CAPÍTULO IV

 

DESENVOLVIMENTO DOS  DIREITOS HUMANOS NA  REGIÃO

 

 

INTRODUÇÃO

 

1.         A Comissão Interamericana de Direitos Humanos continua com sua prática de incluir em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos um capítulo sobre a situação dos  direitos humanos em países membros da  Organização, com base na sua competência atruibuida pela Carta da OEA, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Estatuto e o Regulamento da  Comissão. Esta prática teve como objeto  proporcionar a OEA informação atualizada sobre a situação dos  direitos humanos nos  países que tinham sido objeto de especial atenção da  Comissão; e em alguns casos, informar sobre algum acontecimento que ocorreu ou esteja ocorrendo no momento do encerramento do seu relatório.

 

2.         No presente capítulo, a Comissão reitera seu interesse em receber a cooperação de todos os Estados membros, para identificar as medidas tomadas por seus governos que demonstrem um compromisso com a  observância dos  direitos humanos. Sem prejudicar esta perspectiva, a CIDH analisa em distintos capítulos do presente relatório os avanços positivos alcançados por vários Estados do hemisfério em matéria de direitos humanos.

 

CRITÉRIOS

 

3.         No Relatório Anual da CIDH de 1997 foram expostos cinco critérios preestabelecidos pela Comissão para identificar os Estados membros da  OEA cujas práticas em matéria de direitos humanos merecaim atenção especial, e em consequência deveriam ser incluindos no  capítulo IV do mesmo.

 

1.         O primeiro critério corresponde aqueles casos de Estados regidos por governos que não chegaram ao poder mediante eleições populares, pelo  voto secreto, genuino, periódico e livre, segundo as normas e princípios internacionalmente aceitos. A Comissão insiste no caráter essencial da  democracia representativa e de seus mecanismos como meio para alcançar o império da  lei e o respeito aos direitos humanos. Quanto aos Estados que não observam os direitos políticos consagrados na Declaração Americana e a Convenção Americana, a Comissão cumpre com o seu dever de informar aos demais Estados membros da  OEA da  situação dos  direitos humanos de seus habitantes.

 

2.         O segundo critério relaciona-se com os Estados onde o livre exercício dos  direitos consignados na  Convenção Americana ou a Declaração Americana foram suspensos, total ou parcialmente, em virtude da  imposição de medidas exepcionais, tais como o estado de emergência, o estado de sítio, suspensão de garantias, ou medidas excepcionais de segurança, entre outras.

 

3.         O terceiro critério, que poderia justificar a inclusão neste capítulo de um Estado em particular, tem aplicação quando existem provas sólidas de que um Estado esteja cometendo massivas e graves violações dos  direitos humanos garantidos na  Convenção Americana, a Declaração Americana ou os demais instrumentos de direitos humanos aplicáveis. A Comissão destaca que os direitos fundamentais não podem ser suspendidos, motivo pelo qual  considera com especial preocupação certas violações como execuções extrajudiciais, a tortura e o desaparecimento forçado. Portanto, quando a CIDH recebe comunicações dignas de crédito que denunciam tais violações por um Estado em particular, violações estas que foram corroboradas em relatórios ou conclusões de outros organismos intergovernamentais e/ou organizações nacionais e internacionais de reputação séria em matéria de direitos humanos, considera que tem o dever de levar tais situações ao conhecimento da  OEA e de seus Estados membros.

 

4.         O quarto critério refere-se aos Estados que se encontram num processo de transição de qualquer das três situações acima mencionadas.

 

5.         O quinto critério refere-se a situações conjunturais ou estruturais, presentes em Estados que enfrentam  por diversas razões situações que afetam séria e gravemente o gozo dos  direitos fundamentales, consagrados na  Convenção Americana ou na  Declaração Americana. Este critério inclui, por exemplo: situações graves de violência que dificultam o  funcionamento adequado do Estado de Direito; graves crises institucionais; processos de reforma institucional com graves incidências negativas para os direitos humanos; ou omissões graves na  adoção de disposições necessárias para efetivar os direitos fundamentais.

 

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COLÔMBIA

 

 

1.          Em 20 de fevereiro de 2002 o Presidente Andrés Pastrana pôs fim a três anos de negociações de paz com grupos armados dissidentes e aproximadamente seis meses depois, em 7 de agosto de 2002, entregou o governo a Alvaro Uribe Vélez, o candidato eleito pelo  povo colombiano através de eleições livres, para ser seu sucessor como presidente da Colômbia.  Uma das primeiras medidas de governo adotadas pelo novo  presidente no início de seu mandato foi invocar o estado de comoção interior.

 

          2.         O presente relatório –elaborado com base na informação obtida de fontes confiáveis, incluindo fontes oficiais, bem como de elementos de juízo  da  CIDH no  cumprimento do seu mandato de promover e proteger os direitos humanos na  região—  foi aprovado conforme o artigo 57(1)(h) do Regulamento da  Comissão.[1]  Cópia do projeto de relatório foi remetido ao Governo da  República da Colômbia em 16 de dezembro  de 2002  e lhe foi dadao um prazo para formular comentários por escrito.  O Estado recebeu a análise da  CIDH com espírito construtivo e apresentou suas observações em 24 de janeiro de 2003.[2]

 

            3.         A resposta do Estado baseia-se principalmente nas diretrizes da “Política Nacional de Direitos Humanos” contida no Plano Nacional de Desenvolvimento a ser elevado à consideração do Congresso Colombiano,  o qual teria por objetivo implementar a chamada política de “segurança democrática”, impulsionar o crescimento econômico sustentável, alcançar a equidade social e incrementar a transparência e eficiência do Estado.[3]  As considerações formuladas pelo  Estado foram analisadas e incorporadas, no que seja  pertinente, ao presente relatório.

 

            4.         O presente relatório responde aos critérios estabelecidos na  introdução do Capítulo IV do Relatório Anual.  Dadas as características da  situação dos  direitos humanos na  Colômbia, a análise aqui apresentada poderia ser explicada sob um mais critérios mencionados na introdução, incluindo aqueles referentes à vigencia de estados de emergência ou a persistência de situações conjunturais ou estruturais nos Estados membros que por diversas razões enfrentam situações que afetam seria e gravemente o gozo dos  direitos fundamentais consagrados na  Convenção Americana.

 

            5.         A CIDH observa que a violência derivada do conflito armado interno na Colômbia e na degradação da  conduta dos atores envolvidos continuam afetando o cumprimento da obrigação de assegurar o respeito pelos direitos humanos fundamentais tais como a vida, a integridade física, a liberdade de circulação e residência e a proteção judicial efetiva.  O Estado reconheceu que a  violência exercida por organizações criminais de diversas índoles, a sucessão de homicídios e sequestros, e a profusão de negócios ilícitos converteram-se numa “..ameaça à viabilidade da  Nação.”[4]

            6.         Apesar das preocupações expressadas e as recomendações formuladas pela  CIDH e outros órgãos  internacionais encarregados de supervisionar o respeito aos direitos humanos, a vulnerabilidade da população civil, em particular das comunidades indígenas,  afro-colombianas, e os deslocados continuam sendo patentes, além das ameaças e agressões fatais contra defensores de direitos humanos e líderes sociais.

 

            7.         Nesta oportunidade a CIDH fará constar, em primeiro lugar, uma série de avanços em matéria de direitos humanos impulsionados pelos  órgãos do Estado.  Em segundo lugar refere-se-á ao panorama general de violações de direitos humanos e o direito internacional humanitário em distintas regiões do território colombiano. Em terceiro lugar, fará referência a áreas de particular preocupação, tais como o deslocamento forçado, a situação dos  defensores de direitos humanos, os sindicalistas e jornalistas, e a administração de justiça.  Por último, a Comissão analisará o estado de comoção interior.

 

            I.          MEDIDAS ADOTADAS EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS

 

            8.         Em 17 de abril de 2002 a CIDH publicou sua concordância com a decisão da  Corte Constitucional Colombiana de declarar a inconstitucionalidade da  Lei 684 de 2001 sobre Defesa e Segurança Nacional.  Esta decisão foi adotada como resultado de três processos impulsionados por particulares, membros de organizações da  sociedade civil e certas entidades do própio Estado, concretamente a Procuradoria Geral da  Nação e a Defensoria Pública.[5]

 

            9.         A CIDH reconheceu o  direito e o  dever dos  Estados membros da  OEA de proteger tanto a população civil como a sua própria estrutura institucional em situações de conflito armado e outras graves ameaças à ordem pública. Entretanto, através dos  anos a CIDH deixou claro que as medidas adotadas com este propósito devem ser implementadas sem  desatender o respeito aos  direitos e garantias básicos previstos pelo  direito internacional dos  direitos humanos.  Tanto antes como depois da aprovação da  Lei 684, a CIDH publicou sua posição no  sentido de que várias das disposições inseridas nessa norma não estavam em concordância com os padrões estabelecidos em matéria de administração de justiça pela  Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos aplicáveis.[6]

 

            10.       Em 5 de agosto de 2002, cumprido o processo de revisão que a lei confere à Corte Constitucional Colombiana, o Presidente Pastrana depositou o instrumento de ratificação do Estatuto da  Corte Penal Internacional[7] cujo conteúdo passou a ser incorporado ao marco constitucional na Colômbia.  A CIDH reconhece este compromisso do Estado como um passo positivo em direção ao cumprimento das recomendações formuladas pela  Comissão com relação ao julgamento de indivíduos responsáveis por crimes de lesa-humanidade durante o conflito armado.  Contudo, deve manifestar preocupação em relação ao impacto deste compromisso à luz das declarações formuladas no momento da  ratificação que estabelecem uma série de limitações interpretativas e  temporais –entre outras— com relação à aplicação das normas deste instrumento.

 

            11.       A Comissão deseja ressaltar a disposição do governo da República da Colômbia, bem como a dos  peticionários, de subscrever formalmente um acordo de solução amistosa com o fim de dar cumprimento ao Relatório 112/02 emitido conforme o artigo 50 da  Convenção Americana de Direitos Humanos no caso 11.141, relativo ao massacre de um grupo de menores no  bairro de Villatina na  cidade de Medellín, Colômbia.  A CIDH está monitoreando o cumprimento dos compromissos adquiridos no  acordo e em seu momento fará público o relatório informando sobre este processo. Durante o 116 período de sessões da  CIDH, o Estado assumiu o compromisso de explorar a possibilidade de chegar a uma solução amistosa com os peticionários em mais quatro casos.

 

            12.       Também em relação ao cumprimento das obrigações do Estado frente ao sistema interamericano, cabe salientar seus esforços na implementação de programas de proteção de pessoas ameaçadas, amparadas por medidas cautelares outorgadas pela  CIDH ou medidas provisórias editadas pela  Corte Interamericana de Direitos Humanos, em especial, as vítimas ou testemunhas de violações aos direitos humanos, defensores de direitos humanos, operadores de justiça, sindicalistas e grupos vulneráveis como indígenas e afro-colombianos.

 

            13.       O funcionamento do “Programa de proteção de testemunhas e pessoas ameaçadas” implementado pelo  Estado com o fim providenciar proteção a pessoas ameaçadas, incluindo meios de deslocamento ao exterior ou dentro do país, ajudas humanitárias de emergência, sistema de comunicações e proteção as sedes das organizações de direitos humanos,[8] constitui uma resposta importante mas insuficiente, à luz das ameaças, intimidação e constantes atentados perpetrados contra os defensores de direitos humanos e as vítimas fatais registrados durante o ano de 2002.

 

II.         PANORAMA DA  SITUAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

 

14.              Durante o ano 2002 a Comissão continuou recebendo de forma periódica petições urgentes, denúncias e informação de todo tipo sobre a contínua violação do direito à vida no território colombiano.  Os excessos cometidos no  curso do conflito armado interno continuam traduzindo-se em graves violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário contra a população civil.

 

15.              O número de vítimas fatais da  violência política durante o ano 2002 continua em ascensão em relação ao anos anteriores. Os estudos estatísticos indicam que de uma média diária de dez pessoas mortas em 1988, houve um incremento para 20 vítimas diárias para o ano de 2002.[9]

 

16.              Assim como nos anos anteriores, uma importante porcentagem  das violações do direito à vida foi cometida através de incursões paramilitares destinadas a aterrorizar a população civil e causar seu deslocamento forçado. Em muitos casos a execução das vítimas é precedida de torturas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.  Contudo, é possível notar que durante o ano 2002 multiplicaram-se os homicídios seletivos precedidos de ameaças contra defensores de direitos humanos, sindicalistas, prefeitos e vereadores municipais, líderes indígenas e camponeses, candidatos a cargos de eleição popular –incluindo membros da  União Patriótica—e ex-combatentes desmobilizados.  A CIDH observa com preocupação que o emprego do desaparecimento forçado continue aumentando.

 

17.              O Estado assinala em suas observações que os grupos armados ilegais cresceram não somente em aumento de suas filas mas também através do surgimento de novas organizações ilegais.  Concretamente indica que as FARC e o ELN duplicaram sua força na  última década e os grupos ilegais de autodefesa somam atualmente mais de dez mil homens.

 

18.              Os graves abusos cometidos pelos  atores no conflito armado tiveram um impacto crescente em vastas áreas do território nacional, com distintos graus de intensidade.  Entre os estados que registram índices mais altos de violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário estão Antioquia, Bolívar, Casanare, Cauca, Arauca, Santander, Magdalena, Chocó, Norte de Santander, Putumayo, Sucre e Valle.  Conforme as estatísticas do CINEP, o estado de Antioquia continuou registrando o índice mais alto de violência.

 

19.              Durante o ano 2002 também ocorreu um notável incremento nas violações ao direito internacional humanitário cometidos por parte dos grupos armados dissidentes.  Principalmente as FARC viram-se envolvidas em numerosos atentados, massacres, execuções extrajudiciais, ataques e ameaças contra a população civil.

 

20.              Em seus ataques os grupos armados dissidentes violaram princípios básicos de distinção e proporcionalidade do direito internacional humanitário, causando numerosas vítimas entre a população civil.  Em particular, o uso indiscriminado de cilindros de gás e o uso de carros bomba causaram a morte de vários civis.  Conforme as estatísticas do CINEP e Justiça e Paz as FARC foram responsáveis por 43% das violações ao direito internacional humanitário registradas entre abril e junho de 2002.

 

21.              A CIDH vem se pronunciando reiteradametne sobre a gravidade do crescente número de atentados perpetrados contra a população civil em Colômbia.  Estes atos violam de maneira flagrante o direito internacional humanitário e podem gerar a responsabilidade penal individual dos  envolvidos, conforme o direito internacional. O Estado tem a obrigação de adotar as medidas necessárias para investigar os fatos, julgar e punir os responsáveis.  A CIDH manifestou publicamente sua consternação pelo  atentado com artefatos explosivos perpetrado na madrugada de 7 de abril de 2002 no  bairro La Granja da  cidade de Villavicencio, estado de  Meta, o qual resultou na morte de pelo menos dez pessoas e feriu várias outras.[10]  Naquela  oportunidade, a CIDH deixou claro seu enérgico repudio aos atos de violência indiscriminada empregados com o  fim de aterrorizar a população civil.

 

22.              A CIDH também rejeitou os ataques indiscriminados perpetrados em 2 de maio de 2002 nos  municípios de Bojayá e Vigía del Fuerte no  estado de Chocó.[11]  Naquela oportunidade, as FARC-EP lançaram um cilindro de gás no interior da Igreja Católica de Bellavista, onde a população civil havia buscado refúgio durante uma confrontação armada entre este grupo e um bloco das AUC.  Esta violação dos  princípios consagrados pelo  direito internacional humanitário resultou na morte de mais de cem civis –muitos deles  menores de idade—e cerca de oitenta feridos.  Depois de visitar o lugar dos fatos, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas na Colômbia emitiu um relatório no qual atribui responsabilidade as FARC-EP pelas mortes e os danos causados aos civis e também faz referência a responsabilidade das AUC e do Estado no  incidente vis-a-vis suas obrigações de prevenção e garantia através de prévios alertas emitidos pela  Defensoria Pública, a Procuradoria Geral da  Nação e a própria ONU em relação à situação no  Bajo Atrato.[12]  Existe preocupação pela  situação humanitária da  população civil que habita essa zona do estado de Chocó, a qual foi obrigada a deslocar-se em meio ao enfrentamento entre as FARC e as AUC.  A CIDH recebeu denúncias sobre as consequências da  contra ofensiva militar a qual teria sido levada a cabo mediante ataques aéreos que afetaram a população civil em Bellavista, Vigía del Fuerte e as comunidades afro-colombianas de Napipí e Murindó.

 

23.              Os grupos armados dissidentes continuam com sua prática sistemática de tomar reféns com fins de, entre outros, intercambiá-los por somas de dinheiro e financiar suas atividades.  Entre as vítimas estão prefeitos, membros da igreja, funcionários judiciários, trabalhadores humanitários, jornalistas e cidadãos estrangeiros.  Segundo dados proporcionados a CIDH, mais de cento  e cinquenta reféns morreram em cativeiro devido a o lapso prolongado  e as condições extremas nas quais foram mantidos por seus captores.[13]

 

24.              A CIDH repudiou publicamente o sequestro do Governador do estado de Antioquia, Guillermo Gaviria, e seu assessor de paz, Gilberto Echeverry, perpetrado em 21 de abril de 2002 pelas FARC, precisamente no  contexto de uma iniciativa de paz e reconciliação na  localidade de Caicedo.  A Comissão exortou a este grupo, também responsável de reter a doze deputados de Valle, a respeitar a vida das pessoas sequestradas, sua segurança e saúde, e liberá-las de forma imediata e incondicional.[14]  A CIDH também manifestou seu repúdio em relação ao sequestro da  candidata presidencial Ingrid Betancourt.

 

25.              A CIDH também condenou o atentado com carro bomba dirigido contra o candidato presidencial Alvaro Uribe Vélez no dia 14 de abril de 2002 na  cidade de Barranquilla, no qual foram mortas quatro pessoas e várias outras ficaram feridas. 

 

26.              A Comissão continua seriamente preocupada pelos atos de violência cometidos por grupos paramilitares e segue recebendo denúncias sobre ações e omissões por parte de agentes do Estado que podem possibilitar ou contribuir no cometimento de graves violações aos direitos humanos e direito internacional humanitário podem gerar a responsabilidade penal individual dos envolvidos, conforme o direito internacional.  A informação disponível  indica que, apesar das recomendações emitidas pela  CIDH e as Nações Unidas sobre o dever do Estado de desmantelar estes grupos ilegais, estes continuam fortalecendo-se e expandindo sua influência geográfica.

27.              Várias frentes das AUC mantêm sua influência nos  municípios de Cauca e extenderam-se até os estados de Meta e Arauca.  Também continua a notória presença das AUC no  Río Atrato e nas localidades de Turbo, Apartadó e Quibdo.  A Comissão decretou uma série de medidas cautelares – e no  caso de Apartadó solicitou medidas provisórias a Corte Interamericana de Direitos Humanos— com a finalidade de instar o Estado a que outorgue proteção as comunidades que habitam estas regiões e que são constantemente ameaçadas por grupos paramilitares que operam na área.

 

28.              Efetivamente, as AUC continuaram executando operações de “limpeza” e provocando o deslocamento de membros da  população civil que acusam de colaborar ou simpatizar com grupos armados dissidentes.  Nas zonas sob seu controle, os paramilitares instalam barricadas ilegais com o fim de verificar a identidade daqueles que transitam pelo  lugar e restringir o comércio de víveres e combustível.  Muitas vezes a instalação destas barricadas precede a existência de desaparrecimentos, execuções extrajudiciais e deslocamentos.  Em alguns casos, estas barricadas funcionam em áreas que contam com a presença do Exército.

 

29.              Em suas observações, o Estado ressalta que seu objetivo é que a recuperação da  segurança converta-se num objetivo primordial da  gestão do atual governo, no  contexto de respeito aos direitos humanos e participação da sociedade.  O Estado considera que a noção da  “Segurança Democrática” trascende o conceito de segurança nacional, ligado à capacidade do Estado de penalizar e dissuadir aqueles que violam a lei e pretende providenciar  segurança e proteção a todos os cidadãos, sem distinção, salvaguardando a viabilidade da  democracia e a legitimidade do Estado.  Sua estratégia consiste em fortalecer a Força  Pública para recuperar o controle do território e proteger a infraestructura nacional, desarticular a produção de drogas, fortalecer a justiça e a atenção as zonas de conflito.[15]

 

30.              Apesar disto a Comissão continua recebendo denúncias sobre a atitude omissiva da Força Pública e sua participação direta nos  atos de violência perpetrados pelos  paramilitares, muitos dos quais são de público conhecimento.  A Comissão pronunciou-se de forma reiterada sobre a responsabilidade do Estado pelos  vínculos e graus de cooperação entre membros das forças de segurança e grupos paramilitares no cometimento de atos que constituem violações aos direitos humanos e o direito internacional humanitário.  Lamentavelmente não existem indícios de que a situação tenha melhorado durante o ano de 2002.  A liberdade com a qual os grupos paramilitares continuam operando em grande parte do território apesar da  presença do Exército, e os elevados níveis de violência que continuam  causando o deslocamento forçado da  população civil, sugerem que persiste a colaboração e aquiescência dos  agentes do  Estado para com estes grupos.

 

31.              A este respeito, a Comissão não pode deixar de notar que, apesar de que as violações aos direitos humanos cometidas por membros de grupos paramilitares são frequentemente investigadas pela  justiça ordinária, em muitos casos as ordens de captura expedidas não foram executadas, especialmente quando envolvem as altas patentes das AUC como autores intelectuais, o que contribui para o perpetuamento de um clima de impunidade e insegurança.[16]  De fato, durante o ano 2002 o líder das AUC, Carlos Castano, manteve seu habitual contacto com os meios de comunicação nacionais e internacionais, sem que se tanham executado as várias ordens de captura que pesam contra sua pessoa por graves violações aos direitos humanos.

 

            IV.        O DESLOCAMENTO FORÇADO

 

32.              Mais de dois milhões de pessoas se viram forçadas a deslocarem-se de suas casas como consequência da  ação violenta de grupos paramilitares e grupos armados que tentam impor lealdades políticas pela força em amplas porções do território.  Esta crise humanitária também encontra expressão no  fenômeno das comunidades sitiadas.  Em ambos casos, a população civil é vítima da falta de proteção estatal, a desatenção ou as respostas parciais, tardias e insuficientes.

 

33.              Em suas observações o Estado reconhece que, em vista de sua magnitude e características, o deslocamento forçado constitui o principal problema humanitário como consequência do conflito armado interno e que contribui para aumentar as condições de pobreza e vulnerabilidade da  população, a qual se vê impossibilitada de seguir com seu projeto de vida como resultado do deslocamento.  Indica que de cada 100 famílias deslocadas 31 encontram-se em situação de pobreza extrema e 54 no limite da indigência. As estatísticas proporcionadas pelo Estado falam de 890.000 deslocados entre 1995 e 2002 com um crescimento constante de 45% de semestre a semestre.[17]

 

34.              Segundo revelam os relatórios de CODHES, durante o primeiro trimestre do ano 2002 mais de 90 mil pessoas viram-se obrigadas a deslocarem-se de suas casas como resultado de massacres, assassinatos seletivos e o cerco de comunidades por parte dos  agentes armados.[18]  Das pessoas deslocadas durante este período 35% mobilizaram-se de forma massiva numa média de 1.300 afetados.  O Estado estima que 48% da  população afetada são mulheres, 44% crianças entre 5 e 14 anos, e que afro-colombianos e indígenas somam  17,7% e 3,75%, respectivamente.[19]

 

35.              Entre os grupos mais afetados pelo  deslocamento interno destacam-se as comunidades afro-colombianas e indígenas que habitam as zonas de Cauca, a Sierra Nevada de Santa Marta, a Serranía del Perijá e amplos setores de Antioquia, Tolima, Nariño, Putumayo, Córdoba e Chocó.  Centenas de funcionários públicos foram forçados a renunciar o modificar de lugar de residencia e trabalho como consequência de pressões por parte de grupos armados.  Os professores, os integrantes de missões médicas, os estudantes universitários, os líderes sindicais e religiosos somam-se ao fluxo constante da população civil que se desloca em direção aos centros urbanos.

 

36.              Apesar de que o número de estados onde ocorrem expulsões massivas diminuiu de 19 no 2001 para cinco em 2002, as estatísticas de CODHES confirmam a expansão geográfica do fenômeno: os 26 estados que recebiam população  deslocada em 2001 extenderam-se a 31 nos  primeiros meses de 2002.  As estatísticas indicam que 321 municípios (29.47% do total) receberam população deslocada entre janeiro e março de 2002.  Estes dados revelam que nesta fase as ações dos  atores armados tinham diminuido em quantidade mas aumentaram em intensidade e que o deslocamento forçado mantêm-se como principal estratégia de conflito. Os estados e municípios com mais recebem a população submetida ao deslocamento forçado durante este período foram Magdalena (16.586), Bogotá D.C. (14.000) Norte de Santander (13.178), Antioquia (7.212), Sucre (3.640), Caldas (3.601), Cundinamarca (3.238), Tolima (3.000), Córdoba (2.649), Cauca (2.604), Bolívar (2.576), Meta (2.476), Huila (2.113), Risaralda (1.473), Nariño (1.484).  Conforme os dados publicados pelo CODHES, entre julho e setembro de 2002 registraram-se alguns deslocamentos massivos, ainda que em menor proporção que nos períodos anteriores.  Segundo alguns, esta cifras revelam uma estratégia que favorece o cometimento de  homicídios seletivos sobre os massacres.

 

37.              O Estado reconhece a expansão geográfica do fenómeno, e indica que dos 480 municípios afetados no  ano 2000 por eventos de recepção ou expulsão de população, cresceram de 819 em 2001 para 887 no  primeiro semestre de 2002.  Consequentemente,  87% do território colombiano está afetado pelo  deslocamento.[20]  O Estado identifica 20 zonas críticas da onde fogem 68% da  população deslocada, as quais coincidem com as áreas de maior intensidade do conflito armado. As oportunidades de retorno foram reduzidas de 37% em 2000, a 11% em 2001 e somente 2% no  primeiro semestre de 2002.[21]

 

38.              A coordenação e execução das políticas em matéria de deslocamento forçado está contemplada no  marco previsto pela  Lei 387/97 e depende da  Rede de Solidaridade Social[22] que opera conforme as diretivas do Documento CONPES 3057 e o Plano Estratégico da  Rede de Solidaridade para o período 2000–2002 com a Unidade Técnica Conjunta (UTC) como órgão técnico-assessor e com o apoio do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

 

39.              Há vários anos, a situação humanitária levou a comunidade nacional e internacional a insistir na  plena aplicação da  Lei 387/97 mediante sua regulamentação que, conforme as disposições da  própria Lei, devia ter sido realizada num prazo máximo de seis meses desde sua aprovação em 1997.[23]  Tendo em vista o atraso evidente, foram apresentadas uma série de ações de tutela perante a Corte Constitucional que em agosto de 2000 pronunicou-se sobre a questão ordenando a regulamentação da  lei 387/97 num prazo máximo de três meses.[24]

 

40.              Como resposta, em  12 de dezembro 2000 foi promulgado o Decreto 2569 que regulamenta parcialmente a Lei 387/97 em relação às responsabilidades da  Rede de Solidaridade Social como entidade coordenadora do Sistema Nacional de Informação e Atenção Integral a População Deslocada pela  Violência, a definição e temporalidade da  condição de deslocado, o Sistema de Registro da  População Deslocada e os termos para ser inscrito nele, a Rede Nacional de Informação, a Atenção Humanitária de Emergência, a Estabilização Socio-econômica e as funções dos  Comitês Municipais, Distritais e Estaduais  para a atenção integral a população deslocada pela  violência.

 

41.              Ainda não está claro a adequação e efetividade dos  mecanismos criados pelo  Decreto regulamentar frente a magnitude da  catástrofe humanitária do deslocamento forçado na Colômbia.  A atenção dos  deslocados parece estar centralizada principalmente na  ajuda humanitária de emergência que continuaria, em grande parte, em mãos da comunidade internacional, em particular do Cruz Vermelha. A informação disponível indica que ainda não se conta com um programa de proteção adequado para estas pessoas e que não foram adotadas medidas efetivas para corrigir a discriminação e estigmatização das pessoas que são objeto de deslocamento.

 

42.              É possível notar que apesar do prolongado lapso entre a entrada em vigência da  lei e sua regulamentação, esta parece não ter contado com um processo de consulta as comunidades deslocadas e as organizações de direitos humanos para assegurar sua efetiva implementação.

 

43.              Em sua resposta ao projeto de relatório da  CIDH, o Estado assinala que a solução para o deslocamento forçado consiste na  restituição e consolidação da  autoridade democrática em todo o território nacional e manifesta a sua vontade  de gerar condições para prevenir e atender o problema, à luz dos  preceitos do Direito Internacional Humanitário, os direitos humanos e os princípios reitores das Nações Unidas para os deslocamentos internos.  Indica que um primeiro componente de sua política em matéria de deslocamento centralizar-se-á na  prevenção e proteção e que materializar-se-á através da  proteção das pessoas e comunidades em risco, incluindo a participação das comunidades sitiadas ou resistentes, e o fortalecimento do atual sistema de prévio alerta e a assistência humanitária as vítimas do conflito.  Indica que esta assistência humanitária estará orientada a aliviar as consequências do falecimento de familiares, a incapacidade permanente, e perda de bens, bem como a assistência educativa aos menores e a atenção psicosocial para o restabelecimento emocional das vítimas.[25]

 

            44.       O segundo componente de sua política consistirá em providenciar atenção humanitária emergencial mediante a provisão de assentamentos provisórios aos grupos vulneráveis.  O terceiro componente da  política estatal seria a  geração de condições para o restabelecimento da população deslocada quando existam alternativas para refazer seu projeto de vida.  O Estado Iindica que este esforço  começará com a implementação de um programa piloto para o retorno de 30.000 famílias camponesas deslocadas, e assinala que este será feito sob um esquema de subsídios para moradia, a promoção de processos de titulação de terras, o apoio a projetos produtivos e a geração de renda, e a promoção de capacitação produtiva.[26]

 

45.              Por último, o Estado assinala que fortalecerá o sistema nacional de atenção integral mediante a ativação do Conselho Nacional de Atenção à População Deslocada e as ferramentas de apoio do sistema como a Rede Nacional de Informação, o Sistema Único de Registro e o Sistema de estimação da  magnitude do deslocamento.  Indica que a Rede de Solidaridade Social continuará com a coordenação da  estrutura institucional para assegurar a articulação nacional e regional, e mobilizar os apoios técnicos, logísticos, e financeiros de ordem nacional e internacional.[27] O Estado assinala também que o Decreto 2007 de 2000, que entrou em vigência em 2002, estabelece a tutela como mecanismo de proteção judicial para garantir os direitos das pessoas deslocadas e que somente nesse ano foram interpostas 937 ações de tutela sobre o tema.[28]

 

46.              A CIDH reconhece as políticas institucionais que contemplem o deslocamento forçado, à luz das obrigações internacionais do Estado.  Contudo, sem prejuízo do valor de estes compromissos, a Comissão continua preocupada por sua implementação efetiva em vista das dificuldades passadas e atuais  para aliviar as consequências desta crise humanitária.  A Comissão continuará observando e avaliando a eficácia das ações do Estado em virtude da  regulamentação da Lei 387/97 à luz das necessidades das pessoas deslocadas e os Princípios Reitores do Deslocamento Interno.

 

            V.         ADMINISTRAÇÃO DE JUSTIÇA

 

47.              A Comissão sente profunda preocupação pelos  altos níveis de impunidade que persistem na Colômbia, as práticas judiciais que rodeiam a designação de competências, a violência e as hotilidades contra aqueles que investigam ou denunciam violações de direitos humanos, e o estancamento dos  processos relativos a casos que envolvem a responsabilidade de agentes do Estado.

 

48.              Através dos  anos, a CIDH demonstrou grande apoio ao trabalho da  Unidade Nacional de Direitos Humanos da  Procuradoria Geral da  Nação, criada em 1995 com a finalidade  de centralizar e agilizar o esclarecimento judicial de violações de direitos humanos e o direito internacional humanitário.  Em seus primeiros seis anos de funcionamento, a Unidade Nacional de Direitos Humanos fez progressos significativos neste campo, incluindo a investigação e processaento de casos que envolvem a participação de agentes do Estado e grupos a margen da  lei.  Os procuradores da  Unidade tiveram um papel primordial na  instauração de investigações formais contra oficiais militares de alto patente por sua suposta colaboração com grupos paramilitares.

 

49.              A Comissão observa, porém, que durante o ano 2002 não somente foram registrados avanços significativos em investigações relativas a casos sobre graves violações aos direitos humanos mas também verificou-se instâncias nas quais o progresso das investigações esteve comprometido, ou investigações que foram paralizadas mediante atos de omissão ou censura.  Algumas destas circunstâncias, como a remoção de funcionários que impulsionavam os procedimentos de acusação contra agentes do Estado, em particular membros de altas patentes do Exército, tiveram repercussões na imprensa e geraram  reações por parte da  comunidade de direitos humanos.[29]

 

50.              A Comissão está preocupada por esta situação e pelo enfraquecimento de uma entidade que junto a Procuradoria Geral de Nação, a Defensoria Pública e a Corte Constitucional, cumpre com um papel fundamental no  esclarecimento de violações de direitos humanos na  Colômbia.  Em  sua resposta, o Estado assinala que suas ações, através da  Procuradoria Geral da  Nação, estiveram exclusivamente destinadas a supervisionar o trabalho da  Unidade Nacional de Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário.  A CIDH espera que este respaldo se traduza na  atuação independente, imparcial e efetiva da Unidade em seu trabalho de esclarecer violações aos direitos humanos.

 

VI.        A SITUAÇÃO DOS  DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS E LÍDERES SOCIAIS

 

            A.         A situação dos  defensores de direitos humanos

 

51.              Durante o ano 2002 os defensores de direitos humanos continuaram sendo vítimas de assassinatos, múltiplas ameaças e hostilidades que interferem no seu trabalho de promoção e proteção dos  direitos humanos.  Em vista da  gravidade e urgência de algumas das situações postas em conhecimento da  CIDH, esta decidiu invocar o mecanismo previsto no  artigo 25 de seu Regulamento, e outorgar medidas cautelares a fim de proteger a vida e integridade pessoal de uma pessoa, um grupo de pessoas ou membros de organizações de direitos humanos.

 

52.              Em 14 de fevereiro de 2002 foi assassinada a advogada María del Carmen Florez[30] quem era representante oficial do Município de Mutatá e co-fundadora da  Fundação Jurídica Colômbiana, com sede em Apartado.  María del Carmen Florez estava ativamente envolvida na representação dos  familiares do desaparecido Alcides Torres Arias e compareceu a uma audiência perante a CIDH, programada para o 114° período ordinário de sessões. A Comissão publicou seu repudio pelo  assassinato desta defensora de direitos humanos e concedeu medidas cautelares a favor dos demais membros da Fundação Jurídica Colômbiana, bem como dos  familiares da  Alcides Torres Arias.

 

53.              Em 29 de julho de 2002 a CIDH outorgou medidas cautelares em favor de 14 defensores de direitos humanos e líderes sociais que operam na  região do Estado de Arauca e solicitou ao Estado Colômbiano que adotasse medidas especiais de proteção a favor dos  beneficiários, entre os quais estavam José Rusbell Lara, membro do Comitê Regional de Direitos Humanos Joel Sierra.  Infelizmente o Sr. Lara foi assassinado em 8 de novembre de 2002 na rodovia  municipal de Tame.[31]  Apesar da  solicitação da CIDH, a informação disponível indica que, no momento do atentado, o Sr. Lara não contava com a implementação efetiva das medidas de proteção.

 

54.               Ao manifestar  publicamente seu repudio pelo  assassinato deste defensor de direitos humanos, a CIDH lamentou a falta de implementação efetiva de medidas de proteção por parte do Estado Colombiano e exortou-o a investigar de forma exaustiva, julgar e punir os responsáveis, bem como assegurar que o resto dos  defensores de direitos humanos protegidos pela solicitação de medidas cautelares da Comissão recebam a devida proteção.

 

55.              Em 19 de julho de 2002 a CIDH concedeu medidas cautelares em favor de membros de ANDAS, organização não governamental dedicada a promover a defesa dos  direitos humanos da  população deslocada na Colômbia, que operam no  Estado de Santander.  Estes defensores de direitos humanos apareceram num documento público no  qual a Frente Urbana Fidel Castano Gil, Bloque Central Bolívar das AUC, determina a expulsão da região de dez pessoas sob pena de  responder com suas vidas.

 

56.              Em 6 de agosto de 2002 a CIDH voltou a invocar o mecanismo de medidas cautelares a favor de membros do Comitê Permanente de Direitos Humanos e de membros da  CUT que haviam sido diretamente ameaçados por um grupo das Autodefesas (AUC).

 

57.              A Comissão continúa preocupada com a situação de várias organizações de direitos humanos cujos membros são beneficiários de medidas cautelares ou de medidas provisórias perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos e que continuam sendo objeto de ameaças e hostilidades apesar da vigência destas medidas.  Dentre estas pessoas estão membros de organizações como ASFADDES, o Comitê de Direitos Humanos de Meta, o Colegio de Advogados José Alvear Restrepo, AFAVIT e a Comissão Intereclesiástica de Justiça e Paz, o Comitê de Solidaridade com os Presos Políticos, a Organização Femenina Popular, CREDHOS, NOMADSEC, e SEMBRAR.

 

58.              Além da concessão destas medidas cautelares, a Comissão solicitou informação ao Estado com relação a outras pessoas ou grupos de pessoas que foram ameaçadas em virtude de sua atividade relacionada com os direitos humanos.  A Comissão continuará observando com a maior atenção a situação dos  defensores de direitos humanos na Colômbia.

 

            B.        Líderes sociais e dirigentes sindicais

 

59.              Durante o ano 2002 a CIDH continuou recebendo informação sobre a violência exercida contra membros de associações camponesas e outros líderes sociais em várias regiões.  Em alguns casos, a gravidade das ameaças e os antecedentes de violêcia contra tais pessoas levaram concessão de medidas cautelares.

 

60.              Infelizmente, durante este período não vem diminuindo o ataque contra a vida dos  dirigentes sindicais na Colômbia.  A CIDH está particularmente preocupada com o   assassinato de vários membros da  União Sindical Operária, (USO),[32] apesar do fato de que seus dirigentes estejam amparados por medidas cautelares outorgadas pela  Comissão.

 

61.              Cabe fazer referência a situação de Jesús González, membro do comitê executivo e diretor de direitos humanos da  Central Unitária de Trabalhadores (CUT) e membro do Comité de Regulamentação e Avaliação de Riscos do Programa Especial de Proteção a Testemunhas e Pessoas Ameaçadas que funciona dentro do âmbito institucional do Estado.  O Sr. González e seus subordinados tinham sido vítimas de um ato de agressão direta por parte de agentes do Estado na  cidade de Cali.  Tendo em vista as circunstâncias, a CIDH deve expressar preocupação pelo aparente envolvimento de agentes da  Força Pública num sério ato de agressão contra uma pessoa cuja proteção não somente vem merecendo especial atenção do Estado durante vários anos mas também faz parte do mecanismo empregado para proteger o resto dos  membros do movimento sindical, os defensores de direitos humanos, jornalistas e outras pessoas em favor das quais frequentemente se invoca a aplicação do mecanismo de medidas cautelares na  República da Colômbia.

 

IV.        A DECLARAÇÃO DE COMOÇÃO INTERIOR DO ESTADO

 

62.              Como é de conhecimento público, os atentados e atos de violência que imediatamente precederam e ultrapassaram a posse presidencial do presidente Alvaro Uribe Vélez em 7 de agosto de 2002 –entre os quais se destacam os ataques das FARC contra o Palácio de Nariño e o Congresso— provocaram, quatro dias depois, o anúncio de uma declaração de comoção interior.  O Estado implementou esta medida mediante a decretação de uma série de decretos que criam zonas de reabilitação e consolidação no  território colombiano e estabelecem uma série de restrições, como por exemplo, certas limitações a circulação de jornalistas estrangeiros.

 

63.              Em 14 de agosto de 2002 a República da Colômbia informou ao Conselho Permanente da  OEA sobre a declaração de um estado de comoção interior conforme as normas constitucionais vigentes nesse país, em vista da  ocorrência de fatos e a persistência de circunstâncias que, na opinião do Governo do doutor Alvaro Uribe, atentam contra a segurança da  cidadania e as instituições, e que justificam a adoção de medidas que não poderiam ser implementadas  através do uso de atribuições ordinárias.  Mediante a notificação deste ato de Governo ao Secretário Geral da OEA e sua apresentação perante o Conselho Permanente, o Estado ratificou sua intenção de dar cumprimento a suas obrigações conforme o artigo 27 da  Convenção Americana.  O Estado prorrogou a declaração de comoção interior pela primeira vez em 8 de novembro de 2002 e por segunda vez em 5 de fevereiro de 2003.

 

64.              Segundo a jurisprudência dos órgãos do sistema interamericano, os Estados tem o direito e a obrigação de proteger seus cidadãos mediante o  combate dos atos criminais e respeitando o estado de direito, a legalidade e as obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, de maneira a alcançar o equilíbrio entre o gozo das liberdades individuais e o interesse geral.  As obrigações contraidas conforme a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como o Pacto Internacional de Direitos Civis requerem que a adoção e aplicação de medidas adotadas pelos Estados partes  no contexto de uma estado de comoção ou emergência devem estar reguladas pelos  princípios de necessidade, excepcionalidade, temporalidade e proporcionalidade.

 

65.              Conforme a Corte Interamericana, o artigo 27 da  Convenção Americana pressupõe a necessidade genérica de que em todo estado de exceção “subsistem meios idôneos para o controle das disposições decretadas a fim de que estas se adaptem razoavelmente às necessidades da  situação e não excedam os limites estritos impostos pela Convenção ou derivados dela”[33] e de fato  que “devem ser considerados como indispensáveis aqueles procedimentos judiciais que ordinariamente são idôneos para garantir a plenitude do exercício dos direitos e liberdades a que se refere este artigo e cuja supressão ou limitação poria em perigo essa plenitude”.[34]

           

66.       A CIDH foi informada sobre a promulgação do Decreto Legislativo 2002, publicado em 11 de setembro de 2002, o qual adota medidas para o controle da ordem pública e define zonas de reabilitação e consolidação.  A CIDH também foi informada  sobre a decisão da  Corte Constitucional de 2 de outubro de 2002 de declarar o decreto 1837 que determina o estado de comoção interior como estando com concordância com a Constituição Política e seus fundamentos.  Em sua decisão, a Corte Constitucional assinalou que compete ao  Presidente avaliar a suficiência dos  meios ordinários à disposição das autoridades para enfrentar a situação de perturbação da ordem interna e que não havia encontrado erros manifestos de apreciação da  gravidade desta.  A Corte reafirmou que esta competência presidencial não é absoluta nem arbitrária e deve respeitar os critérios estabelecidos nos  tratados internacionais sobre direitos humanos e direito internacional humanitário ratificados por Colômbia.[35]  Mediante a sentença C-1024/2002 a Corte Constitucional declarou inexequíveis alguns artigos do mencionado decreto e condicionou a aplicação de outros.  Em sua sentença C-939 de 2002 também revisou e determinou que estava em concordância com a Constituição o Decreto 1900 de 2002 pelo qual são adotadas as medidas em matéria penal e processual penal contra as organizações criminosas.

 

            67        A CIDH manter-se-á atenta à vigência do estado de comoção e a aplicação da  normas correspondente, conforme os parâmetros da  Convenção Americana e outros princípios relevantes de direito internacional quanto a necessidade, proporcionalidade e não discriminação.

 

            OBSERVAÇÕES FINAIS

 

            68.       A Comissão está seriamente preocupada pelo impacto que a violência gerada pelos atores do conflicto armado interno continua  causando ao  respeito dos  direitos humanos fundamentais da  população civil na Colômbia e, em especial, dos  setores mais vulneráveis: as comunidades indígenas e afro-colombianas, os deslocados, os defensores de direitos humanos e os líderes sociais.  A CIDH observa que a ruptura do diálogo entre o Estado e os grupos armados dissidentes, e o início da chamada política de segurança democrática do novo Governo parecem ter gerado novas dinâmicas no  conflito armado.

 

            69.       Neste contexto a Comissão deseja reiterar seu chamado as partes no  conflito armado para que, através de sua estrutura de comando e controle, respeitem, executem e  façam cumprir as normas que regem os conflitos, consagradas no direito internacional humanitário e com ênfase especial nas normas relativas à proteção de civis.

 

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[1] A CIDH está prestes a aprovar um relatório geral sobre a situação dos  direitos humanos na Colômbia baseado, entre outros elementos, na  informação recolhida durante sua última visita in loco o qual abordará, em profundidade, os problemas esboçados neste projeto de relatório conforme o artigo 63(h) do Regulamento da  Comissão.

[2] Nota DDH 2382 da  Direção de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores da  República da Colômbia, de 23 de janeiro de 2003.

[3] Ibid., pág. 2.

[4] Ibid.

[5] Comunicado de Imprensa 17/02 del 17 de abril de 2002.

[6] Ver Relatório Capítulo IV, Colômbia, Relatório Anual da  CIDH 2000, parágrafos 64 -69 e Comunicado de Imprensa 33/01 de 13 de dezembro de 2001.

[7] Ata Final da  Conferência Diplomática de Plenipotenciarios das Nações Unidas sobre o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional, realizada em Roma em 17 de julho de 1998, A/CONF.183/10, Resolução E, A/CONF.183/C.1/L.76/Add.14, 8; Estatuto da  Corte Penal Internacional, ONU Doc. A/CONF.183/9 (1998), corregido pelo  processo verbal de 10 de novembro de 1998 e 12 de julho de 1999, que entrou em vigor em 1º de julho de 2002.

[8] Ver, Vice-Presidência da  República, Avanços e Resultados da  Política sobre Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitario, março de 2000.

[9] Relatório apresentado pela  Comissão Colombiana de Juristas na  audiência sobre situação geral dos  direitos humanos na Colômbia celebrada durante o 116° período de sessões da  CIDH.

[10] Comunicado de Imprensa 13/02 de 9 de abril de 2002.

[11] Comunicado de Imprensa 24/02 de 10 de maio de 2002.

[12] “Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre sua observação no  Bajo Atrato”, 20 de maio de 2002.

[13] Dados proporcionados pela  Fundação País Libre durante o 116° período de sessões da  CIDH

[14] Comunicado de Imprensa 18/02 de 25 de abril de 2002.

[15] Nota DDH 2382, página 3.

[16] Ver CIDH Relatórios de Admissibilidade 57/00 (La Granja, Ituango) e 33/01 (Mapiripán, Meta) Relatório Anual da  CIDH 2000.

[17] Nota DDH 2382, página 6.

[18] CODHES, CODHES Informa, Boletim da  Consultoría para os Direitos Humanos e o Deslocamento, Bogotá, N° 41, 9 de maio de 2002.

[19] Nota DDH 2382, página 6.

[20] Nota DDH 2382, página 6.

[21] Nota DDH 2382, página 6.

[22] Decreto 489/99 mediante o qual designa “a  Rede de Solidaridade Social, entidade adstrita ao Estado Administrativo da  Presidência da  República, as atuações e funções que realizava o Conselho Presidencial para a Atenção a População Deslocada pela  Violência” (artigo 1).

[23] Lei 387/97. Art. 15. Da  atenção humanitária de emergência. Parágrafo. A atenção humanitária de emergência será realizada por no  máximo de três (3) meses, prorrogáveis excepcionalmente por outros três (3) meses.

[24] Corte Constitucional, Sentença SU-1150, 30 de agosto de 2000.

[25] Nota DDH 2382, página 7.

[26] Nota DDH 2382, página 8.

[27] Nota DDH 2382, página 10.

[28] Nota DDH 2382, página 13.

[29] Ver Human Rights Watch Un giro erróneo, la actuação da  Procuradoria General da  Nação, novembro de 2002.

[30] Comunicado de Imprensa 6/02 de 15 de fevereiro de 2002.

[31] Comunicado de Imprensa 45/02 de 12 de novembro de 2002

[32] Os dirigentes Rafael Atencia Miranda, Rafael Jaimes Torra, Cesar Blanco Moreno e Felipe Mendoza foram assassinados em 18 e 20 de marrço, 17 de junho e 15 de agosto de 2002, respectivamente.

[33] Corte I/A DH, Opinão Consultiva OC 8/87, 30 de enero de 1987, parágrafo 21.

[34] Ibid., parágrafo 30.

[35] Comunicado de Imprensa “Corte Constitucional, decisão de 2 de outubro de 2002 que determinou que o Decreto 1837 de 2002, pelo qual se declara o Estado de Comoção Interior, está em concordância com a Constituição Política”, 2 de outubro de 2002.