RELATÓRIO ANUAL 1996

RELATÓRIO Nº 53/96
CASO 8074
GUATEMALA
6 de dezembro de 1996


I. ANTECEDENTES

 

1. Em 24 de setembro de 1982, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (a "Comissão") recebeu uma comunicação em que se denuncia o suposto seqüestro e desaparecimento do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas, perpetrado por agentes do Estado da Guatemala. O Doutor Pratdesaba Barillas, de nacionalidade guatemalteca, era médico cirurgião e Diretor do Hospital Nacional de San Marcos e de um sanatório privado de sua propriedade, onde, conforme se denuncia, foi seqüestrado.

 

 II. FATOS

 

2. Segundo se alega na denúncia, no dia 1º de outubro de 1981, às 13h00, o Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas foi seqüestrado por pessoal do Exército Nacional da Guatemala nas instalações do sanatório privado que dirigia e levado do lugar pelos seqüestradores, no seu próprio veículo, um Ford Fairmont modelo 1982, amarelo palha. Indica-se na denúncia que o Doutor Pratdesaba Barillas esteve alojado, em primeiro lugar, na Base Militar de Quetzaltenango; que em seguida foi transferido para um destacamento militar situado em San Rafael Pie de la Cuesta, Departamento de San Marcos; que depois esteve retido no Quartel da Polícia Militar Ambulante situado em Finca Berlín de Coatepeque, Departamento de Quetzaltenango; que o último lugar de que os peticionários souberam se alojou era a Base Militar Rafael Carrera, situada em Zacapa, Departamento de Zacapa; que, posteriormente, em dezembro de 1981, foi visto por testemunhas na Capital da Guatemala num veículo particular, guardado por homens armados. Os peticionários declaram que testemunhas oculares viram o veículo do Doutor Pratdesaba Barillas em poder de membros da Quinta Zona Militar.

 

3. Declara-se na denúncia que o Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas permanece desaparecido, sem que o Estado da Guatemala tenha investigado e esclarecido o fato; e que uma denúncia penal de seqüestro interposta pelos familiares do Doutor Pratdesaba Barillas em 5 de outubro de 1981, com o objetivo de determinar seu paradeiro, foi tramitada de modo defeituoso e ineficaz.

 

 III. TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4. A Comissão deu início à tramitação da denúncia em 7 de outubro de 1982 registrando o caso sob o número 8074.

 

5. Na mesma data, e atuando de acordo com o disposto no artigo 48.1, a, da Convenção Americana, a Comissão transmitiu ao Governo da Guatemala as partes pertinentes da denúncia, solicitando que prestasse informação sobre os fatos objetivo da referida comunicação nos termos do artigo 34 de seu Regulamento (o então artigo 31).

 

6. Não havendo recebido resposta do Governo da Guatemala, a Comissão reiterou seu pedido de informação em 17 de maio de 1984, concedendo então um prazo adicional de 30 dias para a resposta e assinalando a eventual aplicação do artigo 42 (então artigo 39) do Regulamento da Comissão, sobre presunção de veracidade dos fatos denunciados.

 

7. Em 19 de fevereiro de 1985, não havendo recebido resposta do Governo da Guatemala, a Comissão solicitou uma vez mais informações sobre o caso, concedendo um prazo de 30 dias e novamente lembrando a possível aplicação do artigo 42 do Regulamento. Nem desta vez a Comissão recebeu resposta do Governo da Guatemala com respeito ao caso.

 

8. Até este momento, o Governo da Guatemala não apresentou nenhuma das informações solicitadas pela Comissão.

 

 IV. CONSIDERAÇÕES

 

a) Admissibilidade

 

9) Depreende-se dos antecedentes analisados que esta Comissão tem competência para conhecer do caso, uma vez que se expõem na denúncia fatos que caracterizam supostas violações dos direitos do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas reconhecidos nos artigos 1, 3, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

10. A Comissão considera que não há motivos que permitam alegar que a denúncia seja manifestamente infundada nem que seja evidente sua improcedência, e tampouco que constitua reprodução substancial de petição já examinada ou que se encontre pendente de outro processo de solução internacional. (Artigos 46.1, c e 47, c, d).

 

11. Em relação ao esgotamento dos recursos internos, o Governo da Guatemala não deu resposta alguma às solicitações da Comissão no sentido de obter informações a respeito do assunto. O sentido da norma de esgotamento dos recursos consiste na necessidade de conceder ao Estado a possibilidade de solucionar o problema segundo seu direito interno antes de deparar-se com um processo internacional.44/ Por isso, ante o silêncio do Governo da Guatemala, a Comissão presume uma renúncia tácita à invocação da norma de esgotamento.45/

 

12. Além dessa renúncia à aplicação do requisito do artigo 46.1, a, a Comissão considera que, no caso do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas, os recursos da jurisdição interna não foram efetivos nem representaram as garantias do devido processo e deixaram injustificadamente de decidir com respeito à sua pessoa. Ademais, os peticionários foram impedidos de acudir a tais recursos. Essas situações fáticas de exceção previstas no artigo 46.2 da Convenção também condicionam validamente a aplicação do requisito de esgotamento dos recursos internos previsto no artigo 46.1, a.

 

13. Com efeito, das notas dirigidas à Comissão pelos peticionários se deduz que os recursos internos da Guatemala foram infrutíferos em esclarecer o desaparecimento do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas. Em 5 de outubro de 1981, os familiares do Doutor Pratdesaba Barillas interpuseram uma denúncia penal para que se investigasse o delito de seqüestro e se determinasse seu paradeiro. Segundo certificação do juiz interveniente, em 28 de outubro de 1982, o processo ainda se encontrava em fase preliminar. Alegam os peticionários que se deu à denúncia interposta a devida tramitação, de maneira a se desenvolver efetiva investigação que esclarecesse os fatos denunciados.

 

14. Enviou-se uma petição especial ao Ministro de Governo, que em 13 de maio de 1982 ordenou à Direção Geral da Polícia Nacional que, por intermédio do Departamento de Investigações Técnicas, imediatamente procedesse às investigações pertinentes. Essa ordem de investigação nunca foi cumprida.

 

15. Em 23 de março de 1982, os familiares do Doutor Pratdesaba Barillas solicitaram por escrito uma audiência perante o então Presidente da República Efrain Ríos Montt, que lhes fez saber que não concederia a audiência solicitada.

 

16. A partir dessa época, os familiares do Doutor Pratdesaba Barillas começaram a receber ameaças para que detivessem os trâmites de procura. Essa circunstância impediu que os familiares do Doutor Pratdesaba Barillas interpusessem outros recursos judiciais para esclarecimento do fato.

 

17. Nenhuma das ações movidas pelos familiares do Doutor Tratdesaba Barillas efetivamente conseguiu a proteção dos direitos lesados. O Estado guatemalteco demonstrou ser incapaz de desenvolver a denúncia penal interposta, de maneira a obter uma investigação eficiente e adequada baseada no devido processo que determinasse o paradeiro do Doutor Tratdesaba Barillas e que estabelecesse a identidade dos responsáveis do seu desaparecimento. Essas circunstância coincide com uma pauta de ineficácia dos recursos legais, que a Comissão constatou existir na Guatemala na época em que ocorreram os fatos denunciados.46/

 

b) Méritos

 

18. O Governo da Guatemala nunca questionou o seqüestro e desaparecimento do Doutor Pratdesaba Barillas, nem a circunstância de que estes foram perpetrados por agentes do Estado. Precisamente, desde a época em que lhe foram transmitidas as partes pertinentes da denúncia, e após sucessivas solicitações, o Governo não prestou nenhuma informação relativa ao caso, deixando de cumprir a obrigação internacional prevista no artigo 48 da Convenção Americana. Por isso, a Comissão considera aplicável ao caso a presunção decorrente do disposto no artigo 42 do seu Regulamento. O artigo 42 do Regulamento da Comissão diz o seguinte: "Presumir-se-ão verdadeiros os fatos relatados na petição cujas partes pertinentes hajam sido transmitidas ao Governo do Estado aludido se, no prazo máximo fixado pela Comissão de conformidade com o artigo 34, parágrafo 5, o mencionado Governo não proporcionar a informação respectiva, desde que, de outros elementos de convicção, não resulte conclusão diversa".47/ Neste caso, a informação existente não conduz a uma versão dos fatos diferente da denunciada; antes a confirma.

 

19. Com efeito, a circunstância de que, posteriormente ao seqüestro, testemunhas oculares tenham visto o automóvel particular do Doutor Pratdesaba Barillas em poder de membros da Quinta Zona Militar, e a precisa descrição das diferentes instalações militares em que foi alojado, constituem importantes elementos de presunção que permitem verificar que o Doutor Pratdesaba Barillas foi seqüestrado por agentes do Estado. Por outro lado, a forma e as característica do seqüestro do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas também permitem à Comissão defender que foi cometido por agentes do Estado guatemalteco, uma vez que tais modalidades correspondem às empregadas em outros seqüestros e detenções ilegais nas quais se encontravam envolvidos agentes de segurança do Estado. Na época em que ocorreram os fatos denunciados, a Comissão constatou a existência de "extraordinário número" de fatos como os que afetaram o Doutor Pratdesaba Barillas que eram cometidos por agentes de segurança.48/ Os seqüestros e as detenções irregulares eram em geral efetuados por grupos de indivíduos fortemente armados, que removiam as suas vítimas de seus locais de trabalho ou suas casas, sem dizer a ninguém os motivos da suposta detenção, nem a que lugar seria levada a vítima. Os seqüestradores em geral se mobilizavam em veículos particulares.49/ O Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barilla foi seqüestrado dessa maneira.

 

20. Ante o exposto, a Comissão considera provado que, no dia 1º de outubro de 1981, o Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas foi seqüestrado por elementos do Exército Nacional da Guatemala e permaneceu detido irregularmente em diferentes centros de detenção militares e policiais, sem que até este momento se tenha conhecimento de seu paradeiro.

 

c) Conclusões de direito

 

21. Os fatos vividos pelo Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas em 1º de outubro de 1981, motivo desta denúncia, se ajustam, em seus pormenores descritivos, ao conceito de "desaparecimento forçado" desenvolvido na jurisprudência da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e incorporado ao artigo II da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.50/

 

22. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "Corte" ou "Corte Interamericana") declarou que "o desaparecimento forçado de seres humanos constitui violação múltipla e contínua de numerosos direitos reconhecidos na Convenção e que os Estados partes estão obrigados a respeitar e garantir"51/ A Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas reafirma, em seu preâmbulo, que o desaparecimento forçado de pessoas "viola múltiplos direitos essenciais da pessoa humana de caráter inderrogável, conforme se acham consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal de Direitos Humanos".52/

 

23. A partir desses conceitos, a comissão analisa os direitos humanos do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas que foram violados por seu desaparecimento forçado.

 

Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica

 

24. O desaparecimento do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas implica violação do direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica consagrado no artigo 3 da Convenção. Quando o Doutor Pratdesaba foi "desaparecido" por agentes do Governo, foi necessariamente excluído da ordem jurídica e institucional do Estado, o que significou negociação da sua própria existência como ser humano revestido de personalidade jurídica.53/

 

Direito à vida

 

25. O Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillos continua na situação de desaparecido. A Corte Interamericana manifestou o seguinte: "A prática de desaparecimentos, enfim, tem com freqüência implicado a execução dos detentos, em segredo e sem fórmula de juízo, seguida do ocultamento do cadáver com o objetivo de apagar todas as marcas do crime e de procurar a impunidade daqueles que o cometeram, o que significa brutal violação do direito à vida".54/ Por outro lado, o contexto em que se produziu o desaparecimento e a circunstância de que catorze anos depois continue desaparecido, permitem concluir razoavelmente que o Senhor Pratdesaba Barillas foi privado de sua vida.55/

 

26. Pelos motivos expostos, a Comissão conclui que os fatos denunciados violaram o direito à vida do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas, reconhecido no artigo 4 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

Direito à integridade pessoal

 

27. O artigo 5 da Convenção Americana estabelece o direito que toda pessoa tem de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Os fatos denunciados neste caso constituem violação do direito do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas à integridade pessoal.

 

28. A Corte Interamericana defendeu que "o isolamento prolongado e a incomunicação coativa a que se vê submetida a vítima (de desaparecimento) representam, por si mesmos, formas de tratamento cruel e inumano, lesivas à integridade psíquica e moral da pessoa e do direito de todo detento ao devido respeito e à dignidade inerente ao ser humano, o que constitui, por sua vez, violação das disposições do artigo 5 da Convenção que reconhece o direito à integridade pessoal"56./

 

Direito à liberdade pessoal

 

29. Com respeito à violação deste direito, a Corte Interamericana afirmou que "o seqüestro da pessoa é um caso de privação arbitrária da liberdade que conculca, ademais, o direito do detento a ser levado sem demora perante um juiz e a interpor os recursos adequados a fim de controlar a legalidade de sua detenção, que infringe o artigo 7 da Convenção que reconhece o direito à liberdade pessoal".57/

 

30. O seqüestro e o desaparecimento do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas, que a Comissão comprovou ocorreram, constituem violação do direito à liberdade pessoal, reconhecido no artigo 7 da Convenção Americana.

 

Direito às garantias judiciais e à proteção judicial

 

31. Os artigos 8 e 25 da Convenção Americana estabelecem o direito de todo indivíduo de ter acesso aos tribunais competentes para que seja defendido contra atos que violem seus direitos, bem como a obrigação do Estado de proporcionar as garantias mínimas na determinação de seus direitos. Os recursos internos do Estado guatemalteco não proporcionaram o necessário para o cumprimento desses direitos e, por conseguinte, violaram a Convenção Americana.

 

32. O artigo 25.1 incorpora o princípio dos direitos humanos reconhecido no direito internacional da efetividade dos instrumentos ou meios processuais destinados a garantir tais direitos. Não é suficiente que o ordenamento jurídico do Estado reconheça formalmente o recursos de que se trata, mas é necessário que desenvolva as possibilidades de um recurso efetivo e que este seja substanciado de acordo com as normas do devido processo legal.58/

 

33. O Estado guatemalteco não proporcionou recursos internos adequados e efetivos que satisfizessem as garantias mínimas e que levassem a uma decisão quanto aos direitos do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas, que estabelecessem seu paradeiro e que determinassem a identidade e a responsabilidade dos autores do seqüestro.

 

34. Essas características deficientes que, neste caso, apresentam os recursos da jurisdição interna não só justificam a afirmação de que os peticionários não estão obrigados a interpor e esgotar tais recursos, como também envolvem o Estado guatemalteco numa violação dos direitos à proteção judicial e às garantias judiciais, reconhecidos nos artigos 25 e 8 da Convenção Americana.59/

 

Obrigação de garantir e respeitar os direitos

 

35. O Estado da Guatemala não cumpriu a obrigação decorrente do artigo 1.1 da Convenção Americana de "respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e [de] garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição". Por esse motivo, as violações dos direitos reconhecidos nos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25 lhe são imputáveis.

 

36. Nos termos do artigo 1.1, a primeira obrigação dos Estados partes na Convenção Americana é respeitar os direitos e liberdades nela estabelecidos.

 

37. A fim de determinar as formas de exercício do poder público que violam a obrigação do artigo 1.1 de respeitar os direitos, a Corte Interamericana defendeu que "é um princípio de direito internacional que o Estado responda pelos atos praticados por seus agentes sob a proteção de sua qualidade oficial e por suas omissões mesmo que atuem fora dos limites da sua competência ou em violação do direito interno". Defendeu também que "é imputável ao Estado toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção perpetrada por ato do poder público ou de pessoas que se prevaleçam do poder que ostentam por sua qualidade oficial".60/

 

38. A Comissão concluiu que o seqüestro do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas, ocorrido em 1º de outubro de 1981, seu desaparecimento e a subseqüente denegação de justiça, violatórios dos direitos reconhecidos nos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção, foram perpetrados por agentes que ostentavam poder público. Por esse motivo, com base no acima exposto, o Estado da Guatemala violou a obrigação prevista no artigo 1.1 da Convenção Americana de respeitar os direitos de Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas.

 

39. A segunda obrigação decorrente do artigo 1.1 é garantir o livre e pleno exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção. "Esta obrigação implica o dever dos Estados partes de organizar o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas mediante as quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Em conseqüência dessa obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção".61/

 

40. A Comissão concluiu que, nos recursos internos do Estado da Guatemala, não se conseguiu investigar a violação de direitos sofrida pelo Doutor Pratdesaba, não se puniu os responsáveis e não se repararam as conseqüências das violações. Por esse motivo, a Comissão conclui que o Estado da Guatemala também violou o artigo 1.1 porque não garantiu o exercício dos direitos do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas e da sua família.

 

V. TRANSMISSÃO DO RELATÓRIO 17/96 AO GOVERNO

 

41. O Relatório Confidencial 17/96 foi aprovado pela Comissão em 30 de abril de 1996, no decorrer do seu 92º Período Ordinário de Sessões e foi transmitido ao Governo da Guatemala em 13 de maio de 1996. A Comissão solicitou ao Governo que informasse sobre as medidas adotadas para resolver a situação denunciada dentro de 60 dias. Ao mesmo tempo, a Comissão informou que se punha a disposição para submeter o caso a processo de solução amistosa, fundado no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana, concedendo prazo de 30 dias para que as partes comunicassem se estavam dispostas e submeter-se a esse processo. Até a data deste relatório, a Comissão não recebeu resposta alguma à sua proposição de facilitar uma solução amistosa, motivo por que considera que a proposição não foi aceita.

 

42. A resposta do Governo, datada de 31 de maio de 1996, assinalava que os fatos de que se trata ocorreram há mais de um decênio, observando que o atual Governo não dispunha da informação solicitada e pedindo à Comissão que proporcionasse maiores informações para que se pudesse iniciar a investigação. O Governo também solicitou que, enquanto não se dispusesse de informações suficientes sobre o caso, se suspendesse sua tramitação.

 

43. Em 18 de junho, a Comissão enviou ao Governo uma cópia da informação pertinente constante do expediente do caso e concedeu prazo adicional de 70 dias para a prestação de informações sobre as medidas adotadas para resolver a situação de que trata o Relatório 7/96. O Governo da Guatemala não apresentou informação adicional com respeito ao caso.

 

VI. CONCLUSÕES

 

44. Com base nas informações e observações expostas, a Comissão conclui que o Estado da Guatemala violou os direitos do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal, à liberdade, às garantias judiciais e à proteção judicial, todos eles reconhecidos respectivamente nos artigos 3, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com o artigo 1.1 da mesma.

 

45. O artigo 1 da Convenção Americana estabelece a obrigação dos Estados partes, primeiro, de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos e, segundo, de garantir o livre e pleno exercício de tais direitos. Esta última obrigação se refere ao dever dos Estados de prevenir, investigar e punir as violações dos direitos humanos. Decorre desse dever a responsabilidade contínua do Estado de "procurar restabelecer o direito violado e prover a compensação cabível segundo os dados provenientes da violação dos direitos humanos". (Caso Velásquez Rodrígues, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 66).

 

VII. RECOMENDAÇÕES

 

46. Com base na análise exposta, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomenda ao Estado da Guatemala que:

 

a) proceda a investigação imparcial e efetiva dos fatos denunciados que determine o destino do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas, que estabeleça a identidade dos autores do seu desaparecimento e que leve à sujeição dos responsáveis aos mecanismos adequados de justiça; e

b) adote medidas de reparação plena das violações constatadas, inclusive medidas para localizar os restos do Doutor Francisco José Antonio Pratdesaba Barillas; os entendimentos necessários para atender aos desejos de sua família com respeito ao destino final desses restos; e indenização à família.

47. Publicar este relatório no Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA, em virtude dos artigos 48 do Regulamento da Comissão e 51.3 da Convenção, uma vez que o Governo da Guatemala não adotou as medidas para solucionar a situação denunciada dentro dos prazos concedidos.

 

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45. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 61.

46. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, casos: Velásquez Rodriguez, Exceções preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 88; Fairén Garbi e Solís Corrales, Exceções preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 87; e Godínez Cruz, Exceções preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 90.

47. Ver Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1983-84, OEA/Ser.L/V/II.63, doc.10, 28 de setembro de 1984, páginas 105 e 106.

48. Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos confirmou que "o silêncio do demandado ou sua contestação elusiva ou ambígua podem ser interpretados como aceitação dos fatos da demanda, pelo menos enquanto não apareça o contrário nos autos ou não resulte da convicção judicial". Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 138.

49. Ver Relatório sobre a situação dos direitos humanos na República da Guatemala, OEA/Ser.L/V/II.53, doc.21 rev. 2, 13 de outubro de 1981, páginas 34 e 35.

50. Ver Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guatemala, OEA/Ser.L/V/II.61, doc.47, 5 de outubro de 1983, páginas 84 e 85.

51. Ver Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1985-86, OEA/Ser.L/V/II.68, doc.8 rev. 1, 26 de setembro de 1986, páginas 40 e 41; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1982-83, OEA/Ser.L/V/II.61, doc.22 rev. 1, 27 de setembro de 1983, páginas 48 a 50; Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1980-81, OEA/Ser.L/V/II.54, doc.9 rev.1, 16 de outubro de 1981, páginas 113 e 114; caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 147; Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, artigo II. A Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas entrou em vigor em 28 de março de 1996 com os depósitos dos instrumentos de ratificação da Argentina e do Panamá em 28 de fevereiro de 1996 na Secretaria-Geral da OEA. A Guatemala assinou essa Convenção, mas ainda não a ratificou.

52. Ver caso Velásquez Rodrígues, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 155. O pronunciamento da Corte a esse respeito é respaldado ademais pelas declarações de outros organismos internacionais que confirmam que o desaparecimento forçado de pessoas constitui violação múltipla de direitos reconhecidos internacionalmente. Ver, por exemplo, a Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados, resolução 47/133, de 18 de dezembro de 1992, artigo 1.1, da Assembléia Geral das Nações Unidas.

53. Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, parágrafo terceiro do Preâmbulo.

54. Ver Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados, artigo 1.2, que caracteriza o desaparecimento forçado como "violação das normas do direito internacional que garantem a todo ser humano o direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica". Resolução 47/133 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 18 de dezembro de 1992.

55. Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 157.

56. Idem, parágrafo 188.

57. Idem, parágrafo 156.

58. Idem, parágrafo 155.

59. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, casos: Velásquez Rodrígues, Exceções preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 91; Fairén Garbi e Solis Corrales, Exceções preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 93.

60. Idem.

61. Ver Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafos 170 e 172.

62. Idem, parágrafo 166.