...continuación           

C.      O mérito

89.     Como especificado na Parte III.A.1 deste Relatório, os peticionários neste caso alegaram as seguintes violações da  Convenção em relação ao Sr. Aitken:

(a)    violações dos  artigos 4(1), 4(2), 5(1) e 5(2) da  Convenção, em relação ao caráter                     obrigatório da  pena de morte imposta ao Sr. Aitken;

(b)     uma violação do artigo 4(6) da  Convenção, em relação ao procedimento disponível ao Sr. Aitken para anistia, o indulto ou a comutação da pena na Jamaica ;

(c)      violações dos  artigos 5(1) e 5(2) da  Convenção, em relação às condições de detenção do Sr. Aitken e o método de execução na Jamaica;

(d)       violações dos  artigos 8(2)(c), 8(2)(e) e 4(2) da  Convenção, em relação à eficiência da  representação jurídica proporcionada ao Sr. Aitken durante seu julgamento;

(e)        violações dos  artigos 24 e 25 da  Convenção Americana, em relação com à  incapacidade do Sr. Aitken para interpor uma ação de inconstitucionalidade na Jamaica

1.      Norma de exame

90.     Embora as partes tenham sugerido diversas normas a fim de orientar a Comissão na  determinação das questões sob seu exame, esta esclarece que empreenderá a análise do mérito da denúncia dos  peticionários através de um escrutínio riguroso da prova. Conforme esta norma de exame, a Comissão submeterá as alegações das partes a um exame mais rigoroso para assegurar que toda privação da  vida por parte do Estado em virtude de uma pena de morte cumpra estritamente com os artigos 4, 5 e 8 da Convenção.[23] Esta prova de um escrutínio mais rigoroso, como reconhecido  previamente pela Comissão, é compatível com o enfoque restritivo das disposições dos  tratados de direitos humanos sobre pena de morte adotado pela  Comissão e outras autoridades internacionais.[24]

91.     A Comissão também observa que uma análise mais rigorosa dos casos de pena capital não está impedida pela fórmula da quarta instância. De acordo com esta fórmula, a Comissão em princípio não pode examinar as sentenças prolatadas pelos  tribunais internos que atuem dentro de sua competência e com as devidas garantias judiciais, a menos que as alegações do peticionário ensejem uma possível violação de algum dos  direitos estabelecidos na  Convenção.[25] Dado que as alegações dos  peticionários implicam em violações independentes dos  artigos 4, 5, 8, 24 e 25 da  Convenção Americana em relação ao Sr. Aitken, a fórmula da quarta instância não tem aplicação no presente caso.         

2.       Artigos 4, 5 e 8 da Convenção  - O caráter obrigatório da  pena de morte

(a)      O Sr. Aitken foi sentenciado a uma pena de morte obrigatória

          92.     Os antecedentes do caso indicam que o Sr. Aitken foi condenado por homicídio punível com pena capital na Jamaica e sentenciado à pena de morte. Também indica que a sentença de morte foi imposta conforme a legislação da Jamaica que prescreve a pena de morte como o único castigo possível quando o réu é considerado culpado de homicídio punível com pena capital.

          93.     Como indicado na  Parte I do presente relatório e confirmado pelo Estado em suas observações, o Sr. Aitken foi condenado pelo  delito de homicídio punível com pena capital em virtude da  Lei de delitos contra a pessoa, emendada pela  Lei de delitos contra a pessoa (e emendas) de 1992, da Jamaica.[26]   A Seção 2(1)(d)(i) desta Lei define o delito de homicídio punível  com pena capital da seguinta maneira:

2.(1) Sujeito à subseção (2), o homicídio cometido nas seguintes circunstâncias é punível com pena capital, a saber:

[. . .]

(d) todo homicídio cometido por uma pessoa no  curso ou promoção de -

(i) roubo;

          94.     A Seção 3(1) da  Lei, por sua vez, prescreve a pena de morte como castigo obrigatório contra toda pessoa condenada por um delito punível com pena capital segundo a definição da  Seção 2 da  Lei:

2(1) Toda pessoa condenada por homicídio punível com pena capital será sentenciada à morte e em toda condenação desse tipo o tribunal pronunciará uma pena de morte, a qual será executada conforme vem sendo a prática até o momento; e toda pessoa que for condenada ou sentenciada em virtude da subseção (1A), será, depois de prolatada a sentença, confinada em lugar seguro dentro da  prisão, separada de todos os demais reclusos.

Nos  casos em que, em virtude da  presente seção, uma pessoa seja sentenciada à pena morte, a forma da execução da sentença será somente aquela que “sofrer a morte da  maneira autorizada pela  lei".

          95.     A Lei prescreve a morte como castigo obrigatório para todas as pessoas condenadas por homicídio punível com pena capital. A sua vez, este delito inclui o homicídio cometido no  curso ou promoção de certos delitos, incluindo o roubo, violação violenta de domicílio e incêndio intencional de uma residência. Consequentemente, uma vez que o júri conclui que o Sr. Aitken era culpado de homicídio punível com pena capital, o único castigo disponível era a pena de morte. A Comissão observa que o Estado não negou o caráter obrigatório do castigo imposto ao Sr. Aitken, mas sim argumentou que o exercício da  prerrogativa de clemência é suficiente para ter em conta as circunstâncias individuais do caso do Sr. Aitken.

          96.     Conforme os precedente da Comissão,[27] pode-se considerar que os delitos de homicídio punível com pena capital na Jamaica estão sujetos a “uma pena de morte obrigatória”, a saber, uma sentença de morte que a lei obriga à autoridade que pronuncia a sentença a impô-la unicamente com base na categoria do delito de que o réu foi considerado responsável. Uma vez que este é considerado culpado do delito de homicídio punível com pena capital, a pena de morte deve ser imposta. Portanto, o tribunal não pode levar em consideração as circunstâncias atenuantes ao sentenciar uma pessoa à morte, uma vez estabelecida a condenação por homicídio punível com pena capital. Contudo, a Comissão observa que existe uma exceção a esta norma na  legislação da Jamaica. A Seção 3(2) da  Lei excetua especificamente da  pena de morte as acusadas condenadas de delitos puníveis com a morte que estejam grávidas.[28]

          97.     Sendo assim, a pena para uma réu condenada por homicídio punível com pena capital, que o júri determinou que esteja grávida, é uma sentença de prisão perpétua, com ou sem trabalhos forçados, em lugar de uma sentença de morte.

          98.     Como indicado na Parte III(A)(3)(a) deste relatório, os peticionários alegam que a sentença de morte obrigatória imposta ao Sr. Aitken viola um ou mais dos  artigos 4(1), 4(2) e 5(2) da  Convenção Americana, principalmente porque o processo judicial na Jamaica não oferece oportunidade aos réus de apresentar circunstâncias atenuantes vinculadas a suas circunstâncias pessoais ou a seus delitos, para determinar se a pena de morte é um castigo adequado.

(b)      A sentença de morte obrigatória do Sr. Aitken e os artigos 4, 5 e 8 da  Convenção

99.     Em casos anteriores que envolvem a aplicação da  pena capital ao amparo da  Lei de delitos contra a pessoa da Jamaica, a Comissão avaliou o caráter obrigatório da  pena de morte conforme essa legislação e à luz do artigo 4 (direito à vida), o artigo 5 (direito a um tratamento humano) e o artigo 8 (direito a um julgamento imparcial) da  Convenção, e dos  princípios que informam esses dispositivos. Também analisou a pena de morte obrigatória à luz das autoridades pertinentes de outras jurisdições internacionais e nacionais, na  medida em que as mesmas podem informar as normas adequadas que podem ser aplicadas ao amparo da  Convenção Americana. Com base nestas considerações e nesta análise, a Comissão chegou as conclusões expostas a seguir.

100.   A Comissão concluiu que os órgãos supervisores dos  instrumentos internacionais de direitos humanos submeteram os dispositivos sobre a pena de morte de seus instrumentos reitores a uma norma de interpretação restritiva a fim de assegurar que a lei controla e limita as circunstâncias em que as autoridades estatais possam privar da  vida a uma pessoa. Isto inclui o estrito cumprimento das normas do devido processo legal.[29]

101.   Ademais, a Comissão identificou um reconhecimento geral por parte das autoridades nacionais e internacionais de que a pena de morte é uma forma de castigo que difere em substância e em grau de outros meios de castigo. É a forma absoluta de castigo que causa o confisco do mais valioso dos  direitos, o direito à vida e, uma vez implementada, é irrevogável e irreparável. A Comissão, consequentemente, determinou que, ao  interpretar o artigo 4 da  Convenção Americana, deve-se ter em consideração o fato de que a pena de morte é  uma forma excepcional de castigo.[30]

102.   Finalmente, a Comissão observou – e baseou-se - na determinação da  Corte Interamericana de Direitos Humanos em  sua Opinão Consultiva OC-3/83 que, segundo o texto do artigo 4 da  Convenção, devem ser tomadas em conta certas considerações vinculadas à pessoa do acusado que poderiam impedir a imposição ou aplicação da  pena de morte pelos  Estados partes que ainda não a tenham abolido.[31]

103.   No  contexto destas normas e princípios interpretativos, a Comissão avaliou a  legislação sobre a pena de morte obrigatória sob o amparo dos  artigos 4, 5 e 8 da  Convenção e concluiu que impor a pena de morte mediante uma sentença obrigatória, como de fato o faz a Jamaica a respeito do delito de homicídio punível com pena capital, não é compatível com o texto dos  artigos 4(1), 5(1), 5(2), 8(1) e 8(2) da  Convenção, nem com os princípios que informam estas disposições.[32] A Comissão observa a este respeito que desde sua decisão no  caso Haniff Hilaire contra Trinidad e Tobago[33] em 1999 de que a pena de morte obrigatória era incompatível com os direitos protegidos pelo sistema interamericano, outros tribunais internacionais e regionais chegaram a conclusões similares.  Uma maioria do Comitê de Direitos Humanos da  ONU, por exemplo, concluiu que a implementação de uma sentença de morte com base numa lei de sentença obrigatória viola o direito a não ser arbitrariamente privado da  vida, previsto no  artigo 6(1) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.[34] Ademais, uma maioria da  Corte de Apelações do Caribe Oriental determinou em abril de 2001 que a pena de morte obrigatória em San Vicente e Santa Lucia constitui um castigo ou tratamento desumano ou degradante contrário às constituições destes Estados.[35]

104.   À luz destas deficiências intrínsecas da  pena de morte obrigatória, a Comissão determinou que a imposição da  pena de morte de uma maneira compatível com os artigos 4, 5 e 8 da  Convenção exige um mecanismo efetivo pelo qual o réu possa apresentar argumentos e provas ao tribunal que decreta a sentença a fim de verificar  se esta pena é uma forma de castigo admissível ou adequada nas circunstâncias de cada caso. Na opinião da Comissão, isto inclui entre outros, argumentos e provas que possam avaliar se algum dos  fatores incorporados no  artigo 4 da  Convenção proibe a imposição da  sentença de morte.[36]

105.   Ao chegar a esta conclusão, a Comissão identificou um princípio comum as jurisdições democráticas que mantêm a  pena de morte, de acordo com o qual esta pena deve ser implementada somente mediante sentenças “individualizadas”.[37]  Mediante este mecanismo, o réu tem o direito de apresentar argumentos e provas a respeito de toda possível  circunstância atenuante relacionada com sua pessoa ou seu delito, e o tribunal que impõe a sentença dispõe de discricionariedade para considerar esses fatores ao determinar se a pena de morte é um castigo admissível ou apropriado. Os fatores atenuantes podem relacionar-se com a gravidade do delito ou o grau de culpabilidade do réu em particular, e poderiam incluir fatores tais como o caráter e os antecedentes do réu, fatores subjetivos que poderiam ter  motivado seu comportamento, o disenho e a maneira de executar o delito em particular e a possibilidade de reforma e adaptação social do delinquente.

106.   A Comissão observou também que a Jamaica já considerou apropriado prescrever em sua legislação um mecanismo atravé do qual o jurado pode determinar se uma acusada deve ser eximida da  pena de morte por estar grávida.[38]  Portanto, a Comissão considera que já existe um antecedente na legislação da Jamaica para ampliar esse mecanismo ou formular um outro similar que permita ao júri considerar outros possíveis fatores atenuantes vinculados ao delinquente para determinar se se deve impor a pena de morte nas circunstâncias de cada caso.[39]

107.   Aplicando estas conclusões ao contexto do presente caso, a Comissão confirma que o Sr. Aitken foi condenado pelo  delito de homicídio punível com pena capital de acordo com a Lei de delitos contra a pessoa da Jamaica. Uma vez que o réu foi considerado culpado de homicídio punível com pena capital de acordo com essa Lei, a seção 3(1) da  mesma requir que o tribunal imponha a pena de morte. Com a exceção dos dispositivos  das seções 3(2) a 3(6) da  Lei, que se refere às acusadas grávidas, não se indentificou disposição alguma dessa Lei que permita que um juiz ou júri considere as circunstâncias pessoais do réu ou de seu delito, como os antecedentes ou o caráter do mesmo, a fim de determinar se a pena de morte é uma sanção adequada para o réu em particular, nas circunstâncias de seu caso. Após  satisfazer os elementos da  seção 3(1) da  Lei, a morte é uma pena automática.

108.   Por conseguinte, a Comissão conclui que, uma vez que o Sr. Aitken foi considerado culpado de seu delito, a legislação da Jamaica não permitiu uma audiência frente aos  tribunais para determinar se a pena de morte era um castigo admissível ou apropriado. Não houve oportunidade do juiz ou o júri que atuaram no julgamento considerarem fatores tais como o caráter ou os antecedentes do Sr. Aitken, a natureza ou gravidade de seu delito, ou os fatores subjetivos que pudessem ter dado lugar a seu comportamento, para determinar se a pena de morte era um castigo adequado. Da mesma forma, o  Sr. Aitken se viu impedido de apresentar argumentos sobre estas questões, e não consta dos  antecedentes do caso nenhuma informação sobre os possíveis fatores atenuantes que poderiam ter sido apresentados em juízo . O tribunal o sentenciou unicamente com  base na categoria do delito de que foi considerado responsável.

109.   Nesse contexto e à luz de sua análise anterior das penas de morte obrigatórias, no  marco da  Convenção, a Comissão conclui que o Estado violou os direitos do Sr. Aitken consagrados nos  artigos 4(1), 5(1), 5(2) e 8(1) da  Convenção, conjuntamente com a violação dos  artigos 1(1) e 2 da  mesma, por sentenciá-lo a uma pena de morte obrigatória.

110.   Com respeito ao artigo 4(1) da  Convenção, a Comissão conclui que o tribunal que atuou no julgametno se viu obrigado pela  legislação do Estado a impor uma sentença de morte ao Sr. Aitken, sem discrecionariedade para considerar suas características pessoais nem as circunstâncias particulares de seu delito a fim de determinar se a morte era um castigo adequado. Tampouco foi oferecido ao Sr. Aitken uma oportunidade para apresentar argumentos e provas a fim de verificar se  a pena de morte era um castigo adequado nas circunstâncias de seu caso. Pelo contrário, a pena de morte lhe foi imposta de forma automática e sem distinção ou racionalização de princípios sobre se era uma forma de castigo adequada nas circunstâncias particulares de seu caso. Além disso, a adequação da  sentença imposta não foi sucestível de nenhuma forma efetiva de revisão judicial, e a execução e morte do Sr. Aitken em mãos do Estado é iminente, tendo sido mantida a sua condenação na instância superior de apelação da Jamaica. A Comissão, portanto, conclui que o Estado  violou com sua conduta o direito do Sr. Aitken consagrado no  artigo 4(1) da  Convenção a que seja respeitada a  sua vida e a de não ser privado de sua vida arbitrariamente.[40]

111.   A Comissão conclui, ademais, que o Estado, ao sentenciar o Sr. Aitken a uma pena de morte obrigatória, sem considerar suas circunstâncias individuais, não respeitou a integridade física, mental e moral do condenado, em contravenção do artigo 5(1) da  Convenção, e o submeteu a um castigo ou tratamento cruel, desumano ou degradante, em violação do artigo 5(2).  O Estado sentenciou ao Sr. Aitken a morte unicamente por ter sido condenado de uma categoria de delito predeterminada. O processo a que foi submetido o Sr. Aitken o priva do mais fundamental dos seus direitos, o direito à vida, sem considerar suas circunstâncias pessoais e as circunstâncias particulares de seu delito. Este tratamento não somente não reconhece nem respeita a integridade do Sr. Aitken como ser humano, mas também caracteriza-se como tratamento desumano ou degradante. Po conseguinte, o Estado violou o artigo 5(1) e 5(2) da  Convenção com respeito ao Sr. Aitken.[41]

112.   Por último, a Comissão conclui que o Estado violou o artigo 8(1) da  Convenção, conjuntamente com os requisitos do artigo 4 da mesma, ao submetê-lo a uma sentença de morte obrigatória. Ao negar ao Sr. Aitken uma oportunidade para apresentar argumentos e provas perante o juiz de primeira instância acerca de sua pessoa e se o delito admitia ou merecia a pena de morte, em virtude dos  termos do artigo 4 da  Convenção ou com outro fundamento, o Estado também negou ao Sr. Aitken o direito a responder e defender-se das acusações que lhe foram impostas, em contravenção ao artigo 8(1) da  Convenção.[42]

113.   De acordo com suas conclusões anteriores e contrariamente aos arguentos defendidos pelo  Estado, a Comissão considera que o exercício  da  prerrogativa de clemência pelo Conselho Privado da Jamaica não é compatível com as normas prescritas nos  artigos 4, 5 e 8 da  Convenção aplicáveis à imposição de sentenças de morte obrigatórias, nem pode, portanto, ser substituto destas. Como anteriomente explicado, esses requisitos incluem princípios e normas legislativas ou estabelecidos judicialmente que orientam os tribunais na  determinação da adequação das penas de morte em casos individuais, e um direito efetivo de apelação ou revisão judicial da  sentença imposta. O procedimento de prerrogativa de clemência na Jamaica, ainda que orientado pelos  requisitos mínimos de imparcialidade expostos na sentença do Comitê Judicial do Conselho Privado em Neville Lewis e outros,[43] não satisfaz estas normas e, por conseguinte, não pode servir de alternativa a uma sentença individualizada nos  processos que dão lugar à pena de morte.

114.   A Comissão entende que, caso o Estado executasse o Sr. Aitken conforme a sentença imposta, isto  constituiria uma nova violação deplorável e irreparável dos  direitos consagrados no artigo 4 da  Convenção.

3.       Artigo 4(6) da  Convenção e a Prerrogativa de Clemência na Jamaica

          115.   O artigo 4(6) da  Convenção dispõe que "toda pessoa condenada a morte tem  direito a solicitar a anistia, o indulto ou a comutação da  pena, os quais poderão ser concedidos em todos os casos.  Não se pode aplicar a pena de morte enquanto esta solicitação esteja pendente de decisão perante a autoridade competente”.

116.   Os peticionários neste caso também alegaram que o processo de concessão de anistia, indulto ou comutação da pena na Jamaica não é compatível com o artigo 4(6) da  Convenção, já que esse processo não confere certos direitos processuais que os peticionários afirmam são integrais para que seus direitos sejam eficazes. Neste sentido, as Seções 90 e 91 da  Constituição da Jamaica prescreve autoridade ao Executivo na Jamaica de exercer sua Prerrogativa de Clemência.[44]

117.   Ao abordar este assunto, a Comissão observa, em primeiro lugar, que no  caso de McKenzie e outros contra Jamaica, a Comissão determinou que o processo de Prerrogativa de Clemência utilizado na Jamaica, de conformidade com as seções 90 e 91 da  Constituição, no garantizava aos prisioneiros condenados uma oportunidade eficaz ou adequada de participar no  processo de clemência, tal e como requerido de conformidade com o artigo 4(6) da  Convenção.[45]

118.   A Comissão interpretou que o direito a solicitar uma anístia, indulto ou comutação da  pena em virtude do artigo 4(6) da  Convenção, quando combinado com as  obrigações do Estado que prescreve o artigo 1(1) da  Convenção, abarca certas garantias processuais mínimas para os prisioneiros condenados, a fim de queste direito possa ser respeitado e exercido. Estas proteções incluem do prisionero condenado de solicitar uma anistia, indulto ou comutação da  pena, de ser informado da  data em que uma autoridade competente considerará o seu caso, de formular declarações, em pessoa ou através da ajuda de um advogado perante a autoridade competente, e a receber desta uma decisão dentro de um período razoável, antes da  execução.[46] Também enseja o direito a que não lhe seja  imposta a pena capital enquanto a petição esteja pendente de decisão da autoridade competente. [47]

119.   Quando adotou sua decisão no  Caso McKenzie e outros, a informação recebida pela Comissão indicava que nem a legislação nem os tribunales na Jamaica garantizavam os prisioneiros nessa matéria proteção processual em relação ao exercício da  Prerrogativa de Clemência.  Pelo  contrário, os peticionários e o Estado nesse caso indicavam que, de conformidade com a jurisprudência interna nesse momento, o exercício do poder de indulto na Jamaica implicava um ato de clemência que não está sujeito aos  direitos jurídicos e, portanto, não é passível de enjuizamento, e citou a decisão do Comitê Judicial do Conselho Privado no  Caso Reckley, supra.

120.   Os peticionários confirmaram que depois da  decisão da  Comissão no  Caso McKenzie e outros, o Comitê Judicial do Conselho Privado emitiu uma sentença em 12 de setembro de 2000 no  caso Neville Lewis e outros contra o Procurador Geral da Jamaica, em que determinou que a petição de clemência por parte de um indivíduo conforme a Constituição da Jamaica é passível de enjuizamento.[48] O Comitê Judicial do Conselho Privado também  determinou que o processo de clemência deve ser exercido por meio de processos que sejam  imparciais e adequados, que requerem, por exemplo, que o réu seja notificado com tempo suficiente a respeito da data em que o Conselho Privado da Jamaica irá considerar seu caso, que tenha a oportunidade de formular declarações em apoio e receber cópias dos  documentos que o Conselho Privado considerará quando tome sua decisão.[49]

121.   Apesar da  decisão no  Caso Neville Lewis, não há informação neste caso que indique que o Estado tenha aplicado os requisitos jurídicos descritos nessa decisão ao Sr. Aitken.  Pelo  contrário, os peticionários insistem que até a emissão da  sentença do caso Neville Lewis, a legislação interna da Jamaica não conferia ao Sr. Aitken nos  direitos prescritos nesse caso e, portanto,  a substância de seu caso não foi afetada pelo fato de que o Conselho Privado da Jamaica já tenha-se reunido ou  não para examinar o exercício da  Prerrogativa de Clemência no seu caso.  O  Estado não proporcionou à Comissão nenhuma outra informação sobre a possibilidade e forma de considerar a Prerrogativa de Clemência nas circunstâncias do caso do Sr. Aitken, tendo em vista o Caso Neville Lewis.  Por conseguinte, conforme a informação disponível, a Comissão decide que o processo para procurar a anistia,  indulto ou comutação da  sentença a disposição do Sr. Aitken não lhe garantiu uma oportunidade eficaz ou adequada para participar no  processo de clemência.

122.   A Comissão conclui, portanto, que o Estado violou os direitos do Sr. Aitken de conformidade com o artigo 4(6) da  Convenção, juntamente com as violações dos  artigos 1(1) e 2 da  Convenção, ao negar-lhe um direito eficaz a solicitar anistia, indulto ou comutação da  pena.

4.       Artigos 4 e 5 da  Convenção – Condições de detenção e método de execução

123.   Os peticionários alegam que as condições de detenção do Sr. Aitken pelo  Estado constituem uma violação dos  direitos consagrados no artigo 5(1) da  Convenção a que seja respeitada a sua integridade física, mental e moral, e o artigo 5(2) da mesma, a não ser submetido a um castigo ou tratamento cruel, desumano ou degradante.

124.   Como descrito na  Parte III(A)(3)(c) do presente relatório, os peticionários formularam várias alegações em relação as condições de detenção do Sr. Aitken no  pavilhão dos  condenados a espera de execução, baseadas em parte no depoimento do Sr. Aitken.  Alegam  que no  momento de sua detenção, foi golpeado pelos  policiais.  Alegam ademais que desde sua condenação em outubro de 1997 o Sr. Aitken esteve detido no pavilhão  dos  condenados à espera de execução da  Prisão do Distrito de St. Catherine, onde encontra-se recluido em sua cela durante 23 horas e meia por dia e somente lhe é permitido sair dela durante aproximadamente 30 minutos ao dia para esvaziar seu balde e fazer exercício físico.  Também indicam que o Sr. Aitken não dispõe de um  colchão ou lençóis e dorme numa cam de cimento.  Segundo os peticionários, o Sr. Aitken não dispõe de serviços de higiene adequados e tem que utilizar um balde que é esvaziado apenas uma vez ao dia.  Além disso,  a cela do Sr. Aitken não dispõe de ventilação adequada, é muito quente e desconfortável, e a comida é  “deplorável e inadequada”. Os peticionários alegam que apesar de varias solicitações do Sr. Aitken, ele não foi visto  por um médico nem um dentista desde a sua condenação em 31 de outubro de 1997.

125.   Os peticionários afirmam que suas alegações são corroboradas por outras fontes de informação sobre as condições penitenciárias na Jamaica.  Estas incluem um relatório de 1993 elaborado pelas Americas Watch com respeito a pena de morte, as condições penitenciárias e a violência nas prisões da Jamaica, e um relatório de dezembro de 1993 da Anistia Internacional que propõe uma investigação sobre o falecimento e maus tratos dos  reclusos na  Prisão do Distrito de St. Catherine.

126.   O Estado argumenta que apesar destes relatórios, não se pode adotar uma posição geral cada vez que se apresenta uma denúncia a Comissão, mas que cada denúncia deve ser examinada individualmente.

127.   O Estado proporcionou uma versão consideravelmente distinta sobre as condições carcerárias no  pavilhão dos  condenados a espera de execução da  Prisão do Distrito de St. Catherine, fazendo referência aos depoimentos de novembro de 1998 referentes às condições de detenção de outro recluso que se encontra no  pavilhão dos  condenados a espera de execução,  Neville Lewis.  Conforme estes depoimentos, o Estado questiona a descrição do Sr. Aitken sobre suas condições de detenção e alega, por exemplo, que no  pavilhão dos  condenados a espera de execução os reclusos dispõem de colchões de espuma, tem lâmpadas elétricas dentro de suas celas, a ventilação nelas é muito boa e os reclusos podem limpá-las todos os dias sob a supervisão de um guarda.

128.   O Estado também alega que na  prisão há um oficial superior encarregado diaramente das comunicações com os reclusos para tomar nota de qualquer  queixa e que esta é tramitada oportunamente, e que as vezes o Superintendente escuta queixas particulares dos  reclusos e toma as medidas apropriadas para remediá-las. A respeito das condições médicas, o Estado afirma que na  Prisão do Distrito de St. Catherine há um centro médico com dois clínicos gerais e um psiquiatra, que o clínico geral trabalha no  centro médico todos os dias, e quando não está em serviço, está à disposição.

129.   Com base nestes antecedentes, a Comissão constata duas versões contraditórias acerca das condições de detenção do Sr. Aitken. Portanto, a Comissão tem que determinar qual delas é a mais é a mais confiável e, consequentemente, deve ser aceita como exacta. A respeito, a Comissão observa que os peticionários submeteram à Comissão detalhes específicos vinculados à situação pessoal do Sr. Aitken durante a detenção antes e depois das duas condenações, e aportaram provas. Como resposta, o Estado apresentou como prova uma declaração geral que não aborda especificamente a situação do Sr. Aitken, mas que oferece detalhes sobre as circunstâncias gerais e específicas de outro recluso em espera de execução, Neville Lewis.

130.   Embora pareca que o Sr. Aitken esteja detido nas mesmas condições que o Sr. Lewis,  a Comissão, como o próprio Estado indica, deve evitar adotar um critério generalizado sobre às condições carcerárias aos casos individuais. Pelo  contrário, a Comissão deve empenhar-se em examinar cada denúncia através de suas circunstâncias individuais. No  presente caso, o  Estado não aportou nenhuma evidência que especificamente contradiga ou aborde de alguma maneira o tratamento do Sr. Aitken durante sua detenção antes e depois da condenação. Pelo contrário, o Estado proporcionou informação sobre as condições gerais e específicas de outro recluso em espera de execução, sem evidências específicas sobre a alegada situação da vítima.

131.   Tendo em considerando a informação contida no expediente, e a falta de provas contraditórias do Estado em relação específica ao tratamento do  Sr. Aitken, a Comissão aceita as alegações dos  peticionários relacionadas às condições de detenção do Sr. Aitken depois de sua condenação. Segundo o Sr. Aitken, desde sua sentença decretada em outubro de 1997, suas condições são aquelas descritas a seguir:

(a)         permaneceu encerrado numa cela à espera de execução na prisão do distrito de St. Catherine em solitária por 23 ½ horas diárias;

(b)        não lhe foi providenciado uma colchão para dormir, sendo que dorme em uma  elevação de cimento;

(c)         a cela não tem mobília exceto uma jarra de água e um balde que usa como instrumento para fins sanitários, e que somente lhe permitem esvaziá-lo uma vez por dia;

(d)        sua cela é quente e desconfortável, não tem ventilação suficiente;

(e)         os níveis de saúde e higiene de reclusos à  espera de execução são deficientes, incluindo um desagüe de águas residuais em frente a sua cela, que está sempre causando enchente;

(f)         a comida fornecida é insuficiente e com frequência se sente indisposto depois de ingerí-la. Apesar de numerosos pedidos, não teve acesso a um médico nem a um dentista desde sua condenação em outubro de 1997;

(g)        a alimentação fornecida é insuficiente;

(h)        não existe um mecanismo adequado para tramitar as queixas dos reclusos.[50]

132.   A caracterização das condições de detenção do Sr. Aitken está corroborada por fontes de informação mais gerais aportadas pelos  peticionários em relação as condições carcerárias na Jamaica. Estas incluem um relatório de abril de 1993 da Americas Watch a respeito da  pena de morte, as condições carcerárias e a violência nas prisões da Jamaica, e um relatório de dezembro de 1993 da Anistia Internacional que propõe uma investigação da  morte e o maltrato de reclusos na  prisão do distrito de St. Catherine. Os relatórios aportam informação em relação ao maltrato de reclusos por parte dos  guardas, a inexistência de mecanismos efetivos de denúncia das condições e o tratamento nos estabelecimentos carcerários da Jamaica. No  relatório da Americas Watch de 1993, por exemplo, são formuladas as seguintes observações sobre as condições de detenção na Jamaica:

Em relatórios anteriores da Americas Watch foi comprovado que as prisões eram deploráveis: “celas pequenas, anti-higiénicas, infestadas de insetos, com luz deficiente ou inexistente, ventilação insuficiente...”. Um grupo do gabinete da Jamaica em 1989 manifestou-se  “escandalizado pelas deploráveis condições”.

Lamentavelmente não houve melhoras substanciais. O orçamento para a alimentação por recluso equivale a uns cinquenta centavos por dia. A prisão de St. Catherine, que alberga a 1300 reclusos é um espaço construido para 800 pessoas, foi cenário de motins entre 1990 e 1992 motivados pelas condições imperantes.  As condições sanitárias são deploráveis, devido a um problema de  esgoto e eliminação de resíduos insuficientes. As condições na Penitenciária Geral são basicamente similares. A comparação entre os recentes estudos e aqueles anteriores demonstra que a situação não melhorou.[51]

133.   A Comissão deve determinar se estas condições de detenção do Sr. Aitken são incompatíveis com os artigos 5(1) e 5(2) da  Convenção. Após examinar detalhadamente a informação disponível, a Comissão conclue que as condições de detenção do Sr. Aitken, quando se tem em conta os quase quatro anos que no pavilhão de condenados a pena de morte e a espera de execução, não satifaz as normas de um tratamento humano estabelecidas pelos  artigos 5(1) e 5(2) da  Convenção.

134.   Ao chegar a esta conclusão, a Comissão avaliou as condições do Sr. Aitken à luz de seus precedentes e outros da  Corte Interamericana, nos quais se determinou que  condições de detenção similares violavam o artigo 5 da  Convenção.[52] Assim como nesses  casos anteriores, os antecedentes do presente caso indicam que o Sr. Aitken foi detido em condições de confinamento a espera de julgamento e em solitária a espera de execução. As celas tinham higiene e ventilação insuficientes e o Sr. Aitken foi permitido sair de sua cela com muito pouca frequência e não tem acesso a um emprego ou atividades educativas. A informação dos  peticionários também indica que os reclusos são objeto de maus tratos por parte dos funcionários da  prisão e que o  Sr. Aitken foi agredido pela polícia no momento de sua detenção em julho de 1996. Estas observações, somadas ao prolongamento da  detenção, indicam que o tratamento recebido não satisfaz as normas mínimas dispostas nos  artigos 5(1) e 5(2) da  Convenção. Como observou a Comissão em casos anteriores, estas normas são aplicadas independentemente da natureza do comportamento pelo qual a pessoa em questão foi detida[53] e independentemente do nível de desenvolvimento do Estado parte da  Convenção.[54]

135.   Uma comparação das condições de detenção do Sr. Aitken com as normas internacionais para o tratamento de reclusos também sugere que este tratamento não respeita os requisitos mínimos de um tratamento humano. Em particular, os itens 10, 11, 12, 15 e 21 das Regras Mínimas da  ONU para o Tratamento de Reclusos,[55] que na opinião da Comissão oferecem uma referência adequada sobre as normas mínimas de tratamento humano aos prisioneiros, prescreve as seguintes normas mínimas a respeito do alojamento, higiene, tratamento médico e exercício:

10.       Os locais destinados aos reclusos e especialmente aqueles que se destinan ao alojamento dos  reclusos durante a noite, deverão satisfazer as exigências de higiene, tendo em conta o clima, particularmente no que concerne o volume de ar, superfície mínima, iluminação, aquecimento e ventilação.

11.          Em todos os locais onde os presos tenham que viver ou trabalhar:

a)                   As janelas terão que ser suficientemente grandes para que o preso possa ler e trabalhar com a luz natural; e deverão estar dispostas de maneira que possa entrar ar fresco, haja ou não ventilação artificial;

b)                   A luz artificial terá que ser suficiente para que o preso possa ler e trabalhar sem prejudicar a sua visão.

12.          As instalações sanitárias deverão ser adequadas para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais no momento oportuno, de forma asseada e decente.

15.          Se exigirá dos presos asseio pessoal e para tal terão água e os artigos de asseio indispensáveis para sua saúde e limpeza.

21.          (1)            O preso que não tenha um trabalho ao ar livre deverá dispor, se o tempo lhe permite, de uma hora pelo menos por dia de exercício físico adequado ao ar livre.

(2)           Os presos jovens e outros cuja idade e condição física o permitam, receberão exercício, educação física e recreativa durante um período reservado. Para isto, terão ao seu dispor o terreno, as instalações e o equipamento necessário.

136.   É evidente, com base nas alegações dos  peticionários, que o Estado não satisfez estas normas mínimas para um tratamento adequado dos reclusos. O efeito acumulativo de tais condições, somado ao prolongamento da detenção do Sr. Aitken em relação ao seu processo penal, não pode ser considerado compatível com o direito a um tratamento humano disposto no  artigo 5 da  Convenção.[56] 

137.   Consequentemente, a Comissão conclui que as condições de detenção do Sr. Aitken não respeitam a integridade física, mental e moral das vítimas como exigido pelo  artigo 5(1) da  Convenção e, em todas as circunstâncias, constitui um tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante contrário ao artigo 5(2) da  Convenção. Portanto, a Comissão conclui que o Estado é responsável pela violação destas disposições da  Convenção em relação a estas vítimas, conjuntamente com o descumprimento das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 1(1) da  Convenção.

138.   Os peticionários também afirmam que a execução na forca constitui um castigo ou tratamento cruel ou degradante contrário ao artigo 5(2) da  Convenção, e alegam que, portanto, o enforcamento é incompatível com os requisitos do artigo 4(2) da  Convenção que versa sobre a  implementação da  pena capital. Tendo em consideração as suas  próprias conclusões  expostas na Parte IV(C)(2) do presente relatório de que a sentença de morte do Sr. Aitken viola os artigos 4, 5 e 8 da  Convenção, o que torna ilegítima toda posterior execução, a Comissão não considera necessário determinar os fins da  presente denúncia se o método de execução empregado na Jamaica constitui um castigo ou tratamento cruel, desumano ou degradante contrário ao artigo 5(2) da  Convenção. Não obstante, a Comissão tem competência para determinar num caso futuro se a forca é um castigo ou tratamento cruel, desumano ou degradante em comparação com outros métodos de execução.

5.       Artigo 8 da  Convenção – Direito a um julgamento imparcial

139.   Os peticionários alegaram que o Estado é responsável pelas violações do artigo 8 da  Convenção em relação ao Sr. Aitken devido a  idoneidade da  representação jurídica que lhe foi oferecida durante o julgamento.

140.   Em especial, os peticionários alegam que, o Sr. Aitken teve muito dificuldade para dar instruções a seu advogado porque as únicas reuniões que teve com ele ocorreram na Corte durante o curso de seu julgamento.  Os peticionários também alegam  que escreveram em várias ocasiões no  julgamento ao advogado do Sr. Aitken solicitando-lhe informação sobre a preparação da  defesa do Sr. Aitken, mas que até a data se sua petição o advogado não havia respondido.

141.   O Estado, por sua vez, argumenta que não é responsável de nenhuma das violações alegadas visto que, de conformidade com a jurisprudência do Comitê de Direitos Humanos da  ONU, um Estado não pode ser responsável pelas supostas deficiências na  defesa dos  acusados ou dos supostos erros cometidos pelo  advogado da  defesa, a não ser que fosse evidente para o juiz que atuou no julgamento que o comportamento do advogado não era compatível com os interesses da  justiça.

142.   Com relação a esta matéria, a Comissão indica que, conforme o artigo 8(2)(d) da  Convenção, todo réu tem direito a defender-se pessoalmente ou a ser assistido por um defensor de sua eleição.  O artigo 8(2)(e) da  Convenção outorga a todas estas pessoas o direito inalienável a serem  assistidas por um defensor de ofício, remunerado ou não, de acordo com a legislação interna, se o acusado não se defende pessoalmente nem lhe tenha sido designado um defensor dentro do prazo estabelecido na lei.  O estrito cumprimento destas e de outras garantias do devido processo legal é crucial no  contexto dos  julgamentos por delitos puníveis com a pena capital. A Comissão também considera que estes direitos são aplicáveis em todas as etapas do processo penal contra o acusado, incluindo as etapas preliminares, caso existam, que permitem que o réu seja levado a julgamento, bem como em todas as etapas do próprio julgamento.  Para que estes direitos sejam efetivos, deve ser concedida ao réu uma oportunidade efetiva de contratar um advogado tão pronto seja possível depois de sua detenção. As obrigações do Estado neste sentido compreenden não somente providenciar um defensor público, mas também facilitar oportunidades razoáveis para que o réu  tenha contato com seu defensor.[57]

143.   Após examinar detalhadamente as alegações do Sr. Aitken em relação a eficácia da  representação jurídica de seu advogado no  julgamento, e com base no expediente disponível, a Comissão não pode concluir que o Estado seja responsável pelas  violações da  Convenção neste sentido. Neste caso, o expediente não indica que o Sr. Aitken tenha informado aos funcionários do Estado que considerava que sua representação legal fosse de alguna maneira insuficiente antes ou durante o julgamento. Ademais, na opinião da Comissão, a informação disponível não sugere que era claro ou manifesto ao juiz que atuou no  julgamento, que o comportamento do advogado era incompatível com os interesses da  justiça.[58]  Conforme estas considerações, portanto, a Comissão não encontra violações dos  artigos 4 e 8 da  Convenção com relação a este aspecto da petição do Sr. Aitken.

6.       Artigos 2, 8, 24 e 25 – Denegação de acesso a ação de inconstitucionalidade

144.   Os peticionários argumentam que foi denegado ao Sr. Aitken o recurso á proteção interna contra atos violatórios de seus direitos fundamentais, em contravenção dos  artigos 24 e 25 da  Convenção, dado que carecia de meios financeiros para interpor uma ação constitucional perante a Corte Suprema da Jamaica em relação à violação dos  direitos protegidos pela  Constituição desse país, e não existe assistência jurídica efetiva para interpor essas ações perante a justiça da Jamaica. Os artigos 24 e 25 da  Convenção estabelecem que:

Artigo 24. Igualdade perante a lei

Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei. 

Artigo 25. Proteção judicial

1.   Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

2.   Os Estados Partes comprometem-se:

a)   a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;

b)   a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e

c)   a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.

145.   Como indicado anteriormente, os peticionários sugerem que a interposição efetiva de ações constitucionais perante a justiça da Jamaica implicam em questões complexas e sofisticada de direito que requerem assistência jurídica. Os peticionários informam que o Sr. Aitken é indigente e que o Estado não providencia assistência jurídica para interpor ações constitucionais. Consequentemente, os peticionários alegam que o fato de que o Estado não providencie assistência jurídica para interpor ações constitucionais nega o acesso aos tribunais e a um recurso efetivo, de fato e de direito.

146.   Em resposta a esta afirmação, o Estado argumenta que os artigos 24 e 25 não impõem aos Estados partes a obrigação de oferecer assistência jurídica para ações constitucionais. O Estado denfende que, na realidade, o artigo 8(2)(e) da  Convenção somente obriga aos Estados partes a oferecer assistência jurídica para processos penais e, dado que a ação constitucional não é um processo penal, o Estado nega que exista uma violação da  Convenção.

147.   A Comissão entende que as ações penais com aspectos jurídicos da  natureza do procedimento referente ao Sr. Aitken, como o caráter obrigatório de sua sentença de morte e seu direito a um devido processo, são processual e substantivamente complexas e não  podem ser formulada ou apresentadas efetivamente por uma vítima sem representação legal. A Comissão também conclui que, na ausência de provas em contrário, o Sr. Aitken carece de meios financeiros para interpor sozinho uma ação constitucional e, com base nas observações dos  peticionários e do Estado, a Jamaica não fornece assistência jurídica aos indivíduos para interpor estas ações.

148.   Com base nesta análise e na jurisprudência da  Comissão, esta considera que o Estado está obrigado pela Convenção Americana a oferecer as pessoas um acesso efetivo a ações constitucionais que, em certas circunstâncias, podem requerer a prestação de assistência jurídica. Em especial, a Comissão considera que uma ação constitucional perante a Corte Suprema da Jamaica deve, como procedimento para determinar os direitos de uma pessoa, estar observar os requisitos de uma audiência imparcial, de acordo com o  artigo 8(1) da  Convenção. Ademais, nas circunstâncias do caso presente, em que a Corte Suprema teria que determinar os direitos do Sr. Aitken durante o seu julgamento e a correspondente sentença por um delito penal, a Comissão considera que os requisitos de um julgamento imparcial impostos pelo  artigo 8(1) da  Convenção devem ser interpretados de forma compatível com os princípios do artigo 8(2) da  mesma, incluindo o direito consagrado no  inciso e) do mesmo a uma assistência jurídica efetiva.[59] Sendo assim, quando um condenado procura uma revisão constitucional das irregularidades de um julgamento penal e carece de meios para contratar assistência jurídica a fim de interpor uma  ação constitucional, e quando os interesses da  justiça assim o  exigem, o Estado deve oferecer assistência jurídica. No  presente caso, a indisponibilidade efetiva de assistência jurídica negou ao Sr. Aitken a oportunidade de impugnar as circunstâncias de sua condenação penal num julgamento imparcial, sob o amparo da  Constituição da Jamaica e, portanto, constitui uma violação de seu direito a um julgamento imparcial conforme disposto no artigo 8(1).[60]

149.   Além disso o artigo 25 da Convenção outorga às pessoas o direito a um recurso simples e rápido perante uma corte ou tribunal competente para protegê-las contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou leis do Estado afetado ou pela  Convenção. A Comissão declarou que o direito a recorrer previsto no  artigo 25, em conjunção com a obrigação disposta no  artigo 1(1) e os dispositivos do artigo 8(1), “devem  ser entendidos como o direito de todo invidivíduo a recorrer a um tribunal quando algum dos seus direitos tenha sido violado (seja um direito protegido pela  Convenção, a Constituição ou a legislação interna do Estado afetado) e a obter uma investigação judicial a cargo de um tribunal competente, imparcial e independiente que estabeleça se houve ou não violação e, conforme o caso, fixe uma indenização”.[61]  Ademais, a Corte Interamericana entende que são necessários  serviços jurídicos como questão de direito ou de fato para reconhecer um direito garantido pela  Convenção e se a pessoa não pode obter estes serviços por ser indigente, está isenta do requisito de esgotar a via interna conforme estabelecido pela  Convenção.[62]  Embora a Corte tenha chegado a esta conclusão no contexto das disposições sobre admissibilidade da Convenção, a Comissão considera que esses comentários também são aplicáveis no  contexto do artigo 25 da  Convenção nas circunstâncias do presente caso.

150.   Ao não outorgar assistência jurídica ao Sr. Aitken para que esse pudesse propor uma ação constitucional no processo penal, o Estado impediu que ele utilizasse um recurso a uma corte ou tribunal competente na Jamaica para proteger-se contra atos que pudessem violar seus direitos fundamentais amparados na Constituição da Jamaica e na  Convenção. Consequentemente, o Estado não cumpriu as obrigações impostas pelo artigo 25 em relação ao Sr. Aitken.

151.     Da mesma forma, a Comissão conclui que o Estado não respeitou o direito consagrado pelo artigo 8(1) ao Sr. Aitken, ao negar-lhe uma oportunidade de impugnar num julgamento imparcial as circunstâncias de seu julgamento e a sentença, sob o amparo da  Constituição da Jamaica. A Comissão também conclui que o Estado não concedeu ao Sr. Aitken um recurso simples e rápido perante uma corte ou tribunal competente para obter proteção contra atos que violam os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição e a legislação do Estado afetado e pela Convenção, motivo pelo qual violou os direitos à proteção judicial consagrados no  artigo 25 da  Convenção.

152.   À luz destas conclusões, a Comissão não considera necessário determinar se o Estado violou o artigo 24 da  Convenção em relação com a denegação ao Sr. Aitken de apresentar um recurso de inconstitucionalidade na Jamaica.

V.      ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO 117/01

          153.   A Comissão examinou o presente caso no  curso de seu 113o período ordinário de sessões e em 15 de outubro de 2001 aprovou o Relatório N° 117/01, de conformidade com o artigo 50 da  Convenção Americana.         

154.   Em 25 de outubro de 2001 a Comissão remeteu ao Estado o Relatório N° 117/01, solicitando que o Governo da Jamaica informasse à Comissão dentro de um prazo de dois meses acerca das medidas que tivesse adotado para dar cumprimento as recomendações formuladas para resolver a situação denunciada.

155.   Em 25 de dezembro de 2001, data de vencimento do prazo de dois meses, a Comissão não havia recebido nenhuma resposta do Estado ao Relatório N° 117/01.         

          156.   Tendo em vista a relação com a questões formuladas no presente caso, cabe mencionar que em 21 de junho de 2002 a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu  a sentença no caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros contra Trinidad e Tobago.[63] A  Corte concluiu, entre outras coisas, que a pena de morte obrigatória em virtude da  Lei de delitos contra a pessoa de Trinidad e Tobago de 1925 viola o direito das vítimas à vida, consagrado nos  artigos 4(1) e 4(2), em conjunção com o  artigo 1(1) da  Convenção, posto que “impõe automática e genericamente a aplicação da  pena de morte por homicídio e desconhece o fato de que esse homicídio pode ter distintos graus de gravidade”, e “impede que o juiz considere as circunstâncias básicas para estabelecer o grau de culpabilidade e individualizar a sentença, pois obriga a imposição indiscriminada da mesma pena por comportamentos que podem  ser muito diferentes”.[64]

VI.      CONCLUSÕES

A Comissão, com base nas considerações de fato e de direito expostas anteriormente, e na falta de resposta do Estado ao Relatório N° 117/01, ratifica as seguintes conclusões:

157.   O Estado é responsável pela violação dos  artigos 4(1), 5(1), 5(2) e 8(1) da  Convenção com respeito ao Sr. Aitken, juntamente com as violações dos  artigos 1(1) e 2 da  Convenção, por sentenciá-lo à pena de morte obrigatória.

158.   O Estado é responsável pela violação do artigo 4(6) da  Convenção com respeito ao Sr. Aitken, juntamente com violações dos  artigos 1(1) e 2 da  Convenção, por não conceder-lhe o direito efetivo a solicitar a anistia, o indulto ou a comutação da  pena.

159.   O Estado é responsável pela violação dos  artigos 5(1) e 5(2) da  Convenção com respeito ao Sr. Aitken, juntamente com violações do artigo 1(1) da  Convenção, em razão de suas condições de detenção.

          160.   O Estado é responsável pela violação dos  artigos 8(1) e 25 da  Convenção com respeito ao Sr. Aitken, juntamente com as violações do artigo 1(1) da  Convenção, por negar ao Sr. Aitken acesso a um recurso de inconstitucionalidade para a determinação de seus direitos de conformidade com a legislação interna e a Convenção em conexão com o processo penal movido contra ele.

          161.   O Estado não é responsável pela violação dos  artigos 4 e 8 da  Convenção, em conexão com a idoneidade de sua representação jurídica no  julgamento.

          VII.     RECOMENDAÇÕES

Com base na análise e nas conclusões que constam do presente relatório,

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS REITERA AS SEGUINTES  RECOMENDAÇÕES AO ESTADO DA JAMAICA:

1.       Outorgue ao Sr. Aitken uma reparação efetiva que inclua a comutação da  pena e uma indenização.

2.       Adote as medidas legislativas e de outra índole necessárias para garantir que não seja imposta a pena de morte em violação dos  direitos e liberdades consagrados nos artigos 4,5 e 8 da Convenção.

3.       Adote as medidas legislativas e de outra índole necessárias para garantir a efetividade na Jamaica do direito de solicitar a anistia, o indulto ou a comutação da  pena, consagrado no  artigo 4(6) da  Convenção.

4.       Adote as medidas legislativas e de outra índole necessárias para garantir que as condições de detenção do Sr. Aitken cumpram com as normas de tratamento humano recomendadas pelo  artigo  5 da  Convenção.

5.       Adote as medidas legislativas e de outra índole necessárias para garantir a efetividade na Jamaica do direito a uma audiência imparcial, consagrado no  artigo 8(1) da  Convenção, e do direito à proteção judicial, consagrado no  artigo 25 da  mesma, em relação às ações constitucionais, de conformidade com a análise da  Comissão neste relatório.

VIII.    PUBLICAÇÃO

162.   Em 18 de março de 2002, a Comissão remeteu ao Estado e aos peticionários o conteúdo do presente relatório, aprovado com o  Nº 31/02, conforme o artigo 51 da  Convenção, outorgando ao Estado um prazo de um mês para informar sobre as medidas que tivesse adotado para dar cumprimento as recomendações da  Comissão. O Estado não apresentou nenhuma resposta dentro do prazo prescrito pela Comissão.

163.   Tendo em vista as considerações expostas anteriormente e a falta de uma resposta por parte do Estado ao Relatório Nº 31/02, a Comissão, de conformidade com o artigo 51(3) da  Convenção Americana e do artigo 48 de seu Regulamento decide ratificar as conclusões e reiterar as recomendações neste relatório, publicá-lo e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da  Organização dos  Estados Americanos. A Comissão, conforme as normas contidas nos  instrumentos que regem seu mandato, continuará avaliando as medidas adotadas pelo  Estado da Jamaica com respeito as recomendações mencionadas anteriormente até que a Jamaica as tenha cumprido por completo.

Dado e assinado na cidade de Washington, D.C., aos 21 dias de mês de outubro de 2002. (Assinado): Juan E. Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts e Susana Villarán, Membros da Comissão.


OPINÃO CONCORRENTE DO MEMBRO DA COMISSÃO HÉLIO BICUDO[65]

1. Embora apóie as conclusões, fundamento e motivos de meus companheiros  membros da Comissão neste relatório, gostaria de analisar o assunto mais a mérito e expressar minha opinião com respeito a legitimidade da pena de morte no sistema interamericano.  

2. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na 9a. Conferência Internacional Americana, realizada em Santa Fé de Bogotá em maio/ junho de 1948, afirmou que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa” (Artigo 1°), e mais, que “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, sexo, idioma, credo religioso, ou qualquer outro que seja” (artigo 2°).

3.                  Em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, proclamada em 22 de novembro desse mesmo ano em São José da Costa Rica, dispõe em seu artigo 4°, que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida” e que “esse direito estará protegido pela lei, em geral, a partir do momento da concepção”. E mais, que "ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

4.       Ainda a Convenção Americana, ao incluir no âmbito dos direitos civis e políticos o direito a integridade pessoal, estabelece que “ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.

5.      Entretanto, a pena de morte e consentida pela Convenção Americana, na sua versão original. Nesse sentido, o seu artigo 4°, inciso 2°, admite a pena capital naqueles Estados partes que não a tenham abolido até o momento de sua edição e, naturalmente, posterior ratificação, e, assim mesmo, de forma excepcional: para os delitos de maior gravidade.

6.      Trata-se, sem dúvida, de uma contradição, relativamente aos dispositivos citados, que repelem a tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

7.      Realmente, a Declaração Americana resguarda a vida como um direito primordial e a seguir, a Convenção Americana repudia, como vimos, a tortura ou a imposição de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Ora, tenha-se, desde logo, que a eliminação de uma vida e o que se poderia qualificar como o ponto culminante da tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

8.      Tem-se, assim, a impressão de que a tolerância expressa no inciso 2°, do artigo 4° da Convenção Americana, revela, tão somente a adoção de uma posição política de conciliação entre as Partes contratantes, para aprovar-se o dispositivo mais geral, relativo ao direito a vida.

9.      Antes, entretanto, de aprofundarmos uma reflexão sobre o verdadeiro alcance da aludida permissão para a permanência da pena capital naqueles países que já continham em suas leis penas, no momento de sua aprovação aos termos da Convenção, convêm notar que a Convenção Interamericana para prevenir e sancionar a Tortura, subscrita em Cartágena de Índias, Colômbia, a 9 de dezembro de 1985, define o que se deve entender por tortura: “é todo ato realizado intencionalmente pelo qual se inflijam a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio intimidatório, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim” (artigo 2°).

10.  Veja-se que esse dispositivo fala em tortura como pena ou castigo pessoal, segundo qualquer finalidade.

11.  Pois bem, a condenação à morte, por si só, impõe ao condenado um sofrimento que não é, sequer, mensurável. Já se imaginou a angustia a que se sujeita um condenado a morte, ao ouvir a sentença, ao depois, ao aguardar o momento da execução? Seria, sequer, possível avaliar o sofrimento de pessoas que esperam, nos chamados “corredores da morte”, pela sua execução, por vezes postergada por vários anos? Nos Estados Unidos da América, menores de 15, 16, 17 anos, que praticaram homicídio e foram condenados a morte, aguardam, por vezes, quinze anos ou mais anos, pela sua execução. Pode-se considerar maior sofrimento? Entre a esperança e a desesperança, até o encontro final com o carrasco?

12.  Acrescente-se que os Estados Membros da OEA, ao adotarem a Convenção Americana sobre desaparecimento forçado de pessoas, reafirmaram que “o sentido da solidariedade americana e de boa vizinhança não pode ser outro que o de consolidar neste Hemisfério, dentro do espírito das instituições democráticas, um regime de liberdade individual e da justiça social, fundado no respeito aos direitos essenciais do homem”.

13.  Caberia recordar que nos anos de 1998 e 1999, os Estados Unidos da América foram o único país do mundo conhecido por executar jovens menores de 18 anos. A esse propósito vale observar que os Estados Unidos da América são parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e políticos desde setembro de 1992 e que o inciso 5° do artigo 6°desse Pacto estipula que a pena de morte não será imposta a menores de 18 anos nem a mulheres grávidas. Embora ao ratificar o aludido Pacto o Senado norte-americano tenha emitido reserva relativamente a esse dispositivo, existe hoje um consenso internacional quanto à nulidade dessa reserva a luz do disposto na alínea “c”, do artigo 19 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Esta, em suma, delega ao Estado a faculdade de formular reservas, desde porém, que não sejam incompatíveis com o objeto e propósito do Tratado.

14.  Em junho deste ano (2000), no Estado do Texas (USA), foi executado Shaka Sankofa, antes conhecido como Gary Graham, condenado por um crime que teria cometido quando contava 17 anos de idade. Foi executado depois de 19 anos de espera no corredor da morte, apesar das solicitações formalmente apresentadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ao Governo Americano, com o fim de que se suspendesse o ato extremo, até que se decidisse sobre queixa apresentada em seu nome à aludida Comissão, pois havia sérias dúvidas sobre a autoria do delito atribuído ao paciente. O não atendimento por parte do Governo Americano, que não poderia escapar à competência da CIDH, no âmbito da proteção dos Direitos Humanos no hemisfério, segundo a Declaração Americana, provocou um comunicado a imprensa, estranhando e profligando esse procedimento, em tudo contrário ao funcionamento do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos. [66](ver em nota de rodapé o inteiro teor do comunicado de imprensa da CIDH).

15.  Por outro lado, a Convenção Americana para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra a mulher, proclamada em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, impede a submissão da mulher à pena de morte. É o que se deduz do disposto em seu artigo 3°, ao afirmar “que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no 6ambito público, como privado”, e repete no artigo seguinte que dentre seus direitos compreende-se o “direito a que se respeite sua vida”. Entre os deveres do Estado, dispõe, ainda, a Convenção de Belém do Pará, inclui-se a de “abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal, agentes ou instituições se comportem na conformidade com esta obrigação”. Ora, com a afirmativa de que toda a mulher tem direito à vida, e uma vida livre de violência, negando-se ao Estado qualquer ação ou prática contra a mulher, parece evidente que a Convenção de Belém do Pará proíbe a aplicação da pena de morte à mulher. Não se pode ver nos dispositivos citados uma discriminação com relação aos homens ou às crianças e jovens. E nem se argumente com a chamada discriminação positiva, pois esta existe para preservar direitos inerentes à qualificação de uma pessoa, para preservar direitos que só a ela pertencem. Por exemplo: a mulher grávida ou com filhos tem direitos próprios a sua condição de gestante e de mãe e que não se estendem, por evidente, aos homens. Além disso, uma medida de discriminação positiva tem que visar realizar a igualdade entre grupos de pessoas entre as quais persistem desigualdades de fato, de modo temporário e proporcional. Não existe uma desigualdade entre homens e mulheres no que diz respeito ao direito à vida. E em qualquer caso, a imposição da pena de morte não é uma medida proporcional, como veremos adiante. Quando se trata de direitos comuns – como direito à vida – não se pode falar em discriminação positiva. Nesse caso, todos são iguais perante a lei. Naturalmente, ao se proibir a imposição da pena de morte, às mulheres, teve-se em atenção não apenas sua condição feminina, mas, sobretudo, sua qualificação enquanto pessoa humana.

16.  Nesse sentido, o artigo 24, da Convenção Americana, enuncia que “todas as pessoas são iguais perante a lei”. E, em conseqüência, "têm direito, sem discriminação, à igual proteção da lei”. Não obstante essa norma defina o termo discriminação, a CIDH considera que essa expressão inclui toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em algum motivo que tenha por objeto ou por resultado anular ou menoscabar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural, ou em qualquer outra esfera da vida pública”. (cf., Manual de Preparações de Informes sobre os Direitos Humanos, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 26).

17.  Convém anotar, ademais, que a Convenção sobre os direitos da criança proíbe a imposição da pena de morte a menores de 18 anos de idade, nos termos de seu artigo 37, letra “a”,

18.  Trata-se de instrumento jurídico dotado de significativa universalidade no campo dos direitos humanos (apenas os Estados Unidos da América e a Somália não o ratificaram).

19.  O citado artigo 37 da aludida Convenção dispõe que “nenhuma criança deve ser submetida à tortura ou outras formas cruéis, desumanas ou degradantes de tratamento ou punição. Nem a pena de morte, nem a prisão perpétua serão impostas nos casos de delitos cometidos por pessoas menores de 18 anos”.

20.  Observe-se, entretanto, que embora os Estados Unidos da América não tenham ratificado a Convenção sobre os direitos da criança, o simples fato de haverem assinado aquele instrumento em fevereiro de 1995 gera obrigações no plano jurídico. O artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados estabelece que os países signatários de um tratado, mesmo que não o tenham ratificado, devem abster-se de qualquer ato contrário a seu objeto e propósito, até que tenham decidido anunciar sua intenção de não tornar-se parte do tratado. No caso, apesar de os Estados Unidos da América não serem parte da Convenção de Viena, o Departamento de Estado Americano já reconhece como texto básico na área de tratados e atos processuais. Segundo a premissa de que a reserva é incompatível com o objeto e a finalidade de um tratado e que os Estados Unidos da América não são parte da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o Departamento de Estado desse País entende que as normas da Convenção de Viena se constituem numa declaração do direito internacional costumeiro. E nesse caso, devem ser reconhecidas. Isto porque, segundo, ainda a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, deve-se reconhecer a importância progressiva dos tratados como fonte do direito internacional e como meio do desenvolvimento pacífico e cooperativo entre as nações, qualquer que sejam sua Constituição e sistema social.

21.  Ora, da mesma forma, como se anotou na hipótese da imposição de pena de morte a mulheres, não se pode ver no dispositivo em questão uma discriminação a afastar homens e mulheres, pois, como se afirmou, não se trata, ainda neste caso, de uma discriminação positiva, uma vez que o artigo 37, letra “a”, da Convenção sobre os direitos da criança, objetiva preservar direitos que não são próprios, apenas, das crianças ou jovens, mas de todo ser humano.

22.  Se isto é verdade, como sem dúvida o é, o disposto no artigo 4° da Convenção Americana perdeu seu significado anterior, de sorte que os Estados que a subscreveram e a ratificaram, bem como a instrumentos internacionais posteriores não podem impor a pena de morte a qualquer pessoa, independentemente de seu sexo, ou outra qualquer condição.

23.  Examinaremos a matéria tendo em vista princípios de hermenêutica consagrados no direito positivo. O direito internacional pressupõe disposições que estão acima do Estado. Conforme acentua o ilustre jurista italiano Norberto Bobbio, o universalismo – que o direito internacional pretende normatizar – ressurge hoje, em especial depois da segunda guerra mundial e da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), não mais como crença num eterno direito natural, como vontade de constituir um direito positivo único do desenvolvimento social e histórico (como o direito natural e o estado de natureza), mas no fim. E pondera que a idéia do Estado mundial único e a idéia-limite do universalismo jurídico contemporâneo, isto é, a constituição de um direito positivo universal (cf. Teoria do Ordenamento Jurídico. Universidade de Brasília, 1991, p. 164).

24.  No caso, não se pode permitir a prevalência de norma anterior, do mesmo conteúdo da posterior que pretende ilidir a esta última. Trata-se do que os juristas denominam antinomia e como tal precisa ser encarada e solucionada. Qual das regras deve prevalecer? Que elas são incompatíveis não há dúvida. Mas como resolver o problema?

25.  Segundo, ainda, Noberto Bobbio, as regras fundamentais para a solução das antinomias são três: a) o critério cronológico; b) o critério hierárquico; e c) o critério da especialidade (op. Cit., p.92).

26.  No primeiro caso, prevalece a norma posterior – lex posterior derogat priori. No segundo, a natural prevalência do direito internacional sobre o direito nacional. Finalmente, enquadra-se, ainda, a hipótese, no último critério, pois se trata de uma regra especial, com especial destinação.

27.  Nem se alegue, entretanto, que a aceitação da pena de morte no parágrafo 2, do artigo 4°, da Convenção Americana, é uma disposição especial com relação ao direito “Geral”à vida. E, muito menos, que ao aceitar a pena de morte, foi ela considerada como um caso particular de pena a não alcançar uma violação do direito à vida ou à proibição da tortura ou de outro tratamento cruel ou desumano.

28.  A Corte Interamericana de Direitos humanos, em sua opinião consultiva OC-3/83, de 8 de setembro de 1983, assinalou que em se tratando de restrições à pena de morte, não se deveria contornar o problema, senão, pôr-lhe um limite definitivo, mediante um processo progressivo e irreversível destinado a cumprir-se tanto nos países que não tenham ainda resolvido aboli-la, como naqueles que já tomaram essa determinação.

29.  Nesta matéria, continua a Corte, a Convenção expressa uma clara tendência de progressividade, consistente em que, sem chegar a decidir a abolição da pena de morte, adota as disposições requeridas para limitar definitivamente sua aplicação e seu âmbito, de modo tal a que estes se vão reduzindo até sua supressão final.

30.  A esse propósito, vale a pena recordar os trabalhos preparatórios da Convenção Americana que confirmam o sentido resultante da interpretação textual de seu artigo 4°. Com efeito, a proposta de várias delegações para que proscrevesse a pena de morte de modo absoluto, ainda quando não tivesse alcançado a maioria regulamentar de votos afirmativos, não teve um só voto contrário. A atitude geral e a tendência amplamente majoritária da Conferência foram registradas na seguinte declaração apresentada ante a Sessão Plenária de Clausura, por quatorze das dezenove delegações participantes (Costa Rica, Uruguai, Colômbia, Equador, El Salvador, Panamá, Honduras, República Dominicana, Guatemala, México, Venezuela, Nicarágua, Argentina e Paraguai):

“As delegações, que assinam abaixo, participantes da Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, tendo em vista o sentimento altamente majoritário, expressado no curso de debates sobre a proibição da pena de morte, concorde com as mais puras tradições humanistas de nossos povos, declaramos solenemente nossa firme aspiração de ver desde logo erradicada do âmbito americano a aplicação da pena de morte e nosso indeclinável propósito de realizar todos os esforços possíveis para que, a curto prazo, se possa subscrever um Protocolo adicional à Convenção Americana de Direitos humanos “Pacto de São José, Costa Rica”, que consagre a definitiva abolição da pena de morte e coloque uma vez mais a América na vanguarda da defesa dos direitos fundamentais do homem” (atas e documentos, OEA-serv.K-XVI-12, Washington, D.C., 1973; adiante Atas e Documentos (repr.1978, esp.p. 161, 195, 296 e 449/441).

31.  Coincide, ademais, com tais afirmativas o que foi assinalado pelo Relator da Comissão, no sentido de que a Comissão fez notar, nesse artigo, sua firme tendência à supressão da pena de morte. (atas e documentos, supra n° 296).

32.  Por demais, o Estado de Direito implica, quando da imposição de uma pena, no conhecimento do que essa pena realmente importa. Quando se aplica uma pena que tem pó objetivo, além da punição, a recuperação do detento, este o que vai acontecer com sua pessoa no futuro. Se lhe é imposta uma pena somente punitiva, no caso da prisão perpétua, o réu visualiza, ainda nesta hipótese, o se futuro. Mas, se a pena é de morte, o Estado não aponta ao condenado o que lhe vai suceder com sua eliminação enquanto pessoa humana. É que a ciência, com todo o seu desenvolvimento, não chegou, até hoje, a desvendar o pós-morte; vida futura, com castigo ou prêmio? Pura e simples eliminação?

33.  Assim, ao Estado de Direito é defeso aplicar uma pena cujas conseqüências, não pode desvendar.

34.  Na verdade, todas as penas de que lança mão o legislador, constituem espécies de sanções, distribuindo-se elas segundo uma graduação racional que procura levar em conta uma série de fatores peculiares a cada hipótese de ilicitude.

35.  O pode-dever de punir, que compete ao Estado, abre-se, desse modo, em um leque de figuras ou medidas, segundo soluções escalonadas, mensuráveis em dinheiro ou em quantidade de tempo. Essa ordenação gradativa é da essência mesma da Justiça penal, pois esta não se realizaria se um critério superior de igualdade ou de proporção não presidisse a distribuição das penas, dando a cada infrator mais do que ele merece.

36.  Pois bem, quando se decreta a pena de morte, rompe-se abrupta e violentamente a apontada harmonia serial; dá-se um salto do plano temporal para o não-tempo da morte.

37.  Com que critério objetivo ou com que medida racional (pois ratio significa razão e medida) se passa de uma pena de 30 anos ou de prisão perpétua para a pena de morte? Onde e como se configura a proporcionalidade? Qual a escala asseguradora da proporcionalidade?

38.  Dir-se-á que também há uma diferença qualitativa entre a pena de multa e a de reclusão, mas o cálculo daquela é redutível a critérios cronológicos, podendo ser fixada, por exemplo segundo o que representara em termos de jornadas de trabalho perdido, par que possa significar privação e sofrimento à pessoa do infrator, em função de sua situação patrimonial. De qualquer modo, são critérios racionais de conveniência, suscetíveis de contraste na experiência, que governam a passagem de um para outro tipo de pena, enquanto a idéia de “proporcionalidade”submerge-se na perspectiva da morte.

39.  Em suma, a opção pela pena de morte, é de tal ordem que, como afirma Simmel, matiza todos os conteúdos da vida humana, podendo-se dizer que ela é inseparável de um halo de enigma e de mistério, de sombras que à luz da razão não é dado dissipar: querer enquadrá-la em soluções penais equivale a despojá-la de seu significado essencial para reduzi-la à violenta desagregação física de um corpo (apud Miguel Reale, in O Direito como Experiência).

40.  Daí a conclusão do eminente filósofo jurista Miguel Reale: analisada à luz de seus valores semânticos, o conceito de pena e o conceito de morte são entre si lógica e ontologicamente irreconciliáveis e que, assim sendo, “pena de morte” é uma “contradictio in terminis” {cf. O direito como experiência, Saraiva, 2a ed., São Paulo, Brasil).

41.  O jurista Héctor Fáundez Ledesma escreve, a propósito: “quanto aos direitos consagrados na Convenção, estes são direitos mínimos, ela não pode limitar o exercício desses direitos numa medida maior que a permitida por outros instrumentos internacionais. Por conseguinte, qualquer outra obrigação internacional assumida pelo Estado em outros instrumentos internacionais de diretos humanos é da maior relevância, e sua coexistência com as obrigações derivadas da Convenção deve ser tida em conta em  todo aquele que resulte mais favorável ao  indivíduo”.

42.  “O mesmo entendimento, prossegue o jurista, se faz extensivo a qualquer outra disposição convencional que proteja o indivíduo de uma maneira mais favorável, quando esta esteja contida num tratado bilateral ou multilateral, e independentemente de qual seja seu objeto principal” (O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, 1996, pg. 92 e 93).

43.  Acresce que o artigo 29, “b”, da Convenção Americana estabelece, nessa mesma linha de pensamento, que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de “limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possa estar reconhecido de acordo com as leis de qualquer dos Estados partes”. E oportuno, a propósito, ler o informe da CIDH sobre Suriname e a consulta OC-8/87 à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

44.  Nessa oportunidade, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmava que a proibição de impor a pena capital por delitos cometidos por menores de 18 anos, era um princípio emergente do direito internacional. Doze anos mais tarde não há dúvida alguma de que este princípio está hoje totalmente consolidado. A ratificação por 192 Estados, da Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que proíbe a imposição da pena capital àqueles que cometeram delitos quando menores de idade, e, dentre outras, uma prova irrefragável da consolidação desse princípio (cf. Relatório da Anistia Internacional apresentado à CIDH, Washington, 5 de março de 1999).

45.  É certo que a Declaração Universal de Direitos humanos não se refere especificamente à proibição da pena de morte, mas consagra em seu artigo 3° o direito de cada um à vida, liberdade e segurança (o mesmo preceito figura no artigo 1°da Declaração Americana dos Direitos e Deveres dos Homem). Adotada pela Assembléia Geral da ONU, em 1948, sob a forma de mera resolução/recomendação, a Declaração Universal é hoje considerada por insignes doutrinadores como parte do Direito Internacional Costumeiro e como norma obrigatória (jus cogens) – artigo 53, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Mutatis mutandi, seria lícito afirmar que a Convenção sobre os direitos da criança, por sua abrangência e caráter obrigatório, deva também ser observada pelos dois únicos Estados que não a ratificaram, como, aliás, já se salientou e observa o próprio Departamento de Estado, dos Estados Unidos da América.

46.  Convém, ademais, assinalar que a Corte Européia de Direitos Humanos, ao decidir o caso Soering - Jens Soering, nascido na Alemanha, em detenção na Inglaterra e submetido a um pedido de extradição pelos Estados Unidos da América para responder a uma acusação de homicídio praticado no Estado de Virgínia, que pune esse crime com pena de morte - fez oportunos comentários ao artigo 3°, da Convenção Européia, onde se diz que ninguém pode ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamento desumano, cruel ou degradante. Considerou a Corte que o pedido não poderia ser atendido a não ser que se tivesse a certeza de que o extraditando seria beneficiado, pelo menos, pelas garantias do aludido dispositivo do artigo 3°, da Convenção (cf. Jurisprudence de la Cour Européenne des Droits de l’homme, 1998, 6a ed., Sirey, os. 18 e seguintes).

47.  Quer dizer, a Corte concluiu que a extradição a um país que conhece a pena de morte não constituiria uma violação do direito à vida ou do direito à integridade pessoal, pois a pena de morte em si não é, explicitamente, proibida pela Convenção Européia. Todavia, a possibilidade de que o réu passasse anos em detenção à espera do momento – aliás, totalmente imprevisível – da execução da pena, a chamada “síndrome do corredor da morte” foi considerada pela Corte como constituindo um tratamento cruel e, de conseguinte, uma violação do direito a integridade pessoal.

48.  Trata-se, sem dúvida, de uma ambigüidade: se há espera, viola-se o direito; se a imposição da pena for imediata, a atuação do Estado não seria considerada uma violação do direito fundamental `vida.

49.  Essa decisão permite, a conclusão de que abandona-se, pouco a pouco, a visão tradicional, positivista, na aplicação do direito. Ao invés de uma interpretação literal dos textos em questão, busca-se uma hermenêutica teleológica, no caso, da Convenção Européia, para chegar-se à conclusão maior, de não se permitir a aplicação da pena de morte em qualquer hipótese.

50.  Assim, a proibição absoluta, pela Convenção Européia, da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes mostra que o artigo 3°, em referência, consagra um dos valores fundamentais das sociedades democráticas. Salienta o julgado que no mesmo sentido dispõem o pacto Internacional de 1966 relativo aos direitos civis e políticos e a Convenção Americana dos Direitos do Homem, de 1969, ao proteger, em toda sua prorrogação e profundidade, os direitos da pessoa humana. Trata-se, conclui, de uma norma internacionalmente aprovada.

51.  É bem verdade que o conceito de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes depende de todo um conjunto de circunstâncias. Não é por outro motivo que se deve ter todo o cuidado para que se assegure um justo equilíbrio entre as exigências de interesse geral da comunidade e os imperativos maiores da salvaguarda dos direitos fundamentais do indivíduo, na forma dos princípios inerentes ao conjunto da Convenção Européia.

52.  A Anistia Internacional vem afirmando que a evolução das normas na Europa Ocidental quanto à existência e ao uso da pena capital leva à consideração de que se trata de uma pena desumana, no sentido apontado pelo artigo 3°, da Convenção Européia. É nesse sentido que deve-se entender a decisão da Corte no caso Soering.

53.  Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já afirmou que “o  direito à vida e sua garantia e respeito pelos Estados não pode ser concebido de modo restritivo. O mesmo não somente  supõe que ninguém deve ser privado arbitrariamente da vida (obrigação negativa). Exige dos Estados, ainda mais, tomar todas as providências apropriadas para postergá-la e preservá-la (obrigação positiva)” (cf. Repertório de jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, 1998, Washington College of Law, American University, 1/ 102).

54.  Não foi por outro motivo que a Corte Européia, na decisão apontada, ponderou que “la Convention est sans conteste “un instrument vivant à interpreter (...) à lumière des conditions de vie actuelle [pour déterminer s’il lui faut considérer un traitment ou une peine donné comme inhumains ou dégradants auxfins de l’article 3° la Cour ne peut pás ne pás être influencée par l’évolution et lês normes communément acceptées de la politique pénale des Etats membres du Conseil de l’Europe dans ce domaine”.

55.  Realmente, para saber se a pena de morte, em razão de alterações atuais, tanto do direito nacional, como do direito internacional, constitui um tratamento proibido pelo artigo 3° , é preciso tomar em conta os princípios que regem a interpretação da Convenção. Neste caso, tanto da Convenção Européia, como da Convenção Americana: “ninguém pode ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes (artigo 3°, da Convenção Européia); “ninguém pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”(artigo 5°, inciso 2°, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

56.  Na mesma linha de pensamento, ao apreciar o caso Irlanda versus Reino Unido, a Corte Européia, já decidira que “a Convenção proíbe em termos absolutos a tortura e as penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, quaisquer que sejam as incriminações à vítima. O artigo 3° não prevê restrições: “... seule entrent en ligne de compte lês notions de “torture”et de “traitements inhumain ou dégradants”, à l’exclusionde celle de “peine inhumaine ou degradante”.

57.  Mais recentemente, na opinião consultiva OC – 16/99, de 1° de outubro de 1999, solicitada pelos Estados Mexicanos à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre o direito à informação a respeito da assistência consular, no conjunto das garantias do devido processo legal, estimou útil “recordar que no exame realizado, em sua oportunidade, sobre o artículo 4°, da Convenção Americana, advertiu que a aplicação e imposição da pena capital esta limitada em termos absolutos pelo princípio segundo o qual “[ninguém] poderá ser privado da vida arbitrariamente”. Tanto o artigo 6° do Pacto Internacional de Diretos Civis e Políticos, como o artigo 4° da Convenção, ordenam a restrita observância do procedimento legal e limitam a aplicação desta pena a “aos mais graves delitos”. Em ambos instrumentos existe, pos, uma clara tendência restritiva à aplicação da pena de morte até a sua supressão final”.

58.  O que falta, pergunta-se, para chegar-se à eliminação universal da pena capital? Tão somente o pleno reconhecimento dos direitos emanados dos tratados.

59.  Vem, justamente, apelo, na linha da posição do jurista e do aplicador da lei sobre a matéria, o voto concorrente, na aludida opinião consultiva – solicitada pelo Estado Mexicano, do juiz Cançado Trindade, ao fazer considerações relevantes, a propósito da hermenêutica do direito frente a novas necessidades de proteção.

60.  O ilustre internacionalista e atual presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (1999/2001) nesse voto concorrente assinala que “as próprias emergências e consolidação do corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos devem-se à reação da consciência jurídica universal perante os recorrentes abusos cometidos contra os seres humanos, frequentemente convalidados pela lei positiva: com isto, o Direito veio ao encontro do ser humano, destinatário último de suas normas de proteção”.

61.  No mesmo sentido, adverte o autor do voto concorrente, “indica a jurisprudência dos tribunais internacionais de diretos humanos até esta data, portanto, os tratados de diretos humanos são, efetivamente, instrumentos vivos, que acompanham a evolução dos tempos e do meio social em que se exercem os direitos protegidos”.

62.  A esse propósito, a Corte Européia de Direitos Humanos, no caso Tyrer versus Reino Unido (1978), ao determinar a ilicitude de castigos corporais aplicados a adolescentes na Ilha de Mana, afirmou que a Convenção Européia de Direitos Humanos “é um instrumento vivo a ser interpretado à luz das condições da vida atual”.

63.  Em remate, com a desmistificação dos postulados do positivismo jurídico voluntarista, tornou-se evidente que somente se pode encontrar uma resposta ao problema dos fundamentos e da validade do direito internacional geral na consciência jurídica universal, a partir da afirmação da idéia de uma justiça objetiva.

64.  Acrescente-se, ainda, que em reunião realizada por representantes dos órgãos de supervisão internacionais baseados em tratados de direitos humanos (os chamados “human rigths treaty bodies”), assinalou-se que os procedimentos convencionais formam parte de um amplo sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o qual tem como postulado básico a indivisibilidade dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). De modo a assegurar na prática a universalidade dos direitos humanos, a referida reunião recomendou a “ratificação universal”, até o ano 2000, dos seis tratados centrais de Direitos Humanos das Nações Unidas (os dois pactos de Direitos Humanos, as convenções sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e de discriminação contra a mulher; a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura; e a Convenção sobre os direitos da Criança), das três Convenções Regionais (a européia, a americana e a africana) sobre Direitos Humanos, e das convenções da OIT atinentes a direitos humanos básicos. A reunião advertiu, a seguir, que o não cumprimento pelos Estados Partes do dever de ratificar constituía uma violação das obrigações convencionais internacionais e a invocação da imunidade estatal neste particular equivaleria a um “doube-standard” que penalizaria os Estados que cumpriram devidamente tais obrigações (Cançado Trindade, Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. 1, Fabris ed., 1997,os. 199/200).

65.  O artigo 27, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados impede que se invoquem normas de direito interno para justificar o não cumprimento de uma obrigação internacional. E mais, uma disposição convencional deve ser interpretada de boa-fé, conforme o sentido comum dos seus termos (artigo 31, da Convenção de Viena, de 23 de maio de 1969: “A treaty shall be interpreted in good faith in accordance with the ordinary meaning to be given to the terms of the treaty in their contest and in the light of its object and purpose”). Deve-se, pois, buscar valorizar a cada um dos termos que não podem ser interpretados como não tendo sido escritos (doutrinas do “efeito útil”).

66.  Aliás, a Corte interamericana, na opinião consultiva OC-14/94, já sustentou que: “segundo o direito internacional as obrigações que este impõe devem ser cumpridas de boa-fé e não pode invocar-se para seu não cumprimento i direito interno. Estas regras podem ser consideradas como princípios gerias de direito e têm sido aplicadas, ainda em se tratando de disposições de caráter constitucional, pela Corte Permanente de Justiça Internacional e pela Corte Internacional de Justiça (caso das comunidades gréco-búlgaras (1930); caso de nacionais poloneses de Dantzig (1931); caso das Zonas livres (1932); e aplicabilidade da obrigação de arbitrar segundo o Convênio da sede das Nações Unidas (caso da missão OLP, 1988).

67.  A vista do exposto, a norma do artigo 4°,  inciso 2°, da Convenção Interamericana, pode-se dizer, está superada pelas disposições contratuais citadas, segundo a melhor hermenêutica do direito internacional dos direitos humanos, sendo-lhe defesa a aplicação, mediante normas de direito interno, ainda que anteriores à Convenção Americana, de penas aflitivas, como a pena de morte.

68.  Isto, porque é princípio do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que toda ação deve ter por objetivo primordial a proteção das vítimas.

69.  Nessa perspectiva, dispositivos como aqueles já mencionados (artigo 4°, parágrafo 2°) da Convenção Americana sobre os direitos humanos devem ser desconsiderados em favor de instrumentos jurídicos que melhor protejam os interesses das vítimas de violações de direitos humanos.

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[23] Ver Baptiste contra Grenada, Relatório Nº 38/00, Relatório Anual da  CIDH 1999, pág. 721, pág. 738; McKenzie e outros contra Jamaica, Relatório Nº 41/00, Relatório Anual da  CIDH 1999, pág. 918, pág. 967.

[24] Ver, por exemplo, Caso McKenzie e outros, supra, par. 169.

[25] Ver Santiago Marzioni contra Argentina, Relatório Nº 39/96, Relatório Anual da  CIDH 1996, p. 76, par. 48-52. Ver também Clifton Wright contra. Jamaica, Caso 9260 , Relatório Anual da  CIDH 1987-88, p. 154.

[26] Lei de delitos contra a pessoa, emendada pela  Lei de delitos contra a pessoa (e emendas) de 1992 (13 de outubro de 1992), Nº 14.

[27] Ver, por exemplo, Caso McKenzie e outros, supra, par. 178.

[28] Ver Lei de delitos contra a pessoa, seções 3(1) a 3(6).

[29] Caso McKenzie e outros, supra, para. 186-187, que cita a Opinião Consultiva da  Corte IDH OC-3/83 de 8 de setembro  de 1983, Restrições à Pena de Morte (Arts. 4(2) e 4(4) da  Convenção Americana), Relatório Anual 1984, p. 31,  par. 52 (que conclui que o texto do artigo 4 da  Convenção em seu conjunto revela uma clara tendência a restringir o alcance da  pena de morte, tanto no que se refere a sua imposição como a sua aplicação.); Anthony McLeod contra Jamaica, Comunicação Nº 734/1997, ONU Doc CCPR/C/62/734/1997. Ver,  por analogia,  caso Baptiste, supra, pars. 74-75.

[30] Caso McKenzie e outros, supra, par. 188, que cita, entre outros, Woodson contra. North Carolina 49 L Ed 2d 944, 961 (que conclui que a pena de morte é qualitativamente diferente de uma sentença de prisão, por mais prolongada que esta seja. A morte, em sua finalidad, difere mais da  cadeia perpétua que 100 anos de prisão de um a dois anos. Por essa diferência qualitativa, existe uma diferença na  necessidade da  confiar na  determinação de que a morte é o castigo apropriado em cada caso específico).

[31] Ibid, para. 189, que cita a Opinião Consultiva OC-3/83, supra, para. 55 (que observa com respeito ao artigo 4 da  Convenção que podem ser considerados três tipos de limitações aplicáveis aos Estados partes que não aboliram a pena de morte. Primeiro, a imposição ou aplicação desta sanção está sujeta a certos requisitos processuais cujo cumprimento deve ser observado e revisado estritamente. Segundo, a aplicação da pena de morte deve estar limitada aos delitos comuns mais graves, não relacionados com delitos políticos. Finalmente, deve ter-se em conta certas considerações a respeito da figura do réu que fazem com que impeçam a imposição ou aplicação da  pena de morte).

[32] Ibid., pars. 193-207. Ver por analogia o caso Baptiste, supra, pars. 80-94.

[33] Haniff Hilaire contra Trinidad e Tobago, Relatório Nº 66/99, Caso 11.816 (abril 1999).

[34] Comitê de DH da  ONU, Everslei Thompson contra San Vincente e as Grenada, Comunicação Nº 806/1998 (18 de outubro de 2000).

[35] Corte de Apelações do Caribe Oriental, Newton Spence contra La Reina, Peter Hughes contra La Reina, apelação Nos. 20 de 1998 e 14 de 1997, Sentença, 2 de abril de 2001.

[36] Caso McKenzie e outros, supra, par. 207.

[37] Caso McKenzie e outros, supra, pars. 208, 212-219, que cita Woodson contra  North Carolina 49 L Ed 2d 944 (U.S.S.C.); O Estado contra. Makwanyane e McHunu, Sentença, Caso Nº CCT/3/94 (6 Junho 1995) (Tribunal Constitucional da  Republica da África do Sul); Bachan Singh contra Estado de Punjab (1980) 2 S.C.C. 475 (Suprema Corte da  India). Ver também caso Baptiste, supra.

[38] As seções 3(2) a 3(6) da  Lei prescrevem um procedimento específico através do qual o júri deve determinar se uma acusada está grávida para efeitos da  seção 3(1) da  Lei:

3(2) Nos  casos em que se conclui, de acordo com as disposições da  presente seção, que uma condenada por um delito punível com a morte está grávida, a sentença que será de cadeia perpétua, com ou sem trabalhos forçados, em lugar da  pena de morte.

(3) Nos casos em que uma condenada de um delito punível com a morte alegue gravidez, ou em que o tribunal perante o qual foi condenada o considera pertinente, a questão da  determinação da  gravidez será determinada por um, júri antes de impor-lhe a sentença.

(4) Sujeito as disposições da presente subseção, este júri será aquele que atuou no julgamento, isto é, o encarregado de julgá-la pelo  delito, e os membros do júri  nã têm que voltar a prestar juramento:

Exceto que -

(a) se, depois da condenação, um membro do júri que atuou no julgamento falece ou é exonerado por doença ou alguma outra incapacidade para atuar, a indagação da  gravidez ou não da  acusada procederá sem sua participação, e

(b) nos  casos em que não haja um júri , em que o júri tenha discordado quanto a gravidez ou não da  acusada, ou tenha sido exonerado pelo  tribunal sem emitir um  veredito sobre essa questão, será constituido um júri para determinar se a acusada é apta, e este prestará juramento conforme disponha o tribunal.

(5) A questão da  gravidez ou não da  acusada será determinada pelo  júri com base nas provas que aporte a acusada ou a Coroa, e o júri determinará que a acusada não está grávida a menos que se prove afirmativamente a sua satisfação que o está.

(6) Nos  casos em que, durante os procedimentos da presente seção, o júri conclua que a acusada em questão não está grávida, esta pode apelar sob o amparo da  lei da  judicatura (jurisdição de apelação) perante a Corte de Apelações e esta Corte, se comprovar que por alguma razão deve desestimar a conclusão, revogará a sentença prolatada contra ela e lhe imporá uma sentença de cadeia perpétua, com ou sem trabalhos forçados:

Sempre e quando a operação das disposições da presente subseção sejam consideradas coincidentes com a operação da  lei da  judicatura (jurisdição de apelação).

[39] Caso McKenzie e outros, supra, par. 210.

[40] Ver, por analogia, o caso McKenzie e outros, supra, par. 234; caso Baptiste, supra, par. 127.

[41] Ver, por analogia, o caso McKenzie e outros, supra, par. 235; Caso Baptiste, supra, par. 128.

[42] Ver, por analogia, o caso McKenzie e outros, supra, par. 237; Caso Baptiste, supra, par. 130.

[43] Em 12 de setembro de 2000 o Comitê Judicial do Conselho Privado emitiu sentença no  caso Neville Lewis e outros contra o Procurador Geral da Jamaica, em que concluiu que a petição individual de clemência sob o amparo da  Constitução da Jamaica está aberta à revisão judicial. O Comitê Judicial do Conselho Privado também concluiu que o procedimento de clemência deve ser exercido mediante procedimentos justos e adequados que requerem, por exemplo, que se dê suficiente notícia ao condenado da  data em que o Conselho Privado considerará seu caso, lhe seja dada a oportunidade de apresentar argumentos em respaldo de sua causa e a receber cópias dos  documentos que serão considerados pelo Conselho Privado para sua determinação. Neville Lewis e outros contra o Procurador Geral da Jamaica e o Superintendente da  prisão do distrito de St. Catherine, Apelações perante o Conselho Privado Nos. 60 of 1999, 65 de 1999, 69 de 1999 e 10 de 2000 (12 de setembro de 2000)(CJCP), p. 23.

[44] Ver supra, nota 5,  que estabelece as seções 90 e 91 de Ordem (da  Constituição) da Jamaica no  Conselho de 1962, Segundo Programa.

[45] Caso McKenzie e outros, supra, Par. 227-232.

[46] Id., Par. 228.

[47] Id. A Comissão determinou que o direito a solicitar uma anistia, indulto ou comutação da pena sob  o amparo do artigo 4(6) da  Convenção pode ser considerada similar ao direito de que goza cada pessoa, disposto no  artigo XXVII da  Declaração Americana, "de buscar e receber asilo em território estrangeiro (...) de acordo com a legislação de cada país e com os convênios internacionais", o que a Comissão interpretou conjuntamente com a Convenção de 1951 relativa à condição de refugiado e o Protocolo de 1967 relativo à condição de refugiado, no  sentido de que prescreve, no  direito internacional, o direito das pessoas que procuram asilo a ter uma audiência para determinar se a pessoa reune os requisitos para adquirir a condição de refugiado. Ver Haitian Center for Human Rights e outros contra Estados Unidos, Caso Nº 10.675 (13 de março de 1997), Relatório Anual da  CIDH de 1996, Par. 155. A Comissão também observou que algumas jurisdições do common law que conservam a pena de morte prescreveram  procedimentos por meio dos  quais os reclusos condenados podem participar nos  processos de anistia, indulto o comutação da  pena. Ver Constituição de Ohio, Art. III, s. 2, Código de Ohio Revisado Ann., s. 2967.07 (1993). Ver  também Ohio Adult Parole Authority contra Woodward, Arquivo Nº 96-1769 (25 de março de 1998)(U.S.S.C).

[48] Neville Lewis e outros contra o Procurador Geral da Jamaica e o Superintendente da  Prisão do Distrito de St. Catherine, Apelações ao Conselho Privado Nos. 60 de 1999, 65 de 1999, 69 de 1999 y 10 de 2000 (12 de setembro de 2000)(J.CP.C), en p. 23.

[49] Id., en 23-24.

[50] Depoimento de Dave Aitken, 6 de fevereiro de 2001, pars. 9-18.

[51] Americas Watch, Human Rights in Jamaica: Death Penalty, Prison Conditions and Police Violence, News from Americas Watch, abril de 1993, Vol. 5, Nº 3, p. 3

[52] Em sua sentença sobre os méritos no  caso Suarez Rosero, por exemplo, a Corte Interamericana concluiu que o tratamento da  vítima, que havia sido mantida incomunicada por mais de um mês em uma cela húmida e mal ventilada, de cinco metros por três metros, juntamente com outras dezesseis pessoa, sem os necessários serviços higiênicos, constituia um tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante contrário ao artigo 5(2) da  Convenção. Corte IDH, caso Suarez Rosero, Sentença, 12 de novembro  de 1997, Relatório Anual 1997, p. 283. Ver , por analogia, caso McKenzie e outros, supra, pars. 270-291.

[53]Ver, por exemplo., caso McKenzie e outros, supra, para. 288, onde cita a Corte Européia de DH, Ahmed contra Austria, Sentença de 17 de dezembro de 1996, Relatórios de sentenças e decisões 1996-VI, p. 220, par. 38.

[54] Ibid., que cita Comitê de DH da ONU, Mukong contra Camarões, Comunicação Nº 458/1991, ONU Doc. Nº CCPR/C/51/D/458/1991 (1994), par. 9.3 (que observa que devem ser cumpridas certas normas mínimas que regem a detenção de prisioneiros, prescritas pelo  Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e refletidas nas Regras Mínimas da  ONU para o Tratamento de Reclusos, independentemente do nível de desenvolvimento do Estado parte).

[55] Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, aprovadas em 30 de agosto de 1955 pelo  Primeiro Congresso da  ONU sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, ONU Doc. A/CONF/611, anexo I, E.S.C. res. 663C, 24 U.N. ESCOR Supp. (Nº 1) 11, U.N. Doc. E/3048 (1957), e emendas E.S.C. Res. 2076, 62 U.N. ESCOR Supp. (Nº 1) at 35, U.N. Doc E/5988 (1977).

[56] Ver, por analogia, Comitê Europeu para a Prevenção da  Tortura e um  Tratamento ou Castigo Desumano ou Degradante (CPT), Segundo Relatório Geral das Atividades do CPT para o período de 1 janeiro a 31 dezembro 1991, Ref. CPT/Inf. (92) 3 (13 abril 1992), pars. 44-50 (que critica a prática de que os reclusos façam suas necessidades em baldes, e afirma que o Comitê “está particularmente preocupado frente a combinação de confinamento, regimes alimentares deficientes e acesso insuficiente a serviços sanitários e higiênicos no  mesmo establecimento. O efeito acumulativo de tais condições pode ter consequências bastante graves para os reclusos.").

[57] Ver Caso  McKenzie e outros, supra, Par. 304-305.

[58] Ver Eur. Court H.R., Kamasinski contra  Austria, 19 de dezembro de 1989, Series A Nº 168, Párr. 65; UNHRC, Young contra . Jamaica, Comunicação Nº 615/1995 (1997). Ver também McKenzie e outros, supra, Par. 301, 302; Caso Lamey et al., supra, Par. 216, 217.

[59] Ver Corte IDH, Caso do Tribunal Constitucional, Sentença de 31 de janerio  de 2001, Ser. C Nº 7, pars. 69, 70 (que  conclui que as garantias mínimas estabelecidas no artigo 8(2) da  Convenção não se limitam aos processos judiciais no sentido estrito, mas que também são aplicáveis aos processos que envolvem a determinação de direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal e de outra natureza). Ver também CIDH, Lorna roye Riebe Star e outros  contra  Mexico, Relatório Nº 49/99 (13 de abril de 1999), Relatório Anual 1998, par. 70 ( que interpreta o artigo 8(1) no  contexto de procedimentos administrativos que deram  lugar à expulsão de estrangeiros porque  exige certas garantias processuais mínimas, incluindo a oportunidade de ser assistido por um advogado ou outro representante, o tempo suficiente para considerar e refutar as acusações que lhe são imputadas e procurar e aduzir as provas correspondentes).

[60]  Ver, por analogia,  Currie contra Jamaica, supra, par. 13(4) (que conclui que, nos  casos em que um condenado procura uma revisão constitucional por  irregularidades do juízo  penal e carece de meios para pagar pela assistência jurídica para efeito de uma reparação constitucional, e quando os interesses da  justiça assim o requierem, o  artigo 14(1) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos exige que se providencie a  assistência jurídica).

[61] Ver Caso 10.970 (Mejia contra Peru), Relatório Anual da  CIDH 1995, pag. 190-191.

[62] Corte IDH, Exceções ao esgotamento dos  recursos internos (Arts. 46(1), 46(2)(a) e 46(2)(b) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Opinão Consultiva OC-11/90 de 10 de agosto de 1990, Relatório Anual 1991, par. 30.

[63] Corte IDH, Hilaire, Constantine e Benjamin e outros contra Trinidad e Tobago, Sentença de 21 de junho de 2002, disponível em  <http: // www.corteidh.or.cr/T_y_t/Serie_c_94_ing.doc>.

[64] Ibid., par. 103.

[65] Cuando el relatório preliminar sobre el mérito fue aprobado conforme al artigo 50 da  Convenção, la composição da  CIDH incluía al Profesor Hélio Bicudo, quien en ese momento presentó una opinão separada.  Por lo tanto, la opinão separada del Profesor Bicudo ha sido incluida no  relatório final de este caso, aprobado bajo el artigo 51 da  Convenção, a pesar del fato que el mandato del Profesor Bicudo como miembro da  CIDH expiró el 31 de dezembro de 2001.

[66] COMUNICADO DE IMPRENSA

N° 9100

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos deplora a execução de Shaka Sankofa anteriormente conhecido como Gary Graham, no Estado de Texas, em 22 de junho de 2000. O Sr. Sankofa foi executado apesar das solicitações formalmente  apresentadas pela Comissão ao governo dos Estados Unidos com o fim de que fosse suspendida dua execução, até que a CIDH tivesse decidido sobre uma denúncia apresentada em seu nome.

Em 1993, a Comissão recebeu uma denúncia em nome do Sr. Sankofa, conforme a qual os Estados Unidos, como Estado Membro da Organização dos Estados Americanos, tinha violado os direitos do Sr. Sankofa consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem incluindo seu direito à vida, previsto no artigo 4 desse instrumento. O peticionário aelgou que o Sr. Sankofa foi sentenciado à morte por um crime que, segundo alegações, foi cometido quando tinha 17 anos,  que era inocente e que tinha sido sujeito a procedimentos em que não deram cumprimento aos padrões internacionais sobre devido processo legal.

Em 11 de agosto de 1993, a Comissão abriu o Caso n° 11.193 com base na denúncia do Sr. Sankofa depois de uma audiência celebrada em 4 de outubro de 1993. A Comissão transmitiu aos  Estados Unidos, em 27 de outubro  de 1993, uma solicitação formal para a adoção de medidas cautelares de acordo com o artigo  29 (2) do Regulamento da Comissão, solicitando que os Estados Unidos garantisse a suspensão da execução do Sr. Sankofa, tendo em conta que seu caso se encontrava pendente perante a Comissão. Nessa oportunidade, se propôs a execução do Sr. Sankofa, cuja data havia sido fixada previamente para 17 de agosto de 1993, até que fossem concluídos certos processos judiciais internos.

Em fevereiro de 2000 a Comissão foi informada sobre a conclusão dos procedimentos internos e a iminente expedição de uma nova ordem de execução. Em resposta, em 4 de fevereiro  de 2000 a Comissão reiterou aos Estados Unidos sua solicitação de medidas cautelares de outubro de 1993. Subsequentemente, em maio de 2000, a Comissão recebeu informação de que a petição do Sr. Sankofa perante a corte Suprema dos Estados Unidos havia sido denegada e sua execução programada para o dia 22 de junho de 2000. Em resposta, em 15 de junho de 2000, durante seu 107 período de sessões, a Comissão adotou o Relatório n°51/00 mediante o qual  declarou admissível a queixa do Sr. Sankofa e decidiu proceder a examinar o mérito do seu caso. Nesse mesmo informe, a Comissão voltou a reiterar aos Estados Unidos sua solicitação de suspensão da execução do Sr. Sankofa enquanto seu caso se encontrasse pendente de decisão final.

Numa comunicação de 21 de junho de 2000, os Estados Unidos acusou o recebimento da nota da Comissão de 4 de fevereiro de 2000 e indicou que a tinha enviado ao Governador e ao Procurador-Geral do Texas. Em 22 de junho, porém, a Comissão tomou conhecimento de que a Junta de Indultos e Liberdade Condicional de Texas havia recusado recomendar o Sr. Sankofa para uma suspensão, comutação ou indulto, e que sua execução teria lugar em 22 de junho de 2000 pela tarde. Em consequência, mediante uma comunicação da mesma data, a Comissão solicitou aos Estados Unidos uma resposta urgente a seu pedido prévio de medidas cautelares. Infelizmente, os  Estados Unidos não responderam à solicitação apresentada pela Comissão em 22 de junho  de 2000, e a execução do Sr. Sankofa foi efetuada conforme o programado.

A Comissão está  preocupada pelo fato de que, apesar de ter admitido o  caso do Sr. Sankofa para sua consideração por um órgão internacional de direitos humanos com competência, os Estados Unidos não respeitou eficazmente no contexto de suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. Tendo em vista o dano irreparável provocado por essas circunstâncias, a Comissão exorta os Estados Unidos e outros Estados Membros da OEA a cumprir com as solicitações de medidas cautelares da Comissão, particularmente naqueles casos que envolvem o direito mais fundamental, o direito à vida.

Washington D.C., 28 de junho de 2000.