RELATÓRIO N° 32/02

SOLUÇÃO AMISTOSA

PETIÇÃO 12.046

MÓNICA CARABANTES GALLEGUILLOS

CHILE*

12 de março de 2002

 

I.        RESUMO

 

1.       Em 18 de agosto de 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana” ou “a CIDH”) recebeu uma comunicação do Centro pela  Justiça e o Direito Internacional (“CEJIL”) na  qual se imputa responsabilidade a  República de Chile (doravante denominado “o Estado” ou “o Estado chileno”) em virtude da  negativa dos  tribunais deste pais em sancionar a ingerência abusiva na vida privada de Mónica Carabantes Galleguillos, quem reclamou judicialmente da decisão do colégio privado que a expulsou por ter ficado grávida.  Os peticionários alegam que o Estado é responsável internacionalmente pela  violação dos seguintes direitos garantidos pela  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”): direito à proteção da  honra e da dignidade (artigo 11) e à igualdade perante a lei (artigo 24).  Alegam  igualmente a violação da  obrigação geral de respeitar e garantir os direitos prevista no  artigo 1(1) e o dever de adotar disposições de direito interno previsto no artigo 2 do instrumento internacional citado.

 

2.       As partes formalizaram seu interesse em alcançar uma solução amistosa no  presente assunto nas reuniões de trabalho celebradas na sede da  CIDH em março e novembro de 2001, respectivamente.  Com base nas minutas assinadas em ambas oportunidades, o Estado propôs e deu cumprimento a uma série de medidas concretas, com a  anuência das vítimas. No  presente relatório, aprovado de acordo com o artigo 49 da  Convenção Americana, a CIDH resume os fatos denunciados, reflete o acordo das partes e sua execução e decide publicar o relatório.

 

II.       TRAMITE PERANTE A CIDH

 

3.       A CIDH transmitiu a petição ao Estado chileno em 24 de agosto de 1998 e solicitou-lhe que apresentasse suas observações num prazo de 90 dias.  A Comissão Interamericana reitereu esta solicitação em 29 de março de 1999, e fixou um novo prazo de 30 dias.  A pedido do Estado, a CIDH concedeu uma prorrogação de 60 dias a partir de 16 de abril de 1999.  O Estado solicitou uma nova prorrogação de 60 dias em 28 de junho de 1999.

 

4.       Os peticionários solicitaram em 6 de julho de 1999 que a CIDH aplicasse o  artigo 42 do Regulamento então vigente e presumisse a veracidade dos  fatos denunciados, perante a falta de resposta do Estado.  Em 8 de julho de 1999 o Estado chileno apresentou suas observações, que foram encaminhadas aos peticionários em 2 de agosto de 1999.  Em 9 de dezembro de 1999 o Estado transmitiu documentação adicional.[1]

 

          5.       Em 14 de janeiro de 2000 os peticionários apresentaram suas observações a resposta do Estado.  Em 15 de setembro de 2000, o Estado chileno enviou suas observações adicionais, as quais foram encaminhadas aos peticionários em 26 de setembro do mesmo ano.

 

          6.       Durante o seu 110° período ordinário de sessões, em 1° de março de 2001,  a CIDH levou adiante em sua sede uma reunião de trabalho com representantes das partes no  presente assunto.  Os acordos alcançados na ocasião foram compilados numa minuta incorporada ao expediente com as assinaturas dos participantes.  Em 27 de junho de 2001 a Comissão Interamericana solicitou às partes informação atualizada acerca dos pontos acordados.

 

          7.       Em  5 de outubro de 2001, o Estado chileno remeteu uma proposta de solução amistosa, e a Comissão Interamericana respondeu que poderia formalizar o acordo de solução amistosa na próxima reunião de trabalho.  Esta reunião foi celebrada em 15 de novembro de 2001 na  sede da  Comissão Interamericana, oportunidade em que foi elaborada uma minuta que reflete o acordado pelas partes. O documento rubricado pelos  participantes nesta  reunião de trabalho foi transmitido as partes em 21 de novembro  de 2001.

 

III.      OS FATOS

 

8.       Mónica Carabantes Galleguillos ingressou em março de 1992 no 5° ano de educação básica do colégio particular subvencionado “Andrés Bello”[2] na  cidade de Coquimbo, Chile.  Em fevereiro de 1997, o médico de Mónica Carabantes lhe informou que estava grávida, e no mês seguinte iniciou suas atividades estudantis correspondentes ao terceiro ano do ensino médio neste colégio.  Seus pais informaram pessoalmente a situação ao diretor do colégio, quem lhes prometeu apoio e “as facilidades do caso”.  Contudo, em 15 de julho de 1997, o diretor informou-lhes que Mónica Carabantes poderia terminar no colégio “Andrés Bello”  o ano escolar em curso mas que “por disposições regulamentares internas não  renovaria sua matrícula escolar para o período 1998-1999”.

 

          9.       O casal Carabantes dirigiu-se a Secretaria Regional do Ministério de Educação, onde formulou uma denúncia e solicitou que a autoridade educacional adotasse as medidas administrativas ou judiciais correspondentes.  Em 24 de julho de 1997 o advogado da  família Carabantes interpôs um recurso de proteção perante a Corte de Apelações de  Serena contra o colégio “Andrés Bello” a fin de que o tribunal estabelecesse a “privação e perturbação arbitrária e ilegal dos  direitos constitucionais da  senhorita Carabantes” por ter considerado sua gravidez como causa para não renovar sua matrícula escolar, em violação do direito a igualdade perante a lei consagrado no  artigo 19(2) da  Constituição Política do Chile.  O  recurso assinala “como fundamento de ilegalidade” a Circular N° 247 emitida pelo  Ministério de Educação em fevereiro de 1991 que se refere a alunas grávidas.[3]

 

          10.     A petição alega que enquanto o recurso judicial estava tramitando, as autoridades do colégio “foram consideravelemente hostis ” contra Mónica Carabantes, até o ponto de expusá-la durante um exame por ter-se apresentado com sete meses de gravidez.  O relatório do diretor do colégio entregue a Corte de Apelações de  Serena fundamenta sua atuação no  regulamento interno da  instituição e “na infração a marcos éticos e morais que pela idade e por regra geral deveriam assumir e viver os alunos do estabelecimento”, e argumenta que não foi violada nenhum dispositivo constitucional invocado pela família Carabantes.

 

          11.     Em 24 de dezembro de 1997, em decisão judicial unânime de primeira instância, a Segunda Sala da Corte de Apelações de  Serena decidiu indeferir o recurso de proteção.  Em sua decisão a Corte determinou que os atos do diretor do colégio eram lícitos e que o regulamento interno do Colégio “Andrés Bello” contém uma disposição segundo a qual as alunas que sejam mães durante o ano escolar em curso não poderão renovar sua matrícula no ano seguinte. Em 31 de dezembro de 1997 o representante de Mónica Carabantes apelou desta sentença perante a Corte Suprema de Justiça, que confirmou a decisão da  Corte de Apelações de  Serena em 18 de fevereiro de 1998.

 

IV.      A SOLUÇÃO AMISTOSA

 

12.     No  curso da  reunião de trabalho  sobre este assunto, celebrada em 1° de março de 2001, a Comissão Interamericana  constatou a boa vontade demostrada pelas partes a fim de alcançar a solução amistosa.  A minuta assinada na  oportunidade pelas partes expõe os compromissos assumidos:

 

O Governo de Chile aceita realizar as gestões tendentes a obter a “Bolsa Presidente da  República” para cobrir os custos da  educação superior da  senhora Mónica Carabantes Galleguillos e da  educação secundária e superior de sua filha.

 

Os peticionários comprometem-se  a facilitar o quanto antes toda a informação referente a senhora Carabantes Galleguillos e sua filha a fim de facilitar sua localização as autoridades chilenas para o efeito assinalado no parágrafo anterior.

 

O Governo realizará todas as gestões necessárias para a realização de um ato público de desagravo pela  situação de discriminação de que foi objeto a senhora Mónica Carabantes Galleguillos, a cargo das máximas autoridades regionais de  Serena.  Se for possível, tal ato se celebraria durante a presença da  CIDH no Chile durante o mês de abril de 2001.

 

O  Governo comunicará com os peticionários em duas semanas contadas a partir de 5 de março de 2001 a fim de conversar sobre os avanços nas gestões mencionadas na  presente minuta.

 

Ambas partes realizarão todos os esforços conjuntos destinados a assinar um acordo de solução amistosa durante a primeira semana de abril de 2001.

 

          13.     Em 7 de abril de 2001, durante o 111° período extraordinário de sessões celebrado no Chile, a Comissão Interamericana reuniu-se em  Serena com Mónica Carabantes e seus representantes para conversar acerca do avanço da  solução amistosa. 

 

14.     Em 5 de outubro de 2001 o Estado chileno remeteu uma comunicação com uma proposta de solução amistosa do assunto, informando que a mencionada proposta tinha sido aprovada pelos  Ministérios de Interior e de Educação do Chile, e que a peticionária o havia aprovado sem objeção alguma.  A proposta está descrita a seguir :

 

          1.         Bolsa

 

Proposta: O Governo compromete-se a beneficiar com uma Bolsa especial de 1,24 Unidades Tributárias Mensuais (UTM) a senhora Mónica Carabantes Galleguillos enquanto esteja cursando a educação superior. 

 

Os fundamentos da  proposta são os seguintes:

 

a)      O bolsa consiste num subsídio mensual equivalente a 1,24 UTM para ensino superior.

 

b)       A legislação vigente estabelece que o Conselho da Bolsa Presidente da  República pode, em situações extraordinárias, conceder bolsas especiais que não excedam em 0,5% das novas bolsas.

 

c)       Não é possível ainda conceder uma bolsa a filha da  Srta. Carabantes, no momento com três anos de idade,  tendo em vista que no Chile a educação básica pública é obrigatória e gratuita.

 

2.         Reparação simbólica

 

Proposta: O Governo daria publicidade as medidas reparatórias juntamente com as autoridades regionais, através de uma comunicação oficial sobre o assunto, reconhecendo que os direitos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a saber, o direito a não ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas na vida privada e o direito a igual proteção de lei da  peticionária foram violados ao não ser renovada a sua matrícula e obrigada a abandonar o estabelecimento educacional “Colégio Andrés Bello” de Coquimbo, colégio particular subsidiado onde estudava,   apenas pelo fato de estar grávida.  Ademais se difundirá a recente legislação (Lei N° 19.688), que modifica a Lei Orgânica Constitucional de Ensino, que contém normas sobre o direito das estudantes grávidas ou mães lactantes de aceder aos estabelecimentos educacionais.

 

15.     Em 15 de novembro de 2001 foi celebrada outra reunião de trabalho sobre o assunto.  Novamente a CIDH reconheceu a boa vontade das partes para solucionar o assunto através da via amistosa, e foi assinada uma minuta com os seguintes pontos:

 

As partes conversaram acerca dos  termos  da proposta de solução amistosa apresentada pelo  Governo de Chile em comunicação de 5 de outubro de 2001.  Em relação a data de início da  bolsa especial mencionada nesta proposta, a representante de Mónica Carabantes manifestou  inicialmente seu interesse em que a bolsa fosse efetivada com caráter retroativo a 1o. de março de 2001; e que, se possível,  fosse efetivada a partir da data de assinatura de acordo da solução amistosa, ou em 1o. de dezembro de 2001. 

 

O representante do Governo do Chile manifestou que tinha recebido instruções no  sentido de que, em caso de assinatura do acordo, este Governo concederia a bolsa a partir de março de 2002.  A respeito, a peticionária disse que necesitava consultar Mónica Carabantes a fim de dar a resposta a proposta do Governo.  O representante estatal reiterou a boa vontade do Chile, e aguardará a comunicação da  peticionária no  curso da  semana de 26 de novembro de 2001.

 

A CIDH destacou que a minuta da  reunião de trabalho anterior no processo da  solução amistosa deste assunto, assinada por ambas partes em 1o. de março de 2001, reflete a vontade do Estado de oferecer a Bolsa Presidente da  República e a intenção de ambas partes de assinar um acordo de solução amistosa na  primeira semana de abril de 2001.

 

Com base no exposto anteriormente, a CIDH assinalou que uma amostra concreta da boa vontade do Governo do Chile poderia ser o compromisso expresso de realizar todas as gestões destinadas a assegurar a bolsa referida a Mónica Carabantes a partir de março de 2002, independente da  assinatura do acordo de solução amistosa.

 

16.     Os peticionários remeteram a Comissão Interamericana uma cópia da  comunicação de 13 de dezembro de 2001 dirigida ao Diretor de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores do Chile.  Esta comunicação assinala, entre outras considerações, a disposição de Mónica Carabantes e de sua família em solucionar pela  via amistosa o presente assunto, motivo pelo qual aceitaram que a bolsa tenha início durante o ano acadêmico de 2002.[4]

 

V.      CONCLUSÕES

 

17.     Com base nas características particulares do presente assunto, a Comissão Interamericana impulsionou ativamente o procedimento de solução amistosa. O presente relatório resume a atividade das partes e reflete o acordo alcançado para sua conclusão.

 

18.     A Comissão Interamericana destaca que o mecanismo contemplado no  artigo 48(1)(f) da  Convenção Americana permite a conclusão das petições individuais de forma não contenciosa, como demonstrado em casos referentes a diversos países da  região.

 

19.     Com base nas considerações de fato e de direito antes expostas,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

DECIDE:

 

1.       Aprovar a solução amistosa alcançada no  presente asunto.

 

2.       Fixar o prazo de três meses, contado a partir da  transmissão do presente relatório, para que o Estado chileno informe acerca das medidas de reparação simbólica acordadas pelas partes no  presente assunto.

 

3.       Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual, a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 12 de março de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts.


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* O Membro da Comissão José Zalaquett Daher, nacional do Chile, não participou no exame ou votação da presente petição, conforme o artigo 17(2)(a) do Regulamento da  CIDH.

[1] O Estado chileno apresentou “um relatório da  Comissão de Educação, Cultura, Esportes e Recreação do  projeto de lei que modifica a Lei Orgânica Constitucional de Ensino e outras normas, proibindo práticas discriminatórias” e destacou que o artigo 1º inciso 2 do projeto referido “inclui expressamente a proibição de discriminar em detrimento das alunas grávidas”.

[2] Os peticionários explicam:

Os colégios particulares subvencionados são aqueles estabelecimentos de educação regidos pela Lei Orgânica Constitucional de Ensino Nº 18.692 de 10 de março de 1990 e, em especial, pelo disposto no  Decreto com força de Lei Nº 2 de 1996 do Ministério de Educação.  Em virtude destas disposições, certos colégios particulares podem aceder a subvenção por parte do Estado quando cumprem com os requisitos estabelecidos no  artigo 6º do Decreto com força de Lei Nº2, a fim de proceder a criação, manutenção e ampliação de estabelecimentos educacionais cuyj estrutura, pessoal docente, recursos materiais, meios de ensino e demais elementos próprios daqueles que proporcionem um adequado ambiente educativo cultural.  No caso do Colégio “Andrés Bello” a subvenção ou aporte que o Estado efetua através do Ministério de Educação é de  17.000.500 pesos chilenos (aproximadamente U.S.$ 41.000).

Comunicação dos  peticionários de 18 de agosto de 1998, pág. 2.

[3] O título IV N° 1 desta circular dispõe:

Os alunos que mudarem de estado civil e/ou encontrem-se em estado de gravidez, terminarão seu ano escolar no  mesmo estabelecimento na qualidade de aluno regular, aplicando-se os critérios gerais de procedimentos assinalados no  ponto III desta circular.  No ano seguinte, os alunos poderão continuar seus estudos em seus estabelecimentos de origem ou estabelecimentos diurnos, vespertinos ou noturnos.

[4] A comunicação indica que a suposta vítima e sua família aceitaram  que a bolsa cubrisse o ano acadêmico 2001, já que não haviam recorrido a CIDH por dinheiro, mas sim porque consideravam que os direitos humanos de Mónica Carabantes tinham sido violados e porque queriam um reconhecimento público deste fato.  Os peticionários ressaltaram  que aceitaram a proposta do Estado com a convicção de que “a vítima da  violação é quem tem o controle final do caso”, ainda que o montante da bolsa de 30.000 pesos chilenos lhes parecesse baixo  comparado com a mensalidade, que custa 70.000 pesos chilenos.