RELATÓRIO Nº 48/02

ADMISSIBILIDADE

PETIÇÃO P12.355

ARNOLD RAMLOGAN

TRINIDAD E TOBAGO

9 de outubro de 2002

 

 

I.          RESUMO

 

         1.          Em 12 de janeiro de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão”) recebeu uma petição do escritório jurídico Lovells, de Londres, Reino Unido (doravante denominados “peticionários”) relativa à República de Trinidad e Tobago (doravante denominada “Trinidad e Tobago” ou “o Estado”), em nome de Arnold Ramlogan, prisioneiro condenado a morte nesse país.

 

2.          A petição alega que o Estado processou e condenou o senhor Ramlogan de conformidade com a Lei de delitos contra a pessoa, de Trinidad e Tobago[1] pelo  assassinato de Basdeo Baboolal, cometido em 1º de abril de 1996, e o sentenciou de forma obrigatória a ser executado na forca em 4 de março de 1999.  A petição também alegou que no curso dos  procedimentos judiciais, o Estado violou os direitos humanos do senhor Ramlogan consagrados nos  artigos I e XXVI da  Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada “Declaração Americana” ou “a Declaração”) e  os artigos  4, 5 e 8 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Os peticionários afirmam que o senhor Ramlogan foi submetido a condenação obrigatória, a tratamento e condições desumanas durante sua detenção e que a representação jurídica que lhe foi providenciada durante o processo judicial foi inadequada.

 

3.          Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão ainda não havia recebido nenhuma informação ou observação do Estado com respeito à petição do senhor Ramlogan.

 

4.          Conforme indicado neste relatório, após examinar os argumentos dos  peticionários relacionados à  admissibilidade e sem prejulgar o mérito da  questão, a Comissão decidiu admitir a petição do senhor Ramlogan que guardam relação com os artigos 1, 2, 4, 5 e 8 da  Convenção Americana e continuar com a análise do  mérito do caso.

 

 

          II.          PROCEDIMENTOS PERANTE A COMISSÃO

 

          A.          Petições e observações

 

5.          Depois de receber a petição do senhor Ramlogan, a Comissão transmitiu as partes pertinentes do documento ao Estado, mediante nota datada de 22 de janeiro de 2001. A Comissão solicitó ao Estado que enviasse suas observações dentro de um prazo de 90 dias, conforme o estipulado no antigo Regulamento do órgão.[2]

 

6.          Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão ainda não havia recebido nenhuma resposta do Estado com respeito a seu pedido de informação acerca da petição do senhor Ramlogan .

 

B.          Medidas cautelares

 

7.          Paralelamente à trasmissão das partes pertinentes da petição do senhor Ramlogan ao Estado, a Comissão solicitou a este que adotasse medidas cautelares, de conformidade com o estabelecido no artigo 29 do antigo Regulamento da  Comissão, a fim de suspender a execução do senhor Ramlogan até que a Comissão  tivesse investigado as alegações  contidas na petição.  Esta solicitação foi feita porque se o Estado viesse a executar o senhor Ramlogan antes de que a Comissão tivesse a oportunidade de examinar seus casos, qualquer decisão posterior seria discutível quanto aos recursos disponíveis, e o senhor Ramlogan sofreria danos irreparáveis.  A Comissão não recebeu uma resposta do Estado com relação à solicitação de medidas cautelares.

 

C.          Medidas provisórias

 

8.          Face ao absoluto silêncio do Estado quanto as solicitações de medidas cautelares formuladas pela  Comissão, mediante solicitação datada de 18 de outubro de 2001 a Comissão solicitou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Corte”) que, de acordo com o artigo 63(2) da  Convenção Americana e o artigo 25 do Regulamento da  Corte, esta ampliara suas medidas provisórias no caso James e outros, para incluir o senhor Ramlogan e a outras quatro supostas vítimas que haviam apresentado petições à Comissão.

 

9.          Em 25 de outubro de 2001, o Presidente da  Corte Interamericana decidiu ordenar a Trinidad e Tobago que tomasse todas as medidas necessárias para preservar a vida do senhor Ramlogan a fim de que, durante seu LIII período ordinário de sessões, a Corte pudesse  examinar a pertinência da  solicitação da Comissão. Posteriormente, durante seu LIII período ordinário de sessões e mediante ordem datada de 21 de novembro de 2001, a Corte Interamericana ratificou a ordem de seu Presidente, de 25 de outubro de  2001 e solicitou a Trinidad e Tobago que tomasse todas as medidas necessárias para preservar a vida e a integridade pessoal do senhor Ramlogan  de modo que não se obstaculizara o trâmite de seus casos perante o sistema interamericano para a proteção dos  direitos humanos.

 

III.        POSIÇÕES DAS PARTES

 

 A.         Posição dos peticionários

1.          Antecedentes das petições

 

10.          De acordo com a petição, o senhor Ramlogan foi detido no Village, Princes Town no Condado de Victoria, Trinidad e Tobago em 2 de abril de 1996, devido ao assassinato de Basdeo Baboolal, ocorrido em 1º de abril de 1996. O senhor Ramlogan foi processado em 9 de abril de 1996 e seu julgamento teve início em 5 de janeiro de 1999 perante o Juiz Moosai e o tribunal do júri do  Quinto Juizado Penal, Port of Spain Assizes, em Puerto España, Trinidad. Durante a maior parte do processo, o senhor Ramlogan foi representado pelo  senhor El Farouk Hosein.  Em 4 de março de 1999 o tribunal do júri declarou o senhor Ramlogan culpado da  morte de Basdeo Baboolal e na mesma data o juiz o condenou à pena de morte obrigatória.

 

11.          O senhor Ramlogan solicitou autorização para apelar contra sua setença perante o Tribunal de Apelações da  República de Trinidad e Tobago, e o  Tribunal desestimou sua solicitação em 4 de fevereiro de 2000.  O senhor Ramlogan solicitou então permissão  para apelar como pessoa pobre contra o pronunciamento do Tribunal de Apelações junto ao Comitê Judicial do Conselho Privado, que também rejeitou seu pedido em 15 de novembro de  2000.

 

12.          Durante o julgamento do senhor Ramlogan a promotoria argumentou que em  1º de abril de 1996 o senhor Ramlogan era um dos quatro ocupantes de um veículo detido pelo  agente de policía Pittiman, que vestia uniforme e patrulhava a pé em companhia do falecido cabo Basdeo Baboolal.  Durante a inspeção do veículo, por instruções do senhor Baboolal, o agente Pittiman encontrou em poder do senhor Ramlogan uma máscara de esquiador e algo que parecia ser uma arma. O senhor Ramlogan retirou então sua pistola e isto provocou um tumulto entre ele e o agente Pittiman, no qual foi atingido por um disparo o cabo Baboolal, que veio a falecer mais tarde.  O senhor Ramlogan foi advertido e interrogado pela polícia em seu domicílio quando o então o  senhor Ramlogan formulou certas declarações possivelmente incriminantes. Entre os arbustos de um lote baldío contigo à residência do senhor Ramlogan, foi encontrada uma pistola e onze projéteis. Posteriormente, o senhor Ramlogan prestou depoimento por escrito na polícia, sendo que  o segundo depoimento retratava o que havia dito no primeiro depoimento que continha afirmações possivelmente incriminantes.  

 

 2.          Posição dos  peticionários a respeito da competência

 

          13.          Com relação à competência da  Comissão para considerar a petição do senhor Ramlogan, os peticionários indicaram que são conscientes de que Trinidad e Tobago denunciou a Convenção a partir de 29 de maio de 1999.  Alegam que, não obstante esta denúncia, o artigo 78(2) da  Convenção é aplicável à petição do senhor Ramlogan, porque as violações denunciadas ocorreram antes da data em que foi efetivada a denúncia. Os peticionários argumentam que, de acordo com o artigo 78(2), a denúncia da  Convenção por parte de Trinidad e Tobago não surte o efeito de liberar este país de suas obrigações por atos que possam constituir violações da  Convenção, ocorridos antes da data em que se efetivou a denúncia. Por conseguinte, os peticionários argumentam que Trinidad e Tobago continua sujeita às disposições da  Convenção.

 

          14.          Os peticionários alegam que Trinidad e Tobago continua sendo parte da  Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem, de conformidad com o artigo 51 do Estatuto da  Comissão. Caso a Comissão não entenda que Trinidad e Tobago esteja sujeita às disposições da  Convenção, os peticionários solicitam que sua petição seja considerada em relação aos artigos da  Declaração.

 

3.          Posição dos  peticionários a respeito da admissibilidade

 

15.          Com relação à admissibilidade de sua reclamação, os peticionários indicam que o senhor  Ramlogan apelou da sentença perante o Tribunal de Apelações de Trinidad e Tobago, o qual indeferiu a apelação em 4 de fevereiro de 2000.  Posteriomente o senhor Ramlogan pediu permissão para apelar como pessoa pobre ao Comitê Judicial do Conselho Privado, a mais alta  instância de apelação que existe em Trinidad e Tobago. Tendo em vista o exposto, os peticionários alegam que o senhor Ramlogan esgotou todoslos recursos a seu alcance de conformidade com as leis de Trinidad e Tobago.

 

16.          Os peticionários alegam também que a matéria substantiva da petição do senhor Ramlogan não foi submetida a exame de outro procedimento de investigação ou acordo internacional.

 

 

4.          Posição dos  peticionários a respeito do mérito

 

17.          Quanto à avaliação da admissibilidade desta petição, a Comissão observa que os peticionários apresentaram as seguintes alegações:

 

a)     o Estado é responsável pela violação dos  artigos 4(1), 5(1), 5(2) e 8(1) da  Convenção Americana em relação a pena de morte obrigatoria imposta ao senhor Ramlogan.  Em particular, os peticionários alegam que as leis de Trinidad e Tobago não permitem que um tribunal determine se a pena de morte constitui um castigo admissível e apropriado para a suposta vítima, à luz de fatores como os antecedentes e a personalidade do senhor Ramlogan e de outros fatores atenuantes. A sentença, ao contrário, baseou-se exclusivamente na categoria do delito do qual ele foi declarado culpado ;

 

b)      o Estado é responsável pela  violação do artigo I da  Declaração Americana e do artigo 5(1) e 5(2) da  Convenção Americana, devido ao tratamento que foi dispensado ao senhor Ramlogan durante sua detenção e das condições desta. Os peticionários alegam que em  numerosas ocasiões o senhor Ramlogan foi vítima de atos de violência em mãos de funcionários policiais e carcerários, inclusive quando da sua detenção em 2 de abril de 1996. Os peticionários também alegam que, desde sua detenção, o senhor Ramlogan vem sendo mantido em condições insalubres, anti-higiênicas e violatórias das normas mínimas de tratamento humano;

 

c)      o Estado é responsável pela violação do artigo XXVI da  Declaração Americana e o artigo 8(2) da  Convenção Americana, porque não foi oferecido ao senhor Ramlogan a oportunidade suficiente para instruir aos advogados que foram designados para representá-lo e, em virtude disso, não pôde preparar sua defesa.  Os peticionários também afirmam que o senhor Ramlogan não foi informado do seu direito de contar com um advogado quando ficou sob custódia da polícia depois de sua detenção, foi obrigado a assinar uma  declaração, e teve apenas quinze a vinte minutos para conversar com seu advogado antes do julgamento.

 

          B.          Posição do Estado

 

          18.          Como indicado anteriormente, a Comissão transmitiu as partes pertinentes da  petição do senhor Ramlogan em 22 de janeiro de 2001, solicitando ao Estado que submetesse a informação pertinente em relação à petição dentro de um prazo de 90 dias. Apesar desta solicitação, a Comissão não recebeu nenhuma informação nem observações do Estado no que se refere às alegações contidas na petição do senhor Ramlogan.

 

          IV.         ANÁLISE

 

          A.          Competência da Comissão

 

19.      A República de Trinidad e Tobago passou a ser parte da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos quando depositou seu instrumento de ratificação deste tratado, em 28 de maio de 1991.[3]  Trinidad e Tobago denunciou posteriormente a Convenção Americana por meio de uma notificação apresentada com um ano de antecedência, em 26 de maio de 1998, de conformidade com o artigo 78 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o qual dispõe:

 

78(1) Os Estados Partes poderão denunciar esta Convenção depois de expirado um prazo de cinco anos, a partir da data da entrada em vigor da mesma e mediante aviso prévio de um ano, notificando o Secretário-Geral da Organização, o qual deve informar as outras Partes.

(2). Tal denúncia não terá o efeito de desligar o Estado Parte interessado das obrigações contidas nesta Convenção, no que diz respeito a qualquer ato que, podendo constituir violação dessas obrigações, houver sido cometido por ele anteriormente à data na qual a denúncia produzir efeito. 

 

20.          Em ocasiões anteriores,[4] a Comissão decidiu que, de conformidade com os  termos claros do artigo 78(2), os Estados Partes da  Convenção Americana acordaram que uma denúncia realizada por qualquer deles não liberaria ao Estado denunciante de suas obrigações estabelecidas na  Convenção a respeito das ações adotadas por esse Estado antes da data efetiva da  denúncia que podem constituir uma violação dessas obrigações. De acordo com a Convenção, as obrigações de um Estado parte  abarcam não somente aquelas disposições da Convenção relacionadas com os direitos e liberdades susbtantivos garantidos pela mesma, mas também as disposições relacionadas com os mecanismos de supervisão, incluidos aqueles contidos no  Capítulo VII da  Convenção relativos à jurisdição, funções e poderes da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos.[5]  Portanto,  apesar de Trinidad e Tobago ter denunciado a Convenção, a Comissão continuará tendo jurisdição sobre as denúncias de violações da  Convenção por parte de Trinidad e Tobago com relação às medidas adotadas pelo Estado antes de 26 de maio de 1999. Conforme a jurisprudência estabelecida,[6] isto inclui medidas adotadas pelo Estado antes de 26 de maio de 1999, inclusive se as consequências dessas medidas continuam manifestando-se depois desta data.

 

21.          Com respeito as medidas adotadas pelo Estado depois de 26 de maio de 1999, o Estado continua obrigado em virtude da  Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem, e da autoridade da  Comissão para supervisionar o cumprimento desse instrumento pelo Estado, o qual depositou seu instrumento de ratificação da Carta da  OEA em 17 de março de 1967 tornando-se assim um Estado membro da  OEA.[7]

 

22.          No presente caso, se as denúncias do senhor Ramlogan forem verdadeiras, a maioria dos  fatos ocorreu antes de 26 de maio de 1999 e outros ocorreram antes dessa data mas seus efeitos continuaram a se manifestar depois de 26 de maio de 1999. Em todo caso, nenhum dos  fatos denunciados parece ter ocorrido totalmente depois da data de efetividade da  denúncia da  Convenção Americana por parte de Trinidad e Tobago.  Por conseguinte, essas circunstâncias indicam que o Estado continua plenamente obrigado pelos artigos 4, 5 e 8 da Convenção Americana com respeito às alegações incluídas na petição do senhor Ramlogan.

 

C.          Admissibilidade

 

1.          Duplicação de procedimentos

 

23.          O artigo 46(1)(c) da  Convenção e o artigo 33(1) do Regulamento da  Comissão estabelecem que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela  Comissão, a matéria da  mesma não deve estar pendente de outro procedimento internacional, ou se essencialmente duplica uma petição pendente ou já examinada e solucionada pela  Comissão ou por outra organização governamental  internacional da qual o Estado em questão seja membro.

 

24.          Os peticionários que atuam em nome do senhor Ramlogan manifestaram que as denúncias formuladas nesta petição não foram submetidas a exame de outro procedimento de investigação ou acordo  internacional. O Estado não questionou sobre a duplicação. A Comissão, portanto, não encontra impedimento algum para considerar as reclamações do senhor Ramlogan de conformidade com o artigo 46(1)(c) da  Convenção Americana e o artigo 33(1) do Regulamento da  Comissão.

 

2.          Esgotamento dos recursos de jurisdição interna

 

25.          O artigo 46(1) da  Convenção e o artigo 31(1) do Regulamento da  Comissão estabelecem que para que uma petição ou comunicação apresentada conforme os artigos 44 ou 45 seja admitida pela  Comissão, é necessário o esgotamento prévio dos  recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos. A jurisprudência do sistema interamericano não deixa claro, porém,  que a regra que requer o esgotamento prévio dos  recursos internos está desenhada para o bem do Estado, já que procura eximir o mesmo de ter que  responder a acusações perante um órgão internacional por atos imputados a este antes de que tenha tido a oportunidade de repará-los por meios internos. Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, este requisito é considerado como um meio de defesa e, como tal, pode-se renunciar ao mesmo, incluso tácitamente. Ademais, uma renúncia, uma vez em vigor, é irrevogável.[8] Em face desta renúncia, a Comissão não está obrigada a considerar um possível impedimento à admissibilidade da petição que pudese ter sido adequadamente formulado por um Estado com relação ao esgotamento dos  recursos internos.

 

26.          No presente caso, o Estado não apresentou nenhuma observação nem informação  a respeito da admissibilidade das reclamações das supostas vítimas, de modo que a  Comissão considera que o Estado renunciou, de forma implícita ou tácita, a seu direito de objetar a admissibilidade das petições alegando o descumprimento do requisito de esgotamento dos  recursos internos. Portanto, a Comissão considera que as reclamações dos peticionários não enfrentam nenhum impedimento legal em virtude do artigo 46(1)(a) da  Convenção ou o artigo 31(1) de seu Regulamento.

 

3.          Prazo de apresentação da  petição

 

27          O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana e o artigo 32(1) do Regulamento da  Comissão estabelecem que para admitir uma petição é necessário: “que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus direitos tenha sido notificado da  decisão definitiva no âmbito interno”.

 

28.          No presente caso, a Comissão determinou que a República de Trinidad e Tobago renunciou a seu direito a argumentar que os recursos internos não estavam esgotados, e em consequência, o requisito contido no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana e o artigo 31(1) do Regulamento da  Comissão não são aplicáveis. Entretanto, o requisito sobre o esgotamento dos  recursos internos é independente do requisito da apresentação da petição dentro dos  seis meses seguintes à sentença que esgota os recursos internos.  A Comissão deve, portanto, decidir se esta petição foi apresentada dentro de um prazo razoável. A este respeito, a Comissão observa que o Comitê Judicial do Conselho Privado desestimou o pedido de autorização especial para interpor uma apelação, formulada pelo  senhor Ramlogan em 15 de novembro de 2000 e que a petição do senhor Ramlogan foi apresentada à Comissão em 12 de janeiro de 2001. Portanto, a Comissão considera que a petição do senhor Ramlogan foi apresentada dentro do prazo correto.

 

4.          Caracterização dos fatos alegados

 

29.          O artigo 47, letra (b) da  Convenção e o artigo 34(a) do Regulamento da  Comissão estabelecem que a Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 quando "não exponha fatos que caracterizem uma violação dos direitos garantidos por esta Convenção ou outros instrumentos aplicáveis. O artigo 47(d) da  Convenção e o artigo 34(b) do Regulamento da  Comissão estipulam que a Comissão considerará inadmissível qualquer comunicação quando a petição resulte da  exposição do próprio peticionário ou dol Estado  manifestadamente infundada ou seja evidente sua total improcedência.

 

30.          Neste caso, os peticionários alegam que o Estado violou os direitos do senhor Ramlogan consagrados nos  artigos 4, 5 e 8 da  Convenção Americana. Conforme a informação apresentada pelos  peticionários, resumida na  Seção III do presente relatório, e sem prejulgar o mérito do caso, a Comissão considera que as petições dos  peticionários contêm alegações de fato que, se provadas verdadeiras, tendem a presumir violações dos  direitos garantidos na  Convenção Americana, e que as declarações dos  peticionários não são  manifestadamente infundadas nem é evidente sua total improcedência. Por conseguinte, não há impedimento algum à admissibilidade das reclamações das petições, de conformidade com os artigos 47(b) e 47(c) da  Convenção e o artigo 34(a) e (b) do  Regulamento da  Comissão.

 

31.          Ademais,embora os peticionários não tenham alegado em sua petição, em virtude do princípio geral de direito iura novit curia,[9] a Comissão considera que as circunstâncias mencionadas na petição também tendem a estabelecer violações dos  artigos  1 e 2 da  Convenção Americana.

 

V.           CONCLUSÕES

 

32.      A Comissão Interamericana conclui que tem competência para examinar a denúncia do senhor Ramlogan e que as petições são admissíveis de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana e os artigos de 31 a 34 do Regulamento da  Comissão.

 

     33.            Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.          Declarar admissível a petição do senhor Ramlogan com relação aos  artigos 1, 2, 4, 5 e 8 da  Convenção Americana.

 

2.          Notificar o Estado e os peticionários desta decisão.

 

3.          Continuar com a análise sobre o mérito da questão.

 

4.          Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 9 de outubro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente,  Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert e Susana Villarán.

 


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[1] Lei de Delitos contra a Pessoa, (3 de abril de 1925), Leis de Trinidad e Tobago, capítulo 11:08. A Seção 4 da  lei  estabelece a pena de morte como castigo obrigatório pelo  delito de homicídio, e estipula que "toda pessoa culpada de homicídio deverá sofrir a pena de morte".

[2]  Durante o109 período extraordinário de sessões de dezembro de 2000, a Comissão aprovou o Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o qual  substituiu o Regulamento anterior da  Comissão de 8 de abril de1980. De acordo com o artigo 78 do Regulamento da  Comissão, o Regulamento entrou em vigência em 1º de maio de 2001.

[3] Documentos básicos em matéria de direitos humanos no Sistema Interamericano, OEA/Ser.L/I.4 rev.8 (22 de maio de  2001), p. 59.

[4] Ver por exemplo, Caso 12.342, Relatório Nº 89/01, Balkissoon Roodal contra Trinidad e Tobago, Relatório Anual da  CIDH 2001, par. 23.

[5] Ver de forma análoga Corte Interamericana de Direitos Humanos, Baruch Ivcher Bronstein c. Perú, Jurisdição, Sentença (24 de setembro de 1999), par. 37 (em que se indica que o dever dos  Estados Partes da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos de garantir   o cumprimento de suas disposições não somente é aplicável em relação as normas substantivas desse tratado mas também em relação as normas processuais).

 

[6] De conformidade com a jurisprudência da  Corte e da Comissão Interamericanas de Direitos Humanos e outros tribunais internacionais de direitos humanos, os instrumentos de direitos humanos podem ser aplicados corretamente com respeito a atos que ocorrem antes da  ratificação desses instrumentos mas que são de carácter permanente e cujos efeitos continuam depois da  entrada em vigor dos  instrumentos. Ver por exemplo Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Blake, Exceções Preliminares, Sentença de 2 de julo de 1996, Serie C, No. 27, par. 33-34 e 46; CIDH, João Canuto de Oliveira c. Brasil, Relatório Nº 24/98, Relatório Anual da  CIDH de 1997, par. 13-18.  Ver de forma análoga Corte Européia de Direitos Humanos, Papamichalopoulos et al. c. Grecia, 24 de junho de 1993, Serie A, Nº 260-B, pág. 69-70, 46.

 

[7]  O artigo 20 do Estatuto da CIDH dispõe que, em relação aos  Estados membros da  OEA que não son parte da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão examinará as comunicações que lhe sejam dirigidas e qualquer  informação disponível se dirigirá ao governo de qualquer dos  Estados membros não partes na  Convenção com o fim de obter mais informações que considere pertinentes e lhes formulará recomendações, quando o considere apropriado, para fazer mais efetiva a observância dos  direitos humanos fundamentais. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva OC-10/89 Interpretação da  Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem no marco do artigo 64 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 14 de julho de 1989, Serie A, Nº 10 (1989), par. 35-45; CIDH, James Terry Roach e Jay Pinkerton c. Estados Unidos, Caso 9647, Res. 3/87, 22 de setembro de1987, Relatório Anual de 1986-87, par. 46-49. 

[8] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, Series C, No. 25, par. 40.

[9]  Ver por exemplo, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Hilaire, Constantine e Benjamin e outros  contra Trinidad e Tobago, Setença de 21 de junho de 2002, par. 107.