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RELATÓRIO
Nº 49/02 ADMISSIBILIDADE CASO
12.400 TAKOOR
RAMCHARAN TRINIDAD
E TOBAGO 9
de outubro de 2002 I.
RESUMO 1.
Em 26 de março de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada a “Comissão”) recebeu uma petição do
escritório jurídico Ashurst Morris Crisp, de Londres, Reino Unido (doravante
denominados “peticionários”) relativa a República de Trinidad e Tobago
(doravante denominada “Trinidad e Tobago” ou “o Estado”) em nome de
Takoor Ramcharan, prisioneiro condenado à pena de morte nesse país. 2.
A petição alega que o Estado processou o senhor Ramcharan de
conformidade com a Lei de delitos
contra a pessoa, de Trinidad e Tobago[1]
pelos assassinato de sua esposa, Neleen Ramcharan, cometido em 14 de maio de
1994, declarou-o culpado e sentenciou-lhe à pena de morte a ser executada
na forca em 28 de maio de 1999. A
petição também alegou que o Estado violou os direitos humanos do senhor
Ramcharan consagrados nos artigos I, II, XVII, XVIII, XXV e XXVI da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada “Declaração
Americana” ou “a Declaração”) e nos artigos 1, 2, 4, 5, 7, 8, 24 e
25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em virtude dos erros e irregularidades cometidos durante os procedimentos prévios
ao julgamento e do próprio julgamento e condenação. O peticionário alega que, no momento de sua detenção, o
senhor Ramcharan não foi informado sobre as razões da detenção, nem sobre as acusações feitas contra sua pessoa
e nem acerca de seu direito a contar com serviços de um advogado; que o
Estado omitiu em submetê-lo prontamente à justiça e que obteve uma
declaração do senhor Ramcharan mediante engano que depois foi apresentada
como prova contra o acusado durante o julgamento. Os peticionários também
argumentam que o senhor
Ramcharan não foi julgado dentro de um prazo razoável, que o júri que
atuou foi preconceituoso e não foi instruído adequadamente pelo juiz
de primeira instância e que o senhor Ramcharan foi sentenciado erroneamente
à pena de morte obrigatória. Os peticionários afirmam que o senhor
Ramcharan foi submetido, antes e depois do julgamento, a condições de
detenção impróprias e que lhe foi negado o acesso à justiça e a uma
reparação efetiva das violações de seus direitos denunciadas. 3.
Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão ainda não
havia recebido nenhuma informação ou observação do Estado com respeito
à petição do senhor Ramcharan. 4.
Conforme indicado neste relatório, após examinar os argumentos dos
peticionários relacionados à admissibilidade
e sem prejulgar o mérito da questão,
a Comissão decidiu admitir a petição do senhor Ramcharan que guardam relação
com os artigos 1, 2, 4, 5, 7, 8, 24 e 25 da Convenção
Americana e os artigos I, II, XVII, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana e continuar com a análise do mérito
do caso.
II.
PROCEDIMENTOS PERANTE A COMISSÃO
A. Petições e
observações 5.
Após a apresentação da petição do senhor Ramcharan, a Comissão
acusou recibo desta mediante nota aos peticionários de 28 de março de 2001
e comunicou que a petição se encontrava em estudo de acordo com o
Regulamento da Comissão.
Mediante comunicação de 24 de abril de 2001, os peticionários
apresentaram a Comissão provas adicionais de respaldo à petição do
senhor Ramcharan. A Comissão transmitiu as partes pertinentes da petição
e as provas adicionais ao Estado, mediante nota datada de 11 de maio de
2001. A Comissão solicitou ao Estado que enviasse suas observações dentro
de um prazo de dois meses, conforme o estipulado no Regulamento da Comissão.
6.
Mediante nota datada de 18
de maio de 2001, o Estado acusou recibo da nota
da Comissão dem 11 de maio de
2001, relativa à petição do senhor Ramcharan. 7.
Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão ainda não
havia recebido nenhuma informação ou observação do Estado com respeito
à petição do senhor Ramcharan. B.
Medidas cautelares
8.
Paralelamente à trasmissão das partes pertinentes da petição do
senhor Ramcharan ao Estado, a Comissão solicitou a este que adotasse
medidas cautelares, de conformidade com o
estabelecido no artigo 25 do seu Regulamento da
Comissão, a fim de evitar um dano irreparável contra a vida do
senhor Ramcharan até que a Comissão tivesse
investigado as alegações contidas
na petição. Embora a Comissão
tenha solicitado uma resposta urgente a seu pedido de adoção de medidas
cautelares, esta não recebeu nenhuma contestação do Estado. C.
Medidas provisórias
9.
Face ao absoluto silêncio do Estado quanto as solicitações de
medidas cautelares formuladas pela Comissão,
mediante solicitação datada de 18 de outubro de 2001 a Comissão solicitou
à Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a
Corte”) que, de acordo com o artigo 63(2) da
Convenção Americana e o artigo 25 do Regulamento da
Corte, esta ampliara suas medidas provisórias no caso James e outros,
para incluir o senhor Ramcharam e a outras quatro supostas vítimas que
haciam apresentado petições à Comissão. 10.
Em 25 de outubro de 2001, o Presidente da
Corte Interamericana decidiu ordenar a Trinidad e Tobago que tomasse
todas as medidas necessárias para preservar a vida do senhor Ramcharam a
fim de que, durante seu LIII período ordinário de sessões, a Corte
pudesse examinar a pertinência
da solicitação da Comissão.
Posteriormente, durante seu LIII período ordinário de sessões e mediante
ordem datada de 21 de novembro de 2001, a Corte Interamericana ratificou a
ordem de seu Presidente, de 25 de outubro de
2001 e solicitou a Trinidad e Tobago que tomasse todas as medidas
necessárias para preservar a vida e a integridade pessoal do senhor
Ramcharam de modo que não se
obstaculizara o trâmite de seus casos perante o sistema interamericano para
a proteção dos direitos
humanos.
III.
POSIÇÕES DAS PARTES
A. Posição dos
peticionários
1. Antecedentes
das petições 11.
De acordo com a petição, Takoor Ramcharan foi detido em 16 de maio
de 1994 devido ao assassinato de sua esposa, ocorrido em 14 de maio de 1994.
Ele foi processado em 12 de março de 1997 e julgado por homicídio entre 20
e 28 de maio de 1999. O senhor
Ramcharan foi declarado culpado
de homicídio e sentenciado à pena de morte a ser executada na forca no dia
28 de maio de 1999. Ele apelou
de sua sentença perante o Tribunal de Apelações de Trinidad e Tobago,
mas a apelação foi indeferida por este tribunal em 12 de novembro
de 1999. Posteriormente o senhor Ramcharan solicitou autorização especial
para apelar como pessoa pobre perante o Comitê Judicial do Conselho
privado, que desestimou sua solicitação em 20 de fevereiro de 2001. 12.
Na data da morte da senhora Neleen Ramcharan, o senhor Ramcharan e
a falecida estavam casados mas viviam separados. Segundo a promotoria, em 8
de maio de 1994 o senhor Ramcharan foi até a casa onde vivia a falecida e
ordenou que regresara a viver com ele e quando ela recusou ao chamado, ele a
ameaçou de “fazê-la em picadinho” e partiu do lugar. Na noite de 14 de
maio de 1994, quando a mãe da falecida dirigia-se a sua casa, a encontrou gritando,
coberta de sangue e com cortes em todo o seu corpo, e viu o senhor Ramcharan
a uma distância de seis a oito metros, aproximadamente, com uma machete na
mão. A senhora Ramcharan foi levada ao hospital Mayaro onde faleceu pouco
depois. Um exame post mortem
realizado em 16 de maio de 1994 revelou que tinha sofrido onze feridas,
incluindo vários cortes e que pouco antes de sua morte havia ingerido cocaína
e álcool. Em 16 de maio de 1994, a polícia foi a casa do senhor Ramcharan
e este, no momento de ser detido, prestou uma declaração potencialmente
incriminante, além de entregar à polícia a roupa que havia vestido e a
machete que havia usado e afirmou que desejava prestar um depoimento por
escrito. O senhor Ramcharan foi
levado a uma delegacia onde prestou um depoimento por escrito perante a
policía, que posteriormente foi autenticada pelo juiz de paz. No seu
depoimento escrito, o senhor Ramcharan indicou que havia encontrado a
falecida em companhia de outro homem e que sua esposa lhe havia manifestado
que preferia ele ao senhor Ramcharan. Também
afirmou que em 14 de maio de 1999 tinha ido a casa da falecida com uma machete e lhe pediu que saisse da residência.
Ela baixou pelas escadas e quando o viu, ela se jogou ao chão, momento em
que o senhor Ramcharan lhe infringiu cerca de três cortes. 13.
Em sua defesa, o senhor Ramcharan afirmou que não havia assassinado
a sua esposa. Disse que a tinha visto pela última vez em 8 de maio de 1994
e que nessa oportunidade ela o insultou e disse que tinha outro homem, e que
o preferia em detrimento dele. O senhor Ramcharan negou ter visto a falecida
em 14 de maio de 1994 e também negou ter entregue suas roupas ou sua
machete à polícia e de ter prestado uma declaração. Segundo o senhor
Ramcharan, ele dirigiu-se à delegacia em vista de uma chamada telefônica
em que lhe foi informado que sua esposa tinha sido ferida depois de uma
disputa com a mãe do senhor Ramcharan e que, ao chegar no local, encontrou
a sua mãe algemada numa sala situada frente aquela onde ele se encontrava.
O senhor Ramcharan denunciou que policiais lhe apresentaram documentos para
que os assinara dizendo que se tratava da documentação
correspondente a liberação de sua mãe sob fiança, e que os assinou
conforme lhe foi instruido, sendo que sua mãe foi de fato liberada.
Pouco depois, outro policial anunciou que a esposa do senhor
Ramcharan acabava de falecer e que ele seria acusado de homicídio. O senhor
Ramcharan alega que não contatou nenhum juiz de paz.
2. Posição dos peticionários a respeito da competência 14.
Com respeito à competência da Comissão
para examinar a petição do senhor Ramcharan, os peticionários indicara,
que são conscientes de que em 26 de maio de 1998 Trinidad e Tobago deu ao
Secretário Geral da OEA um pré-aviso de um ano de sua denúncia da Convenção,
conforme o Artigo 78 desta. Alegam,
porém, que de acordo com o Artigo 78(2) da Convenção,
se uma petição apresentada à Comissão denuncia violações dos direitos garantidos pela Convenção e consumadas pelo Estado antes da data
em que se tornou efetiva a denúncia,
neste caso em 26 de maio de 1999, o Estado continua sujeito à totalidade
das obrigações estipuladas na Convenção
com relação a estas violações, incluindo a competência da Comissão
para pronunciar-se sobre as violações denunciadas. 15.
Os peticionários argumentam que o Estado continua sujeito às obrigações
conforme a Convenção em relação a atos ou omissões que tenham efeitos
contínuos depois da data de
efetividade da denúncia da Convenção, quando esses atos ou omissões tenham ocorrido ou
tenham início antes da data da denúncia.
Com relação às violações consumadas depois de 26 de maio de 1999, os
peticionários defendem que estes atos e omissões constituem violações da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a respeito das quais a Comissão
tem competência e jurisdição para examiná-las, de acordo com a Carta da OEA
e com o Estatuto e o Regulamento
da Comissão.
3. Posição dos peticionários a respeito da admissibilidade 16.
No que se refere à admissibilidade da petição do senhor Ramcharan,
os peticionários informaram que este apelou sem êxito contra sua condenação
perante o Tribunal de Apelações de Trinidad e Tobago, mas que este
tribunal indeferiou sua apelação em 12 de novembro de 1999.
Posteriormente, o senhor Ramcharan solicitou autorização especial para
apelar como pessoa pobre ao Comitê Judicial do Conselho Privado, a mais
alta instância de apelação que
existe em Trinidad e Tobago, o qual rejeitou sua solicitação em 20 de
fevereiro de 2001. 17.
Os peticionários manifestam que o senhor Ramcharan não interpôs
uma moção constitucional
nos tribunais de Trinidad e
Tobago porque é indigente e porque no país não existe assistência jurídica
efetivamente disponível para a interposição de moções dessa índole.[2]
Afirmam que não se adjudica obrigatoriamente assistência jurídica para a
interposição de moções constitucionais e que, na prática, muito raramente, foi possível interpor moções
constitucionais que guardem relação com condenações à pena de morte e
questões afins. 18.
Os peticionários indicam adicionalmente que a petição do senhor
Ramcharan foi apresentada dentro dos seis
meses seguintes à data em que o Comitê Judicial do Conselho Privado
desestimara sua solicitação de autorização especial para apelar, em 20
de fevereiro de 2001 e que, portanto, a petição foi apresentada
tempestivamente, de acordo com o Artigo
48(1)(b) da Convenção e o Artigo
38 do Regulamento da Comissão.
19.
Finalmente, os peticionários assinalam que a matéria da petição não
está pendente de outro procedimento internacional e não foi examinada
previamente pela Comissão ou por qualquer outra organização governamental
da qual o Estado seja membro.
4. Posição dos
peticionários a respeito do mérito 20.
Com relação à avaliação da admissibilidade desta petição, a
Comissão observa que os peticionários apresentaram dezesseis denúncias
relacionadas com os procedimentos prévios ao julgamento, do julgamento em
si, e da condenação do senhor Ramcharan. 21.
Com relação aos procedimentos prévios ao julgamento do senhor
Ramcharan, os peticionários argumentam que o Estado é responsável pelas
violações enumeradas a seguir, conjuntamente com as violações do Artigo
1(1) da Convenção: a)
violações dos artigos
XVIII e XXV da Declaração Americana e do Artigo 7(4) da Convenção
Americana, pela omissão de
informação ao senhor Ramcharan acerca das razões de sua detenção ou das
acusações contra ele quando chegou ao destacamento policial de
Río Claro; b)
violações dos artigos
XVIII e XXV da Declaração
Americana e dos artigos 7(4) e 8(2)(d), da Convenção Americana, por omissão de informação ao senhor
Ramcharan acerca de seu direito a um advogado no momento de sua detenção e
por obrigá-lo a assinar uma declaração e pela admissão
desta declaração como prova contra ele durante o julgamento; c)
violações dos artigos XXV e XXVI da Declaração Americana e dos artigos 5(1), 5(2), 7(5), 7(6) e 8(1) da Convenção
Americana, em virtude da demora
de dois anos e dez meses para processar o senhor Ramcharan e de cinco anos e
quatro dias para submetê-lo a julgamento. Os peticionários alegam que,
devido a essas demoras, o senhor Ramcharan não compareceu imediatamente
perante um juiz para que fosse determinada a legalidade de sua detenção e
das acusações feitas contra ele, não foi julgado dentro de um prazo razoável,
não teve um julgamento imparcial e foi submetido a tratamento cruel,
desumano e degradante; d)
violações dos artigos XVIII e XXVI da Declaração Americana e do Artigo
8(2)(f) da Convenção
Americana, pela omissão de
informação ao senhor Ramcharan acerca de seu direito a chamar testemunhas
durante a indagatória preliminar; e) violação do Artigo 2 da Convenção Americana, por não ter respeitado o direito a submeter a julgamento dentro de um prazo razoável conforme o direito interno e violação do Artigo 25 da Convenção Americana pela omissão em providenciar um recurso perante um tribunal competente, de proteção contra a violação do direito a ser submetido a julgamento dentro de um prazo razoável; f)
violações do Artigo XXV da Declaração
Americana e dos artigos 5(1) e
5(1) da Convenção Americana
em virtude das condições de detenção do senhor Ramcharan enquanto
permaneceu sob custódia, entre 17 de maio de 1994 e 28 de maio de1999; g)
violações do Artigo XVIII da Declaração
Americana e dos artigos 8(1) e
(2) da Convenção Americana em
virtude da admissão de uma
declaração obtida mediante
subterfúgios como prova contra ele durante o julgamento. 22.
Com relação aos procedimentos do julgamento e sentença contra o
senhor Ramcharan, os peticionários argumentam que o Estado é responsável
pelas violações enumeradas a seguir, além das violações do Artigo 1(1)
da Convenção: a)
violações do Artigo XXVI da Declaração Americana e dos artigos 8(1), 8(2) e 4(2) da Convenção Americana por denegar ao senhor Ramcharan o seu
direito a que lhe fosse presumida a sua inocência enquanto se demostrava
sua culpabilidade, em virtude das irregularidades de seu processo; b)
violações dos artigos
XVIII e XXVI da Declaração
Americana e dos artigos 8(1),
8(2)(c) e 8(2)(e) da Convenção
Americana, pela omissão de
providenciar um assessoramento adequado ao júri acerca das normas de
direito aplicáveis à defesa; c)
violações do Artigo XVIII da Declaração Americana e do Artigo
8(1) da Convenção Americana
por não ter garantido ao
senhor Ramcharan seu julgamento por um júri livre de preconceitos, por não
ter retificado o efeito contínuo dessa violação e abster-se
de investigar apropriadamente a denúncia de preconceito do júri; d)
violações dos artigos
I e XXVI da Declaração
Americana e dos artigos 4(1),
5(1), 5(2), 8(1) e 24 da Convenção
Americana por ter sentenciado o senhor Ramcharan à pena de morte obrigatória. 23.
Com respeito aos procedimentos posteriores à condenação do senhor
Ramcharan, os peticionários alegam que o Estado é responsável pelas violações
enumeradas a seguir além das violações do Artigo 1(1) da Convenção: a)
violações do Artigo XVIII da Declaração Americana e dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, devido às deficiências da representação
jurídica do senhor Ramcharan durante sua apelação e por não ter posto
efetivamente a sua disposição assistência jurídica
para a interposição de uma moção constitucional perante tribunais
internos em relação aos procedimentos
penais; b)
violações do Artigo XXV da Declaração
Americana e dos artigos 5(1) e
5(2) da Convenção Americana
em virtude das condições em que foram mantidas o senhor Ramcharan no
pavilhão de condenados à morte desde o dia 28 de maio de1999; c)
violações dos artigos
II, XVII e XXVI da Declaração
Americana e dos artigos 24 e 25
da Convenção Americana por denegar ao senhor Ramcharan o acesso
a um tribunal e a uma reparação
eficaz das violações de seus direitos humanos.
B.
Posição do Estado
24.
Como indicado anteriormente, a Comissão transmitiu as partes
pertinentes da petição do
senhor Ramcharan em 11 de maio de 2001, solicitando ao Estado que submetesse
a informação pertinente em relação à petição dentro de um prazo de
dois meses. Apesar desta solicitação, a Comissão não recebeu nenhuma
informação nem observações do Estado no que se refere às alegações
contidas na petição do senhor Ramcharan.
IV.
ANÁLISE
A. Competência da
Comissão 25.
A República
de Trinidad e Tobago passou a ser parte da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos quando depositou seu
instrumento de ratificação deste tratado, em 28 de maio de 1991.[3]
Trinidad
e Tobago denunciou posteriormente a Convenção Americana por meio de uma
notificação apresentada com um ano de antecedência, em 26 de maio de
1998, de conformidade com o artigo 78 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o qual dispõe: 78(1)
Os Estados Partes poderão denunciar esta Convenção depois de
expirado um prazo de cinco anos, a partir da data da entrada em vigor da
mesma e mediante aviso prévio de um ano, notificando o Secretário-Geral da
Organização, o qual deve informar as outras Partes.
(2).
Tal denúncia não terá o efeito de desligar o Estado Parte interessado das
obrigações contidas nesta Convenção, no que diz respeito a qualquer ato
que, podendo constituir violação dessas obrigações, houver sido cometido
por ele anteriormente à data na qual a denúncia produzir efeito. 26.
Em ocasiões anteriores,[4]
a Comissão decidiu que, de conformidade com os
termos claros do artigo 78(2), os Estados Partes da
Convenção Americana acordaram que uma denúncia realizada por
qualquer deles não liberaria ao Estado denunciante de suas obrigações
estabelecidas na Convenção a respeito das ações adotadas por esse Estado
antes da data efetiva da denúncia
que podem constituir uma violação dessas obrigações. De acordo com a
Convenção, as obrigações de um Estado parte
abarcam não somente aquelas disposições da Convenção
relacionadas com os direitos e liberdades susbtantivos garantidos pela mesma,
mas também as disposições relacionadas com os mecanismos de supervisão,
incluidos aqueles contidos no Capítulo
VII da Convenção relativos à
jurisdição, funções e poderes da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos.[5]
Portanto, apesar de
Trinidad e Tobago ter denunciado a Convenção, a Comissão continuará
tendo jurisdição sobre as denúncias de violações da
Convenção por parte de Trinidad e Tobago com relação às medidas
adotadas pelo Estado antes de 26 de maio de 1999. Conforme a jurisprudência
estabelecida,[6]
isto inclui medidas adotadas pelo Estado antes de 26 de maio de 1999,
inclusive se as consequências dessas medidas continuam manifestando-se
depois desta data. 27.
Com respeito as medidas adotadas pelo Estado depois de 26 de maio de
1999, o Estado continua obrigado em virtude da Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem, e da autoridade da
Comissão para supervisionar o cumprimento desse instrumento pelo
Estado, o qual depositou seu instrumento de ratificação da Carta da
OEA em 17 de março de 1967 tornando-se assim um Estado membro da
OEA.[7] 28.
No presente caso, se as denúncias do senhor Ramcharan forem
verdadeiras, a maioria dos fatos
ocorreu antes de 26 de maio de 1999 e outros ocorreram antes dessa data mas
seus efeitos continuaram a se manifestar depois de 26 de maio de 1999.
Inclusive, é possível que alguns atos tenham-se consumado totalmente
depois de 26 de maio de 1999. Essas circunstâncias ensejam uma possível
aplicação da Convenção Americana ou da Declaração Americana, ou de
ambas, às denuncias formuladas pelo senhor Ramcharan em sua petição.
29.
Diante da natureza
das afirmações dos peticionários, a Comissão considera que somente
mediante uma análise de mérito
das denúncias dos peticionários
poderá determinar de forma apropriada a índole e o alcance dos atos dos
quais o Estado poderia ser responsável e, desse modo confirmar
a aplicabilidade da Convenção
Americana ou da Declaração
Americana a esses atos. Portanto, a Comissão conclui que é competente para
examinar as denúncias do senhor Ramcharan de conformidade com ambos
instrumentos e deixará para a etapa do mérito do caso a determinação da
aplicabilidade específica da Convenção
Americana ou da Declaração
Americana, ou de ambas, a cada uma das alegações da suposta vítima. C. Admissibilidade 1. Duplicação de
procedimentos 30.
O artigo 46(1)(c) da Convenção
e o artigo
33(1) do Regulamento da Comissão
estabelecem que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela
Comissão, a matéria da mesma
não deve estar pendente de outro procedimento internacional,
ou se essencialmente duplica uma petição pendente ou já examinada e
solucionada pela Comissão ou
por outra organização governamental internacional
da qual o Estado em questão seja membro. 31.
Os peticionários que atuam em nome do senhor Ramlogan manifestaram
que as denúncias formuladas nesta petição não foram submetidas a exame
de outro procedimento de investigação ou acordo
internacional. O
Estado não questionou sobre a duplicação. A Comissão, portanto, não
encontra impedimento algum para considerar as reclamações do senhor
Ramlogan de conformidade com o artigo 46(1)(c) da
Convenção Americana e o artigo 33(1) do Regulamento da
Comissão. 2.
Esgotamento dos recursos da jurisdição interna 32.
O artigo
46(1) da Convenção e o artigo
31(1) do Regulamento da Comissão
estabelecem que
para que uma petição ou comunicação apresentada conforme os artigos 44
ou 45 seja admitida pela Comissão,
é necessário o esgotamento prévio dos
recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do
direito internacional geralmente reconhecidos. A
jurisprudência
do sistema interamericano não deixa claro, porém,
que a regra que requer o esgotamento prévio dos
recursos internos está desenhada para o bem do Estado, já que
procura eximir o mesmo de ter que responder
a acusações perante um órgão internacional por atos imputados a este
antes de que tenha tido a oportunidade de repará-los por meios internos.
Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, este requisito é
considerado como um meio de defesa e, como tal, pode-se renunciar ao mesmo,
incluso tácitamente. Ademais, uma renúncia, uma vez em vigor, é irrevogável.[8]
Em face desta renúncia, a Comissão não está obrigada a considerar um
possível impedimento à admissibilidade da petição que pudese ter sido
adequadamente formulado por um Estado com relação ao esgotamento dos
recursos internos. 33.
No presente caso, o Estado não apresentou nenhuma observação nem
informação a respeito da admissibilidade das reclamações das supostas vítimas,
de modo que a Comissão
considera que o Estado renunciou, de forma implícita ou tácita, a seu
direito de objetar a admissibilidade das petições alegando o
descumprimento do requisito de esgotamento dos
recursos internos. Portanto, a Comissão considera que as reclamações
dos peticionários não enfrentam nenhum impedimento legal em virtude do
artigo 46(1)(a) da
Convenção ou o artigo 31(1) de seu Regulamento. 3.
Tempestividade da petição 34.
O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana e o artigo
32(1) do Regulamento da Comissão
estabelecem que para admitir uma petição é necessário: “que seja
apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto
ofendido em seus direitos tenha sido notificado da
decisão definitiva no âmbito interno”.
35.
No presente caso, a Comissão determinou que a República de Trinidad
e Tobago renunciou a seu direito a argumentar que os recursos internos não
estavam esgotados, de maneira que o requisito contido no artigo 46(1)(a) da
Convenção Americana e o artigo 31(1) do Regulamento da
Comissão não são aplicáveis. Entretanto, o requisito sobre o
esgotamento dos recursos
internos é independente do requisito da apresentação da petição dentro
dos seis meses seguintes à
sentença que esgota os recursos internos.
A Comissão deve, portanto, decidir se esta petição foi apresentada
dentro de um prazo razoável. A este respeito, a Comissão observa que o
Comitê Judicial do Conselho Privado desestimou o pedido de autorização
especial para interpor uma apelação, formulada pelo
senhor Ramcharan em 20 de fevereiro de 2001 e que a petição do
senhor Ramcharan foi apresentada à Comissão em 26 de março de 2001. Por
conseguinte, a Comissão considera que a petição do senhor Ramcharan foi
apresentada tempestivamente. 4.
Demanda aparente 36.
O artigo 47(b) da Convenção Americana e o artigo 34(a) do
Regulamento da Comissão estipulam que esta declarará inamissível toda petição
que não exponha fatos que caracterizem uma violação dos direitos
garantizados pela Convenção ou outros instrumentos aplicáveis. O
artigo 47(d) da Convenção e o
artigo 34(b) do Regulamento da Comissão
estipulam que a Comissão considerará inadmissível qualquer comunicação
quando a petição resulte da exposição
do próprio peticionário ou dol Estado
manifestadamente infundada ou seja evidente sua total improcedência. 37.
No presente caso, os peticionários argumentam que o Estado violou os
direitos do senhor Ramcharan consagrados nos artigos 1, 2, 4, 5, 7, 8, 24 e 25 da Convenção Americana e os artigos I, II, XVII, XVIII e XXVI
da Declaração Americana. Conforme a informação apresentada pelos
peticionários, resumida na Seção
III do presente relatório, e sem prejulgar o mérito do caso, a Comissão
considera que as petições dos peticionários
contêm alegações de fato que, se provadas verdadeiras, tendem a presumir
violações dos direitos
garantidos na Convenção
Americana e na
Declaração Americana, e que as declarações dos
peticionários não são manifestadamente
infundadas nem é evidente sua total improcedência. Por conseguinte, não há
impedimento algum à admissibilidade das reclamações das petições, de
conformidade com os artigos 47(b) e 47(c) da
Convenção e o artigo 34(a) e (b) do
Regulamento da Comissão. V.
CONCLUSÕES
38.
A Comissão Interamericana conclui que tem competência para examinar
a denúncia do senhor Ramcharan e que a sua petição é admissível de
conformidade com os artigos 46 e 47 da
Convenção Americana
e os artigos de 31 a 34 do Regulamento da
Comissão.
39.
Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente,
e sem prejulgar o mérito da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1.
Declarar admissível a petição do senhor Ramcharan em relação aos
artigos 1, 2, 4, 5,7, 8, 24 e 25 da Convenção
Americana e dos artigos I, II,
XVII, XVIII, XXV e XXVI da Declaração
Americana. 2.
Notificar
o Estado e os peticionários desta decisão. 3.
Continuar com a análise sobre o mérito da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser
apresentado à Assembléia Geral da OEA. Dado
e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., no dia 9 de outubro de 2002. (Assinado): Juan Méndez,
Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidente; José Zalaquett,
Segundo Vice-presidente, Membros
da Comissão Robert K. Goldman,
Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert
e Susana Villarán. [ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ]
[1]
Lei
de Delitos contra a Pessoa, (3 de abril de 1925), Leis de Trinidad e
Tobago, capítulo 11:08. A Seção 4 da
lei estabelece a
pena de morte como castigo obrigatório pelo
delito de homicídio, e estipula que "toda pessoa culpada de
homicídio deverá sofrir a pena de morte". [2]
Com a finalidade de respaldar a sua posição de que nas circunstâncias
denunciadas pela vítima não é necessária a interposição de uma moção
constitucional, os peticionários citam, entre outras, a decisão
sobre admissibilidade adotada pela
Comissão Interamericana no caso de Peter Blaine contra Jamaica,
Caso No. 11.827, Relatório No. 96/98 (17 de dezembro de 1998), no qual
a Comissão considerou que
a falta de adjudicação de assistência jurídica impedia efetivamente
o solicitante do exercício de seu direito constitucional a procurar uma
reparação pela violação
de seus direitos. [3]
Documentos
básicos em matéria de direitos humanos no Sistema Interamericano, OEA/Ser.L/I.4
rev.8 (22 de maio de 2001),
p. 59. [4]
Ver por exemplo,
Caso
12.342,
Relatório Nº 89/01, Balkissoon Roodal contra Trinidad e Tobago, Relatório
Anual da CIDH 2001, par. 23. [5]
Ver
de forma análoga Corte Interamericana de Direitos Humanos, Baruch
Ivcher Bronstein c. Perú, Jurisdição, Sentença (24 de setembro de
1999), par. 37 (em que se indica que o dever dos
Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de garantir
o cumprimento de suas disposições não somente é aplicável em
relação as normas substantivas desse tratado mas também em relação
as normas processuais). [6]
De
conformidade com a jurisprudência da
Corte e da Comissão Interamericanas de Direitos Humanos e outros
tribunais internacionais de direitos humanos, os instrumentos de
direitos humanos podem ser aplicados corretamente com respeito a atos
que ocorrem antes da ratificação desses instrumentos mas que são de carácter
permanente e cujos efeitos continuam depois da
entrada em vigor dos instrumentos.
Ver por exemplo Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Blake,
Exceções Preliminares, Sentença de 2 de julo de 1996, Serie C, No.
27, par. 33-34
e 46; CIDH, João Canuto de Oliveira c. Brasil, Relatório Nº 24/98,
Relatório Anual da CIDH de
1997, par. 13-18. Ver de
forma análoga Corte Européia de Direitos Humanos, Papamichalopoulos et
al. c. Grecia, 24 de junho de 1993, Serie A, Nº 260-B, pág. 69-70, 46.
[7]
O
artigo 20 do Estatuto da CIDH dispõe que, em relação aos
Estados membros da OEA que não son parte da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão
examinará as comunicações que lhe sejam dirigidas e qualquer informação disponível se dirigirá ao governo de qualquer
dos Estados membros não
partes na Convenção com o
fim de obter mais informações que considere pertinentes e lhes
formulará recomendações, quando o considere apropriado, para fazer
mais efetiva a observância dos direitos humanos fundamentais. Ver Corte Interamericana de
Direitos Humanos, Opinião Consultiva OC-10/89 Interpretação da
Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem no marco do artigo 64 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 14 de julho de
1989, Serie A, Nº 10 (1989), par. 35-45; CIDH, James Terry Roach e Jay
Pinkerton c. Estados Unidos, Caso 9647, Res. 3/87,
22 de setembro de1987, Relatório Anual de 1986-87, par. 46-49. [8]
Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Caso Loayza Tamayo, Exceções
Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, Series C, No. 25, par.
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