IV.      ADMINISTRAÇÃO DE JUSTIÇA

 

54.     No Relatório sobre a Guatemala, a CIDH focalizou-se particularmente no desafio primordial de criar um sistema judicial que ofereça uma proteção efetiva dos direitos da  população, porque é necessariamente o sistema judicial aquele que serve como primeira linha de defesa dos  direitos e liberdades individuais. A Comissão assinala que um poder judicial independente e efetivo é um elemento essencial de um sistema democrático moderno que harmoniza a capacidade do sistema legal com as metas de desenvolvimento do país.

 

55.     No Quinto Relatório, a Comissão advretiu que ainda que o Estado da Guatemala tenha iniciado algumas ações positivas encaminhadas a fortalecer este sistema, continuava havendo impunidade em casos de violações dos  direitos humanos, tanto passadas como presentes. Esta impunidade opõe-se às obrigações do Estado emanadas da  legislação interna e o direito internacional, subverte os mais básicos princípios que sustentan os acordos de paz e debilita o regime de direito. A incapacidade do sistema judicial de proporcionar proteção aos  direitos básicos e a falta de confiança pública nos mecanismos do Estado exacerbam as chances de conflito social. A CIDH assinalou, como outra manifestação das deficiências da  administração de justiça, a falta de uma resposta adequada frente à violações graves como, por exemplo, os linchamentos, as ameaças e ataques contra vítimas, testemunhas, advogados e juízes como represália por sua busca de justiça.

         

          56.     Com base nas conclusões anteriores, e em relação ao direito de todo habitante de ter acesso livre e efetivo as instalações e instituições de justiça, a Comissão recomendou ao Estado o seguinte:

 

1.       Continuar e fortalecer o trabalho para aumentar o número e a qualidade das instalações judiciais estabelecidas em todo o país. Intensifique suas ações para modernizar a administração de justiça, inclusive através da ampliação das iniciativas para implementar procedimentos efetivos de adminstraçãoo de arquivos de casos e expedientes judiciais.

 

2.       Intensificar em grande medida seus incipientes esforços por proporcionar serviços de interpretação nos processos judiciais para garantir que os cidadãos indígenas possam  exercer seu direito à proteção e garantias judiciais em condições de igualdade com o  resto da  população.

 

3.      Intensificar as ações para adminstrar o acesso à justiça da população indígena da  seguinte maneira: ampliando as iniciativas destinadas a orientar as instituições de justiça locais para que respondam as necessidades locais e respeitem as práticas tradicionais positivas de resolução de conflitos, com seus princípios, critérios e procedimentos; ampliando os programas comunitários de extensão; e incorporando uma maior participação do setor indígena - tanto na ordem nacional como na ordem local - no desenho e implementação da  política judicial.

 

4.       Incrementar ainda mais o valor do gasto público alocado para a administração de justiça, a fim de continuar com o progresso que se observa até esta data em relação ao cumprimento por parte do Estado de seu compromisso nesta área.

 

Modernização da administração de justiça

 

          57.     A Comissão não recebeu informação relativa à implementação de medidas tendentes a incrementar o número de instalações judiciais e modernizá-las. Quanto às medidas para modernizar a administração de justiça, o Estado informou que o Poder Judicial promove esta modernização, havendo criado uma série de comissões que estudam, analizam e propõem mecanismos para fortalecer a justiça. Todavia, a Comissão não recebeu informação sobre as medidas específicas adotadas para este fim.

 

58.     Com relação ao Poder Judicial, nas observações ao presente relatório o Estado assinalou que, para assistir a população de uma maneira mais ágil e efetiva em matéria de acesso à justiça, foi aumentado o número de judicaturas nas áreas que historicamente permaneciam carentes nestes serviços e as quais atualmente são beneficiárias de planos pilotos como, por exemplo, o de juízes e operadores bilingües que permitem a população a expressar-se em seu próprio idioma.  O Estado fez  menção de uma série de mecanismos criados com o objeto de oferecer acesso a serviços policiais, civis, judiciais e outros, que contribuem para desjudicialização dos  conflitos, especialmente aqueles relativos a terra. 

 

Garantias judiciais e acesso à justiça da  população indígena

 

59.     Com respeito à segunda recomendação, MINUGUA manifestou em seu relatório de averiguação do ano 2001 que o Estado da Guatemala aumentou “o número de vagas para intérpretes judiciais nas áreas de população indígena e impulsionou a contratação de juízes que falam idiomas indígenas nos  municípios de maioria indígena”. A Comissão valoriza o esforço do Estado; porém, considerando que aproximadamente cinquenta por cento da  população na Guatemala pertence ao povo maia, xinca ou garífuna, estes esforços ainda são considerados incipientes.

 

60.     Neste ponto cabe manifestar que os esforços não devem estar somente encaminhados à tradução de um idioma diferente do castelhano no sistema de administração de justiça estatal, mas também à capacitação dos  operadores judiciais para compreender culturalmente os membros dos povos indígenas da Guatemala que tem um idioma e uma cultura própria, assim como à  divulgação da informação relativa a administração de justiça (direitos, procedimentos, etc.), nos  idiomas dos  povos indígenas da Guatemala. 

 

61.             Em relação a terceira recomendação, é necessário recordar que a Constituição Política da Guatemala reconhece, respeita e promove as formas de vida, costumes, tradições e formas de organização social dos  povos indígenas na Guatemala. O Acordo de Paz sobre identidade e direitos dos povos indígenas estabelece que a legislação tradicional dos povos indígenas vem sendo um elemento essencial para a regulamentação social da  vida das comunidades e, por conseguinte, para a manutenção de sua coesão. Além disso se  reconhece que tanto o desconhecimento por parte da legislação nacional das normas consuetudinárias que regulam a vida comunitária indígena como a falta de acesso que os indígenas tem aos recursos do sistema jurídico nacional deram lugar à negação de direitos, discriminação e marginalização destes povos.

 

62.             Em suas observações aos parágrafos 44, 45 e 46 do relatório de seguimento, o Governo da Guatemala manifestou que teve início uma série de ações das instituições do Estado tendentes a redefinir o direito consuetudinário indígena, o reconhecimento das autoridades indígenas, o direito à consulta e a participação.

 

63.             No âmbito da  Corte Suprema de Justiça, o Estado indica que implementou a composição étnica e bilingüe do pessoal em funções classificadas como oficiais, - tabeliões, psicólogos, juízes- distribuido nos  estados onde há maior presença indígena. En Alta e Baja Verapaz 92, operadores de justiça falam os idiomas Q’eqchí, Achí e Pocomchí; no estado de Chimaltenango 72 operadores falam K´akchikel e kiche´; no estado de Quiché 68 operadores falam Kiche´, Ixil, Q’eqchí, Sacapulteco, Uspanteco e Jacalteco; no estado da Guatemala 64 operadores falam K´akchikel, Achí, Q’eqchí e  Mam; no estado de Huehuetenango 60 operadores falam Mam, Canjobal, Popti, Jacalteco, Chuj, Acateco e Tectiteco; no estado de Quetzaltenango 33 operadores falam kiche´, Kakchikel e Mam; no estado de Sacatepéquez 8 operadores falam K´akchikel e kiche´; no estado de San Marcos 10 operadores falam Mam e Kiche´; no estado de Sololá 67 operadores de justiça falam Kiche´, Tzutujil e K´akchiquel; no estado de Totonicapán 13 operadores falam Kiche´, Tzutujil e Kakchikel.

 

64.             O Estado informa que o aumento do número do pessoal bilingüe é uma resposta as observações realizadas por MINUGUA e os efeitos serão obtidos a médio e longo prazo com o  objetivo de combater os atos de discriminação que historicamente ocorreram no sistema de administração de justiça da Guatemala.

 

65.             Outra das ações levadas a cabo pela Corte Suprema de Justiça é a implementação de intérpretes oficiais nos  tribunais, os quais tem por função assistir os indígenas maias em seus próprios idiomas para prove  justiça no idioma materno e no oficial. O Governo observa que apesar desta iniciativa, produto dos  Acordos de Paz, ainda é insuficiente e implicou na implementação de uma nova prática que gerou uma mudança na estrutura jurídica do país e deve ser concebida como um processo de médio a longo prazo.

 

66.             Os intérpretes oficiais estão trabalhando nas seguintes regiões: 10 em Alta e Baja Verapaz; 5 em Chimaltenango; 10 em Quiché; 2 em Huehuetenango; 5 em Quetzaltenango; 1 em Sacatepéquez; 1 em San Marcos; 3 em Sololá; 1 em Suchitepéquez; 1 em Totonicapán.

 

67.             O Estado da Guatemala afirma em suas observações ao relatório de seguimento que os esforços da  Corte Suprema de Justiça para implementar o pluralismo jurídico estão acompanhados da  criação dos  Juizados Comunitários,[14] nos  Municípios de Santa María Chiquimula do estado de Totonicapán; San Rafael Petzal do Estado de Huehuetenango;  San Andrés Semetabaj do Estado de Sololá; San Miguel Ixtahuacán dp estado de San Marcos; e San Luis do estado de Petén. Neste último, a comunidade indicou diretamente a nomeação de um juiz ao elegir uma lista da qual foi nomeada o juiz comunitário. O Estado manifesta que estas são experiências dignas de imitar para a seleção do pessoal dos  juizados.

 

68.             Segundo o Estado, nos estados de Quetzaltenango e Sacatepéquez está sendo executado um projeto piloto que permitirá erradicar a violência intrafamiliar, que atende uma grande maioria de casos de cidadãos indígenas. Embora este seja um fato que se nega constantemente, foi demonstrado em muitas áreas indígenas um alto nível de violência intrafamiliar. O Estado assinala que os critérios de mediação e conciliação são instrumentos que a Corte Suprema de Justiça introduziu para a resolução de conflitos e serviu para minimizar a conflito rural; que a implementação de uma biblioteca especial sobre assuntos indígenas facilitará o conhecimento e aplicação das leis próprias dos  povos indígenas.

 

69.             O Estado destaca, em matéria judicial, o o trabalho que o Ministério Público vem realizando e lista as seguintes ações:

 

70.             O trabalho realizado pelos Síndicos Municipais, que aplicam o Critério de Oportunidade para a solução dos conflitos em aqueles lugares onde não há um funcionário do Ministério Público, muitas vezes deriva de uma prática sobre usos e costumes aplicados por indígenas.

71.             A Unidade do Convênio 169 do Ministério de Trabalho, que vem realizando um trabalho de coordenação com o Ministério Público sobre os critérios para a formação e aplicação do Convênio 169, em várias regiões do país, especialmente em áreas indígenas. O trabalho de formação foi dirigido aos Promotores do Ministério Público para que apliquem  critérios do direito indígena com base na ordem jurídica internacional.

 

- A promoção de implementar uma Promotoria para Povos Indígenas.

 

- A Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade de San Carlos de Guatemala no ano 2003 introduziu um curso sobre Direito Indígena, que fortalecerá os esforços institucionais porque oferece uma formação direta aos estudantes da  carreira de advocacia, formando assim uma nova consciência multilingüe, pluricultural e multiétnica, tal e como estipulado nos Acordos de Paz.

 

72.             Entre os compromissos adquiridos no mencionado acordo de paz, o Governo comprometeu-se a promover perante o organismo legislativo, com a participação das organizações indígenas, o desenvolvimento de normas legais que reconhecem as comunidades indígenas a administração de seus assuntos internos de acordo com suas  normas consuetudinárias, sempre que estas não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem os direitos humanos internacionalmente reconhecidos.

 

73.             Em relação ao parágrafo anterior, o Estado da Guatemala manifesta que cumpriu com seu compromisso, porque apresentou à  população em 1999 através de uma consulta popular uma série de reformas constitucionais que incluiam o sistema jurídico indígena, que foram rejeitadas pelos  cidadãos que participaram da consulta.

 

74.             Conforme manifestado pela Comissão em seu relatório do ano 2001, a fim de consagrar constitucionalmente e implementar os compromissos adquiridos nos acordos de paz, significarão uma importante ferramenta educativa, política e jurídica contra a discriminação que existe na Guatemala em detrimento dos  povos indígenas. A Comissão considera que o Estado da Guatemala deve continuar realizando sérios esforços a fim de gerar o reconhecimento legal do direito dos  povos indígenas ao manejo de seus assuntos internos, de acordo com suas normas consuetudinárias.

 

75.             A Comissão observa que os esforços realizados em relação a esta matéria foram realizados, em geral, por organizações acadêmicas, não governamentais ou indígenas, gerando um certo nível de debate a este respeito; porém, o Estado não realizou as ações encaminhadas a elaborar efetivamente uma legislação que reconheça o direito indígena na Guatemala.

 

          Orçamento do Poder Judicial

 

76.             A Comissão recebeu informação de que o orçamento aprovado para o ano 2002 foi reduzido em 11% em relação ao do ano 2001 e em 4.4% em relação ao 2000.[15] Entretanto, a Comissão observa que mediante o orçamento aprovado pelo  Congresso da  República para o ano 2003, foram alocados Q600 milhões ao Poder Judicial,[16] o que significa um incremento de Q192,926,091 em relação ao ano anterior. Embora este valor não seja ainda  suficiente para cubrir em sua totalidade o orçamento de funcionamento do Poder Judicial, bem como seus planos de expansão e modernização, a Comissão considera como passo positivo o incremento do orçamento da  justiça, apesar da  redução orçamentária geral.

 

Acesso à justiça

         

77.     Com relação ao direito de todo habitante de ter acesso a uma justiça rápida e efetiva, a Comissão recomendou ao Estado:

 

1.       Intensificar em grande medida as ações para recrutar e capacitar os membros da  Polícia Nacional Civil e, particularmente, do Serviço de Investigação Criminal, para garantir que tenham os recursos humanos e a preparação necessários para levar a cabo uma investigação criminal de conformidade com a norma da  devida diligência.

 

2.       Por imediatamente fim à participação militar em qualquer atividade de investigação criminal, de acordo com a legislação interna e seu compromisso de separar as funções policiais e militares, conforme o Acordo sobre Fortalecimento da  Sociedade Civil.

 

3.       Tomar as medidas necessárias para garantir a cooperação de todas as entidades públicas na investigação de violações dos direitos humanos, incluindo medidas legislativas e de outra índole que sejam necessárias para garantir o direito ao livre acesso à informação contida em arquivos e documentos governamentais, particularmente no caso de investigações para determinar a responsabilidade por delitos internacionais e violações graves dos  direitos humanos.

 

4.       Fortalecer os procedimentos para colher, analisar e conservar as provas em casos penais.

 

5.       Implementar medidas concretas para facilitar a coordenação entre todas as instituições envolvidas na busca de uma resposta a violações da  lei com a investigação, julgamento e sanção devidos e, de maneira especial, para desenvolvoer a cooperação necessária entre o Ministério Público e a Polícia Nacional Civil na área de investigação criminal.

 

6.       Fortalecer a capacidade dos  promotores e defensores de representar os interesses da  justiça no processo judicial, inclusive através da implementação dos seguintes elementos, sujeitos a melhorias: iniciativas de recrutamento; programas de capacitação desenhados para satisfazer diretamente as demandas de cada cargo; incentivos para conservar os profissionais competentes que tenham recebido capacitação; e ações de supervisão desenhadas para identificar e destituir aqueles que não podem ou não desejam  representar os interesses da  justiça.

 

          78.     A Comissão observa que a escassez de recursos constitui o obstáculo principal para que a Academia da  PNC tenha suficientes cursos especializados. MINUGUA informou que os recursos materiais deficientes e condições institucionais inadequadas impediram o  início de especialidades em diligências judiciais, entre outras.[17] O Estado indicou em suas observações, que no orçamento do ano 2003 foi designado a PNC a soma de 1.324.133.516 quetzales, o que incrementou seu orçamento em 238 milhões de quetzales. Quanto a cursos especializados em investigação criminal, o Estado ressaltou um programa que vem aplicando, o International Criminal Investigative Training Assistance Program (ICITAP) a funcionários da  PNC, o Ministério Público e o Poder Judicial num convênio subscrito entre os governos norteamericano e guatemalteco.

 

          79.     A Comissão observa que apesar da recomendação de por fim imediato a participação militar em qualquer atividade de investigação criminal, o Exército continua participando na  investigação dos  delitos. Com efeito, MINUGUA reportou não somente que o Exército continua oferecendo apoio em tarefas de inteligência para combater o crime organizado e a delinquência comum, mas também a Escola de Inteligência do Exército continua capacitando e adestrando a oficiais da PCN.[18]

 

          80.     Quanto à implentação de medidas concretas para facilitar a coordenação entre as instituições envolvidas na  investigação de violações  de direitos humanos, a Comissão recebeu informação de que não adotado medidas suficientes para superar a falta de coordenação entre as instituições, em particular entre a Seção de Investigação Criminais da  PCN e a Direção de Investigações Criminais do Ministério Público. A este respeito, o Estado informou em suas observações sobre um acordo de entendimento assinado entre o Promotor  Geral da  Nação e o Ministro de Governo, que estabelece que os promotores do Ministério Público serão os responsáveis por dirigir a investigação penal e utilizar os meios e recursos disponíveis para cumprir com as atribuições legais que lhes correspondem.

 

          81.     O novo Procurador Geral da Nação, licenciado Carlos David de León Argueta, informou a Comissão sobre a reativação da  Comissão de Política Criminal, cuja meta principal é consolidar a coordenação entre os diferentes entes do setor judicial  na  definição da  política criminal, programas e projetos conjuntos. A Comissão espera que este espaço interinstitucional produza um impacto positivo na  investigação criminal em curto prazo.

                  

          Acesso à informação governamental

 

          82.     Com relação ao acesso à informação contida em arquivos e documentos governamentais, segundo a informação disponível, em outubro de 2002, o plenário do Congresso aprovou em segunda leitura o projeto de Lei de Acesso à Informação apresentado pela  Secretaria de Análise Estratégica (SAE). Esta Lei regulará, entre outros assuntos, o acesso à informação sobre assuntos militares ou diplomáticos  de segurança nacional e  estabelecerá os procedimentos e níveis de classificação e desqualificação. Contudo, a Comissão recebeu relatórios, inclusive através do sistema de casos, de departamentos  governamentais que absteram-se de enviar a informação e documentação requerida devido a  investigações judiciais referentes a graves violações de direitos humanos.

 

83.     Nas suas observações, o Governo da Guatemala indicou que não concorda com a opinião da Comissão de que as autoridades administrativas não colaboram nas investigações judiciais. A Constituição Política da República é clara ao assinalar que todas as atuações administrativas tem um  caráter público, excepto os casos indicados na lei.  Caso não haja uma legislação a respeito, as atuações das autoridades administrativas deverão ser regidas de acordo com as normas jurídicas vigentes na atualidade. Embora a Comissão aprecie a observação do Estado e entende que a mesma goza de respaldo legal, considera pertinente indicar que observou na prática através dos casos em trâmite perante esta, a negativa de determinadas autoridades públicas a atender os requerimentos de informação pedidos por autoridades judiciais e inclusive pelo  Procurador dos  Direitos Humanos.

 

84.     A Comissão considera fundamental a aprovação final no Congresso da  Lei de Acesso à Informação e parabeniza o esforço realizado pela  SAE nessa matéria. 

 

          85.     Quanto ao fortalecimento da  Procuradoria Geral da Nação, como indicado pela  Comissão, o éxito das medidas dirigidas a superar a impunidade em matéria de direitos humanos depende da  fortaleza dos  mecanismos de investigação. Por tal motivo, a Comissão valoriza a criação da  Unidade de Promotorias de Direitos Humanos bem como os esforços do Procurador Geral para conseguir os recursos adequados para levar a cabo uma reestruturação integral do Ministério Público, e insta o Estado a providenciar os recursos necessários para tal fim.

 

Carreira Judicial

 

86.     No que se refere ao direito de todo habitante de ter acesso a um poder judicial competente e independente, a Comissão recomendou ao Estado:

 

1.       Adotar as medidas legislativas e de outra índole necessárias para complementar a entrada em vigencia da  Lei da  Carreira Judicial e amplie o período de cinco anos de serviço dos  juízes e magistrados a um compatível com a segurança no cargo judicial, em consonância com a recomendação de nove anos feita pela Comissão de Fortalecimento da  Justiça, e da recomendação de dez anos feita pelo Relator Especial das Nações Unidas sobre a independência dos  juízes e advogados.

 

2.       Dedicar especial atenção à implementação da  Lei da  Carreira Judicial para garantir uma supervisão diligente e uma disciplina compatíveis com o objetivo de excelência profissional e que ponham em prática plenamente os procedimentos designados para o devido processo em assuntos de transferência ou disciplina.

 

87.     Quanto à recomendação de adotar as medidas legislativas para ampliar o período de serviço dos  juizes de cinco a dez anos, o Relator Especial sobre a Independência dos  Magistrados e Advogados de Nações Unidas informou que a Corte Suprema de Justiça havia intentado introduzir uma emenda à Constituição para abolir a duração de cinco anos e fazer compatível desempenho suas funções com o princípio de inamobilidade, que é fundamental para a independência do poder judicial.[19] A Comissão carece de informação a respeito do  resultado desta iniciativa.

 

88.     Com relação à recomendação relativa à supervisão diligente,  a Comissão considera de crucial importância o funcionamento da  Junta de Disciplina Judicial, encarregada de resolver os recursos de queixa interpostos contra juízes e magistrados, a qual até março 26 de 2001 havia recebido 844 casos, dos quais 481 tinham sido indeferidos, 71 visitas foram realizdas e estavam previstas outras 56, segundo as cifras registradas no relatório do Relator Especial.[20]

 

Independência e imparcialidade do poder judicial

 

89.     Em relação à independência e imparcialidade do poder judicial e a situação de ameaças e intimidação contra aqueles que buscam justiça, a Comissão recomendou ao Estado:

 

1.       Tomar ações urgentes para destinar os recursos humanos e materiais necessários e a vontade política para proporcionar medidas de proteção as vítimas, familiares, testemunhas, promotores, acusadores e defensores públicos, juízes e pessoal judicial e outras pessoas que são objeto de ataques ou ameaças por motivos relacionados com os processos judiciais.

 

2.       Estabelecer um grupo de trabalho interinstitucional integrado por representantes da  Polícia Nacional Civil, o Ministério Público e o Serviço Público de Defesa Penal, o poder judicial e qualquer outra entidade que esteja em especial risco ou que tenha especial responsabilidade nesta área, para facilitar a cooperação no desenho e implementação das medidas apropriadas de proteção.

 

3.       Adotar medidas integrais para garantir uma resposta coordenada a todas as denúncias de ameaças ou ataques supostamente relacionados com os processos judiciais e uma rápida e efetiva investigação de tais denúncias, com o fim de identificar, julgar e castigar os responsáveis de conformidade com a legislação nacional.

 

4.       Garantir que o pessoal do Estado designado para responder a tais ameaças e ataques, particularmente no caso da  Polícia Nacional Civil e o Ministério Público, tenha a preparação e conhecimentos especializados necessários para responder com a devida diligência.

 

5.       Adotar um código de ética legal e promover o cumprimento através de capacitação, dentro do poder judicial e como parte da  educação legal, bem como também através do fortalecimento da  supervisão e as medidas disciplinares.

 

6.       Adotar medidas práticas para evitar as oportunidades de realizar práticas corruptas, como, por exemplo, ampliando as iniciativas adotadas em alguns tribunais para reorganizar os espaços de trabalho dos funcionários do tribunal para os mais abertos e acessíveis e modernizar os sistemas de controle de arquivos e expedientes.

 

7.       Implementar mecanismos específicos de supervisão e vigilância para detectar a corrupção e para garantir a pronta investigação, julgamento e imposição de sanções disciplinares ou penais. A Comissão apóia a recomendação do Relator Especial das Nações Unidas sobre a independência dos juízes e advogados, no sentido de estabelecer uma agência independente encarregada de fazer cumprir a lei, com a faculdade de investigar denúncias de corrupção em cargos públicos, inclusive no poder judicial, e de remeter assuntos para julgamento.

 

          90.     A Comissão recebeu com profunda preocupação informação segundo a qual persistem atos de ameaças, perseguições e outros atos de intimidação contra operadores de justiça. Em particular, quando a primeira recomendação, a Comissão observa, especialmente através do mecanismo das medidas cautelares, os esforços do Estado para prover segurança as pessoas que são objeto de ameaças e outros ataques por motivos relacionados com processos judiciais. Contudo, a Comissão foi informada que os mesmos são insuficientes. No caso dos  funcionários judiciais, a Corte Suprema de Justiça criou uma Departamento de Segurança Judicial encarregada de estudar os problemas de segurança e formular recomendações; porém, o Presidente da  Corte reduziu as medidas de proteção dos juízes  por razões orçamentárias.[21]

 

          91.     Quanto à segunda recomendação, a Comissão carece de informação.

 

          92.     Em relação à terceira recomendação relativa a investigação de ameaças contra pessoas vinculadas a  processos judiciais, em 7 de fevereiro de 2001, foi criada a Unidade de Promotoria Especial de Delitos Cometidos contra Operadores de Justiça, para a qual foram designados 114 casos durante o ano 2001 e 47 no primeiro  semestre de 2002. A Comissão valoriza o trabalho realizado pelo  Ministério Público na  proteção dos operadores de justiça; porém, recebeu informação de que a Promotoria Especial não conta com recursos humanos e técnicos suficientes e que na  maioria dos casos as investigações não obteve resultados.

 

93.     No que se refere à quarta recomendação, a Comissão recebeu  informação de que tanto a PNC como o Ministério Público não contam com recursos suficientes para oferecer  cursos especializados.

 

          94.     Com relação a la quinta recomendação, en março de 2001, a Corte Suprema de Justiça adotou um Código de Ética Judicial; porém, a Comissão não tem informação relativa a sua aplicação e cumprimento.

 

          95.     No que concerne à implementação de medidas para evitar, investigar e punir a corrupção, a Comissão teve conhecimento da recente reestruturação da  Unidade Anticorrupção do Ministério Público. O Estado informou nas observações sobre a criação de uma comissão contra a corrupção que aglutina todas as instituições do setor justiça, com a finalidade de implementar um  plano para a prevenção, combate e erradicação da  corrupção; sobre o lançamento de uma campanha publicitária preventiva por parte do Ministério Público contra a corrupção, narcotráfico e outros ilícitos de alto impacto; e sobre a instalação da  Comissão para a Transparência integrada por pessoas notáveis da  sociedade guatemalteca.

 

Impunidade e denegação de justiça

 

96.     Em relação à situação de impunidade e denegação de justiça que caracteriza, em particular, s casos de violações dos  direitos humanos, a Comissão recomendou ao Estado:

 

1.       Implementar a recomendação do Relator Especial das Nações Unidas de destituir de cargos públicos e militares aquelas pessoas que se notoriamente cometeram violações dos  direitos humanos durante o conflito armado e assegurar-se que elas não sejam nomeadas para cargos públicos no futuro.

 

2.       Intensificar os esforços a fim de esclarecer as violações dos  direitos humanos do passado, julgar e punir os responsáveis de acordo com as normas aplicáveis, e assegurar que as vítimas recebam uma indenização justa.

 

          97.     No que concerne à destituição de funcionários públicos e militares por violações de direitos humanos durante o conflito armado, a Comissão não recebeu informação do  Estado nem de outros setores que indique que as autoridades públicas e militares tenham iniciado um processo de depuração de suas estruturas. A este respeito, o Estado em suas observações ao presente relatório indicou que a remoção e destituição de funcionários e empregados públicos somente procede quando existe um decisão judicial que relacione um servidor público ao cometimento de um fato delitivo.  Não obstante esta afirmação, o Estado esclareceu  que, nos  casos nos em que houve denúncia da participação de funcionários públicos em fatos delitivos, foram tomadas as medidas e os procedimentos administrativos pertinentes.

 

          98.     Com relação ao julgamento e sanção dos responsáveis por violações de direitos humanos do passado, a Comissão observa com profunda preocupação que a grave impunidade das violações cometidas durante o conflito armado permanece incólume. Com efeito, a Comissão recebeu informação, através do sistema de casos das audiências gerais,  de que a até o momento as autoridades judiciais abstiveram-se de julgar e punir os autores responsáveis por quase a  totalidade de violações de direitos humanos cometidas durante o conflito armado.

 

99.     Embora a Comissão observe que foram feitos esforços importantes em casos como o da  antropóloga Myrna Mack, no qual foi condenado em primeira instância um dos  autores intelectuais da  execução, em casos paradigmáticos como o do Massacre das Dos Erres o processo penal contra os membros do Exército não avançou desde que foi iniciado em 1994.[22] Em relação a este último caso, o Estado, em suas observações, discorda da  CIDH e indica que o processo penal avançou dado que o Ministério Público terminou a fase da  investigação, e que o procedimento está suspenso devido aos mais de 50 recursos de amparo interpostos pela defesa dos acusados, recursos estes permitidos pelas leis guatemaltecas.  De qualquer forma, o Estado da Guatemala  respeitou as garantias judiciais estabelecidas na lei e a presunção de inocência estipulada na  Constituição Política da  República.

 

100.   O MINUGUA informou que o direito à justiça continua sendo precário na Guatemala e que os processos judiciais atrasam continuamente devido aos recursos de apelação dilatórios.[23] A Comissão entende que toda pessoa tem o direito a um recurso que a ampare contra os atos que violem seus direitos humanos, conforme disposto no artigo 25 da  Convenção Americana. Contudo, a Comissão considera particularmente preocupante o uso abusivo do recurso de amparo, e insta as autoridades judiciais a evitar que o mesmo consolide-se como mecanismo legítimo para obstruir a justiça em casos de graves violações de direitos humanos.

 

101.    A Comissão urge, uma vez mais, o Estado da Guatemala que adote as medidas necessárias para assegurar o julgamento e punição dos  responsáveis pelas violações de direitos humanos do passado.

 

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[14] Segundo o  Acordo de Criação da  Corte Suprema de Justiça N° 1-98 de 15 de janeiro de 1998.

[15] Poder Judicial, Situação Orçamentária e Financeira do Poder Judicial, abril de 2002.

[16] Prensa Libre, CSJ relatório com orçamento de 2003: Q600 milhões designados pelo  Congresso somente servirão para pagar salários, 20 de novembro de 2002.

[17] MINUGUA, A Polícia Nacional Civil: um novo modelo policial em construção, 2001, pág. 32.

[18] MINUGUA, Situação dos  compromissos relativos ao Excército nos  Acordos de Paz, 2002, par. 71.

[19] Relator Especial sobre a Independência dos  Magistrados e Advogados, Relatório sobre a missão cumprida na Guatemala, par. 64, dezembro 2001.

[20] Ibidem, par. 66.

[21] Ibidem.

[22] MINUGUA, Décimo-terceiro relatório sobre direitos humanos, par. 49, outubro  2002.

[23] Ibidem.