d.            O Poder Judicial

 

d.1.         A integração entre o Supremo Tribunal de Justiça e o Poder Cidadão

 

25.                    A Comissão recebeu diversos questionamentos a respeito da legitimidade do processo de eleição dos atuais titulares de alto escalão do Poder Judicial, da  Defensoria Pública, do Ministério Público e da  Controladoria Geral da  República. Como não foram utilizados os procedimentos constitucionais para a eleição destes funcionários, terminou-se por designar funcionários que não gozam da  independência necessária.

 

26.                    A este respeito, a Comissão assinalou que a Constituição da  República Bolivariana aprovada em 1999 prevê um “Comitê de Postulações Judiciais” e um “Comitê de Avaliação de Postulações do Poder Cidadão”, integrado por diferentes setores da sociedade. Os atuais magistrados do Supremo Tribunal de Justiça, bem como o Defensor Público, o Procurador Geral da  Nação e o Controlador Geral da  República, não foram postulados por estes comitês previstos na  Constituição, mas com base numa lei decretada pela  Assembléia Nacional depois da aprovação da  Constituição, denominada "Lei Especial para a Ratificação ou Designação dos  Funcionários e Funcionárias do Poder Cidadão e Magistrados e Magistradas do Supremo Tribunal de Justiça” para o primeiro período constitucional. As reformas constitucionais introduzidas na  forma de eleição destas autoridades não foram utilizadas neste caso. Essas normas eram precisamente as que buscavam limitar ingerências indevidas, assegurar maior independência e imparcialidade e permitir que diversas vozes da sociedade fossem ouvidas na eleição destas autoridades.

 

27.                    A Comissão também pôde constatar diversas dúvidas sobre o exercício das faculdades do poder judicial sem a devida independência  e imparcialidade.  Em diversas oportunidades, o Supremo Tribunal de Justiça adotou decisões que favorecem exclusivamente os interesses do Poder Executivo.  Foram mencionadas, entre outras, as decisões sobre o questionamento da Lei Especial para a Ratificação ou Designação dos  Funcionários e Funcionárias do Poder Cidadão e Magistrados e Magistradas do Supremo Tribunal de Justiça e  a decisão sobre a duração do mandato presidencial. 

 

28.                    A Comissão está preocupada pela possível falta de independência e autonomia dos  outros poderes em relação ao Poder Executivo, pois indicariam que o equilíbrio de poderes e a possibilidade de controlar os abusos de poder que deve caracterizar um Estado de Direito estariam seriamente comprometidos. A este respeito, a CIDH deve assinalar que a separação e independência dos  poderes é um elemento essencial da  democracia, de conformidade com o artigo 3 da  Carta Democrática Interamericana.

 

29.                    A Comissão considera peremptório  que sejam adotadas leis orgânicas para estabelecer os mecanismos previstos na  Constituição da  República Bolivariana da Venezuela referentes à seleção dos  magistrados do Supremo Tribunal de Justiça, bem como do Defensor Público, do Procurador Geral da  República e do Controlador Geral da  República.

 

 

d.2.         Os juízes provisórios

 

30.                    Outro aspecto vinculado à autonomia e independência do Poder Judicial é o relativo ao caráter provisório dos  juízes. Após quase três de reorganização do Poder Judicial, existe um número significativo de  juízes provisórios, que oscila entre 60 e 90% segundo distintas fontes.  Isto afeta a estabilidade, indepêndencia e autonomia que deve reger a judicatura.

 

31.                    A Comissão não desconhece que o problema da  temporalidade dos  juízes é anterior à presente administração. Contudo, a Comissão foi informada que o problema da temporalidade dos  juízes vem aumentando desde que o presente Governo iniciou o processo de reestruturação judicial. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça informou a CIDH sobre a marcha do processo destinado a corrigir esta situação.

 

32.                    O poder judicial foi estabelecido para assegurar o cumprimento das leis e é indubitavelmente o órgão fundamental para a proteção dos  direitos humanos. No  sistema interamericano de direitos humanos, o funcionamento adequado do poder judicial é um elemento essencial para prevenir o abuso de poder por parte de outros órgãos do Estado, e, portanto, para a proteção dos  direitos humanos. Para que o poder judicial possa servir de maneira efetiva como órgão de controle, garantia e proteção dos  direitos humanos, não somente se requer que este exista de maneira formal, mas também que seja independente e imparcial.

 

33.                    A Comissão assinala a importância de acelerar o  processo destinado a reverter a situação de temporalidade que se encontra um número significativo de juízes venezuelanos, de maneira imediata e conforme a legislação interna e as obrigações internacionais derivadas da  Convenção Americana. A necessidade de que a designação de juízes seja realizada com todas as garantias não pode justificar que a situação de temporalidade se mantenha por longos períodos.

 

e.             A Liberdade de Expressão

 

34.                    A importância que a CIDH concede à liberdade de expressão está evidenciada pela criação da  figura do Relator Especial para a Liberdade de Expressão, que teve amplo apoio dos Chefes de Estado e de Governo do hemisfério. Basta recordar que durante a Cúpula das Américas celebrada no Chile em abril de 1998, os Chefes de Estado e Governo tornaram pública sua preocupação sobre o estado da  liberdade de expressão nos países do hemisfério.  O respeito a este direito é um requisito indispensável para a própria existência de uma  sociedade democrática e contribui para a proteção de outros direitos fundamentais.

 

35.                    A Comissão, através de sua Relatoria para a Liberdade de expressão, deu especial atenção ao estado da  liberdade de expressão na Venezuela através de seus relatórios anuais e do relatório submetido à CIDH sobre a visita realizada ao páis pelo Relator em fevereiro do presente ano. É importante pontuar que, da  informação recebida durante a presente visita, se pode concluir que muitas das observações da  CIDH e sua Relatoria Especial para a Liberdade de expressão durante as visitas mencionadas continuam vigentes.

 

36.                    Como assinalado anteriormente, a CIDH constatou que, embora seja possível efetuar críticas as autoridades, elas trazem como consequência atos intimidatórios que limitam a possibilidade de expressar-se livremente. Nesse sentido, a CIDH constata que na  Venezuela não foram fechadas empresas jornalísticas nem foram  detidos os jornalistas. Todavia, a proteção da  livre expressão não está limitada à inexistência de atos de censura, fechamento de jornais ou detenções arbitrárias daqueles que se manifestam livremente, ms requer um ambiente de segurança e garantias para os jornalistas. No  caso particular da  profissão jornalística, a Comissão constatou a persistência de agressões verbais ou físicas contra jornalistas ocorridas nos últimos meses e dias. É responsabilidade do Estado prover proteção à cidadania, inclusive aos comunicadores sociais, através de medidas enérgicas dirigidas a desarmar os setores da população civil que funcionam à margem da lei e  que poderiam estar envolvidos nestes atos intimidatórios.

 

37.                    A CIDH recebeu informação sobre outras formas de obstaculização ao  pleno exercício da  liberdade de expressão: um exemplo são as leis que penalizam a expressão ofensiva dirigida a funcionarios públicos, conhecidas como leis de vilipêndio (leis de desacato). A CIDH já se pronunciou sobre a incompatibilidade destas normas com o artigo 13 da  Convenção. Outro exemplo é o uso abusivo das cadeias nacionais de comunicação. Oportunamente a CIDH emitiu um comunicado de imprensa condenando o uso abusivo e desnecessário deste mecanismo, que utilizado de forma discricionária e com fins alheios ao interesse público pode constituir uma forma de censura.  A CIDH recebeu com beneplácito a informação submetida durante a presente visita que indica uma diminuição deste mecanismo até esta data. Contudo, a CIDH espera que no  futuro sejam mantidos critérios claros na  utilização desta cadeias que contemplem o interesse público e situações de verdadeira emergência ou necessidade nacional.  Um terceiro exemplo são as distintas formas de pressão exercidas sobre os meios de comunicação radioeletrônica mediante procedimentos administrativos que, se abusivos, constituem também um método indireto de restrição  da  liberdade de expressão.

 

38.                    A dificuldade no acesso à informação pública continua sem resposta, assim qualquer  iniciativa por parte do Governo que facilite o livre acesso à informação contribuirá para que a cidadania esteja melhor informada.

 

39.                    A CIDH observa com preocupação que a sociedade venezuelana teve apenas uma informação escassa, ou em certos casos inexistente, nos dias da  crise institucional de abril passado.  Embora possam existir múltiplas justificativas para explicar esta falta de informação, na  medida em que a supressão de informação tenha  sido resultado de decisões editoriais motivadas por razões políticas, isto deve  ser objeto de um indispensável processo de reflexão por parte dos  meios de comunicação venezuelanos acerca de seu papel neste momento.

 

40.                    Finalmente, a CIDH reconhece a bravura dos  comunicadores sociais que continuaram exercendo  suas atividades ainda que em condições adversas para sua integridade pessoal. A CIDH considera que o amedrontamento dos comunicadores sociais tem efeito devastador sobre a democracia, razão pela qual insta a sociedade venezuelana a uma profunda reflexão e reafirma a necessidade de que os distintos setores da  sociedade e do Governo abstenham-se de identificar os jornalistas e outros comunicadores sociais como aliados de seus opositores.

 

f.             As Forças Armadas e as corporações de segurança pública

 

41.                    Em sua visita in loco,  a CIDH recebeu com inquietude diversas manifestações sobre a invebida influência das  Forças Armadas nas ações políticas do país bem como a existência de um excessivo estado deliberativo. Essa preocupação pode ter origem no fato de que  a Constituição venezuelana de 1999 suprimiu um preceito tradicionalmente inserido nas Constituições que a precederam, segundo o qual as Forças Armadas são um corpo “apolítico e não deliberante”. Também é causa de especial preocupação para a Comissão, a circunstância de que o Governo e setores sociais tenham incitado as Forças Armadas ou grupos de oficiais a tomar partido em seu favor, e inclusive alterar a ordem constitucional. A CIDH recorda que, de conformidade com o artigo 4 da  Carta Democrática Interamericana, é fundamental para a democracia a subordinação constitucional de todas as instituições do Estado à autoridade civil.

 

42.                    As Forças Armadas não podem ser deliberantes. É essencial um avanço enérgico na  aplicação dos códigos militares e penais que punam tais condutas para evitar novos atos de insubordinação de setores das Forças Armadas contra a autoridade civil democraticamente eleita. A realidade na região demonstra que a deliberação das Forças Armadas costuma ser o início das fraturas constitucionais que, em todos os casos, conduzem a graves violações dos direitos humanos. É responsabilidade de todos os setores, mas principalmente do Governo, assegurar que as Forças Armadas cumpram exclusivamente os papéis de defesa da soberania nacional para que foram criadas e treinadas.

 

43.                    A Comissão ressalta que as Forças Armadas negaram-se  a executar planos repressivos contra a população civil durante os acontecimentos de abril, particularmente no dia 11.  Este fato contrasta positivamente com os trágicos exemplos da  historia na  região. Apesar da  atitude insurgente de alguns oficiais, também há que destacar que em seu conjunto, a instituição das Forças Armadas defendeu a ordem constitucional.

 

44.                    A CIDH também observa a falta de coordenação das distintas corporações encarregadas da  segurança pública. A Comissão foi informada sobre conflitos existentes entre as divergentes atuações da  Polícia Metropolitana e a Guarda Nacional, ambas sob a direção de distintas autoridades. Também recebeu com preocupação a indicação de que as distintas forças de segurança são utilizadas com fins políticos partidários ao invés de garantir a segurança cidadã de todos os venezuelanos.

 

g.        A liberdade sindical

 

45.                    Em 3 dezembro de 2000 foi realizado um referendo convocado pelo  Governo, através de uma medida legislativa, mediante o qual o eleitorado foi consultado a dizer se concordava em renovar a dirigência sindical mediante eleições a serem celebradas num prazo de seis meses.  Durante esse lapso, as suas funções dos diretores das Centrais, Federações e Confederações Sindicais estabelecidas no  país foram suspensas.

 

46.                    O referendo foi um triunfo significativo da  posição favorável à renovação sindical, acompanhado de um alto grau de abstenção. Conforme as respostas positivas que predominaram neste referendo, os mencionados diretores foram suspensos efetivamente de suas funções sindicais e foram convocadas novas eleições, celebradas posteriormente, conforme o Estatuto Eleitoral emitido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para regulamentar o processo eleitoral referente à renovação da  dirigência sindical.

 

47.                    A este respeito, a CIDH estima que a participação da população no referendo, incluindo os distintos  trabalhadores afiliados, implicou numa violação ao direito à liberdade sindical e aos  trabalhadores a eleger seus dirigentes. As ações antes mencionadas foram  severamente criticadas pelo  Comitê de Liberdade Sindical da  Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

48.                    Uma vez realizadas as eleições, de conformidade com o  disposto na regulamentação do Conselho Nacional Eleitoral, foram eleitas os dirigentes das organizações sindicais de base, as federações e confederações. A Comissão recebeu informação de que a Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV), é a que agrupa a maior quantidade de organizações sindicais. Contudo, devido a diversas interpretações, os diretores eleitos da  CTV, de acordo com o resultado da  eleição convocada por iniciativa do própio Governo nacional, não foram reconhecidos como tal pelas autoridades nacionais.

 

49.                    A Comissão assinala que o direito a eleger e ser eleito e a organizar-se sindicalmente são direitos reconhecidos na  Convenção Americana e na  Carta Democrática Interamericana. A organização sindical livre, sem ingerências indevidas do Estado, constitui, na opinião  da  CIDH, um elemento importante de qualquer sistema democrático.  Isto requer que, da maneira mais peremptória possível, se resolva satisfatoriamente e de conformidade com as obrigações internacionais da Venezuela, o conflito originado pela  falta de reconhecimento dos dirigentes da  CTV.

 

h.                        O Conselho Nacional Eleitoral

 

50.                    Durante sua visita in loco, a Comissão recebeu numerosas observações referentes à composição do Conselho Nacional Eleitoral, titular do poder eleitoral nos termos da  Constituição. Seus integrantes não foram selecionados de conformidade com o  procedimento pautado pela  própria Constituição. A maioria de seus membros, incluindo seu Presidente, haviam renunciado sem que fosse aberto o procedimento de seleção para escolher o novo Conselho como estipulado pela Constituição. Isto implica que, na  prática, o Conselho se viu impedido de adotar decisões em todos os assuntos de importância para os processos eleitorais sob sua jurisdição.

 

51.                    Os órgãos do poder público competentes para dirimir as reclamações relativas à transparência e legalidade das eleições devem  estar dotados da mais alta imparcialidade e resolver estes assuntos de maneira justa e célere, de modo a garantir o exercício efetivo do direito de eleger e ser eleito estabelecido no  artigo 23 da  Convenção Americana. Sendo assim, a Comissão recomenda que seja resolvido o mais breve possível a composição plena e definitiva do Conselho Nacional Eleitoral conforme o estipulado na própria Constituição.

 

i.             A sociedade civil

 

52.                    A CIDH observa que existe um debate e um desenvolvimento  democrático da  sociedade civil na Venezuela, pois teve a oportunidade de entrevistar-se com alguns dos setores representativos desta. A Comissão ressalta o trabalho realizado pelas organizações não governamentais venezuelanas que trabalharam pela  plena vigência dos  direitos humanos durante a crise constitucional.

 

53.                    A Comissão deseja chamar a atenção para a importância de entender o conceito de sociedade civil de forma democrática, sem exclusões irrazoáveis nem discriminações inaceitáveis. Neste sentido, a CIDH teve a oportunidade de conhecer várias decisões do Supremo Tribunal de Justiça, em que existe doutrina pacífica no sentido de que as organizações não governamentais que recebem fundos do exterior ou que seus diretores estejam integradas por estrangeiros ou religiosos, não formam parte da  sociedade civil e, portanto, ficariam excluidas de seu direito a participar na  integração dos  Comitês de Postulações previstos na  Constituição, para a seleção dos  órgãos do Poder Cidadão, Poder Eleitoral e Supremo Tribunal de Justiça. Salvo a faculdade do Estado de decretar regulamentações razoáveis a respeito do direito de associação no  marco de uma sociedade democrática, a Comissão chama a atenção sobre esta tese jurisprudencial, a qual, aplicada em termos  discriminatórios contra organizações independentes, tem um efeito excludente, inaceitável para a participação aberta da sociedade civil na Venezuela.

 

54.                    A comissão vê com especial preocupação a informação recebida no  sentido de que diversas organizações da  sociedade civil teriam sido objeto de intimidação. De fato, a CIDH concedeu recentemente medidas cautelares de proteção para integrantes de uma conhecida organização de direitos humanos, devido às ameaças recebidas.

 

55.                    A Comissão recorda que as organizações dedicadas à defesa e promoção dos  direitos humanos cumprem com um papel crucial num estado democrático.  De conformidade com a Convenção Americana e com diversas resoluções da  Assembléia Geral da  OEA, a Venezuela está obrigada a proteger e garantir o livre funcionamento das organizações da  sociedade civil.

 

56.                    Antes e durante sua visita in loco, a CIDH recebeu várias  manifestações de preocupação pela  criação, capacitação, organização e financiamento com verbas do erário público, dos chamados “círculos bolivarianos”, cujo principal propósito seria sustentar politicamente o regime do Presidente Chávez. Alguns destes círculos estão sendo acusados de atuar como grupos de choque para agredir verbal e fisicamente aqueles identificados como inimigos do processo político, em particular, os dirigentes da  oposição política, incluindo membros da  Assembléia Nacional e autoridades municipais, jornalistas e trabalhadores da comunicação social e a líderes sociais, especialmente nos movimentos sindical e universitário. Alguns destes círculos também estão sendo acusados de possuir armamentos. O Governo rejeita estas alegações e afirma que os “círculos bolivarianos” são meros instrumentos de ação e solidaridade social.

 

57.                    A participação política, o direito de associação e a liberdade de expressão são direitos garantidos na  Convenção Americana e neste sentido, os Círculos Bolivarianos, enquanto grupos livres de cidadãos ou organizações de base que apoiam o projeto político do Presidente, podem ser, sob certas condições um canal idôneo para o exercício destes direitos. Entretanto, a Comissão entende que a expressão de certas idéias políticas partidárias não pode ser privilegiada em detrimento de outras nem ser justificativa para atos de violência ou restrições a direitos de terceiros com visões políticas diferentes ou papéis profissionais  determinados, muito menos se recebem financiamento público. A Comissão recorda ao Governo que é responsabilidade do Estado garantir o exercício efetivo dos  direitos de todos os habitantes da Venezuela. O Estado compromete sua responsabilidade internacional se grupos de civis atuam livremente violando direitos, com o apoio ou a aquiescência do Governo. Sendo assim, a Comissão chama o Governo a investigar seriamente os fatos de violência atribuidos a alguns Círculos Bolivarianos e adotar da  maneira mais urgente possível todas as ações que sejam necessárias para prevenir que estes fatos se repitam no  futuro. Em particular, é indispensável  que o monopólio da  força seja mantido exclusivamente pela  força de segurança pública, e deve-se assegurar o completo desarmamento de qualquer  grupo de civis.

 

58.                    De acordo com a informação recolhida pela  CIDH, não se pode descartar a existência de outros grupos armados, partidários do Governo ou da  oposição; é essencial investigar a existência destes grupos e proceder a seu desarmamento o mais completa e rapidamente possível.

 

II.             OS GRUPOS DE EXTERMÍNIO

 

59.                    Segundo a informação recebida pela CIDH, e particularmente pelo  Defensor Público, existem “grupos de extermínio” conformados por funcionários de segurança do Estado que atuam nos Estados Portuguesa, Yaracuy, Anzoátegui, Bolívar, Miranda e Aragua.  Segundo as cifras oficiais, no  Estado Portuguesa, que a CIDH teve  oportunidade de visitar, durante o ano 2001 e 2002, foram registrados 131 execuções extrajudiciais levadas a cabo por estes  grupos. A Comissão observou com séria preocupação que os “grupos de extermínio” não somente são um mecanismo ilícito de controle social mas também no  caso particular de Portuguesa, fazem parte de uma organização criminal com fins lucrativos dentro da força policial estadual. Estas organizações continuam operando e ameaçando os familiares das vítimas e testemunhas, os quais estão absolutamente indefesos.

 

60.                    A perseguição e extermínio de pessoas que pertencem a grupos específicos, tais como supostos delinquentes, constitui uma violação do direito à vida e do direito a um tratamento humano que vem merecendo a repetida condenação desta Comissão. Estes grupos de funcionários de segurança em grupos de extermínio implica, ademais, numa ruptura radical do devido processo legal e do Estado de Direito, e como prática extrema de combate ao delito, somente resulta em maior insegurança cidadã. A falta de aplicação, por parte das autoridades responsáveis da devida diligência para investigar, julgar e punir os integrantes dos chamados “grupos de extermínio" é um fator fundamental que permite a ação destes grupos.

 

61.                    Dada a gravidade da situação, a Comissão exige a investigação seria e efetiva dos  “grupos de extermínio”, o julgamento e sanção dos  responsáveis sem demora, bem como a reparação dos  danos causados. A CIDH solicita ao Estado Venezuelano que outorgue medidas efetivas de proteção às testemunhas e familiares das vítimas. A Comissão considera de crucial importância o incremento dos recursos humanos, técnicos e logísticos destinados à investigação destes “grupos de extermínio” e a destituição imediata dos funcionários de segurança que estejam envolvidos.

 

III.            REFLEXÕES FINAIS

 

62.                    A principal fonte de legitimidade democrática é aquela outorgada pela  vontade popular expressa em eleições livres, periódicas e universais. Entretanto, as eleições por si mesmas não constituem um elemento suficiente para assegurar uma plena vigência da  democracia. Como assinalado na Carta Democrática Interamericana são  elementos essenciais da  democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais; o acesso ao  poder e seu exercício com submissão ao estado de direito; a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no  sufrágio universal e secreto como expressão da  soberania do povo; o regime pluralista de partidos e organizações políticas; e a separação e independência dos  poderes públicos. São também componentes fundamentais do exercício da  democracia a transparência das atividades governamentais, a probidade administrativa, a responsabilidade dos  Governos na  gestão pública, o respeito pelos  direitos sociais e a liberdade de expressão e de imprensa. A subordinação constitucional de todas as instituições do Estado à autoridade civil legalmente constituida e o respeito ao Estado de Direito de todas as entidades e setores da sociedade são igualmente fundamentais para a democracia. Neste contexto, o funcionamento de um Poder Judicial independente e imparcial como garantia da  proteção dos  direitos humanos, como veículo para a obtenção de justiça por parte das vítimas e como órgão de fiscalização e controle da ação de outros poderes do estado é fundamental para um Estado de Direito.

 

63.                    As eleições periódicas constituem um elemento necessário mas não é o suficiente para assegurar a  democracia,  nada justifica a ruptura constitucional nem a tentativa de impedir o funcionamento de instituções chaves como os poderes do Estado.  Não é aceitável apelar para manobras que suprem por completo e de maneira ilegal o exercício do poder pelas autoridades eleitas livremente pelo  povo.

 

64.                    A CIDH, baseada na sua experiência de mais de quarenta anos na  promoção e proteção dos  direitos humanos no  hemisfério, considera fundamental que todos os setores da  sociedade busquem mecanismos ou acordos que permitam o  respeito e a vigência dos  direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana e na  Constituição, o marco de referência para todos os protagonistas da  vida pública venezuelana.  A polarização e a intolerância não somente dificultam a vigência das instituições democráticas mas também conduzem a seu enfraquecimento. Uma democracia débil, na opinião da Comissão, não permite uma vigorosa defesa dos  direitos humanos.

 

65.                    É essencial rejeitar toda forma de deliberação da  força pública e a  aplicação dos  códigos militares e penais que sancionam tais condutas. Um avanço nesta direcção é primordial para evitar novos atos de insubordinação de setores das Forças Armadas contra a autoridade civil democraticamente eleita. A realidade da região demonstra que a deliberação das Forças Armadas costuma ser o início de fraturas constitucionais que, em todos os casos, conduzem a graves violações dos direitos humanos. É responsabilidade de todos os setores, mas principalmente do Governo, assegurar que as Forças Armadas cumpram exclusivamente os papéis de defesa da soberania nacional para que foram criadas e treinadas.

66.                    A CIDH considera que a falta de independência do Poder Judicial, as limitações à liberdade de expressão, o estado deliberativo em que se encontram as Forças Armadas, o grau extremo de polarização da  sociedade, a ação de grupos de extermínio, a pouca credibilidade das instituições de controle devido à incerteza sobre a constitucionalidade de sua designação e a parcialidade de suas atuações, a falta de coordenação entre as forças de segurança, representam uma clara debilidade dos  pilares fundamentais para a existência do Estado de Direito num sistema democrático nos termos da  Convenção Americana e da  Carta Democrática Interamericana. Sendo assim, a Comissão urge o fortalecimento do Estado de Direito na Venezuela o mais breve possível.

 

67.                    Na  atual situação da Venezuela, a proteção internacional dos  direitos humanos adquire uma relevância ainda mais fundamental. Neste sentido, é especialmente importante que o Governo do Presidente Chávez e os demais órgãos do poder público cumpram de maneira integral com as decisões e recomendações adotadas pelos órgãos do sistema interamericano, em suas decisões e setenças emitidas em casos individuais e, em particular, nas solicitações de medidas cautelares decretadas para proteger as pessoas em situações de grave risco e para evitar danos irreparáveis. A Corte e a Comissão Interamericanas constituem importantes instâncias à disposição de todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado venezuelano para tratar de obter justiça independente e imparcial.

 

68.                    A Comissão apela as autoridades do Estado e aos distintos setores da  sociedade civil que analisem o presente comunicado de imprensa bem como o relatório a ser elaborado nos próximos meses e discutam de maneira construtiva a forma de aplicar suas recomendações, a fim de avançar em direção à vigência irrestrita dos  direitos humanos dos  habitantes da Venezuela, sem nenhuma distinção.

 

69.                    A CIDH seguirá observando de maneira atenta o desenrolar da situação dos  direitos humanos na Venezuela. A visita que culmina no  dia de hoje, constituiu uma oportunidade importante para cumprir com este fim, bem como para aprofundar o diálogo, que dentro do marco de sua competência, a Comissão mantém com as autoridades e com a sociedade venezuelana. A CIDH reitera sua oferta de colaborar com o  Governo da Venezuela bem como com a sociedade venezuelana em seu conjunto, a fim de contribuir para o fortalecimento da  defesa e proteção dos  direitos humanos num contexto democrático e de legalidade institucional.  A CIDH também espera realizar em curto prazo uma nova visita para dar seguimento as recomendações e conclusões expostas neste comunicado.

 

 

Caracas, 10  de maio de 2002

 

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