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RELATÓRIO
Nº 71/02 ADMISSIBILIDADE PETIÇÃO
12.360 SANTANDER
TRISTÁN DONOSO PANAMÁ 24
de outubro de 2002 I.
RESUMO 1.
O Centro de Assistência Legal Popular (CEALP) e o Centro pela Justiça
e o Direito Internacional (CEJIL) (doravante denominados "peticionários"),
apresentaram uma petição em 5 de julho de 2000 perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a "Comissão"
ou a "CIDH") contra a República do Panamá (doravante denominada
o "Estado" ou “Panamá"), na qual alegam a violação dos
seguintes direitos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (doravante denominada a “Convenção” ou a “Convenção
Americana”) em detrimento do senhor Santander Tristán Donoso (doravante
denominado “Tristán Donoso”): direito à honra e a dignidade (artigo
11(2)); direito à liberdade de expressão e de pensamento (artigo 13), bem
como direito às garantias judiciais (artigo 8) e direito à proteção
judicial (artigo 25); todos eles em conjunção com os deveres genéricos do
Estado de respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção
(artigo 1(1)) e de adotar medidas necessárias para fazer efetivos os
direitos e liberdades previstos neste tratado (artigo 2). 2.
Os peticionários alegaram que a interferência do telefone e a gravação
de uma conversa telefônica entre o advogado Santander Tristán Donoso com
seu cliente, e a posterior divulgação de seu conteúdo pelo Procurador
Geral da Nação, senhor José
Antonio Sossa Rodríguez (doravante denominado “Procurador Geral”),
constituem uma indevida intromissão na sua vida privada e na
confidencialidade e liberdade do exercício da sua profissão de advogado.
Numa conferência de imprensa o senhor Tristán Donoso denunciou
publicamente estes fatos e apresentou denúncia contra o Procurador Geral.
A Corte Suprema de Justiça (doravante
denominada "Corte Suprema") confirmou o arquivamento definitivo do
feito em favor do Procurador Geral e as investigações realizadas não
encontraram os responsáveis que ordenaram e executaram os fatos
mencionados. 3.
Os peticionários também alegan que devido à conferência de
imprensa, o Procurador Geral apresentou uma queixa contra o senhor Tristán
Donoso pelos delitos de calúnia
e injúria, cujo processo limita sua liberdade de expressão.
Informam que o senhor Tristán Donoso pediu que fosse declarada a
inconstitucionalidade desses delitos por meio de um recurso de
inconstitucionalidade perante a
Corte Suprema, o qual foi indeferido, o que permite que o processo siga seu
trâmite. Alegam que o Panamá não adotou as medidas necessárias para
adequar sua legislação e práticas nacionais à Convenção, dado que o
processo iniciado contra Tristán Donoso e a possibilidade real de uma sanção
de prisão pelo delito de calúnia e injúria constituiu uma forma
desproporcionada de restrição à liberdade de expressão ao impor um risco
desmedido a todo aquele que, no exercício de sua liberdade de expressão,
critica ou indica um possível abuso de poder por parte de funcionários do
Estado, informação esta de extrema importância para a sociedade em geral. 4.
O Estado solicitou que fossem declaradas inadmissíveis as alegações
dos peticionários relacionados com as supostas violações dos
direitos à vida privada, à liberdade de expressão, às garantias
judiciais e à proteção judicial. Com
relação ao direito à vida privada, alegou que a petição não tem nenhum
fundamento e que somente baseia-se em considerações pessoais porque não
obtiveram o resultado que esperavam. Argumenta
que no transcurso da investigação
foi determinado que não houve intervennção em nenhuma conversa
telefônica e que as provas haviam sido devidamente examinadas e avaliadas
pelas autoridades judiciais. Quanto
à suposta violação da liberdade
de expressão, considera que não foram esgotados os recursos da jurisdição
interna já que entende que deve a ação penal por calúnias e injúrias
que actualmente continúa na fase
plenaria deve ser esgotada. Em
relação à ação de inconstitucionalidade das normas do Código Penal, o
Estado alegou que a Corte Suprema a declarou inadmissível porque o mesmo
assunto havia sido decidido anteriormente. 5.
Ao analisar o presente caso, a CIDH concluiu que é competente para
conhecê-lo e declarou que a petição preenche os requisitos de
admissibilidade relacionados aos seguintes direitos: direito à honra e a
dignidade (artigo 11(2)); direito à liberdade de expressão e de pensamento
(artigo 13), bem como direito às garantias judiciais (artigo 8) e direito
à proteção judicial (artigo 25); todos eles em conjunção com os deveres
genéricos do Estado de respeitar e garantir os direitos consagrados na
Convenção (artigo 1(1)) e adotar as medidas necessárias para fazer
efetivos os direitos e liberdades previstos neste tratado (artigo 2). A CIDH decidiu notificar as partes desta decisão, publicá-la
e incluí-la no seu Relatório Anual à Assembléia Geral
da OEA. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO 6.
A petição foi recebida na CIDH em 4 de julho de 2000 e enviada ao
Estado em 26 de janeiro de 2000 solicitando a este que enviasse informação
num prazo de 90 dias. O Estado solicitou prorrogação de 30 dias em 17 de abril de
2001, a qual foi outorgada em 1º de maio de 2001.
O Estado respondeu em 30 de maio de 2001 e em 21 e em 27 de junho de
2001 remeteu informação adicional. Em
20 de julho de 2001 os peticionários apresentaram suas observações e em 8
de agosto de 2001 apresentaram informação adicional, solicitando audiência
perante a CIDH, a qual foi rejeitada em 29 de agosto de 2001.
Em 26 de setembro de 2001 o Estado enviou suas observações.
Em 9 de novembro de 2001 os peticionários remeteram suas observações
e 13 de dezembro de 2001 o Estado apresentou sua resposta.
Em 31 de janeiro de 2002 os peticionários encaminharam à CIDH suas
observações. Em 10 de março
de 2002 o Estado indicou que estavam pendentes comentários adicionais
relacionados com o presente caso. Em
3 de julho de 2002 os peticionários apresentaram informação adicional.
Em 9 de julho a CIDH recebeu uma comunicação dos peticionários
e em 9 de agosto de 2002 o Estado enviou suas observações. III.
POSIÇÕES DAS PARTES A.
Os peticionários a. Com relação à ingerência, gravação e publicação de uma conversa telefônica do senhor Tristán Donoso com seu cliente e a subsequente investigação penal contra o Procurador Geral
7.
Os peticionários alegam a violação arbitrária da vida privada e a
falta de proteção do exercício da advocacia (artigo 11(2)), devido à
interferência indevida de conversações telefônicas em 8 de julho de 1996
entre o advogado Tristán Donoso e seu cliente, o senhor Adel Sayed quem
estava sendo investigado por um caso da lavagem de dinheiro.
Esta conversação foi posteriormente divulgada pelo Procurador Geral
em duas ocasiões durante o mesmo mês de julho de 1996.
A divulgação do cassete havia sido reconhecida pelo Procurador
Geral, mas manifestou que a mesma não significava ser “fato público o
conteúdo da gravação”.[1]
8.
Os peticionários também alegam que o Estado violou os artigos 8 e
25 da Convenção no curso da denúncia apresentada pelo senhor
Tristán Donoso contra o Procurador Geral por diversos delitos.
Em face da solicitação da Procuradoria da Administração,
a Corte Suprema declarou o arquivamento do feito a favor do Procurador Geral. Em 22 de outubro de 1999, o senhor Tristán Donoso apelou
desta decisão porque se havia ignorado uma série de provas que demonstram
a violação da que tinha sido vítima e porque não procedeu-se a outras
linhas de investigação para determinar as responsabilidades.
Em 3 de dezembro de 1999 a Corte Suprema confirmou o arquivamento
definitivo do feito em favor do Procurador Geral e o denunciante foi
notificado em 4 de janeiro de 2000, executada no dia 5 de janeiro de 2000.
Os peticionários consideram que, com essa decisão, foram esgotados os
recursos da jurisdição interna e presumem que as intervenções telefônicas
foram realizadas pelo Estado já que este conta com os meios necessários
para efetuar estas ações.
b. Com relação ao
processo por calúnia e injúria iniciado pelo Procurador Geral contra o
senhor Tristán Donoso devido à coletiva de imprensa convocada para
denunciar a gravação e divulgação da conversa telefônica com seu
cliente 9.
Os peticionários alegam que o Estado violou o artigo 13 da Convenção
com relação da denúncia por calúnia e injúria iniciada pelo Procurador
Geral contra o senhor Tristán Donoso por ter convocado uma roda de imprensa
em 26 de março de 1999 onde denunciou a interferência e gravação telefônica
antes mencionadas. Os peticionários
consideram que as atuações neste processo criminal constituem violações
à liberdade de expressão e que tanto as leis que criminalizam essas
condutas como a eventual imposição de uma prisão preventiva durante o
processo ou uma condenação constituem uma carga desmedida ao legítimo
exercício da liberdade de
expressão. Também consideram
que o senhor Tristán Donoso foi forçado a sair do país apesar de que não
seja possível citar esta medida nos delitos
que lhe foram incriminados.[2]
Os peticionários também assinalam que em 25 de outubro de 2001 o
Procurador Geral promoveu um incidente de indenização pela soma
de um milhão cem mil balboas por conceito de danos e prejuízos materiais
provenientes das calúnia e injúria. 10.
Os peticionários alegam que o senhor Tristán Donoso esgotou dois
recursos de inconstitucionalidade contra as normas que regulam estes
delitos. O segundo recurso, que
é relevante para o caso em análise, foi apresentado em 28 de abril de 2000
contra as leis de desacato previstas nos artigos 172, 173, 173-A, 174 e 175
do Código Penal por contrariar a Constituição. Este recurso não foi admitido pela Corte Suprema em 24 de
maio de 2000, pois o objeto da demanda
já havia sido decidido pela própria Corte na sentença de 28 de outubro de
1998, a qual estabelece que as mencionadas normas do Código Penal não são
inconstitucionais. Os peticionários alegam que este recurso representava a única
oportunidade para combater as disposições de uma “lei de desacato”,
que é incompatível com a Convenção, e por esta razão, o Panamá não
adotou todas as medidas necessárias para adequar sua legislação e práticas
para o respeito deste instrumento. 11.
Sem prejuízo da argumentação antes exposta, com relação ao
requisito de esgotamento dos recursos internos para remediar a violação do direito à
liberdade de expressão, os peticionários também alegam que é aplicável
a exceção prevista no artigo 46(2)(a) da Convenção
pelas seguintes razões: a) Não existe na legislação
um recurso eficaz para a proteção do direito à liberdade de expressão
quando as opiniões referem-se a funcionários públicos e não é possível
combater a inconstitucionalidade das leis de calúnia e injúria, já que a
mesma Corte Suprema declarou que são constitucionais; b) As disposições
de calúnia e injúria previstas no Código Penal são contrárias à Convenção,
uma vez que tipificam o exercício da liberdade de expressão, porque
ensejam a ameaça de prisão ou multas para aqueles que insultam ou ofendem
um funcionário público e, ainda que sejam posteriores, não impedem que o
peticionário se expresse, “equivalem, não obstante, a uma censura, que
possivelmente o faz dissuadir de formular críticas desse tipo no futuro”.
O temor a sanções penais necessariamente desencoraja os cidadãos a
expressar suas opiniões sobre problemas de interesse público;
c) Existe uma prática reiterada do abuso deste tipo de processos por
parte de funcionários públicos. Agregam
que o senhor Tristán Donoso leva mais de três anos sofrendo a angústia da
continuação deste processo, seus possíveis resultados e a possibilidade
de enfrentar uma pena privativa da liberdade
pessoal. B.
O Estado a. Com relação à
ingerência, gravação e publicação de uma conversa telefônica do senhor
Tristán Donoso com seu cliente e a subsequente investigação penal contra
o Procurador Geral 12.
O Estado solicita a CIDH que declare inadmissível a petição
relacionada à intervenção, gravação e publicação de uma conversa
telefônica entre o senhor Tristán Donoso e seu cliente, porque não tem
nenhum fundamento objetivo e somente baseia-se em considerações pessoais
efetuadas com base na denúncia que apresentara e na qual não obteve o
resultado que esperava.[3]
O Estado alega que estes fatos foram objeto de uma investigação
administrativa por parte da Procuradoria Geral da Administração
e que os fatos que imputados contra o Procurador Geral foram concluidos com
uma decisão de arquivamento definitivo do feito emitida em 3 de dezembro de
1999 pela Corte Suprema. Esta
sentença foi notificada no dia 4 de janeiro de 2000, e cujo prazo venceu
"as 3:00 p.m. do dia seguinte cinco de janeiro, sem que fosse
apresentado recurso algum, motivo pelo qual se pode considerá-la legalmente executada". 13. O Estado alega que nesta decisão a mencionada Corte determinou que a intervenção telefônica e a gravação das conversas não foram ordenadas nem realizadas pelo Ministério Público, nem pelo Procurador Geral. Neste sentido, a sentença da Corte Suprema de 3 de dezembro de 1999 assinala que "aqueles que gravaram a conversa telefônica, por razões desconhecidas, foram membros da família Sayed e não o Ministério Público, especificamente, o Procurador Geral da Nação, como foi denunciado pelo advogado Santander Tristán".[4] O Estado também alega que neste processo as diversas provas apresentadas foram devidamente avaliadas. b. Com relação ao
processo por calúnia e injúria iniciado pelo Procurador Geral contra o
senhor Tristán Donoso devido à coletiva de imprensa convocada para
denunciar a gravação e divulgação da conversa telefônica com seu cliente 14.
Com relação à denúncia penal apresentada pelo Procurador Geral
contra o senhor Tristán Donoso pelos delitos
de calúnia e injúria, o Estado alegou que em 27 de junho de 2000 foi
decretado o arquivamento provisório deste tendo em vista que o delito
contra a honra não estava acreditado em seu aspecto objetivo.
Esta decisão foi apelada pela Quarta
Promotoria de Circuito e o
Tribunal Superior de Justiça do Primeiro Distrito Judicial decidiu abrir a
ação penal contra o senhor Tristán Donoso como suposto infrator do crime
contra a honra. Esta resolução
baseiou-se na falsidade da imputação de que havia sido o Procurador Geral quem tinha gravado a conversa telefônica, o
que permitiu provar o fato denunciado.
O Estado informa que atualmente este processo está pendente de decisão
e deve continuar com o seu trâmite. O
Estado panamenho solicita à CIDH que declare inadmissível esta parte da petição,
uma vez que não foram esgotados os recursos da jurisdição
interna e que continuam pendentes as exceções correspondentes. O Estado
também considera que não existen causas objetivas para eximir o peticionário
do cumprimento deste requisito. 15.
Cabe destacar que em relação aos recursos de inconstitucionalidade
interpostos por Tristán Donoso, o Estado alega que em 24 de maio de 2000 a
Corte Suprema decidiu não admitir a ação de inconstitucionalidade pois já
tinha uam decisão datada de 28 de outubro de 1998, a qual estabeleceu que
as normas base da imputação em prejuízo de Tristán Donoso não eram
inconstitucionais. O autor foi
notificado desta decisão em 5 de junho de 2000, sem que a tivesse
impugnado. IV.
ANÁLISE SOBRE A ADMISSIBILIDADE A. Competência ratione
pessoae, ratione loci, ratione temporis e ratione materiae da Comissão 16.
A Comissão tem competência para conhecer o presente caso.
Em primeiro lugar, a Comissão tem competência ratione
materiae, porque a petição
denuncia violações a direitos humanos protegidos nos
artigos 1, 2, 8, 11, 13 e 25 da
Convenção Americana. Em
segundo lugar, a Comissão tem competência ratione
pessoae em virtude da legitimidade
ativa e passiva,
pois os peticionários encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção
para apresentar denúncias perante a CIDH e a petição assinala como
suposta vítima um indivíduo. Em
terceiro lugar, a CIDH tem competência ratione
temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos
protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado
do Panamá na data em que ocorreram os fatos alegados na
petição, pois o Estado depositou seu instrumento de ratificação
em 22 de junho de 1978. Finalmente,
a Comissão tem competência ratione
loci visto que esta alega violações
de direitos protegidos na Convenção
Americana que teriam tido lugar
dentro do território do Panamá. B.
Outros requisitos de admissibilidade da petição a.
Esgotamento dos recursos internos 17.
O artigo 46(1)(a) da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos estabelece que para que uma petição ou
comunicação seja admitida pela Comissão,
é necessário o esgotamento prévio dos
recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do
direito internacional geralmente reconhecidos. A CIDH reitera que este
requisito tem como objetivo permitir que o Estado possa solucionar
previamente as questões formuladas dentro de seu próprio marco jurídico
antes de confrontar uma instância internacional.
A seguir a CIDH analisará o cumprimento deste requisito com relação
às violações alegadas pelos peticionários
nos processos judiciais que
envolvem o senhor Tristán Donoso. 18.
Em relação às alegações sobre as violações do direito a não
ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas na vida privada do senhor Tristán Donoso (artigo 11) e os direitos a um devido processo (artigo 8) e à
proteção judicial (artigo 25), os
peticionários alegam que o senhor Tristán Donoso esgotou os
recursos existentes na via interna, e especificamente interpôs a
correspondente denúncia que foi decidida pela Corte Suprema de Justiça em
3 de dezembro de 1999. O
Estado concordou com os peticionários que este processo finalizou com o
arquivamento definitivo em favor do Procurador Geral na data indicada.
A CIDH conclui que este recurso foi esgotado conforme o previsto no
artigo 46(1)(a) da Convenção. 19.
Quanto à suposta violação do direito à liberdade de expressão
(artigo 13), a CIDH nota que as partes tem posições diferentes sobre o
esgotamento dos recursos da jurisdição
interna. Por uma parte, o
Estado argumenta que não foram esgotados os recursos
da jurisdição interna visto
que deve-se esgotar o processo
penal por calúnia e injúria iniciado pelo Procurador Geral contra o senhor Tristán Donoso. O Estado aduz que este processo penal,
que considera “recurso”, não foi esgotado e que “estão pendentes as
exceções correspondentes”; considerou ainda que não existem causas
objetivas para eximir o peticionário do cumprimento deste requisito, já
que o processo penal continua em seu curso.
A CIDH nota que apesar destas afirmações, o Estado não indicou
nenhuma circunstância que justificara a adequação ou efetividade deste
“recurso”. Tampouco
informou sobre a existência de outro recurso interno adequado para remediar
a alegada violação ao artigo 13 da Convenção
embora afirme, como os peticionários, que o senhor Tristán Donoso esgotou
os recursos de inconstitucionalidade, os quais foram indeferidos pela Corte
Suprema. 20. A sua vez, os peticionários argumentaram que trata-se de duas coisas diferentes: por um lado, entendem que é ilógico e juridicamente anômalo exigir que uma pessoa esgote os recursos internos dentro de um procedimento que esta pessoa objeta ab initio e em sua totalidade. Nesse sentido, os peticionários consideram que o processo por calúnia e injúria por parte de funcionários públicos representa em sua totalidade uma violação à liberdade de expressão dos cidadãos panamenhos derivado de uma lei contrária à Convenção, como são as leis de desacato. Consequentemente, consideram que não cabe à vítima esgotar um recurso contra um processo que por sua natureza é ilegal e que está viciado por uma violação generalizada à liberdade de expressão. Ademais, alegam que a ação de inconstitucionalidade interposto pela vítima contra as “leis de desacato” representava a única oportunidade real para combater as disposições de uma lei de “desacato”, e tal recurso não foi admitido pela Corte Suprema de Justiça em 24 de maio de 2000. Portanto, este recurso foi esgotado de acordo com o previsto no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana. O segundo argumento dos peticionários é sensivelmente diferente: entendem que deve-se aplicar as exceções previstas no artigo 46(2)(a) da Convenção, e solicitam que os peticionários sejam eximidos da necessidade de esgotar recursos internos que, na prática, não podem alcançar seu objetivo, pelos motivos detalhados acima. [5] 21.
A Corte Interamericana já assinalou que o Estado que alega a falta
de esgotamento tem a seu cargo indicar os recursos internos adequados que
devem ser esgotados e de sua efetividade.[6]
Qaunto à distribuição do ônus da prova, a CIDH reitera que se o
Estado que alega a falta de esgotamento prova a existência de determinados
recursos internos que deverima ser utilizados, cabe aos peticionários
demonstrar que esses recursos foram esgotados ou que está configurada
alguma das exceções do artigo 46(2) da Convenção. 22.
A CIDH considera que, no
presente caso, o Estado não assinalou as razões pelas quais o processo penal iniciado contra o senhor Tristán
Donoso pelo delito de calúnia e injúria é um recurso adequado e eficaz para
remediar a violação alegada do artigo 13 da Convenção. Os
peticionários afirmaram que esgotaram o recurso de inconstitucionalidade
contra as normas previstas nos artigos
172 a 175 do Código Penal e o Estado limita-se a assinlar que este foi
indeferido pela Corte Suprema. Neste
caso o recurso adequado é a ação
de inconstitucionalidade e, portanto, os peticionários cumpriram com o
requisito de esgotamento dos recursos
internos. b.
Prazo de apresentação 23.
O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para
admitir uma petição é necessário: “que seja apresentada dentro do
prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus
direitos tenha sido notificado da decisão definitiva”. A
seguir se analisará o
cumprimento deste requisito para os recursos internos que envolverm o senhor
Tristán Donoso. 24.
Em primeiro lugar, com relação à suposta violação do direito à
vida privada os peticionários alegaram que a ação penal interposta pelo
senhor Tristán Donoso contra o Procurador Geral culminou com o arquivameno
definitivo que lhe foi notificado em 4 de janeiro de 2000.
O Estado concorda com os peticionários ao indicar que esta resolução
foi notificada mediante certidão datada de 4 de janeiro de 2000, a qual
venceu em 5 de janeiro, sem que
se tenha apresentado recurso algum, motivo pelo qual se pode considerá-la
legalmente executada. A petição
foi apresentada em 5 de julho de 2002; portanto, a CIDH conclui que com relação
a esta parte da petição foi
cumprido o requisito de apresentação dentro do prazo dos seis meses previstos no artigo 46(1)(b) da Convenção.
25.
Em segundo lugar, quanto à suposta violação do direito à
liberdade de expressão, a CIDH nota que o indeferimento do recurso de
inconstitucionalidade por parte da Corte Suprema foi notificado ao peticionário em 5 de junho de
2000. A petição foi
apresentada perante a CIDH em 5 de julho de 2000; portanto, a CIDH conclui
que a petição foi apresentada dentro do prazo previsto no articulo
46(1)(b) da Convenção. c.
Duplicação de procedimentos e coisa julgada 26.
O
artigo 46(1)(c) da Convenção
estabelece que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela
Comissão, a matéria da mesma
não deve estar pendente de outro procedimento internacional. O artigo 47(d)
da Convenção estabelece que a
Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação quando
seja substancialmente a reprodução de petição ou comunicação anterior
já examinada pela Comissão ou outro organismo internacional. No presente
caso, as partes não alegaram nem provaram que a matéria submetida à
consideração da Comissão esteja pendente de outro procedimento de acordo
internacional, nem que tenha sido decidida por outro organismo
internacional; tampouco reproduz uma petição já examinada pela Comissão.
Portanto, a Comissão conclui que estes requisitos estão satisfeitos. d.
Caracterização dos fatos alegados 27.
O artigo 47, letra (b) da Convenção
estabelece que a Comissão declarará inadmissível toda petição ou
comunicação quando "não exponha fatos que caracterizem uma violação
dos direitos garantidos por esta Convenção". No presente caso, os
peticionários alegaram que foram violados as seguintes normas: i.
Artigo 11, devido à
interferência e gravação de uma conversação telefônica entre o senhor
Tristán Donoso, quem prestava seus serviços como advogado, e seu cliente o
senhor Adel Sayed, e a posterior divulgação de seu conteúdo pelo
Procurador Geral; ii.
Artigo 13, visto que o Procurador
Geral apresentou uma queixa contra o senhor Tristán Donoso pelos delitos de
calúnia e injúria com motivo da roda de imprensa para denunciar os fatos
mencionados no parágrafo anterior, o que enseja uma ameaça e intimidação
ao exercício da liberdade de
expressão; iii.
Artigos 8(1) e 25, já que na decisão
decretada pela autoridade judicial competente no processo penal iniciado
pelo senhor Tristán Donoso contra o Procurador Geral devido à interferência,
gravação e publicação de uma conversa telefônica com seu cliente, inter
alia, não foram consideradas nem avaliadas provas relevantes,
nem foram estabelecidas as responsabilidades penais dos autores dos mencionados
fatos; iv.
Artigo 2, devido às normas
penais de desacato, as quais foram aplicadas no processo iniciado com base na denúncia apresentada pelo
Procurador Geral pelo delito de
calúnia e injúria contra o senhor Tristán Donoso.
28.
Depois de analisar as posições das partes, a CIDH considera que os
fatos alegados poderiam caracterizar violações à Convenção.
Portanto, a Comissão conclui que a petição cumpre com o requisito
do artigo 47(b) da Convenção.
V.
CONCLUSÕES 29
Ao analisar o presente caso, a CIDH conclui que é competente para
conhecê-lo e declara que a petição preenche os requisitos de
admissibilidade no que se refere aos direitos à proteção da honra
e a dignidade (artigo 11(2)), às garantias judiciais (artigo 8), liberdade
de expressão (artigo 13), e à proteção judicial (artigo 25), todos eles
em conexão com os deveres genéricos do Estado de respeitar e garantir os
direitos consagrados na Convenção Americana (artigo 1(1)) e adotar medidas necessárias
para fazer efetivos os direitos e liberdades previstos neste tratado (artigo
2). 30.
Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente,
e sem prejulgar o mérito da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE:
1.
Declarar admissível a presente petição no que respeita às alegações
de peticionário relativos às supostas violações dos artigos 1, 2, 8, 11,
13 e 25 da Convenção Americana. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise sobre o mérito da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser
apresentado à Assembléia Geral da OEA. Dado
e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., no dia 24 de outubro 2002. (Assinado): Juan Méndez,
Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José Zalaquett,
Segundo Vice-Presidente, Membros da Comissão
Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert e Susana
Villarán.
[ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ] [1]
Ver:
Declaração jurada
do Procurador José Antonio
Sossa de 24 de maio de 1999 perante a Procuradoria da
Administração, parágrafo 12. [2]
O artigo 2127 em concordância com o artigo 2128 do Código Judicial
assinalam que as medidas cautelares pessoais de proibição de abandonar
o território sem autorização judicial, e o dever de apresentar-se
periodicamente perante uma autoridade pública, bem como a detenção
preventiva, somente serão aplicáveis quando concorreram
duas circunstâncias: o acusado venha a fugir ou exista o perigo
de que tente fazê-lo e o delito contemple pena mínima de dois anos
de prisão (sublinhado dos peticionários). [3]
Comunicação do Estado recebida na
Comissão IDH em 2 de outubro de 2001, na qual remeteu um Relatório
da Procuradoria Geral da
Nação e da Corte
Suprema de Justiça. [4]
Ver: Decisão de 3 de
dezembro de 1999 pags. 17. [5]
Ver parágrafo 11. [6]
Comissão
IDH. Relatório Nº 02/01, Caso 11.280, Juan
Carlos Bayarri, Argentina, 19 de janeiro
de 2001. Par. 30.
A Corte IDH disse reiteradamente
que “[O]
Estado que alega o não esgotamento tem a seu cargo indicar os
recursos
internos que devem ser esgotados e sua efetividade.” Ver: Caso
Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença
de 26 de junho
de 1987, Série C No. 1, par. 88; Caso
Fairén Garbi e Solís Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26
de junho
de 1987, Série C No. 2, par. 8; Caso
Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença
de 26 de junho de 1987, Série C No.
3, par. 90; Caso
Gangaram Panday, Exceções Preliminares, Sentença de 4
de dezembro de 1991, Série C No.12,
par. 38; Caso
Neira Alegría e Outros, Exceções
Preliminares, Sentença de 11 de dezembro de
1991, Série C No.13, par. 30; Caso
Castillo Páez, Exceções Preliminares, Sentença
de 30 de janeiro de 1996, Série C No.
24, par. 40; Caso
Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31
de janeiro de 1996, Série C No.
25, par. 40; Exceções
ao Esgotamento dos Recursos
Internos (Art. 46.1, 46.2.a e 46.2.b Convenção Americana sobre Direitos
Humanos), Opinião Consultiva OC-11/90 del 10 de agosto de 1990,
Série A No.11, par. 41. |