquín e de sua família.

 

 

V. TRANSMISSÃO DO RELATÓRIO 18/96 AO GOVERNO

41. O Relatório Confidencial 18/96 foi aprovado pela Comissão em 30 de abril de 1996, no curso de seu 92º Período Ordinário de Sessões, e foi transmitido ao Governo da Guatemala em 27 de maio de 1996. A Comissão solicitou ao Governo que informasse sobre as medidas adotadas para resolver a situação denunciada no prazo de 60 dias. Ao mesmo tempo, a Comissão informou às partes que se colocava à sua disposição para submeter o caso a um procedimento de solução amistosa, fundamentado no respeito dos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana, concedendo o prazo de 30 dias para que comunicassem se aceitavam esse procedimento.

 

42. Em comunicação de 22 de julho de 1996, o Governo da Guatemala solicitou que a Comissão lhe concedesse uma prorrogação de 60 dias para a sua resposta sobre o caso, sob a alegação de que várias instituições do Estado estavam coletando as informações pertinentes. Em comunicação de 31 de julho de 1996, a Comissão informou ao Governo que lhe concedia o prazo adicional de 70 dias para informar sobre as medidas adotadas. Na mesma ocasião, a Comissão enviou ao Governo cópias de documentos relevantes do expediente do caso para sua informação.

 

43. A resposta do Governo, datada de 2 de outubro de 1996, indicou que a Comissão Presidencial Coordenadora da Política do Executivo em Matéria de Direitos Humanos solicitara a colaboração dos Ministérios da Defesa Nacional e do Governo, bem como do Fiscal Geral da República, para que fossem investigados os fatos denunciados. Um agente fiscal designado para investigar o caso tentara localizar no sistema judicial criminal algum expediente relacionado com o fato denunciado, mas não obtivera resultados positivos. Da mesma forma, o agente fiscal entrevistara a mãe da vítima e o Chefe de Segurança do Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola, que corroboraram certos fatos básicos. De acordo com os dados apresentados pela mãe do desaparecido, o fiscal solicitara informações ao Departamento de Trânsito da Polícia Nacional sobre cinco números de placas do ano de 1982. O fiscal também visitara a sede do Grupo de Apoio Mútuo para solicitar informações sobre o desaparecimento de arquivos; todavia, os representantes do Grupo lhe informaram que três anos antes os arquivos daquela sede tinham sido atualizados, desaparecendo na ocasião vários expedientes, entre os quais provavelmente se encontrava o de Luis Gustavo Marroquín. O Governo se demonstrou preocupado com os fatos, mas indicou que nem a Polícia Nacional nem o Ministério Público dispunham de registros sobre aquele período. O Governo informou que, por essas razões, o Fiscal Geral da República ordenara que se abrisse a investigação correspondente e que oportunamente informaria à Comissão sobre seus resultados, "pelo que o Governo considera que, no momento, não é possível aceitar uma solução amistosa e agradece a oferta".

 

44. O Governo da Guatemala não forneceu as informações adicionais relativas a este caso.

 

 

VI. CONCLUSÕES

45. Com base nas informações e observações expostas, a Comissão conclui que o Estado da Guatemala violou os direitos de Luis Gustavo Marroquín à vida, à integridade pessoal, à liberdade, às garantias judiciais e à proteção judicial, todos eles reconhecidos nos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25, respectivamente, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em ligação com o seu artigo 1.1.

 

46. O artigo 1 da Convenção Americana estabelece a obrigação dos Estados partes, primeiro, de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos e, segundo, de garantir o livre e pleno exercício desses direitos. Esta última obrigação refere-se ao dever dos Estados de prevenir, investigar e punir as violações dos direitos humanos. Desse dever deriva a responsabilidade contínua do Estado de "restaurar o direito violado e prover a compensação cabível segundo os danos provenientes da violação dos direitos humanos". (Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 166).

 

 

VII. RECOMENDAÇÕES

47. Com base na análise exposta, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomenda ao Estado da Guatemala que:

 

a) promova uma investigação imparcial e efetiva dos fatos denunciados para determinar o destino de Luis Gustavo Marroquín, estabelecer a identidade dos autores de seu desaparecimento e submeter os responsáveis aos mecanismos apropriados da justiça;

b) adote medidas de reparação plena das violações constatadas, que incluem: as medidas para localizar os restos do Senhor Luis Gustavo Marroquín; os acertos necessários para facilitar a vontade de sua família com relação ao lugar de descanso final desses restos; e uma indenização a seus familiares.

48. Publicar o presente relatório no Relatório Anual a ser submetido à Assembléia Geral da OEA, em virtude dos artigos 48 do Regulamento da Comissão e 51.3 da Convenção, uma vez que o Governo da Guatemala não adotou as medidas para solucionar a situação denunciada dentro dos prazos concedidos.

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1. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 61.

2 . Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Casos: Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 88; Fairén Garbi e Solís Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 87; e Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 90.

3 . A Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que, "segundo o objeto e o fim da Convenção, de acordo com a interpretação do artigo 46.1.a) da Convenção, o recurso adequado, tratando-se do desaparecimento forçado de pessoas, seria normalmente o de exhibición personal ou habeas-corpus, dado que nesses casos é urgente a atuação das autoridades e, por esse motivo, 'a exhibición personal ou habeas-corpus seria, normalmente, o (recurso) adequado para se achar uma pessoa presumivelmente detida pelas autoridades, averiguar se sua prisão é legal e, sendo o caso, conseguir sua liberdade' (Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 20 de janeiro de 1989... parágrafo 65; Caso Godínez Cruz, Sentença de 20 de janeiro de 1989... parágrafo 68; e Caso Fairén Garbi e Solís Corrales, Sentença de 15 de março de 1989... parágrafo 90)". Caso Caballero Delgado y Santana, Exceções Preliminares, Sentença de 21 de janeiro de 1994, parágrafo 64.

4 . Ver Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1983-84, OEA/Ser.L/V/II.63, doc.10, 28 de setembro de 1984, páginas 105-106.

5 . Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos confirmou que "o silêncio do demandado ou sua resposta evasiva ou ambígua podem ser interpretados como aceitação dos fatos da demanda, pelo menos até que o contrário apareça dos autos ou resulte da convicção judicial". Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 138.

6 . Ver Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na República de Guatemala, OEA/Ser.L/V/II.53, doc.21 rev. 2, 13 de outubro de 1981, páginas 34-35.

7 . Ver Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Guatemala, OEA/Ser.L/V/II.61, doc.47, 5 de outubro de 1983, páginas 84-85.

8 . Ver Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1985-86, OEA/Ser.L/V/II.68, doc.8 rev. 1, 26 de setembro de 1986, páginas 40-41; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1982-83, OEA/Ser.L/V/II.61, doc.22, rev. 1, 27 de setembro 1983, páginas 48-50; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1980-81, OEA/Ser.L/V/II.54, doc.9, rev. 1, 16 de outubro de 1981, páginas 113-114; Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 147; Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, artigo II. A Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas entrou em vigor em 28 de março de 1996 com os depósitos do instrumento de ratificação efetuados pela Argentina e pelo Panamá em 28 de fevereiro de 1996 junto à Secretaria-Geral da OEA. A Guatemala assinou esta Convenção, mas ainda não a ratificou.

9 . Ver Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 155. O pronunciamento da Corte sobre a matéria se respalda, além disso, nas declarações de outros organismos internacionais que confirmam que o desaparecimento forçado de pessoas constitui uma violação múltipla de direitos reconhecidos internacionalmente. Ver, por exemplo, a Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados, Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas 47/133, 18 de dezembro de 1992, artigo 1.1.

10 . Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado, parágrafo terceiro do Preâmbulo.

11 . Ver Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçadas, artigo 1.2, caracterizando o desaparecimento forçado como "uma violação das normas do direito internacional que garantem a todo ser humano o direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica". Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas 47/133, 18 de dezembro de 1992.

12 . Caso Velásquez Rodríguez, parágrafo 157.

13 . Idem, parágrafo 188.

14 . Idem, parágrafo 156.

15 . Idem, parágrafo 155.

16 . Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos Casos: Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 91; Fairén Garbi e Solís Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 90; e Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 93.

17 . Idem.

18 . Ver Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 28 de julho de 1989, parágrafos 170, 172.

19 . Idem, parágrafo 166.