RELATÓRIO Nº 75/02(bis)[1]

SOLUÇÃO AMISTOSA

PETIÇÃO 12.035

PABLO IGNACIO LIVIA ROBLES

PERU

13 de dezembro de 2002

 

 

I.        RESUMO

 

1.                 Em 27 de abril de 1998 o senhor Pablo Ignacio Livia Robles (doravante denominado "o peticionário") apresentou uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "a Comissão", a “Comissão Interamericana” ou “CIDH”) na qual alegou a violação, em seu detrimento, dos direitos à integridade pessoal (artigo 5), ao devido processo (artigo 8), a proteção da  honra e da  dignidade (artigo 11), a igualdade perante a lei (artigo 24) e a proteção judicial (artigo 25), com relação a obrigação geral de respeitar os direitos (artigo 1) estabelecidos na  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "a Convenção" ou a "Convenção Americana") por parte do Estado peruano (doravante denominado o "Estado", o "Estado peruano", ou “Peru”).  

 

2.                 O peticionário alegou que foi despedido do cargo de Promotor Provincial Titular de Lima sem processo prévio e sem direito de defesa mediante o decreto-lei N° 25446 de 24 de abril de 1992. Afirmou que  poucos dias depois de ocorrido o prejuízo ele interpôs ação de amparo perante Juizado Civil de Lima, mas que este recurso judicial não foi admitido pelo  tribunal porque o decreto-lei N° 25454 de 27 de abril de 1992 estabeleceu a improcedência do amparo dirigido a impugnar os efeitos da  aplicação dos decretos-leis N° 25423, 25442 e 25446, este último referente a presente petição.

 

3.                 Em 22 de fevereiro de 2001 o Estado peruano emitiu um comunicado de imprensa conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no qual o Estado peruano comprometia-se a propiciar una solução amistosa em alguns casos abertos perante a Comissão, entre eles o presente caso, a qual seria levada a cabo de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A solução amistosa foi acordada em 25 de julho de 2002, quando a ata do acordo amistoso entre as partes foi assinada em Lima.

 

4.                 O presente relatório de solução amistosa, a qual foi desenvolvida conforme o disposto no artigo 49 da  Convenção e do artigo 41(5) do Regulamento da  Comissão, resume os  fatos alegados pela  peticionária,  a solução amistosa alcançada e determina a sua publicação. 

 

 

II.       TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

5.                 O peticionário apresentou sua petição perante a CIDH em 27 de abril de 1998, a qual foi remetida ao Estado em 16 de julho de 1998.  Em 15 de outubro de 1998 o Estado apresentou sua resposta a denúncia. A resposta do Estado foi encaminhada as partes e se iniciou o intercâmbio de informação e observações previsto na  Convenção Americana, no  Estatuto  e no Regulamento da  Comissão.

 

6.                 Em 22 de fevereiro de 2001, o Estado peruano, através de um comunicado de imprensa conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, manifestou que reconhecia  a sua responsabilidade no presente caso baseando-se nos  artigos 1 (1), 2, 8, 23, 24 e 25 da  Convenção e que "propiciaria uma solução amistosa durante as disposições contidas  nos  artigos 48(1)(f) e 49 da  Convenção Americana".

 

7.                 Com base no compromisso assumido pelo  Estado, foi realizda uma série de reuniões entre as partes para definir o acordo. A solução amistosa foi finalmente acordada em 25 de julho de 2002, quando foi assinado em Lima  a ata do acordo entre as partes. As partes solicitaram a Comissão ratificar o presente acordo de solução amistosa em todo seu conteúdo.

 

III.      OS FATOS

 

8.                 O peticionário informou que foi nomeado por concurso público para desempenhar o cargo de Promotor Provincial Titular de Lima pelo  Governo Constitucional do arquiteto Fernando Belaúnde Terry, mediante Resolução Suprema N° 061-84JUS de 25 de janeiro de 1984, e empossado no cargo em 3 de fevereiro do mesmo ano.  Alega que depois   de 8 anos em exercício do cargo, em 24 de abril de 1992, foi despedido injustamente da  função que desempenhava mediante o decreto-lei N° 25446 pelo  "Governo de Emergência e Reconstrução Nacional" que emergiu com o golpe de estado civil e militar de 5 de abril de 1992, sem motivo algum, sem processo prévio e sem direito de defesa.

 

9.                 O peticionário indicou que, em 27 de abril de 1992, foi promulgado o decreto N° 25454 que estabelecia a improcedência da  ação de amparo dirigida a impugnar os efeitos da  aplicação do Decreto-Lei N° 25446.[2] Assinala que em virtude desta norma, a ação de amparo interposta perante o juizado de Lima não foi admitida, baseada na proibição expressa estabelecida pelo  mencionado decreto.

 

10.             O peticionário ressaltou que o  texto da  lei de Habeas Corpus e de Amparo estabelece "que o exercício da  ação de amparo caduca em 60 dias úteis depois de produzido o prejuízo, sempre que o interessado naquela época tivesse encontrado a  possibilidade de interpor a ação, caso contrário, se na data não foi possível ao ofendido interpor o recurso, o prazo computar-se-á desde o momento da  remoção do impedimento".[3] Informou  que os decretos que determinaram a sua exoneração e impediu-lhe o exercício da ação de amparo emanaram do Governo que emergiu em 5 de abril de 1992 com o golpe de estado civil militar e que terminou em 28 de julho de 1995. O peticionário manifestou que a remoção do impedimento mencionada pela norma ocorreu quando terminou a interrupção constitucional, e foram realizadas eleições livres e gerais. Alega que dentro dos 60 dias úteis depois de instaurado o Governo Constitucional interpôs novamente a ação de amparo.

 

11.             O peticionário  informa que a ação de amparo interposta em 19 de outubro de 1995 foi declarada improcedente pelo  Sexto Juizado Civil de Lima em 18 de dezembro de 1995 por "ter ocorrido a caducidade"; e a sentença foi confirmada pela  Primeira Sala Civil da  Corte Suprema em 31 de outubro  de 1996. Posteriormente o peticionário impugnou a mesma perante o Tribunal Constitucional, o qual, em 13 de novembro de 1997, declarou improcedente a ação e confirmou a decisão da  Primeira Sala. Assinala que o Tribunal Constitucional declarou improcedente a ação fundamentando-se em "que em virtude do sistema de controle de constitucionalidade difuso operante no Peru seu direito havia caducado e que, por esta razão, a demanda é inoperante visto que o autor encontra-se impedido de exercer a ação de amparo". A respeito, o peticionário manifestou que foi aberta uma ação penal contra dois juízes de Primera Instância Civil de Lima precisamente porque tais magistrados admitiram o  trâmite de ações de amparo formuladas para impugnar os efeitos dos decretos-leis N° 25446 e 25454, o que demostrou claramente que estava proibido interpor  ações de amparo com esta  finalidade.

 

12.             Por último, o peticionário alega que esgotou os recursos da jurisdição interna e que eles não tinham sido efetivos para remediar a situação injusta e ilegal, tendo em vista o conteúdo dos mencionados decretos-leis os quais violaram os seus direitos humanos reconhecidos na  Convenção Americana por razões de forma e de mérito.

 

IV.      SOLUÇÃO AMISTOSA

 

13.             O Estado e os peticionários assinaram o acordo de solução amistosa, cujo texto estabelece o seguinte:

 

PRIMEIRA: ANTECEDENTES

 

Em 24 de abril de 1992, o doutor Pablo Ignacio Livia Robles, Promotor Provincial na  Trigésima Sexta Promotoria Provincial Penal de Lima, foi exonerado mediante Decreto-Lei N° 25446, interpôs Ação de Amparo, declarada improcedente pelo Tribunal Constitucional, em 13 de dezembro  de 1997.

 

O doutor Pablo Ignacio Livia Robles apresentou uma petição perante a Comissão lnteramericana de Direitos Humanos, a qual em 17 de julho de 1997, abriu o caso sob  o número 12.035. Alegou a violação dos seguintes direitos: as garantias judiciais, integridade pessoal, proteção a honra  a sua dignidade, igualdade perante a lei e proteção judicial, bem como a obrigação de respeito a seus direitos, contida na  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigos 1, 5, 8, 11, 24 e 25). O Estado peruano emitiu um Comunicado de Imprensa Conjunto com a Comissão lnteramericana de Direitos Humanos, em 22 de fevereiro de 2001, no qual o Estado Peruano compromete-se a propiciar uma solução amistosa, a qual seria realizada de acordo com o artigos 48° (1) (f) e 49° da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

SEGUNDA: RECOMENDAÇÃO

 

O Estado peruano, consciente de que a proteção e respeito irrestricto dos  direitos humanos é a base de uma sociedade justa, digna e democrática, em restrito cumprimento de suas obrigações adquiridas pela assinatura e ratificação da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos e os demais instrumentos internacionais sobre direitos humanos que o Peru é parte, e consciente que toda violação a uma obrigação internacional que tenha produzido um dano comporta o dever de repará-lo adequadamente, constituindo a restituição do cargo a vítima, a forma justa de fazê-lo, reconhece sua responsabilidade com base nos artigos 1(1), 2, 8, 23, 24, 25 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação a vítima Pablo Ignacio Livia Robles.

 

Tal reconhecimento é explícito no Comunicado de Imprensa Conjunto assinado entre o Estado peruano e a Comissão lnteramericana de Direitos Humanos, em 22 de fevereiro de 2001, no qual o Estado peruano reconhece a responsabilidade internacional pelos fatos ocorridos e compromete-se a adotar as medidas propicias para chegar a uma solução amistosa, com a  finalidade de restituir os direitos afetados e/ou reparar os danos causados.

 

TERCEIRA: INDENIZAÇÃO

 

O Estado peruano reconhece a vítima a soma de $ vinte mil dólares americanos ($ 20,000.00) por conceito de indenização, que inclui dano material, dano moral e lucro cessante. O beneficiário comprometer-se-á a não fazer nenhuma outra reclamação, de forma direta ou indireta, sob  qualquer outra via, nem citar o Estado peruano, seja como responsável soIidário e/ou terceiro civilmente responsável ou sob qualquer outra denominação, sem prejuízo  de poder acionar judicialmente as autoridades ou funcionários que decidiram de forma arbitrária contra sua pessoa.

 

QUARTA: REPARAÇÃO NÃO PATRIMONIAL

 

O Estado peruano compromete-se a restituir ao doutor Pablo Ignacio Livia Robles em seu cargo de Promotor Provincial Titular Penal de Lima, deixando sem efeito o artigo 3 do Decreto-Lei N° 25446, publicado no Diário Oficial "El Peruano" em 24 de abril de 1992, no que se refere ao doutor Pablo Ignacio Livia Robles, emitindo-se a  norma pertinente.

 

QUINTA: OUTRO TIPO DE REPARAÇÃO

 

O Estado peruano compromete-se a reconhecer o tempo de serviço não trabalhado pela  exoneração da que foi vítima, contados desde 24 de abril de 1992, momento da  destituição até esta data.

 

SEXTA: DIREITO DE REGRESSO

 

O Estado peruano se reserva o direito de regresso, de conformidade com a legislação vigente, contra aquelas pessoas que forem determinadas como responsáveis no presente caso, mediante sentença proferida pela  autoridade nacional competente.

 

 

SÉTIMA: ISENÇÃO DE TRIBUTOS, CUMPRIMENTO E MORA

 

O valor da indenização concedido pelo  Estado peruano não estará sujeito ao pagamento de nenhum imposto, contribuição ou taxa existente ou que venha a ser criada, e deverá ser pago no mais tardar seis meses depois de que a Comissão lnteramericana de Direitos Humanos notifique a ratificação do presente acordo, caso contrário haverá mora, devendo pagar a taxa máxima de juro de compensação e mora prevista e/ou permitida pela  legislação nacional.

 

OITAVA: BASE JURÍDICA

 

O presente Acordo está assinado de conformidade com o disposto nos  artigos 2 (incisos 1 e 24, caput h), 44, 55, 205, e a Quarta Disposição Final e Transitória da  Constituição Política do Peru; os artigos 1205, 1306, 1969,1981 do Código Civil Peruano; artigos 1, 2 e 48 (1)(f) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 41 do Regulamento da  Comissão lnteramericana de Direitos Humanos.

 

NONA: INTERPRETAÇÃO

 

O sentido e o alcance do presente Acordo serão interpretados de conformidade com os artigos 29 e 30 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no que seja pertinente além do  princípio de boa-fé. No caso de dúvida ou controvérsia entre as partes sobre o conteúdo do presente Acordo, a Comissão lnteramericana de Direitos Humanos decidirá sobre sua interpretação. Também corresponde a CIDH verificar seu cumprimento, estando as partes obrigadas a informar a cada três meses sobre seu andamento e cumprimento.

 

DÉCIMA PRIMEIRA: HOMOLOGAÇÃO

 

As partes obrigam-se a informar a  Comissão lnteramericana de Direitos Humanos o presente Acordo de Solução Amistosa com o objetivo de que este órgão o homologue e o ratifique em todos seus pontos.

 

DÉCIMA SEGUNDA: ACEITAÇÃO

 

As partes, na assinatura do presente Acordo, manifestam sua livre e voluntária conformidade e aceitação com o conteúdo de todas e cada uma de suas cláusulas, deixando expressa constância de que põe fim a controvérsia e qualquer reclamação sobre a responsabilidade internacional do Estado peruano pela violação dos  direitos humanos que afetou o senhor Pablo Ignacio Livia Robles.

 

Assinado em quatro exemplares, na cidade de Lima, no dia 25 do mês de julho de 2002. 

 

 

V.     DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO

 

14.    A CIDH reitera que, de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da  Convenção, este procedimento tem como fim “chegar a uma solução amistosa do assunto fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na  Convenção”.  A aceitação de levar a cabo este trâmite expressa a boa-fé do Estado para cumprir com os propósitos e objetivos da  Convenção em virtude do princípio pacta sunt servanda, pelo qual os Estados devem cumprir de boa-fé as obrigações assumidas nos  tratados. Também deseja reiterar que o procedimento de solução amistosa contemplado na  Convenção permite a conclusão dos  casos individuais de forma não contenciosa, e vem demostrando, em casos relativos a diversos países, oferecer um veículo importante de solução, que pode ser utilizado por ambas partes.

 

15.             A Comissão Interamericana acompanhou de cerca o progresso  da  solução amistosa alcançada no presente caso. A Comissão valoriza os esforços empreendidos por ambas partes para chegar a esta solução que resulta compátivel com o objeto e finalidade da  Convenção.

 

 

VI.      CONCLUSÕES

 

16.             Com base nas considerações expostas anteriormente e em virtude do procedimento previsto nos  artigos 48(1)(f) e 49 da  Convenção Americana, a Comissão reitera seu profundo apreço pelos esforços realizados pelas partes e sua satisfação pelo sucesso do acordo de solução amistosa no presente caso baseado no objeto e finalidade da  Convenção Americana.  

 

17.             Em virtude das considerações e conclusões expostas neste relatório,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.       Aprovar os termos do acordo de solução amistosa assinado pelas partes em 25 de julho de 2002.

 

2.       Continuar com o seguimento e a supervisão de cada um dos pontos do acordo amistoso, e neste sentido, recordar as partes, seu compromisso de informar a CIDH, a cada três meses, sobre o cumprimento do presente acordo amistoso.

 

3.       Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual, a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 13 de dezembro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts, Membros da Comissão  .

 

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[1] Conforme o disposto no artigo 17(2)(a) do Regulamento da  Comissão, a Membro da Comisssão Sussana Villarán, de nacionalidade peruana, não participou no debate nem na decisão do presente assunto.

[2] O artigo 2 do Decreto-Lei N° 25454 de 27 de abril de 1992 estabelece "a improcedência da ação de amparo para impugnar os efeitos da  aplicação dos  decretos- leis 25423, 25442 e 25446".

[3] Lei N° 23506 de Habeas Corpus e Amparo, Peru, artigo 37.