5.       Relatórios sobre o fundo

 

 

RELATORIO Nº111/01 *

CASO 11.517

DINIZ BENTO DA SILVA

BRASIL

15 de outubro de 2001

 

 

I.          RESUMO

 

1.           Em 5 de julho de 1995, a Comissão  Interamericana de Direitos Humanos  (doravante denominada  “Comissão”) recebeu uma denúncia da Comissão Pastoral da Terra, do Centro de Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e da Human Rights Watch/Americas (doravante denominados “Peticionários”), alegando a violação do direitos consagrados pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção” ou “Convenção Americana”) por parte da República Federativa do Brasil (doravante denominado “Brasil” ou “Estado Brasileiro” ou “Estado”) referente à morte de Diniz Bento da Silva, vulgo Teixeirinha, membro da organização dos trabalhadores “sem-terra”[1] pela polícia militar do Estado do Paraná no dia 8 de março de 1993.

 

2.           Os peticionários alegaram violação do artigo 4 (direito à vida) artigo 5 (direito a integridade pessoal), artigo 8 (garantias judiciais), artigo 11 (proteção da honra e da dignidade) e artigo 25 (proteção judicial) em conjunção com o artigo 1(1) (obrigação de garantir e respeitar os direitos estabelecidos na Convenção).

 

3.          A Comissão decide admitir o caso e considera que policiais militares do estado do Paraná executaram sumariamente o Sr. Diniz Bento da Silva em retaliação à morte de outros policiais militares durante um confronto entre esses e trabalhadores sem- terra, e que houve encobrimento  dos fatos por parte do Estado através do prolongamento por mais de sete anos de investigações ineficazes. A Comissão conclui que o Estado Brasileiro é responsável pela violação dos artigos 4, 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana. Ademais, a Comissão recomenda ao Estado que procedesse a um investigação completa para apurar as circunstâncias da morte de Diniz Bento da Silva assim como as irregularidades existentes no inquérito policial. A Comissão recomenda também ao Estado adotar medidas para reparar os familiares da vítima.

 

II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.           O trâmite do caso foi iniciado em 24 de julho de 1995 com a solicitação de informações ao Estado sobre os fatos alegados pelos peticionários. O Estado respondeu no dia 27 de junho de 1996 e os peticionários, por sua vez, apresentaram suas observações em 23 de setembro de 1996, as quais foram remetidas ao Estado em 29 de outubro de 1996. Em 7 de outubro de 1996 foi realizada audiência, na qual ambas as partes aportaram informação adicional. Os peticionários apresentaram informação adicional em 26 de junho de 1998, e em 30 de novembro de 1998, o Estado remeteu suas observações. Em 22 de novembro de 1999 os peticionários aportaram suas observações à resposta do Estado. A Comissão solicitou ao Estado suas observações finais quanto às alegações do peticionário em 14 de dezembro de 1999, e novamente em 2 de maio de 2000, sem que o Estado tenha respondido a estas últimas solicitações.

 

A.          Solução Amistosa

 

5.          Em 7 de outubro de 1996, a Comissão realizou uma audiência colocando-se formalmente à disposição das partes para uma solução amistosa, mas não obteve resultados positivos face à discordância das partes. Consequentemente, a Comissão considerou que não estavam presentes as condições para abrir um trâmite de solução amistosa nesta etapa do processo.

 

III.          POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.          Posição dos peticionários

 

6.          Os peticionários alegam que o Sr. Diniz Bento da Silva foi morto no dia 8 de março de 1993 por membros da polícia militar do Estado de Paraná mesmo estando desarmado e após  ter entregado-se sem oferecer qualquer resistência. Os peticionários informaram que Diniz Bento da Silva estava sendo procurado pela polícia porque havia sido acusado de matar um policial militar durante um confronto entre trabalhadores “sem-terra” e policiais na fazenda Santana, em Campo Bonito, Estado do Paraná, cinco dias antes de sua morte. Assinalam os peticionários que, antes do dia 8 de março de 1993, policiais militares haviam procedido a outros atos de intimidação e tortura na comunidade de trabalhadores “sem-terra” a fim de localizar Diniz Bento da Silva, inclusive tendo ameaçado o filho deste. Segundo os peticionários, Diniz Bento da Silva foi executado extra-judicialmente pelos policiais militares em represália à morte de policiais militares.

 

7.          Os peticionários informam que foi instaurado inquérito policial militar em 12 março de 1993 e finalizado em 5 de abril de 1993, o qual comprovava a existência de indícios suficientes de crimes de natureza militar, tipificados no Código Penal Militar. Assinalam que os autos foram transferidos para a Auditoria Militar do Estado do Paraná em 12 de maio de 1993 e, somente dez meses depois o Ministério Público de Curitiba expediu parecer opinando pelo arquivamento do inquérito, por entender que os policiais militares agiram no estrito cumprimento do dever, tendo o juiz auditor acolhido o pedido e determinado o arquivamento dos autos em 8 de março de 1994.

 

8.          Os peticionários aduzem que, em 30 de setembro de 1994, solicitaram o desarquivamento dos autos do inquérito baseado nas declarações que o jornalista Adalberto Maschio designado para fazer a cobertura do caso, fizera ao Ministério Público. O jornalista afirma que ao dirigir-se a Delegacia de Polícia de Campo Bonito ouviu autoridades da polícia militar e civil dizerem  três dias antes do crime que prenderiam Diniz Bento da Silva vivo ou morto.[2] Um ano e seis meses depois, em 3 de maio de 1996, o Ministério Público expediu parecer contrário ao pedido, por entender que não se tratava de novas provas, tendo o juiz militar mantido o arquivamento do inquérito por decisão datada de 27 de maio de 1996.

 

9.          Em suas informações adicionais, os peticionários incluíram uma declaração do filho de Diniz Bento da Silva endereçada à Comissão na qual descreve que os policiais o haviam prendido para que mostrasse onde seu pai estava escondido,  que viu seu pai ser conduzido algemado e desarmado pelos policiais, e que por esta razão seu pai não poderia ter confrontado a polícia.

 

10.          Alegam os peticionários que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça (doravante denominado CDDPH) visitou o local do crime de 11 a 13 de março de 1993 para acompanhar as investigações, e que o Ministro de Estado da Justiça e Presidente do CDDPH determinou a abertura de um procedimento administrativo para apurar as circunstâncias da morte de Diniz Bento da Silva.

 

11.          Os peticionários argumentam que o laudo técnico pericial realizado a pedido do CDDPH e finalizado em 07 de agosto de 1995 conclui pela existência de várias irregularidades na condução das investigações, mas que o mencionado laudo pericial nunca foi divulgado pelo governo brasileiro. Acrescentam os peticionários que as irregularidades são, dentre outras: a) falta de preservação do local do crime e a inexistência da perícia correspondente; b) ausência de dados do laudo do Instituto Médico Legal quanto à trajetória, direção ou distância dos disparos contra a vítima, c) falta de recolhimento de material das mãos da vítima para verificar a alegada reação; d) necessidade de exumação do corpo e redação de um novo laudo, d) necessidade de perícia na fita de vídeo dos jornalistas; e) falta do resultado balístico das armas envolvidas. Ainda segundo alegações dos peticionários, o laudo recomenda a realização de provas técnicas complementares, as quais, apesar do transcurso de cinco anos da data de expedição do laudo, não foram realizadas. Os peticionários argumentam que a existência deste parecer demonstra que as autoridades públicas brasileiras tinham pleno conhecimento das irregularidades ocorridas na fase do inquérito policial militar e da necessidade de proceder a diligencias, as quais representariam a única forma de reunir provas substanciais que permitiriam a reabertura das investigações pela Justiça Militar.

 

12.          Os peticionários informam que solicitaram uma vez mais a abertura do inquérito, apresentado declarações públicas do Secretário de Trabalho do Governo do Paraná, Joni Varisco, que acusava o ex-governador do Estado, Roberto Requião, de estar envolvido no crime. O pedido de desarquivamento do inquérito foi remetido ao Ministério Público Estadual em agosto de 1997 face ao advento da lei nova (Lei 9299/96) que determina a competência da Justiça Comum para o julgamento de crimes dolosos contra a vida  cometidos por policiais militares. Em 3 março de 1998, o Promotor de Justiça solicitou o desarquivamento do inquérito face as acusações do Secretário de Trabalho, em que denunciava que “a morte de Diniz Bento da Silva não havia sido decorrente de uma conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal, mas sim, um execução a mando do Governador do Estado do Paraná Roberto Requião”, constituindo portanto provas novas que ensejariam o desarquivamento dos autos. O juiz estadual determinou o desarquivamento do inquérito em 9 de março de 1998. Alegam os peticionários que as investigações foram reiniciadas em 18 de maio de 1998, mais de cinco anos após o crime. Acrescentam os peticionários que o prazo para conclusão das investigações foi prorrogado por mais duas vezes, e que, até novembro de 1999, o inquérito ainda não havia sido finalizado.

 

13.          Os peticionários informam que os familiares de Diniz Bento da Silva interpuseram ação civil para reparação de danos contra o Estado do Paraná na Justiça Estadual a fim de responsabilizar os policiais militares, mas que o Ministério Público emitiu parecer contrário ao pedido.

 

14.          Com relação ao esgotamento dos recursos internos, os peticionários argumentam que o caso deve ser admitido tendo em vista a ineficácia dos recursos internos e demora injustificada na decisão dos mencionados recursos prevista no artigo 46 (2)(c) da Convenção. Neste particular, os peticionários alegam que os recursos internos se mostraram ineficazes porque houve irregularidades nas investigações e omissão na produção de provas complementares necessárias ao andamento das investigações. Quanto ao aspecto da demora injustificada na condução dos recursos internos os peticionários alegam que apesar de as investigações terem sido reabertas em maio de  1998, as mesmas permaneciam em andamento há um ano da data da comunicação.

 

15.          A respeito da ineficácia dos recursos internos os peticionários alegam que o laudo pericial realizado a pedido do CDDPH demonstra a existência de irregularidades ocorridas durante as investigações no âmbito da polícia militar e recomenda a produção de provas técnicas complementares, mas que o Estado não procedeu à realização das mesmas para apurar as circunstâncias da morte da vítima.

 

B.          Posição do Estado

 

16.          O Estado informa que Diniz Bento da Silva era acusado por crime de homicídio qualificado de policiais militares e que sua morte ocorreu durante a operação da polícia militar do Estado do Paraná que objetivava capturá-lo. Informam ainda que  foi aberto  inquérito policial militar 254/93, o qual foi arquivado pelo juiz Auditor Militar em 08 de março de 1994 que acolheu parecer do Ministério Público no tocante a excludente de ilicitude, ou seja, que os agentes policiais haviam agido no estrito cumprimento do dever legal. Igualmente indica que a Justiça Militar considerou que provas novas aportadas e solicitações dos peticionários não eram suficientes para justificar a  abertura do inquérito, e que em 25 de agosto de 1997 os autos do pedido de providência foram remetidos `a consideração da Justiça Comum face ao advento da Lei 9299/96, a qual desarquivou o inquérito em 9 de março de 1998. Por fim, o Estado alega que foram colhidos novos depoimentos em 11 de maio de 1998 e novamente em 18 de agosto de 1998, e que a intenção do governo é continuar tramitando o inquérito policial com o colhimento de novas declarações dos profissionais de imprensa que presenciaram o incidente e outras testemunhas que não tiveram a oportunidade de prestar declarações durante as investigações anteriores.

 

17.          O Estado argumenta que os desdobramentos do inquérito policial foram realizados de acordo com a legislação brasileira, que a determinação de desarquivamento importa em um novo inquérito policial, com investigações conduzidas pela polícia civil e acompanhadas pelo Ministério Público e que, portanto, os recursos internos não foram esgotados, sendo que este novo inquérito policial é o instrumento legal adequado para investigar os fatos alegados pelos peticionários.  

 

18.          Com relação a ação civil para reparação de danos, o Estado informa que a  mesma foi temporariamente suspensa por juiz competente até o deslinde da ação criminal a ela conexa. Segundo o Estado, a legislação brasileira admite o ajuizamento da ação civil indenizatória independentemente da propositura de ação criminal, ao mesmo tempo que concede ao juiz que conduz a ação civil indenizatória a possibilidade de suspendê-la até a conclusão da ação penal.

 

IV.          ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE

 

A.          Competência ratione materiae, personae, temporis e loci

 

19.          A Comissão tem competência ratione personae para examinar a denúncia porque a petição assinala como alegada vítima um indivíduo, para o qual o Estado Brasileiro se comprometeu a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção. Os fatos alegados estão vinculados à atuação de agentes do Estado.

 

20.          A Comissão tem competência ratione materiae por tratar-se de alegações sobre a violação de direitos reconhecidos na Convenção, a saber: direito à vida (artigo 4), direito à integridade pessoal (artigo 5), garantias judiciais (artigo 8), proteção da honra e da dignidade (artigo 11) e proteção judicial (artigo 25) além da obrigação de garantir e respeitar os direitos estabelecidos na Convenção (artigo 1.1).

 

21.          A Comissão tem competência ratione temporis tendo em vista que os fatos alegados datam de 8 de março de 1993, quando a obrigação de respeitar e garantir os direitos estabelecidos na Convenção encontravam-se em vigor para o Estado Brasileiro, que a ratificou em 25 de setembro de 1992.

 

22.          A Comissão tem competência ratione loci porque os fatos alegados ocorreram no estado do Paraná, território da República Federativa do Brasil, Estado que ratificou a Convenção Americana.

 

 

B.          Esgotamento dos recursos internos

 

23.          De acordo com o artigo 46 (1) (a) da Convenção, para que uma petição seja admissível pela Comissão é necessário o esgotamento prévio dos  recursos da jurisdição interna, conforme os princípios de direito internacional. Não obstante, o art. 46 (2) da Convenção estabelece que as mencionadas disposições não se aplicam hipóteses a seguir:

 

a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados;

b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.

 

24.          No presente caso, segundo as informações dos peticionários confirmadas pelo Estado Brasileiro, o inquérito policial iniciado em 12 março 1993 e conduzido pela polícia militar foi arquivado por Juiz Auditor Militar. Posteriormente, face ao advento de lei nova, os autos do inquérito foram transferidos para o Ministério Público Estadual e desarquivado por decisão judicial em 9 de março de 1998. As investigações foram reiniciadas pela polícia civil do Estado do Paraná em 18 de maio de 1998 tendo em vista o surgimento de novas provas, sendo que o prazo para sua conclusão foi prorrogado por duas vezes. Segundo informações dos peticionários, datada 22 de novembro de 1999, o inquérito policial  ainda não havia sido concluído até aquela data. O Estado por sua vez, não contestou os fatos, embora a Comissão tenha solicitado informações em 14 de dezembro de 1999 e 2 de maio de 2000.

 

25.          Com relação ao inquérito levado a cabo no âmbito militar, a Comissão tem estabelecido uma jurisprudência firme no sentido de que o julgamento de violações de direitos humanos realizado pela justiça militar não constitui um recurso idôneo, razão pela qual os peticionários não estão obrigados a esgotar os recursos internos relativos à jurisdição militar. Adicionalmente, a Comissão estima que, no marco de um caso suscitado há sete anos desde a data em que ocorreu a morte do Sr. Diniz Bento da Silva, seguido de um nova demora de dois anos e meio no transcurso das investigações abertas no foro civil em 18 de maio de 1998, sem que se tenha completado o inquérito policial, implica uma demora injustificada conforme estipula o artigo 46 (2) (c) da Convenção. A demora na condução das investigações referentes à morte de Diniz Bento da Silva impede a propositura da ação penal e a possibilidade de punição dos responsáveis,  e nega a seus familiares a possibilidade de seguir com a ação civil de indenização. Com relação à ação civil indenizatória, conforme relatado anteriormente, esta encontra-se suspensa por decisão judicial até o deslinde de ação penal correspondente.  Pelo exposto, a Comissão considera que está cumprido o requisito referente ao esgotamento dos recursos de jurisdição interna.

 

26.          Com relação às alegações do peticionário sobre a ineficácia dos recursos internos, é de notar-se que o laudo pericial realizado a pedido do CDDPH do Ministério da Justiça e  concluído em 1995 demonstra a existência de irregularidades graves durante as investigações no âmbito da polícia militar e recomenda a produção de provas técnicas complementares. Entretanto, diante das alegações de possível omissão do Estado Brasileiro quanto à realização de novas provas técnicas assinaladas pelo laudo pericial, a sua importância para o avance das investigações na apuração das circunstâncias da morte de Diniz Bento da Silva, e, consequentemente, uma possível caracterização da ineficácia dos recursos internos, a Comissão considera que a matéria de esgotamento dos recursos internos vincula-se à efetividade dos mesmos, aproximando-se da questão de mérito e decide, portanto, analisar os dois aspectos conjuntamente.[3]

 

C.          Prazo de apresentação da petição

 

27.          Em face do atraso injustificado na condução dos recursos internos e da correspondente aplicação do artigo 46 (2) (c) da Convenção e do artigo 37 (2) (c) do Regulamento, a Comissão considera que a petição, que  foi apresentada quinze meses a partir da data que ocorreu a alegada violação dos direitos, ocorreu dentro de um período razoável, segundo o artigo 38 (2).

 

D.          Litispendência ou coisa julgada material

 

28.          A Comissão não tem conhecimento de que a matéria da petição encontra-se pendente de em outra instância internacional, nem que a mesma reproduza uma petição examinada por este ou outro órgão internacional. Portanto, a Comissão decide que os requisitos dos artigos 46 (1) (c) e 47 (d) estão satisfeitos.

 

V.          ANÁLISE DE MÉRITO

 

Direito à vida (artigo 4)

 

29.          O artigo 4 da Convenção dispõe que ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. A Comissão estima que o caso em questão requer uma análise pormenorizada dos fatos que cercam a morte de Diniz Bento da Silva e das provas anexadas ao expediente a fim de averiguar-se se há responsabilidade do Estado na violação do artigo mencionado.

 

30.          Primeiramente, Diniz Bento da Silva, líder dos trabalhadores “sem-terra”, estava sendo procurado pela polícia porque havia sido indiciado por homicídio de policiais militares durante um conflito de ocupação de terras entre trabalhadores rurais e policiais em uma fazenda no Estado do Paraná, cinco dias antes de sua morte. Os peticionários  alegam que a morte de Diniz da Silva, foi motivada em represália à morte dos policiais militares e que houve, portanto, execução extra-judicial. O Estado, por sua vez, ao apresentar suas observações em outubro de 1998, afirma:

 

“É verdade que existem denúncias de que a ação policial foi corporativista, objetivando a vingança pelo assassinato de três membros da polícia militar do Estado do Paraná e de que o inquérito policial militar respaldou tal corporativismo. Ora abuso policial, policiais que matam por vingança de policiais mortos, corporativismo da Justiça Militar, tudo isso encontra precedentes. Em assim sendo, as denúncias de uma grande farsa tem de se respaldar um provas objetivadas pelos meios e instrumentos legais. Ora, a recente decisão de desarquivamento e de novo inquérito é a grande oportunidade de se averiguar se há fundamento nessas denúncias.”

 

31.          Em segundo lugar, as declarações públicas feitas pelo Secretário de Trabalho do Governo do Paraná à época dos fatos, Joni Varisco, afirmando que a morte de Diniz Bento da Silva não havia sido decorrente de uma “conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal, mas sim, uma verdadeira execução autorizada pelo Governador do Estado do Paraná ao comandante do 6º Batalhão da Polícia Militar”[4], ensejaram o desarquivamento do inquérito policial, conforme descreve o juízo:

 

“O Sr. Joni Varisco dez declarações aos jornais, cujas cópias foram juntadas nestes autos às. Fls. 19/25, relatando que houve execução do líder dos “sem-terra”, a mando do então Governador do Estado, ao contrário do que foi apurado no inquérito policial, objeto de desarquivamento.”

            (…)

Diante do  exposto, determino o desarquivamento do inquérito policial, objeto deste pedido de providências, com fundamento no artigo 18 do Código de Processo  Penal para que seja dada continuidade as investigações referentes à morte de Diniz bento da Silva, vulgo “Teixeirinha”.[5]

 

32.          Em terceiro lugar, o filho da vítima, Marcos Antonio da Silva, enviou declaração à Comissão, na qual reafirma as declarações feitas anteriormente às autoridades policiais e ao Ministério Público no sentido de que “seu pai não poderia confrontar-se com a PM (polícia militar), pois encontrava-se algemado e desarmado”.

 

33.          Por último, o laudo pericial, que fora requisitado e realizado pelo Ministério da Justiça, comprova que houve irregularidades graves durante a condução do inquérito policial militar que poderiam mudar profundamente o rumo das investigações. Entretanto, mesmo ciente das irregularidades, não há prova de o Estado tenha contribuído para proceder ao desarquivamento do inquérito, nem que as tenha sanado, o que caracteriza o encobrimento dos fatos por parte do Estado.

34.          A Corte Interamericana de Direitos Humanos pronunciou-se anteriormente a respeito da responsabilidade internacional do Estado em relação a  atos violatórios de direitos humanos:

 

Para estabelecer se houve uma violação de direitos consagrados na Convenção, não se requer determinar, como ocorre em direito penal interno, a culpabilidade de seus autores, sua intenção, nem é preciso identificar  individualmente os agentes aos quais se atribue os fatos violatórios. Ë suficiente a demonstração de que houve apoio ou tolerância do poder público na infração dos direitos reconhecidos na Convenção. Ademais, também se compromete a responsabilidade internacional do Estado quando este não realiza as atividades necessárias, de acordo com seu direito,  para identificar e no caso, punir os autores das próprias violações.[6]

 

          35.          No presente caso, a responsabilidade do Estado vai muito mais além do padrão de tolerância e apoio a infração do direito à vida, pois foram os próprios agentes do Estado, sob a égide da autoridade e portando elementos constitutivos e demostrativos da mesma, como armas, uniformes, etc., decidiram, planejaram e executaram o assassinato de Diniz Bento da Silva e posteriormente encobriram os fatos através de uma investigação irregular e ineficaz no âmbito da justiça militar.

 

36.          A Comissão considera que, tendo em vista a análise acima e a avaliação das circunstâncias em que ocorreu a morte de Diniz Bento da Silva, as quais  não caracterizavam um caso isolado, pois como o próprio Estado menciona, havia precedentes de casos de abuso policial, há elementos de convicção suficientes que permitem estabelecer que agentes do Estado Brasileiro executaram extra-judicialmente o Sr. Diniz Bento da Silva. Adicionalmente, o Estado Brasileiro não adotou medidas para prevenir a prática de execuções extra-judiciais, nem procedeu à punição dos agentes perpetradores desta violação.[7]  Por conseguinte, a Comissão conclui que o Estado violou o direito à vida consagrado no artigo 4 da  Convenção Americana.

 

Direito à integridade física (artigo 5) y Direito à honra e a dignidade (artigo 11)

 

37.          A Comissão considera que não há elementos suficientes no expediente que provem que a vítima sofreu tortura ou trato cruel nem que houve atos ou campanhas para desprestigiar ou difamar a vítima antes de sua morte. Por conseguinte, a Comissão entende que não existe elementos disponíveis para imputar ao Estado Brasileiro a violação dos artigos 5 e 11 da Convenção.

 

Garantias judiciais (artigo 8(1)) e  Proteção judicial (artigo 25(1))

 

38.          O artigo 8(1) dispõe que toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de uma prazo razoável, por juiz o tribunal competente independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

 

39.          A Comissão entende que a justiça militar no Brasil, pela natureza e estrutura de suas atividades, não permite satisfazer os requisitos de independência e imparcialidade constantes no artigo 8 da Convenção para a investigação e julgamento de crimes conexos com violação de direitos humanos.[8] A ineficácia da justiça militar na apuração de crimes cometidos por policiais militares  já foi tema de discussão no Brasil e resultou na promulgação da lei 9.299 de 7 de agosto de 1996, a qual transfere  para a competência da justiça comum os crimes dolosos contra a vida praticados por policial militar contra civil.[9] Na medida em que a primeira parte das investigações, objeto da presente denúncia, foi realizada no âmbito da justiça militar e antes do advento da mencionada lei, tal fato constitui denegação à família de Diniz Bento da Silva a exercer o direito garantido pelo art.8 da Convenção, qual seja o direito a um tribunal independente e imparcial para apuração do crime cometido contra a vítima de violação de direitos humanos.

 

40.          A Comissão passa a assinalar alguns exemplos que, no presente caso, ilustram a inadequação dos procedimentos da justiça militar brasileira.

 

41.          Conforme mencionado acima o artigo 8 da Convenção refere-se ao prazo razoável em que deve-se resolver  um caso de violação de direitos humanos o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos estabelece critérios específicos. Tanto a Corte Interamericana e a Corte Européia de Direitos Humanos assim como a Comissão de Direitos Humanos  estabeleceram uma série de critérios para determinar, no caso concreto, prazo razoável referente à  administração da justiça.  Os critérios são: a) complexidade do assunto; b) atividade processual do interessado; e c) conduta das autoridades judiciais.

 

42.          Com relação à complexidade do caso e a conduta das autoridades policiais, a Comissão entende que deve-se fazer uma análise objetiva das características dos fatos e das pessoas envolvidas. O caso concreto, entretanto, tem características simples, envolvendo o homicídio de apenas uma vítima. Além disso, o laudo pericial realizado anteriormente conclui que houve irregularidades durante a condução do inquérito policial militar e determina quais as provas técnicas complementares necessárias para apurar o crime. Entretanto, não há prova de que o Estado tenha realizado as provas complementares a fim de apurar as irregularidades. Soma-se a isto o fato de que o inquérito policial civil não tenha sido concluído, mesmo após o transcurso de dois anos de sua reabertura e sete anos da data da morte da vítima.

 

43.          Com respeito à atividade do interessado, a Comissão, ao examinar os documentos aportados pelos peticionários, entende que os representantes legais de Diniz Bento da Silva procederam a todas providências que estavam sob seu alcance na tentativa de desarquivar o inquérito policial no âmbito penal, tendo os mesmos aportado dados novos e interposto pedido de desarquivamento por duas vezes, além de terem interposto ação indenizatória no âmbito civil.

 

44.          O artigo 25.1 da Convenção dispõe que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

 

45.          A Corte Interamericana manifestou-se no sentido de que o artigo 25.1 da Convenção Americana incorpora o princípio da efetividade o eficácia dos meios ou instrumentos processuais destinados a garantir os direitos protegidos na mesma. Desta forma, a inexistência de recursos internos efetivos deixa a vítima da violação de direitos humanos indefesa, e portanto, justifica a proteção internacional.[10]

 

46.          De acordo com o artigo acima citado, os familiares de Diniz Bento da Silva tem o direito a uma investigação judicial a cargo de um corte destinada a estabelecer e punir os responsáveis em casos de violações de direitos humanos. Esta faculdade emana da obrigação do Estado em “investigar seriamente, com os meios ao seu alcance, as violações que tenham sido cometidas no âmbito de sua jurisdição a fim de identificar os responsáveis, de impor as sanções pertinentes e assegurar à vítima uma adequada reparação”.[11]

 

47.          A Comissão pronunciou-se anteriormente com respeito a obrigação do Estado de investigar os fatos violadores de direitos humanos protegidos pela Convenção:

 

[A de] investigar é, como a de prevenir, uma obrigação de meio e comportamento que não é descumprida somente pelo fato de que a investigação não produza resultado satisfatório. Ao contrário, deve empreender com seriedade e não como uma simples formalidade a ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da iniciativa processual da vítima o de seus familiares ou do aporte privado de elementos probatórios sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade.”[12]

 

48.          A Comissão vem aplicando os critérios estabelecidos nos “Princípios relativos a uma prevenção e investigação eficaz das execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias”, adotadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, mediante a Resolução 1989/65[13], e destinadas a determinar se um Estado cumpriu com sua obrigação de investigar de forma imediata, exaustiva e imparcial as execuções sumarias de pessoas sob seu controle exclusivo. Segundo estes princípios, os casos desta natureza, a investigação deve ter por objeto determinar a causa, forma, momento da morte, pessoa responsável e o procedimento o prática que poderia ter provocado. Da mesma forma, deve-se realizar uma autópsia adequada, recompilar e analisar todas as provas materiais e documentais, e recorrer aos depoimentos das testemunhas.

 

49.          A Comissão vem aplicando, de forma  complementar, as recomendações inseridas no “Manual sobre a prevenção e investigação eficazes das execuções extrajudiciais arbitrárias ou sumárias”[14], segundo o qual o objetivo principal de uma investigação é descobrir a verdade acerca dos acontecimentos que ocasionaram a morte da vítima. Dentre os vários critérios existentes no Manual, destacam-se os seguintes:

 

a) deve-se fechar a zona contígua ao cadáver. O ingresso à zona somente se permitirá aos investigadores e seu pessoal;

b) devem-se tomar fotografias coloridas da vítima, e compará-las com fotografias em preto e  branco, o que pode revelar com mais detalhes a natureza u circunstâncias da morte da vítima;

c) deve-se fotografar o lugar (interior e exterior) assim como toda a prova física;

(…)

j) deve-se tomar e conservar todas as provas da existência de armas, como armas de fogo, projéteis, balas e cartuchos. Quando cabível, deve-se realizar provas para encontrar resíduos de disparos e/ou para a detenção de metais.

 

50.          No caso em questão, as investigações para apurar as circunstâncias da morte de Diniz Bento da Silva foram primeiramente conduzidas pelo polícia militar e acompanhadas pelo CDDPH do Ministério da Justiça, que visitou o local do crime poucos dias depois do evento. Posteriormente, o Subprocurador Geral da República e Relator do Procedimento para apurar as circunstâncias da morte de Diniz Bento da Silva, em atenção à resolução n. 002, de 18 de março de 1993, do Ministro da Justiça determinou a realização de um laudo técnico pericial, o qual foi finalizado em 07 de agosto de 1995 e que certifica uma série de irregularidades graves, como se depreende da cópia do mencionado laudo anexada ao expediente:

 

“V – EXAME DO LOCAL

 

(…)

O local para ser examinado é fundamental a sua preservação, de modo a que não tenham sido modificadas as condições originais e assim o perito colher elementos para exame e documentação fotográfica.

 

No caso analisado verifica-se que não houve preservação do local e muito menos a perícia, sendo que dias após os fatos foi possível ao Sr. Ives Consentino Cordeiro levantar elementos materiais no local e que não forma descritos pelos peritos oficiais.

(…) 

 

VI – DO EXAME NECROSCÓPICO

 

O laudo de exame cadavérico segue um padrão adotado na grande maioria dos estados brasileiros e sofre influências técnicas negativas devido ao descaso das autoridades com os institutos de medicina legal, onde faltam os materiais mais simples e não realizam exames complementares absolutamente necessários, como o exame radiográfico. Por outro lado, observamos que apenas um perito médico-legista subscreveu todos os laudos necrocópico[sic] o que demonstra uma falta de recursos humanos no Instituto Médico Legal.

 

Apesar do laudo apresentado ser competente do ponto de vista descritivo, não faz a indicação de sentido, direção, trajetória e distância dos disparos de armas de fogo que foi vítima o Sr. Diniz, o que leva ao documento uma falha generosa que impede a perfeita reconstituição da dinâmica dos fatos.

 

Alem desta falta podemos assinalar que não foi colhido material das mãos da vítima para a realização de exame residuográfico que seria elucidativo da alegada reação no momento da prisão.

 

Podemos ainda  lamentar a falta de fotos e graficos[sic] ilustrativos do laudo, que mesmo não sendo regra dos Institutos de Medicina Legal o caso em estudo exigiria dada a repercussão que teve a nível nacional e internacional.

(…)

 

VII – PROVAS DE CRIMINALÍSTICA

 

As provas técnicas ficaram prejudicadas pela não preservação e a não realização sobre qualquer condição, permitindo com isso que vestígios fossem colhidos no local dos fatos por pessoas estranhas a atividade pericial.

 

Dentre provas necessárias estaria o do teste residográfico além da perfeita documentação fotográfica do local.

 

Outro material passível de ser periciado é a fita de vídeo fornecida por uma emissora de televisão que poderá ser submetida a teste sonoro dos disparos para se constatar quantos e quais armas estiveram envolvidas no confronto.

 

Documento também importante que não consta dentre aqueles examinados é o resultado balístico e descritivo das armas envolvidas, principalmente o referente a aram 7.65 recolhida como sendo do Sr. Diniz.

 

VIII – PROVAS TESTEMUNHAIS

 

Os depoimentos são extremamente conflitantes entre o grupo ligado a atividade policial e o grupo de lavradores. Chama a atenção a uniformidade dos depoimentos dos lavradores que indicam em detalhes os momentos vividos pelo Sr. Diniz antes da sua morte.

 

Torna-se necessário o confronto comparativo de todos os depoimentos para que se possa extrair deles a versão técnica que será a base para a reconstituição.”

 

51.          Adicionalmente, o laudo recomenda a realização de provas técnicas complementares:

 

“X – CONCLUSÃO

 

Em vista do exposto, sugerimos para que se possa dirimir qualquer dúvida sobre os fatos envolvendo a morte do Sr. Diniz a elaboração das seguintes provas técnicas complementares:

a) Exumação para determinação de trajetória, sentido e direção dos projéteis de armas de fogo que atingiram o Sr. Diniz.

b) Exame das fitas de vídeo para teste sonoro dos disparos efetuados.

c) Perícia detalhada da arma pistola 7.65 recolhida com o Sr. Diniz.

d) Confronto de todas as provas testemunhais.

f) Reconstituição dos fatos.

g) Estabelecimento da dinâmica médico legal dos disparos.”

 

52.          Nota-se, portanto, que o Estado Brasileiro conhecia das irregularidades existentes a respeito do inquérito policial militar[15] antes mesmo do desarquivamento do mesmo em 9 de março de 1998, mas não procedeu a nenhuma diligência a respeito. As irregularidades denunciadas pelos peticionários, mediante as conclusões do laudo oficial, não foram refutadas pelo Estado e  este tampouco providenciou informações quanto ao saneamento das irregularidades constantes das primeiras investigações ou a produção de novas provas técnicas.

 

53.          Em 11 de junho de 1999, ou seja, um ano depois de reabertas as investigações no âmbito da polícia civil, o Ministério Público do Paraná assinalou a necessidade de apurar eventual ligação do ex-govenador do Estado do Paraná na morte da vítima e indicou a falta de justificativa para a demora nas investigações da polícia civil, conforme se de depreende do seu parecer:

 

“Embora não olvidando que seja imprescindível apurar eventual ligação do ex-governador Roberto Requião nos fatos ora investigados e, sabendo, ademais, que o crime ocorreu em 1993, o que dificulta sobremaneira  acolheita de provas, no entanto, entendo que não se justifica como se constata das investigações até aqui colhidas, iniciadas em 18 de maio de 1998, o motivo pelo qual ainda não se buscou elucidar a forma em que DINIZ BENTO DA SILVA, “Teixeirinha” foi assassinado, qual seja, se houve ou não uma excludente de ilicitude, por parte dos policiais militares. Desta maneira, requeiro que o Sr. JULIO CESAR DOS REIS, digna autoridade policial que preside estes autos oficie à Corregedoria Geral da Policia Civil do Estado do Paraná, requerendo a designação de novo delegado especial, para, com exclusividade, levar adiante as investigações.”

 

 

54.     Apesar do transcurso de dois anos desde a reabertura do inquérito policial e sete anos da ocorrência do crime, o inquérito ainda não foi concluído, o que priva os familiares da vítima do direito de obter justiça dentro de uma prazo razoável por via de um recurso simples e rápido. Estes elementos levam a Comissão a concluir que as investigações não tem-se realizado com seriedade e eficácia que requerem os artigos 8.1 e 25.1 da Convenção e considera, consequentemente, que o Estado Brasileiro violou os artigos mencionados.

 

Dever do Estado de garantir e respeitar os direitos (artigo 1(1))

 

55.          O artigo 1(1) da Convenção estabelece claramente a obrigação do Estado de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção e garantir o seu livre e pleno exercício a toda a pessoa a que esteja sujeita a sua jurisdição, de tal modo que toda violação dos direitos reconhecidos na Convenção que possam ser atribuídos, conforme as normas de direitos internacional, à ação ou omissão de qualquer autoridade pública, constitui um ato de responsabilidade do Estado, conforme se segue:

 

“O Estado está, por ouro lado, obrigado a investigar toda situação em que se tenha violado os direitos humanos protegidos pela Convenção. Se o aparato do Estado atua  de modo que tal violação reste impune e não se restabeleça o quanto possível, a vítima na plenitude de seus direito, pode-se afirma que se descumpriu o dever de garantir o livre exercício das pessoas sujeitas a sua jurisdição.”[16]

 

56.          Tendo em vista o exposto acima, a  Comissão considera que o Estado Brasileiro, ao não empreender uma investigação séria e exaustiva e acarretar a impunidade do crime, aliada a ausência de reparação a vítima, violou o  artigo 1(1) da Convenção.

 

VI.      ATUAÇÕES POSTERIORES À APROVAÇÃO DO RELATÓRIO 75/00, EM CONFORMIDADE COM O ARTIGO 50 DA CONVENÇÃO

 

57.          Em 20 de fevereiro de 2001, a Comissão aprovou o Relatório 38/01, em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em sua sessão N° 1053, no curso do 110º Período Ordinário de Sessões.  Nesse relatório, a Comissão concluiu que tem competência para conhecer deste caso e que a petição é admissível segundo os artigos 46.2,c e 47 da Convenção Americana.  Concluiu, no mesmo relatório, que a República Federativa do Brasil é responsável pela violação do direito à vida (artigo 4) do Senhor Diniz Bento da Silva, ocorrida no Estado do Paraná em 8 de março de 1993, bem como pela violação do direito às garantias judiciais (artigo 8), do direito à proteção judicial (artigo 25) e da obrigação de garantir e respeitar os direitos enumerados na Convenção (artigo 1.1).  Além disso, recomendou ao Estado: 1) Realizar uma investigação imparcial e efetiva perante a jurisdição ordinária, a fim de julgar e punir os responsáveis pela morte de Diniz Bento da Silva; castigar os responsáveis pelas irregularidades comprovadas na investigação policial militar; bem como na dos responsáveis pela demora injustificada na condução da investigação civil, de acordo com a legislação brasileira.  2) Adotar as medidas necessárias para que os familiares da vítima recebam reparação adequada pelas violações aqui estabelecidas; 3) Adotar as medidas necessárias para evitar que no futuro se produzam fatos semelhantes, em particular, formas de prevenir a confrontação com trabalhadores rurais nos conflitos de terras, negociação e solução pacífica desses conflitos.  Portanto, esta deve prosseguir com o trâmite do caso, em conformidade com o artigo 51 da Convenção Americana.  O relatório 38/01 produzido de acordo com o artigo 50 da Convenção foi devidamente transmitido ao Estado com data de 12 de março de 2001, solicitando-lhe que, no prazo de dois meses, informasse a Comissão sobre as medidas adotadas para dar cumprimento às recomendações formuladas.  O Estado não respondeu até a data a respeito dessa comunicação.

 

VII.          CONCLUSÕES

 

58.             Que, tendo em vista os fatos e as análises expostas anteriormente e, de acordo com a faculdade que lhe outorga o artigo 51 da Convenção Americana, a Comissão de Direitos Humanos conclui:

 

59.          Que tem competência para conhecer deste caso e que a petição é admissível, em conformidade com o artigos 46(2)(c) e 47 da Convenção Americana.

 

60          A República Federativa do Brasil é responsável pela violação do direito à vida (artigo 4) de Senhor Diniz Bento da Silva, ocorrida no Estado do Paraná em 8 de março de 1993, assim como pela violação do direito às garantias judiciais (artigo 8), direito à proteção judicial (artigo 25), e direito a garantir e respeitar os direitos enumerados na Convenção (artigo1(1)).

 

VIII.    RECOMENDAÇÕES

 

61.     Com base na análise e as conclusões precedentes, a Comissão de Direitos Humanos reitera ao Brasil as seguintes recomendações:

 

1.       Efetuar uma investigação oficial seria, efetiva e imparcial por intermédio da justiça comum para determinar e punir os responsáveis pela morte de Diniz Bento da Silva, punir os responsáveis pelas irregularidades do inquérito policial militar, assim como aqueles responsáveis pela demora injustificada na condução do inquérito civil, de acordo com a legislação brasileira.

 

2.       Adotar as medidas necessárias para que os familiares da vítima recebam reparação adequada pelas violações aqui estabelecidas.

 

3.       Adotar medidas para evitar a repetição de eventos similares, em particular, formas de prevenção de confronto com trabalhadores rurais nos conflitos de terras, negociação e solução pacifica destes conflitos.

 

IX.      PUBLICAÇÃO

 

          62.     Em 15 de outubro de 2001, a Comissão aprovou  o Relatório  Nº 111/01 de acordo com o artigo 51 da Convenção Americana, cujo texto está exposto acima. Em 28 de novembro de 2001, a Comissão transmitiu este relatório ao Estado brasileiro e aos peticionários, de conformidade com o estipulado no artigo 51(1) da Convenção Americana e outorgou o prazo de um mês ao Estado para dar cumprimento as recomendações precedentes. Vencido o prazo concedido, a Comissão não recebeu resposta do Estado a respeito destas recomendações, motivo pelo qual  considera que elas não foram cumpridas.

 

          63.     Tendo em vista as considerações precedentes e de conformidade com os artigos 51(3) da Convenção e 45 de seu Regulamento, a Comissão decide ratificar as conclusões e reiterar as recomendações dos parágrafos 58, 59, 60 e 61, publicar este relatório e inclui-lo em seu  Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA. A Comissão, em cumprimento de seu mandato, continuará avaliando as medidas tomadas pelo Estado brasileiro com relação as recomendações citadas, até que estas tenham sido cumpridas por completo.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 15 dias do mês de outubro de 2001.  (Assinado):  Presidente; Claudio Grossman, Primer Vicepresidente; Juan Méndez, Segundo- Vicepresidente; Marta Altolaguirre, Comissionados: Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo e Peter Laurie.

 

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* O membro da Comissão Hélio Bicudo, de nacionalidade brasileira, não participou do debate nem da adopción deste caso em cumprimento ao artigo 19(2)(a) do Regulamento da Comissão.

[1] A expressão trabalhadores “sem-terra” é empregada no Brasil para referir-se aos trabalhadores rurais engajados na luta pela reforma agrária.

[2] Em suas declarações ao Ministério Público o jornalista afirma: “que dirigiu-se a Delegacia de Polícia  de Campo Bonito no sentido de obter informações sobre o caso, que , estando no interior daquela delegacia, e ocorrendo uma reunião na sala da delegacia, onde se encontravam presentes, além do delegado local, o tenente Silveira da polícia militar de Cascavel e o Delgado Almari Pedro Kochianki, da polícia civil, especialmente designado para acompanhar o caso,  ouviu trechos de uma conversa entre os três em que  afirmavam "esse Teixeirinha está acabado. Esse não escapa. Está morto”,(…) “que questionado sobre as frases que o declarante ouvira, o Tenente Silveira negou a autoria das mesmas, acrescentando, porém, que “Teixeirinha é um elemento perigoso, já matou a três e vai reagir e nós vamos prendê-lo vivo ou morto”.

[3] “Por isso, quando se evocam certas exceções à regra de não esgotamento dos recursos internos, como são a ineficácia de tais recursos o a inexistência do devido processo legal, não somente se está alegando que o peticionário não está obrigado a interpor tais recursos, mas como também que indiretamente se está imputando ao Estado envolvido uma nova violação das obrigações contraídas pela Convenção. Em tais circunstâncias a questão dos recursos internos se aproxima sensivelmente da matéria de fundo”. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velasquez Rodriguez, Exeções preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, par. 91. Caso Fairén Garbi y Solis Corrales, Exceções Premilimanres, sentença de 26 de junho de 1987, par. 90.

“De nenhuma maneira a regra do prévio esgotamento dos recurso internos deve conduzir a que se prorrogue ou demore até a inutilidade da atuação internacional em auxílio da vítima indefesa. Essa é a razão pela qual o artigo 46.2 estabelece exceções a exigibilidade da utilização dos recursos internos como requisito para invocar a proteção internacional, precisamente em situações nas quais, por diversas razões, mencionados recursos não são efetivos. Naturalmente quando o Estado interpõe, em tempo oportuno, esta exceção, a mesma deve ser considerada e resolvida, mas a relação entre a apreciação sobre a aplicabilidade da regra e a necessidade de uma ação  internacional oportuna em ausência de recursos internos efetivos, pode aconselhar frequentemente a consideração das questões relativas a aquela regra junto com o fundo da matéria demandada, para evitar que o tr6amite de uma exceção preliminar demore o processo sem necessidade.” Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velasquez Rodriguez, Exeções preliminares, sentença de 26 de junho de 1987, par. 93. Caso Fairén Garbi y Solis Corrales, Exceções Premilimanres, sentença de 26 de junho de 1987, par.92.

[4] Cópia do parecer do Promotor de Justiça Eduardo Augusto Cabrini do Ministério Público do Estado do Paraná datado de 3 de março de 1998 nos autos do pedido de proviências n.14/97.

[5] Cópia da decisão judicial da Juíza de Direito Cristiane Santos Leite da Comarca de Guaraniaçu-PR, Única Vara Criminal, data da de 09 de março de 1998 nos autos n.14/97.

[6] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Paniagua Morales y otros, Sentença de 8 de março de 1998.

[7] Com relação  à situação dos conflitos de trabalhadores rurais e a polícia militar, o Relatório de seguimento do cumprimento das recomendações da CIDH constantes no Relatório da situação de Direitos Humanos no Brasil de 1997, publicado em 1999 assinala: “(…) Continua, porém, a ausência de medidas sérias para aliviar os enfrentamentos ante os problemas de ocupação e distribuição de terras, bem como a impunidade dos agentes policiais ou particulares que atentam contra a vida e a segurança pessoal de trabalhadores e defensores dos direitos humanos dos trabalhadores rurais.”

[8] CIDH,  Relatório sobre a situação de direitos humanos no Brasil, 1997, Capítulo III:

par.77 – “Os processos perante os tribunais militares muitas vezes tardam anos, em virtude do excesso de trabalho, da escassez de juizes e fiscais, das excessivas formalidades nos procedimentos e dos incidentes dilatórios. A Comissão pôde estabelecer que esses tribunais tendem a ser indulgentes com os policiais acusados de abusos dos direitos humanos e de outras ofensas criminais, o que facilita que os culpados fiquem na impunidade”.

par.78 - “Nesse clima de impunidade, que predispõe à violência por parte da corporação policial militar, os policiais envolvidos nesse tipo de atividade se vêem estimulados a intervir em execuções extrajudiciais, em abuso dos detentos e em outros tipos de atividade delituosa. A violência eventualmente estendeu-se ao fiscais quando estes insistiram em prosseguir as investigações dos crimes cometidos por policiais militares, passando eles a ser objeto de ameaças, até mesmo ameaças de morte. Tão pouco estranho é o fato das testemunhas convidadas a declarar contra os policiais processados, recebam ameaças intimidantes.”

Par. 79 – “Em carta dirigida à Comissão em 1996, o Centro Santos Dias expressa o seguinte a esse respeito:

Nos inquéritos militares, formalizados nos órgãos da justiça militar, a parcialidade em favor dos policiais incriminados, na maioria dos casos, é escandalosa, a ponto de transformar as vítimas em réus. Também é muito comum a intimidação das testemunhas, cujas deposições judiciais são tomadas na presença dos policiais acusados. Nessas condições, não é de estranhar a freqüência com que se determina o arquivamento das investigações por motivo de deficiência de provas... Se, cumprida essa etapa, se chegasse a apresentar ou a acolher uma denúncia, surgiriam novas dificuldades na marcha do processo, deliberadamente moroso e cheio de incidentes dilatórios: demora na constituição dos conselhos, adiamentos sucessivos por motivo de pequenas falhas formais etc.. Assim, não é de estranhar que uma instrução se arraste por quatro ou cinco anos, ou indefinidamente, por tempo suficiente para apagar a lembrança dos fatos nos periódicos e na memória das pessoas. Passado tanto tempo, as famílias das vítimas já terão perdido a esperança, as testemunhas terão mudado de domicílio e as provas já se terão desvanecido

Nesta oportunidade, a CIDH recomendou ao Estado Brasileiro o seguinte: “Atribuição à justiça comum de competência para julgar todos os crimes cometidos por membros das polícias "militares" estaduais.” (par. 95.9,pag 53).

Recomendações feitas ao Estado Brasileiro por ocasião do Informe Anual 1997: “A utilização de tribunais militares deve estar limitada ao processamento de membros das Forças Armadas em serviço militar ativo, por faltas ou delitos de função. Em todo caso, esta jurisdição especial deve excluir os delitos de lesa humanidade  e as violações a delitos de natureza militar.” (Recomendação n.1, Capítulo VII, recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos).

Ver também CIDH, Relatório Anual 1999, Relatório n.34/00, Caso 11.291- Carandirú (Brasil), par. 80. No mesmo sentido a Comissao Interamericana de Direitos Humanos,  ver CIDH, Relatório Anual 1999, Relatório 7/00, caso 10.337 (Colômbia); par.53 a 58; CIDH, Terceiro Informe sobre a situação de direitos humanos na Colômbia (1999),pag.175.

 O Comitê de Direitos Humanos da ONU também se pronunciou sobre a impropriedade da justiça militar por ocasião de suas observações finais ao 1º Relatório Periódico submetido pelo Governo Brasileiro a  esse órgão em 1996: “O Comitê está preocupado com a prática do sistema brasileiro de administração de justiça de ajuizar os policiais militares acusados de violações de direitos humanos em tribunais militares e lamenta que ainda não se tenha transferido a jurisdição nesses casos para os tribunais civis.” No mesmo sentido o Relatório preparado por Sr. Joinet para a Sub-Comissão de prevenção sobre discriminação e proteção de minorias da Comissão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, ao estabelecer princípios referentes à administração da justiça, afirmou: “Com o objetivo de impedir que as cortes militares, naqueles países onde estas ainda não foram abolidas, ajudem a perpetuar a impunidade devido a  ausência de independência resultante da rede de comando sob a qual quase todos os seu membros são sujeitos, sua jurisdição deve ser limitada especificamente às infrações militares cometidas por membros das forças armadas, excluindo-se os crimes de direitos humanos que constituem crimes graves de acordo com o direito internacional, os quais devem ser  levados à jurisdição das cortes ordinárias, ou, se necessário, às cortes internacionais.” (Relatório n. E/CN.4/Sub.2/1997/20, 26 de junho de 1997, princípio n. 34)

[9] CIDH,  Informe sobre a situação de direitos humanos no Brasil, 1997, Capítulo III:

par.82 – “A violência da polícia militar e a impunidade deram origem a diversas iniciativas na Câmara dos Deputados com vistas a suprimir o foro especial militar para o julgamento dos crimes cometidos por policiais militares no exercício de suas atividades públicas.(…)

par 83: O Presidente sancionou o projeto substitutivo, conferindo-lhe força de lei, em 7 de agosto de 1996 (Lei 9.299, de 7 de agosto de 1996). A Lei 9.299 emenda o artigo 9 do Código Penal Militar (Decreto-Lei N.º 1.001), que define os crimes militares. O novo "Parágrafo único" estabelece o seguinte:

Os crimes de que trata este artigo, quando forem crimes dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum. (O grifo é da Comissão).

 

[10] Ver nota 2. Complementariamente, a Comissão Interamericana considera que a jurisprudencia da Corte Interamericana de Direitos Humanos neste sentido, embora se refiram a casos de desaparição forçada,  também é aplicável a casos de execução extrajudicial (CIDH, Informe Annual, 1999, Informe n.37/00, Monseñor Oscara Arnulfo Romero y Galdámez, Caso 11.481, (El Salvador), nota 80.

[11] Caso Velasquez Rodriguez, Sentença de 29 de julio de 1988, par.174. Caso Godinez Cruz, Senteça de 20 de janeiro de 1989, para. 184.

[12] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velasquez Rodriguez, sentença de 29 de julho de 1988, par.177.

[13] Princípios relativos a uma prevenção e investigação eficaz  das execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias,  Conselho Econômico e Social, resolução 1989/95 de 24 de maio de 1989, Nações Unidas.

[14] Manual para uma prevenção e investigação eficaz de execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias, Nações Unidas, doc. ST/CSDHA/12. Ver também como referência os seguintes casos: Informe Annual 1998, Informe n. 1/98, - Rolando Hernández Hernández, Caso 11.543 (Mexico), par.74 a 76; Informe Anual 1999, Informe 37/00 – Monseñor oscar Romero y Galdamez, Caso 11.481 (El Salvador), par. 80 a 85.

[15] Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, CIDH, 1997, par.79:

Em carta dirigida à Comissão em 1996, o Centro Santos Dias expressa o seguinte a esse respeito:

Nos inquéritos militares, formalizados nos órgãos da justiça militar, a parcialidade em favor dos policiais incriminados, na maioria dos casos, é escandalosa, a ponto de transformar as vítimas em réus. Também é muito comum a intimidação das testemunhas, cujas deposições judiciais são tomadas na presença dos policiais acusados. Nessas condições, não é de estranhar que a freqüência com que se determina o arquivamento das investigações por motivo de deficiência de provas... Se, cumprida essa etapa, se chegasse a apresentar ou a acolher uma denúncia, surgiriam novas dificuldades na marcha do processo, deliberadamente moroso e cheio de incidentes dilatórios: demora na constituição dos conselhos, adiamentos sucessivos por motivo de pequenas falhas formais etc. (O grifo é da Comissão). Assim, não é de estranhar que uma instrução se arraste por quatro ou cinco anos, ou indefinidamente, por tempo suficiente para apagar a lembrança dos fatos nos periódicos e na memória das pessoas. Passado tanto tempo, as famílias das vítimas já terão perdido a esperança, as testemunhas terão mudado de domicílio e as provas já se terão desvanecido.

[16] Caso Velasquez Rodriguez, Sentença de 29 de julio de 1988, par.174. Caso Godínez Cruz, sentença de 20 de janeiro de 1989, par. 187.