RELATÓRIO ANUAL 1996

RELATÓRIO Nº 5/97
CASO 11.227
Admissibilidade
COLÔMBIA*
12 de março de 1997


 

1. Os peticionários desta causa (REINICIAR e a Comissão Colombiana de Juristas) alegam que a República da Colômbia (doravante denominada "Estado" ou "Estado colombiano" ou "Colômbia") é responsável por haver violado direitos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "Convenção" ou "Convenção Americana") em relação à perseguição de membros do partido político Unión Patriótica. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "Comissão") conclui que o caso é admissível.

 

I. ANTECEDENTES

 

A. Contexto

 

2. Em 28 de maio de 1995, Unión Patriótica constituiu-se em partido político como resultado das negociações de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Governo do Presidente Belisario Betancur Cuartas. Durante as negociações, as partes convieram em estabelecer a Unión Patriótica como partido político com as garantias necessárias para que pudesse atuar nas mesmas condições dos demais partidos políticos. O Governo também manifestou que asseguraria a participação dos dirigentes das FARC nas atividades políticas.

 

3. Unión Patriótica não foi concebida como partido político no sentido estrito da palavra, e sim, percebida antes como alternativa política em face da estrutura tradicional de poder, para contar com um meio que possibilitasse a canalização das diversas manifestações de protesto civil e popular e, além disso, como mecanismo político para a possível reassimilação das FARC na vida civil. Apenas criado, o partido recebeu o apoio imediato de movimentos políticos esquerdistas e conseguiu importante e rápido êxito eleitoral nos pleitos de 1986 e 1988.

 

B. Alegação dos peticionários

 

4. Os peticionários alegaram que, desde a formação da Unión Patriótica, seus membros têm sido vítimas de perseguição sistemática, traduzida por execuções extra-judiciais, desaparecimentos, processos penais infundados, atentados e ameaças. Os peticionários afirmam que a perseguição dos membros da Unión Patriótica constitui uma tentativa de eliminar o partido como força política por meio da violência e da intimidação dos seus membros e dirigentes. Os peticionários alegam que as ações contra os membros da Unión Patriótica constituem um ato de genocídio e de violação dos direitos humanos protegidos pela Convenção.

 

5. Argumentam os peticionários que, por várias razões, o Estado da Colômbia é responsável pelas violações dos direitos humanos de membros da Unión Patriótica. Em primeiro lugar, afirmam que agentes do Estado participaram de crimes dos quais foram alvos membros da Unión Patriótica. Em segundo lugar, sustentam que o Estado da Colômbia não cumpriu sua obrigação de proteger os direitos humanos dos membros da Unión Patriótica ao não haver procedido como devia para prevenir, investigar e sancionar os delitos cometidos contra membros da Unión Patriótica.

 

C. Posição do Estado

 

6. O Estado argumentou que esta Comissão não deve admitir, para chegar a uma decisão, a reclamação de genocídio formulada pelos peticionários. O Estado procurou estabelecer, entre outras teorias, que os fatos apresentados pelos peticionários não caracterizam o delito de genocídio porque não se enquadram na definição deste tipo de violação.

 

7. O Estado também argumentou que a reclamação dos peticionários é inadmissível por não reunir os requisitos técnicos de admissibilidade enunciados nos artigos 46 e 47 da Convenção e no artigo 32 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominado Regulamento da Comissão). O Estado também aduziu que a causa não pode ser considerada admissível na forma em que foi apresentada porque não se estabeleceu uma conexão suficiente entre as vítimas e os fatos e porque sua individualização não foi adequada. Por outro lado, o Estado argumentou que a Comissão não deve admitir a causa por já ter analisado, em relatório geral sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia, os fatos apresentados na petição. Por último, o Estado argumentou que a petição é inadmissível por não se haver cumprido o requisito de esgotamento dos recursos de jurisdição interna.

 

II. PROCEDIMENTOS PERANTE A COMISSÃO

 

8. Em 23 de outubro de 1992, antes de receber a petição oficial referente a este caso, a Comissão solicitou ao Governo da Colômbia, em conformidade com o disposto no artigo 29 do seu Regulamento, que implementasse medidas cautelares para proteger alguns dirigentes da Unión Patriótica.

 

9. Em 16 de dezembro de 1993, os peticionários apresentaram petição oficial à Comissão, que abriu o Caso 11.227 em 16 de fevereiro de 1994, e enviou as partes pertinentes da petição ao Governo da Colômbia, para que este as respondesse.

 

10. Em 21 de dezembro de 1993, a Comissão voltou a solicitar, em nome dos dirigentes do partido Unión Patriótica, que o Governo da Colômbia implementasse medidas cautelares para protegê-los. Em 2 de fevereiro de 1994, o Governo apresentou sua resposta ao pedido de medidas cautelares formulado pela Comissão.

 

11. Em 6 de abril de 1994, os peticionários apresentaram antecedentes adicionais sobre o caso.

 

12. Em 3 de junho de 1994, o Governo apresentou à Comissão sua resposta no caso. Em 5 de agosto de 1994, os peticionários apresentaram sua contra-réplica, que foi enviada ao Governo em 18 de agosto de 1994.

 

13. Em 23 de setembro de 1994, o Governo solicitou uma prorrogação no prazo para dar resposta à contra-réplica dos peticionários, que foi outorgada pela Comissão em 27 de setembro de 1994.

 

14. Em 28 de novembro de 1994, o Governo enviou à Comissão sua resposta à contra-réplica dos peticionários, os quais, por sua vez, apresentaram suas observações em 6 de janeiro de 1995.

 

15. Em 17 de março de 1995, o Governo solicitou uma prorrogação no prazo para responder as observações dos peticionários de 6 de janeiro de 1995, que foi concedida pela Comissão mediante carta de 21 de março de 1995. Em 5 de abril de 1995, o Governo apresentou sua resposta às observações dos peticionários e, em 14 de junho de 1995, estes apresentaram seus comentários sobre a contestação do Governo.

 

16. Em 29 de março de 1995, os peticionários enviaram informação adicional à Comissão, que procurou abordar questões concretas relacionadas com a admissibilidade de petições que incluem um grupo de vítimas. Em 2 de maio de 1995, o Governo enviou à Comissão uma nota de protesto relacionada com o fato de que a imprensa publicara informação sobre a comunicação dos peticionários de 29 de março, que o Governo não havia recebido. Em 15 de maio de 1995, a Comissão enviou ao Governo a comunicação dos peticionários datada de 29 de março, que o Governo respondeu em 21 de julho de 1995.

 

17. Em 10 de dezembro de 1996, a Comissão recebeu informação adicional sobre o caso, que foi enviada ao Governo com data de 19 de dezembro de 1996.

 

18. Em 19 de dezembro de 1996, a Comissão enviou notas às partes indicando sua decisão de se colocar à sua disposição para alcançar uma solução amigável, concedendo-lhes o prazo de 30 dias para responder. Em 24 de janeiro de 1997, os peticionários responderam indicando sua disposição de iniciar gestões para esse fim, sempre que o Governo concordasse em abordar diversas questões que consideravam fundamentais para se poder chegar a uma solução dessa natureza. Em 6 de fevereiro de 1997, a comissão enviou ao Governo as partes pertinentes da resposta dos peticionários.

 

19. O Governo solicitou uma prorrogação no prazo para responder à oferta da Comissão de se colocar à disposição das partes para alcançar uma solução amigável. Mediante nota da Comissão datada de 45 de fevereiro de 1997, concedeu-se uma prorrogação de 30 dias.

 

20. Em diversas ocasiões, a Comissão convocou audiências sobre o caso, às quais compareceram representantes do Governo e dos peticionários para apresentar argumentos sobre aspectos de fato e de direito relacionados com o caso.

III. ANÁLISE DA ADMISSIBILIDADE

 

A. Apresentação de fatos para caracterizar a violação

21. Tal como enunciado no artigo 47, b, da Convenção, a Comissão poderá declarar inadmissível toda petição que não exponha fatos que caracterizem uma violação dos direitos garantidos pela Convenção. Alegam os peticionários que ocorreram execuções extra-judiciais, desaparecimentos, tentativas de homicídio e processos judiciais falsos, e que membros da Unión Patriótica, identificados como vítimas neste caso, foram objeto de ameaças formuladas com o propósito de procurar eliminar o partido político. Os peticionários solicitam que a Comissão conclua que as ações alegadas constituem delito de genocídio, interpretando a Convenção Americana em conformidade com o direito internacional consuetudinário e com as disposições da Convenção para Prevenir e Punir o Delito de Genocídio (doravante denominada "Convenção sobre Genocídio"). Afirmam a seguir que o delito de genocídio acarreta violações de artigos concretos da Convenção Americana.

 

22. A Convenção sobre Genocídio, que codifica o direito internacional consuetudinário em matéria de genocídio,1/ assim define este delito:

 

Qualquer um dos atos mencionados a seguir, perpetrados com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como sejam:

a) Matança de membros do grupo;

b) Lesão grave à integridade física ou mental dos membros do grupo;

c) Submissão intencional do grupo a condições de existência que venham a acarretar sua destruição física, total ou parcial;

d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no âmbito do grupo;

e) Traslado forçoso de menores do grupo para outros grupos.2/

23. Os peticionários não alegaram fatos que tendam a caracterizar a Unión Patriótica como "grupo nacional, étnico, racial ou religioso"; argumentaram, isso sim, que os membros da Unión Patriótica foram objeto de perseguição pelo simples fato de estarem filiados a um grupo político. Apesar de que, em certas circunstâncias 3/ a filiação política possa guardar relação com considerações de índole nacional, étnica ou de identidade racial, os peticionários não aduziram que, no caso dos membros da Unión Patriótica, exista uma situação dessa natureza.

 

24. A definição de genocídio da Convenção não inclui a perseguição de grupos políticos, embora tenham sido mencionados na resolução original da Assembléia Geral das Nações Unidas que culminou na redação da Convenção sobre Genocídio.4/ O texto final da Convenção excluiu de maneira explícita as execuções em massa de grupos políticos.5/ A definição de genocídio, inclusive em sua aplicação mais recente em foros como o Tribunal de Crimes de Guerra da Iugoslávia, não se ampliou para incluir a perseguição de grupos políticos.6/

 

25. Os fatos alegados pelos peticionários expõem uma situação que compartilha muitas características com o fenômeno do genocídio, sendo possível entender que realmente constituem genocídio, interpretando este termo de acordo com o seu uso corrente. Contudo, a Comissão chegou à conclusão de que os fatos alegados pelos peticionários não caracteriza, como questão de direito, o ajustamento deste caso à definição jurídica atual do delito de genocídio consignada no Direito Internacional. Portanto, na análise dos méritos do caso, a Comissão não incluirá a alegação de genocídio.

 

26. Não obstante, os peticionários apresentaram argumentos que procuram estabelecer uma prática de execuções políticas em massa e a extrema perseguição dos membros da Unión Patriótica com a intenção de eliminar fisicamente o partido e diluir sua força política. Os peticionários anexaram à sua petição uma lista de 1 163 membros da Unión Patriótica executados extra-judicialmente entre 1985 e 1993. Apresentaram também uma lista de 123 pessoas vítimas de desaparecimento forçoso, outra lista de 43 pessoas que sobreviveram a tentativas de homicídio e uma lista de 225 pessoas que receberam ameaças durante o mesmo período. Os peticionários continuaram a entregar listas que continham os nomes de vários membros da Unión Patriótica assassinados cada ano. Na audiência da Comissão realizada em outubro de 1996, os peticionários apresentaram informação indicativa de que, no período de janeiro a setembro de 1996, um ativista da Unión Patriótica era assassinado cada dois dias.

 

27. Além disso, os peticionários anexaram à petição original uma decisão da Corte Constitucional da Colômbia que fazia referência à progressiva eliminação da Unión Patriótica. A decisão da Corte também assinala que somente o número de mortes e desaparecimentos de seus militantes e simpatizantes [do partido] de 1985 a 1992 ...revelam de maneira fidedigna a dimensão objetiva da perseguição política desfechada contra esse partido.7/

 

28. Na petição formulada à Comissão, os peticionários também incluíram o Relatório do Defensor do Povo colombiano sobre casos de homicídio de membros da Unión Patriótica e Esperanza, Paz y Libertad ("Relatório do Defensor").31/ O relatório também constitui evidência que caracteriza a perseguição política dos membros da Unión Patriótica. No Relatório do Defensor, verificou-se que, no período 1985-1992, foram cometidos mais de 700 homicídios, cujas vítimas eram membros da Unión Patriótica. O anexo ao Relatório do Defensor contém numerosos recortes de imprensa que se referem a massacres e outros atos de violência concretamente praticados contra membros da Unión Patriótica.

 

29. O Relatório do Defensor também define de maneira mais específica algumas das características da violência praticada contra membros da Unión Patriótica, assim definindo o perfil do esquema de perseguição. Por exemplo: no relatório, conclui-se que as violações dos direitos humanos desse grupo ocorreram em sua maior parte nas zonas em que a Unión Patriótica obteve o maior apoio eleitoral.32/ O Relatório também assinala que a violência contra a Unión Patriótica visa especialmente aos membros do partido que tenham sido eleitos para desempenhar cargos públicos.33/ Conclui também que os atos de violência ocorreram, em sua maioria, durante períodos de atividade eleitoral.34/

 

30. Os peticionários também apresentaram à Comissão outra informação tendente a provar que agentes do Governo colombiano foram os responsáveis por atos de perseguição contra o partido e que o Estado da Colômbia tolerou essa prática de utilização da perseguição política no caso de membros da Unión Patriótica.

 

31. Os peticionários nunca argumentaram que exista uma política do Estado colombiano que favoreça atos de perseguição e o extermínio da Unión Patriótica. Não obstante, os peticionários alegaram que membros das Forças Armadas colombianas cometeram alguns dos atos de perseguição contra os membros da Unión Patriótica. Os peticionários indicaram, nas listas de membros da Unión Patriótica vítimas de perseguição, que foram incluídas com a petição inicial, os nomes dos supostos responsáveis por cada um dos atos de violência. Em partes desses casos, os peticionários alegaram que os abusos foram cometidos por membros das forças policiais e militares. Segundo a informação prestada pelos peticionários em sua decisão, entidades do Estado colombiano também descobriram indícios de participação de funcionários do Estado em alguns dos atos de violência contra a Unión Patriótica. Em alguns casos, iniciaram-se processos disciplinares contra funcionários do Estado.35/

 

32. Os peticionários também expuseram fatos para demonstrar que o Estado da Colômbia tolera as ações cometidas por seus agentes e por terceiros, ao não efetuar uma investigação adequada dos delitos contra os membros da Unión Patriótica e ao não sancioná-los. Em sua petição, observaram que praticamente não foram impostas sanções nos 1 163 casos de execução extra-judicial que citam como ocorridos entre 1985 e 1993. Similarmente, o Relatório do Defensor concluiu que, dos 717 casos de execuções extrajudiciais ocorridos, apenas dez haviam sido decididos em julgamentos penais, seis dos quais resultaram em sentenças absolutórias.36/ No que se refere à falta de resultados nos processos, o Relatório do Defensor continua assinalando que, no momento da sua redação, mais de 40% dos casos haviam permanecido sob investigação por mais de quatro anos.37/

 

33. O Relatório do Defensor concluiu que "não se outorgaram a esta força política [a Unión Patriótica] e a seus dirigentes as garantias e seguranças indispensáveis para desenvolver sua ação de propaganda"38/ tal como foi concedido aos demais grupos políticos. Mais adiante, o relatório conclui que "é evidente que o peso da lei não recaiu sobre os cidadão ou autoridades que violaram seus direitos fundamentais e desconheceram suas garantias".39/

 

34. A informação fornecida pelos peticionários também tende a estabelecer que o Estado da Colômbia tem tolerado a prática de perseguição com a Unión Patriótica ao não adotar medidas para preveni-la. Primeiro, a alegada omissão da investigação e devida sanção das ações contra a Unión Patriótica significa que não se preveniram eficazmente as violações dos direitos humanos de seus membros. A impunidade resultante dessa omissão cria uma situação propícia para a prática de abusos adicionais. Assim estabeleceu a Corte em diversos casos de medidas provisórias em que ordenou a aplicação de medidas eficazes de investigação e sanção "como elemento essencial do dever de proteção".40/

 

35. Os peticionários também alegaram que o Governo se omitiu de adotar outras medidas eficazes para prevenir a perseguição da Unión Patriótica. A informação prestada pelos peticionários tende a estabelecer que, em certos casos, o Estado da Colômbia tinha conhecimento das ameaças mas não adotou as devidas precauções para prevenir a consumação de atos contra a Unión Patriótica. O Relatório do Defensor concluiu que alguns casos de massacres analisados caracterizaram-se pela ausência de garantias antes da violência, apesar de advertências anteriores sobre o perigo.41/ Nos casos de violência cometidas por organizações paramilitares, o Relatório do Defensor concluiu que, em alguns casos, "as forças armadas ou a polícia não se fazem presentes no momento dos atropelos de grupos paramilitares e não os enfrentam".42/

 

36. Portanto, a Comissão conclui que os peticionários apresentaram fatos e informação que tendem a caracterizar um padrão de perseguição política contra a Unión Patriótica e sua prática, com o objetivo de exterminar o grupo e a tolerância dessa prática pelo Estado da Colômbia. No caso Velásquez Rodríguez, a Corte estabeleceu jurisprudência importante sobre os critérios de valoração das reclamações por violações de direitos humanos, fundamentados num padrão ou prática à luz das disposições da Convenção. A Corte opinou que, se fosse possível demonstrar a existência de uma prática governamental de graves violações aos direitos humanos cometidas pelo governo ou pelo menos toleradas pelo mesmo, e se a alegada violação pudesse ser vinculada a essa tolerância num caso concreto, determinar-se-ia que ocorreu violação no caso de que se trate.43/

 

37. Os peticionários apresentaram listas concretas de pessoas supostamente vitimadas por execuções extra-judiciais, desaparecimentos forçados, tentativas de homicídio e ameaças, como resultado da perseguição aos membros da Unión Patriótica. Os peticionários apresentaram uma certidão indicativa de que cada uma das vítimas estava associada à Unión Patriótica.

 

38. Portanto, a Comissão deve determinar se existiu um padrão ou prática estabelecida de perseguição aos membros da Unión Patriótica, com a participação ou pelo menos com a tolerância do Estado colombiano, à qual estariam vinculadas as vítimas. Em caso positivo, determinar-se-á que houve violações individuais no caso das vítimas mencionadas na lista, o que constituiria a violação dos seguintes direitos consagrados na Convenção: direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (artigo 3), direito à vida (artigo 4), direito à integridade pessoal (artigo 5), direito à liberdade pessoal (artigo 7), direito à liberdade de associação (artigo 16), direitos políticos (artigo 23) e direito às garantias judiciais e à proteção judicial (artigos 8 e 25). Portanto, a petição é admissível nos termos do artigo 47, b, da Convenção, com fundamento em que os peticionários expuseram fatos que caracterizam uma violação múltipla da Convenção.

 

B. Conexão entre fatos e vítimas

 

39. O Estado argumentou que o caso é inadmissível na forma em que foi apresentado porque não consegue estabelecer suficiente conexão entre as supostas violações dos direitos de várias pessoas, capaz de permitir o trâmite conjunto perante a Comissão e que esta se pronuncie por unanimidade. O Estado argumenta que o caso representa "a soma de numerosas comunicações individuais sem uma necessária conexão".44/

 

40. O Regulamento da Comissão estabelece que "a petição que expuser fatos distintos, que se referir a mais de uma pessoa e que puder constituir diversas violações sem conexão no tempo e no espaço, será dividida em partes e tramitará em expedientes separados...".45/ A Comissão não interpretou que esta disposição exija que os fatos, as vítimas e as violações apresentadas numa petição devam coincidir estritamente no tempo e no espaço para que possam ser tramitados como um só caso.

 

41. Ademais, a Comissão deu trâmite a casos individuais relacionados com numerosas vítimas que alegaram violações de direitos humanos ocorridas em momentos e lugares diferentes, desde que elas sustentem que as violações tiveram origem no mesmo tratamento. Disso se infere que a Comissão pode tramitar, como caso único, as reclamações de diferentes vítimas que aleguem violações resultantes da aplicação de normas legais ou de um esquema ou prática a cada uma delas, independentemente do momento ou do lugar em que tenham sido submetidas a tratamento similar. A Comissão não só recusou-se a separar a tramitação desses casos, como também acumulou casos separados que reúnem essas características para tramitá-los como caso único.46/

 

42. Dado que os peticionários apresentaram fatos para caracterizar que as vítimas neste caso foram sujeitas a violações como parte de um suposto padrão ou prática de perseguição política contra os membros da Unión Patriótica, existe um vínculo necessário entre as diferentes pessoas e fatos identificados que justifica a tramitação conjunta. Por esse motivo, o caso é admissível em sua apresentação atual.

 

C. Individualização das vítimas

 

43. Por outro lado, o Estado argumentou que o caso não é admissível na forma em que foi apresentado porque guarda relação com um fenômeno amplo que, por tal razão, é de generalidade excessiva. O Estado afirma que a Comissão não tem jurisdição para encarar "denúncias genéricas" e que pode, isso sim, examinar casos que foram "devidamente individualizados".47/

 

44. Em apoio a este argumento, o Estado cita primeiramente os requisitos formais enunciados no artigo 32 do Regulamento da Comissão, cujo inciso b dispõe que uma petição apresentada à Comissão deverá incluir:

 

um relato do fato ou situação que se denuncia, especificando o lugar e a data das violações alegadas; e, se for possível, o nome das vítimas de tais violações, bem como de qualquer autoridade pública que tenha tomado conhecimento do fato ou situação denunciada.

45. As listas de vítimas apresentadas neste caso pelos peticionários incluem os nomes de cada uma delas e a data e o lugar em que foram violados os direitos da suposta vítima, assim como uma indicação do grupo que se presume responsável pela ação cometida. Portanto, os peticionários prestaram informação adequada para satisfazer os requisitos técnicos enunciados no artigo 32, b da Comissão. A Comissão enviou esta informação ao Governo na forma em que foi apresentada pelos peticionários.

 

46. O Estado argumentou, a seguir, que a Comissão deve negar a admissibilidade do caso por sua natureza "coletiva", fundamentando-se para tanto em precedente estabelecido pela Comissão, relacionado a uma série de reclamações que recebeu por graves violações dos direitos de ativistas sindicais da Colômbia. Aparentemente, as reclamações dos ativistas sindicais foram apresentadas à Comissão de forma similar à utilizada pelos peticionários no presente caso.

 

47. A Comissão determinou que não deveria tramitar as reclamações dos ativistas sindicais como caso único por meio do mecanismo de petição individual porque, a seu ver, o grupo de casos reduzia a esfera de ação desse mecanismo. Portanto, a Comissão limitou-se a apresentar informação e suas observações sobre tais casos no Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia.48/

 

48. Não obstante, a Comissão não concluiu que as reclamações não poderiam tramitar de forma individual com fundamento no fato de que a petição era geral ou coletiva. Naquele momento, a Comissão considerou, isso sim, que o grande número de vítimas e reclamações implicava que a tramitação da petição como caso único era pouco adequada no contexto de petições individuais. Apesar disso, como já se observou acima, a Comissão tem jurisdição para considerar várias reclamações individuais como caso único, direito que tem exercido desde que as reclamações guardem uma devida vinculação. Na Convenção, no Estatuto ou no Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não existe qualquer disposição que limite o número de reclamações ou de vítimas capazes de serem consideradas dessa maneira.

 

49. A Comissão optou por publicar no relatório especial sobre a Colômbia suas observações relacionadas com as reclamações por violações dos direitos de ativistas sindicais, baseando-se na consideração da alternativa de que, a seu ver, seria mais favorável para a proteção dos direitos humanos consagrados na Convenção. Conforme o disposto no artigo 41 da Convenção, a Comissão, dentro das diferentes funções e atribuições que lhe competem, decide utilizar uma ou mais de uma dependendo da situação de que se trate e levando sempre em conta a função geral da Comissão de promover o respeito e a defesa dos direitos humanos.49/ Entre as funções e atribuições enunciadas no artigo 41, consta a faculdade de dar trâmite a petições individuais e de preparar os estudos ou relatório que considere aconselháveis.

 

50. A Comissão, levando em conta a natureza da série de reclamações sobre violações dos direitos de membros sindicais, bem como o fato de ter recebido a queixa por ocasião de uma visita à Colômbia, decidiu publicar a informação no relatório especial sobre o país, obtida com a visita, em vez de tramitar o caso por meio do mecanismo de petição individual. Esta decisão não constitui um precedente capaz de impedir a tramitação da presente causa por meio do sistema de petição individual.

 

D. Esgotamento dos recursos internos e do prazo para a apresentação de uma petição à Comissão

51. O Estado argumentou que o presente caso é inadmissível em função do disposto no artigo 46.1, a, da Convenção pelo fato de não ter sido cumprido o requisito de esgotamento dos recursos de jurisdição interna. O Estado também argumenta que o caso é inadmissível nos termos do artigo 46.1, b, da Convenção porque a petição foi apresentada tempestivamente à Comissão.

 

52. A respeito do esgotamento dos recursos de jurisdição interna, o Governo reitera seu argumento de que, no caso presente, a petição não reúne os requisitos formais de admissibilidade, levando em conta que não especifica adequadamente os detalhes das supostas violações individuais. Em conseqüência, o Governo afirma que não se pode estabelecer o cumprimento do requisito de esgotamento dos recursos de jurisdição interna. Portanto, na opinião do Governo, a petição não inclui informação que indique se foram esgotados os recursos de jurisdição interna ou se foi impossível fazê-lo, em cumprimento às disposições do artigo 32, d, do Regulamento da Comissão.

 

53. Tal como indicado anteriormente pela Comissão, os peticionários apresentaram listas das alegadas violações com os detalhes necessários, incluindo os nomes das vítimas e a data e o lugar em que cada violação ocorreu. A Comissão enviou essa informação ao Governo, o qual, portanto, tem em seu poder dados que permitiriam determinar a etapa em que se encontram os procedimentos internos que foram iniciados. De fato, o Relatório do Defensor incluiu informação sobre os procedimentos iniciados em vários casos individuais.

 

54. Ainda mais relevante é que a petição e outros documentos apresentados pelos peticionários contêm informação importante sobre a ineficácia geral dos recursos internos ao se procurar dar tratamento a delitos cometidos contra a Unión Patriótica. Esta informação é de suma importância para orientar a decisão da Comissão no que se refere ao esgotamento dos recursos de jurisdição interna, sem referência às tentativas individuais de esgotá-los. Portanto, cumpriram-se os requisitos formais de admissibilidade e a Comissão conclui que o Governo não foi colocado em situação de desvantagem processual ao se argumentar a questão dos recursos da jurisdição interna.

 

55. Como elemento substantivo, o Estado argumenta que, no caso presente, os recursos de jurisdição interna aplicáveis não foram esgotados e que não se estabeleceu uma exceção ao requisito de esgotamento. Nos termos do artigo 46.1, a, da Convenção, a Comissão não pode declarar admissível um caso a não ser "que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos". No artigo 46.2 consignam-se diversas exceções ao requisito de esgotamento dos recursos de jurisdição interna quando, como questão de fato ou direito, não existam recursos eficazes ou quando não se houver permitido o acesso aos recursos da jurisdição interna ou houver ocorrido demora injustificada na decisão sobre os mesmos. A jurisprudência da Corte determinou que "o Estado que alega a falta de esgotamento arca com a responsabilidade de indicar os recursos internos que devem ser esgotados, bem como a sua efetividade".50/

 

56. O Estado afirma que o sistema judicial dispõe, nas leis penais, de recursos adequados para as violações alegadas pelos peticionários. Por exemplo: o Governo assinala que o Código Penal da Colômbia considera o homicídio como delito penal e dispõe por penas maiores nos casos de homicídio de funcionários públicos, políticos e candidatos em eleições.51/

 

57. Os peticionários argumentaram que o Governo não exerceu sua responsabilidade de demonstrar a existência de recursos internos adequados e efetivos para dar tratamento à perseguição da Unión Patriótica, e que tais recursos não tenham sido esgotados. Argumentam, portanto, que cabe considerar uma exceção do requisito de esgotamento dos recursos de jurisdição interna e que, assim, não era necessário que as vítimas que aparecem na lista demonstrassem haver procurado esgotá-los.

 

58. Em primeiro lugar, os peticionários asseveram que não existem recursos adequados de jurisdição interna porque, na legislação colombiana, não se estabelece o delito de genocídio e argumentam que não existe um recurso interno para esse delito que, segundo alegam, constitui o objeto do presente caso.

 

59. A Comissão concluiu que os fatos e violações alegados neste caso não constituem, como questão de direito, crime de genocídio. Portanto, o fato de a lei colombiana não considerar o genocídio como delito penal não implica a inexistência de um recurso interno para dar tratamento às violações que constituem o motivo do presente caso.

 

60. Não obstante, os peticionários apresentaram informação adicional para estabelecer a ineficácia dos recursos de jurisdição interna e a conseqüente aplicação de uma exceção ao requisito de esgotamento. Tal como indicado anteriormente, os peticionários incluíram provas com a petição que indicam que, na data de apresentação da mesma, apenas dez processos penais relacionados com a violência contra a Unión Patriótica haviam sido decididos, e que praticamente nenhum deles dera lugar à sanção dos responsáveis.52/ Em nenhuma ocasião o Governo negou a inexatidão desta informação. Durante o trâmite do presente caso, os peticionários continuaram a apresentar à Comissão listas adicionais de membros da Unión Patriótica executados extra-judicialmente ou vítimas de outros tipos de perseguição. Até agora, o Governo não entregou informação sobre o êxito da investigação ou o ajuizamento dos graves incidentes de perseguição contra os membros da Unión Patriótica.53/

 

61. A Corte manifestou claramente que "o simples fato de que um recurso interno não produza um resultado favorável ao reclamante não demonstra, por si só, a inexistência ... de recursos internos eficazes".54/ Contudo, surge também da jurisprudência da Corte que, quando um governo enfrenta a alegação de que ocorreram numerosas violações e de que existem indicações contundentes de que tais violações se inserem num padrão de perseguição política, é possível inferir que o recurso interno é ineficaz se não resultou numa percentagem mínima de êxito.55/ O fato de que o Governo da Colômbia não tenha podido levar a bom termo os processos penais de casos relacionados com a Unión Patriótica é indicativo da ineficácia do recurso disponível no sistema penal do país.

 

62. Outra evidência que consta nos autos corrobora a ineficácia dos procedimentos penais internos como recurso no caso da perseguição de membros da Unión Patriótica. Em audiência perante a Comissão, realizada em 8 de outubro de 1996, o Diretor-Geral da Procuradoria, Doutor Armando Sarmiento Mantilla, prestou depoimento sobre as investigações criminais efetuadas em relação à perseguição dos membros da Unión Patriótica. Declarou que a Procuradoria não estava facultada a investigar os delitos contra os membros da Unión Patriótica como grupo, porque os fatos ocorreram em diferentes departamentos da Colômbia, envolvendo diferentes atores. Declarou que a falta de vinculação entre os casos impedia a realização de uma investigação conjunta. A incapacidade ou negativa da Procuradoria de investigar os casos de maneira sistemática, apesar de a evidência ser indicativa de uma tendência de perseguição, prejudica necessariamente a eficácia do recurso para dar início a um processo penal nesta causa.

 

63. A Corte determinou que é desnecessário recorrer a recursos internos quando estes existem de direito, mas não de fato, tal como demonstrado por um padrão de ineficácia desses recursos.56/ Os peticionários apresentaram eficiência substancial que estabelece uma exceção para o esgotamento em razão de um padrão de ineficácia dos recursos internos nos casos de violações contra os membros da Unión Patriótica. O Governo teve oportunidade de refutar a evidência e não o fez. O Governo não apresentou provas que demonstrem a eficácia dos recursos internos legalmente disponíveis.

 

64. A Corte estabeleceu que, nessas circunstâncias, é possível indeferir a exceção de um Estado sobre inadmissibilidade por não-esgotamento dos recursos internos. 57/ Portanto, a Comissão não aceita a exceção do Estado sobre inadmissibilidade fundamentada no não-esgotamento dos recursos internos. A Comissão reserva-se expressamente uma decisão sobre aspectos substantivos relacionados com recursos judiciais, que se poderá orientar por evidência apresentada posteriormente a respeito, durante a análise dos méritos desta causa.

 

65. Levando em conta que os recursos internos não foram esgotados, é inaplicável o requisito enunciado no artigo 46.1, b, da Convenção de que a petição seja apresentada no prazo de seis meses a partir da data da notificação da decisão definitiva. Portanto, a Comissão rejeita o argumento do Estado de que a petição não cumpre com os requisitos técnicos de admissibilidade por não incluir informação que possibilite chegar a uma determinação sobre o prazo de seis meses.

 

66. A disposição sobre prazos aplicável neste caso está consignada no artigo 38 (2) do Regulamento da Comissão, segundo o qual "...o prazo para a apresentação de uma petição à Comissão será um período de tempo razoável ... a partir da data em que houver ocorrido a presumida violação dos direitos ...".

 

67. Neste caso, a petição original referia-se a supostas violações dos direitos de membros da Unión Patriótica, ocorridas entre 1985 e 1993. A petição foi apresentada em 16 de dezembro de 1993. A Comissão opina que a petição foi apresentada em prazo razoável após haverem sido cometidas as alegadas violações, levando em conta que todas elas estão supostamente vinculadas por um padrão ou prática de perseguição contra os membros da Unión Patriótica.

 

E. Referência anterior às violações alegadas no presente caso

68. O Estado argumentou que a Comissão deve declarar a inadmissibilidade deste caso porque já recebeu alegações relacionadas com a perseguição políticas de membros da Unión Patriótica. No seu Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia, a Comissão apresentou a informação de que havia recebido a respeito de execuções sistemáticas de membros da Unión Patriótica.58/

 

69. Nem a Convenção, nem o Regulamento da Comissão exigem que esta declare a inadmissibilidade de um caso pelo fato de o seu objeto já haver sido abordado anteriormente num relatório geral. De fato, o Regulamento da Comissão, no seu artigo 19.2, b, estabelece, em sua parte pertinente, que membros da Comissão não poderão participar na discussão e deliberação de um assunto submetido à consideração da Comissão "se houverem participado previamente, a qualquer título, de alguma decisão sobre os mesmos fatos" (o grifo é nosso). A discussão de fatos específicos incluídos no relatório geral sobre um país não constitui "decisão" sobre tais fatos, como ocorreria, isso sim, num relatório final sobre uma petição individual, em que os mesmos fatos ou fatos semelhantes houvessem sido denunciados.

 

70. O artigo 41 da Convenção outorga à Comissão as atribuições de:

...

c) preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções;

...

f) atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 e 51 desta Convenção.

Estas duas atribuições da Comissão são outorgadas e exercitadas de maneira independente. O fato de a Comissão invocar uma dessas atribuições não deve impedir e não impede a utilização da outra.

 

71. Pareceria que a intenção do Estado era sugerir que a inclusão da informação sobre a Unión Patriótica no Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia foi inapropriada porque a Comissão não utilizou o procedimento para a apresentação de petições individuais consignado na Convenção e no Regulamento da Comissão.59/ Dado que a atribuição da Comissão de preparar relatórios gerais é independente da sua função de dar trâmite a petições individuais, é desnecessário aplicar os procedimentos para a tramitação de petições individuais na preparação dos relatórios gerais. Seja como for, a existência de uma falha de procedimento na preparação do relatório geral afetaria tão somente a validade desse documento e a admissibilidade do presente caso no contexto do sistema de petições individuais.

 

72. A tramitação de um caso com base no procedimento de petição individual é mais estruturada do que a preparação de um relatório geral, que cumpre um papel informativo em vez de adjudicatório. A tramitação de um pedido individual exige que a Comissão siga os procedimentos enunciados nos artigos 44 a 51 da Convenção. Deve a Comissão efetuar uma análise exaustiva do caso para chegar a conclusões de fato e de direito, conforme as disposições dos artigos 50 e 51 da Convenção.

 

73. Portanto, a Comissão incluiu conclusões gerais no Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia, relacionadas com a informação que recebera sobre a Unión Patriótica. De maneira independente e em conformidade com o sistema de petição individual, considerou detalhadamente os aspectos de direito pertinentes e a evidência apresentada, a fim de redigir este relatório sobre admissibilidade. Em conseqüência, as conclusões da Comissão no presente relatório diferem ligeiramente da informação geral apresentada pelo Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia. Por exemplo: o relatório geral da Comissão indicou que a informação recebida sugeria que estava sendo cometido genocídio contra a Unión Patriótica. Realizada a análise legal, a Comissão concluiu que a informação recebida durante o trâmite da petição individual não tende a caracterizar o delito de genocídio como questão de direito. Portanto, não se pode afirmar que a informação sobre a Unión Patriótica incluída no relatório geral sobre o país tenha representado um pré-julgamento em relação às decisões que a Comissão haverá de adotar no caso, em conformidade com a tramitação desta petição individual.

 

74. Por outro lado, a opinião da Comissão é de que se deve estar em condições de incluir informação sobre situações concretas de direitos humanos nos relatórios gerais referentes aos Estados membros da Organização dos Estados Americanos. A Comissão deve poder incluir informação, mesmo que esta guarde relação com um caso já aberto ou com um caso que poderia ser apresentado no âmbito do sistema de petições individuais. De outro modo, ver-se-ia obrigada a excluir dos seus relatórios gerais sobre os países a consideração de segmentos inteiros do panorama dos direitos humanos nesses países.

 

75. Na presente causa, a Comissão publicou o seu Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Colômbia antes de ter recebido a petição que ativou o trâmite do caso na esfera do sistema de petições individuais. A Comissão não podia emitir do seu relatório a informação que recebera sobre alegações de grave perseguição política e violência contra a Unión Patriótica com fundamento no fato de que seria possível apresentar posteriormente uma petição. Também não se pode inferir que a inclusão desse material acarrete a decisão de não considerar a situação mais adiante, na esfera do sistema de petições individuais.

 

76. Finalmente, a Comissão deseja assinalar que admitiu e resolveu casos apresentados por meio do sistema de petições individuais e que decidiu, por sua vez, incluir informação sobre o tema dos casos em seus relatórios gerais.60/ A falta de objeção fez com que essas repetidas decisões da Comissão passassem a ser uma prática aceita pelos Estados membros da Organização dos Estados Americanos. A Corte também indicou que a Comissão pode publicar, em seus relatórios gerais, informação sobre a situação dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, decidir ou elevar à Corte um caso individual que guarde relação com a mesma situação.61/ A Comissão não a aceita a exceção do Estado sobre inadmissibilidade fundada no fato de haver efetuado uma análise prévia do caso.

 

Tendo em vista o exposto,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 

DECIDE:

 

77. Declarar a admissibilidade do presente caso.

 

78. Enviar este relatório sobre admissibilidade ao Estado da Colômbia e aos peticionários.

 

79. Continuar a análise das questões pertinentes definidas neste relatório, a fim de decidir sobre os méritos do caso.

 

80. Publicar este relatório no Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.


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* O membro da Comissão, Doutor Alvaro Tirado Mejía, de nacionalidade colombiana, não participou do debate e da votação deste caso, em conformidade com o artigo 19 do Regulamento da Comissão.

1 . Ver: Reservas à Convenção sobre Genocídio, 1951, CJI Rep. 15 (Parecer Consultivo de 28 de maio); Restatement of the Law Third, Restatement of the Foreign Relations Law of the United States.

2 . Aberta a assinatura em 9 de dezembro de 1948, 78 UNTS 277 (o grifo é nosso).

O Estado da Colômbia ratificou a Convenção sobre Genocídio e está obrigado a cumprir suas disposições. A Comissão está facultada a interpretar a Convenção Americana à luz da Convenção sobre Genocídio e do direito internacional reconhecido.

O artigo 29, b, da Convenção estipula que suas disposições não podem ser interpretadas no sentido de "limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referido Estados". A Corte observou favoravelmente que, segundo a interpretação da Comissão, tal disposição lhe outorga competência para invocar outros tratados, ademais da Convenção Americana, "independentemente de seu caráter bilateral ou multilateral ou de que tenham sido adotados ou não no âmbito e sob os auspícios do sistema interamericano", Corte IDH, "Outros Tratados" objeto da função consultiva da Corte (artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Parecer Consultivo OC-1/82, de 24 de setembro de 1982, Série A, Nº 1, parágrafos 43 e 44.

3. Ver Leo Kuper, Genocide and Mass Killings: Illusions and Reality in the Right to Life in International Law (B.G. Ramcharan ed., 1985), em 118.

4. Resolução 96 (1) da Assembléia Geral das Nações Unidas.

5. Ver o Estudo sobre prevenção e sanção do delito de genocídio, preparado por Nicodeme Ruhashyankiko, Relator Especial da Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção de Minorias, Nações Unidas, documento E/CN.4/Sub.2/416 (1979), em 21; Leo Kuper, supra 4, em 118.

6. Ver o Relatório do Secretário Geral sobre aspectos relacionados com o estabelecimento de um tribunal internacional para processar pessoas responsáveis por graves infrações às normas humanitárias internacionais no território da antiga Iugoslávia, artigos 4, 32 I.L.M. 1163 (1993) (em que se define o delito de genocídio como ações de perseguição perpetradas "com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso").

7. Decisão da Corte Constitucional da Colômbia, Ação de Tutela Nº T-439, de 2 de julho de 1992 (decisão em recurso de tutela impetrado por um membro da Unión Patriótica — Luis Humberto Rolón Maldonado).

8. A Corte Constitucional ordenou a preparação deste relatório em sua Decisão Nº T-439, de 2 de julho de 1992.

9 . Relatórios sobre casos de homicídio de membros dos partidos Unión Patriótica e Esperanza, Paz y Libertad, preparado pelo Defensor do Povo colombiano (doravante denominado "Relatório do Defensor"), em 39.

10. Id., em 38.

11. Id., em 109-110.

12. Id., em 70.

13. Id., em 43, 70.

14. Id., em 71.

15. Id., em 71.

16. Id.

17. Caso Serech e Saquic, Medidas Provisórias, Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 28 de junho de 1996; Caso Vogt, Medidas Provisórias, Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 27 de junho de 1996.

18 . Relatório do Defensor, em 127.

19. Id., em 28.

20. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988. Série C, Nº 4, parágrafo 126.

21. Resposta do Governo, datada de 5 de abril de 1995.

22. Artigo 40 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

23. Ver, e.g., Relatório Nº 24/82 (Chile), 8 de março de 1982, Relatório Anual da Comissão de Direitos Humanos, 1981-1982, OEA/Ser.L/V/II.547, doc. 6, rev. 1, 20 de setembro de 1982 (sobre violação dos direitos humanos de 50 pessoas que foram deportadas do Chile com base em leis extraordinárias de emergência).

24. Resposta do Governo de 3 de junho de 1993; resposta do Governo de 28 de novembro de 1994.

25. OEA/Ser.L/V/II.84, doc. 39, rev., 14 de outubro de 1993, em 202 (doravante denominado "Segundo Relatório sobre a Colômbia")

26. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, "Responsabilidade internacional pela emissão e aplicação de leis violatórias da Convenção (artigos 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", Parecer Consultivo OC-14/94, de 9 de dezembro de 1994, parágrafo 43.

27. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, Série C, Nº 1, parágrafo 88 (o grifo é nosso).

28 . Ver, e.g., a resposta do Governo de 3 de junho de 1994.

29. Ver Relatório do Defensor, em 43, 70.

30. A este respeito, é necessário levar em conta que cabe ao Estado, nos crimes de ação pública, a obrigação indelegável e irrevogável de processar os delitos, ou seja, de preservar a ordem pública e garantir o direito à justiça. Em conseqüência, nestes casos não é válido exigir da vítima ou de seus familiares o esgotamento dos recursos internos. Com efeito, corresponde ao Estado, por intermédio dos seus órgãos fiscais e judiciais, ativar a lei penal promovendo e levando as etapas processuais até sua conclusão.

31. Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 67.

32. Ver id., parágrafos 76 e 77.

33. Ver id., parágrafos 66, 68 e 76 a 79.

34 Ver id., parágrafos 68 e 76 a 81.

35. Segundo Relatório sobre a Colômbia, em 162.

36. Ver a resposta do Governo de 3 de junho de 1994.

37. Estes são alguns exemplos: a Comissão preparou um relatório geral sobre o Caso Myrna Mack, da Guatemala, antes de declarar a admissibilidade do caso, conforme o sistema de petição individual e, de maneira similar, informou sobre o caso relacionado com o massacre nas fazendas de Honduras e La Negra, da Colômbia, antes de decidir e publicar sua decisão final em conformidade com o sistema de petições individuais. Ver o Relatório 10/96, Caso 10.636 (Guatemala) (relatório sobre admissibilidade), Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 1995, OEA/Ser.L/V/II.91, doc.7, rev., 28 de fevereiro de 1996; o Quarto Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Guatemala, OEA/Ser.L/V/II.83, doc.16, rev., 1º de junho de 1993, em 22; o Relatório 2/94, Caso 10.912 (Colômbia), Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 1993, OEA/Ser.L/V/II/85, doc.9, rev., 11 de fevereiro de 1994; e o Segundo Relatório sobre a Colômbia, em 143.

38. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gangaram Panday, Exceções Preliminares, sentença de 4 e dezembro de 1991, Série C, Nº 12, parágrafo 33.