RELATÓRIO Nº 16/02

ADMISSIBILIDADE

 CASO 12.331

MARCO ANTONIO, SERVELLON GARCÍA, RONY ALEXIS BETANCOURT HERNÁNDEZ, DIÓMEDES OBED GARCÍA E ORLANDO ALVAREZ RÍOS

(“OS QUATRO PONTOS CARDINAIS”)

HONDURAS

    27 de fevereiro de 2002

 

 

I.            RESUMO

 

1.            Em 11 de outubro de 2000, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a Associação Casa Aliança América Latina (Casa Aliança) (doravante denominados os peticionários) apresentaram uma denúncia perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana”, ou a “ CIDH”), na  qual se alega a responsabilidade internacional do Estado de Honduras (“o Estado”, “Honduras” ou o “Estado hondurenho”), pela  detenção ilegal, tortura e posterior assassinato de Marco Antonio Servellón García (16 anos), Rony Alexis Betancourt Hernández (17 anos), Diómedes Obed García (18 anos) e Orlando Alvarez Ríos (32 anos).

 

2.            Os peticionários alegaram que os fatos denúnciados configuran a violação dos  seguintes direitos reconhecidos na  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”): direito à vida (artigo 4); direito à integridade pessoal (artigo 5);  direito à liberdade pessoal (artigo 7); direito às garantias judiciais (artigo 8) e direito à proteção judicial (artigo 25); além de, com relação a Marco Antonio Servellón García e Rony Alexis Betancourt Hernández, os direitos da criança (artigo 19). Também alegam a violação da  obrigação genérica do Estado de garantir o cumprimento dos direitos protegidos na  Convenção conforme o artigo 1 da mesma.

 

3.            Com respeito à admissibilidade, o Estado alegou que a denúncia é inadmissível por falta de esgotamento dos  recursos internos conforme o disposto no artigo 46(1) da  Convenção Americana, e os peticionários alegaram que houve atraso injustificado na  investigação e na  decisão destes recursos e que os mesmos não foram efetivos para obter os resultados para os quais foram concebidos, de modo que não são aplicáveis as exceções contempladas no  artigo 46(2) da  Convenção Americana.

 

4.            Sem prejulgar o mérito do assunto, a CIDH conclui neste relatório que a denúncia é admissível conforme as exceções estabelecidas no  artigo 46(2) (a) e (b) da  Convenção Americana. Com base nisto resolve que os peticionários ficam isentos de cumprir com o  requisito de esgotamento dos  recursos jurisdicionais internos contemplados no número 1(a) do mesmo dispositivo e continuar com a análise de mérito relativa à suposta violação dos  artigos 1(1), 4, 5, 7, 8, 19 e 25 do mesmo instrumento internacional.

 

II.             TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO INTERAMERICANA

 

5.            A petição foi recebida em 11 de outubro de 2000, e transmitida ao Estado hondurenho em 24 de outubro de 2000 sob o número 12.331, de conformidade com o  Regulamento da  Comissão vigente na época. Em 12 de junho de 2001 os peticionários apresentaram uma comunicação na qual pediram que fosse aplicado o artigo 39 do Regulamento da CIDH[1] atualmente vigente e fosse presumida a veracidade dos  fatos denunciados, posto que o Estado, desde o início do trâmite da denúncia, não havía controvertido os fatos denunciados.[2] Esta  solicitação foi posta ao conhecimento do Estado, o qual respondeu em 10 de setembro de 2001.

 

III.            POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE 

A.             Os peticionários

 

6.            Os peticionários alegaram que em Honduras existe uma prática ordenada e tolerada pelo Estado de deixar na impunidade crimes praticados por agentes da Polícia Nacional contra crianças e adolescentes carentes, situação que segundo eles está acreditada no  expediente judicial.

 

7.            Os denunciantes informam que em 15 de setembro de 1995, nas imediações do Estádio Nacional Tiburcio Carías Andino, na  cidade de Tegucigalpa, foi realizado uma operação policial preventiva, com o  objetivo de  evitar o cometimento de delitos durante os desfiles pátrios que se realizariam na comemoração do Dia da  Independência de Honduras.  Durante esta operação as patrulhas policiais registradas com os números 50, 77 e 82 da  Força Pública do Sétimo Comando Regional  detiveram 128 jovens de forma ilegal e arbitrária pois os policiais não contavam com ordens judiciais, nem encontraram estes jovens cometendo um delito flagrante. Dentro do grupo de jovens detidos pela polícia estavam: Rony Alexis Betancourt, Marco Antonio Servellón García, e Orlando Alvarez Ríos, quem foram trasladados às Instalações do  Sétimo Comando Regional (doravante denominado o CORE 7)[3] da  FUSEP, e cujos ingressos as celas policiais constam do registro sob os números 45, 63 e 76 respectivamente,  do livro de detenções do mencionado comando.[4] Diómedes Abel García foi interceptado por agentes da polícia hondurenha nas imediações de um local de jogos eletrônicos em 16 de setembro de 1995, e depois transferido ao CORE 7numa patrulha. Sua detenção não foi anotada formalmente nos livros respectivos mas foi confirmada por outros detidos (Anexo 1 da  denúncia).

8.            Afirman os peticionários que a juíza de Polícia do Comando Regional Número Sete das Forças de Segurança Pública, Sra. Roxana Sierra Ramírez, informou aos familiares de Marco Antonio Servellón e os de Rony Betancourt que estes seriam liberados no dia 18 de setembro de 1995. Dilcia Alvarez Ríos, irmã de Orlando Alvarez, declarou perante o Segundo Juiz de Paz Criminal do Município Central de Tegucigalpa que em 16 de setembro de 1995 recebeu uma chamada telefônica de seu irmão que estava no CORE 7, comunicando-lhe que seria liberado no dia 18 de setembro do mesmo ano.  A juíza Roxana Sierra assinou as supostas liberações de Marco Antonio, Rony e Orlando as 11 hs da manha de 16 de setembro de 1995.

 

9.            Segundo os peticionários, em 17 de setembro de 1995, ou seja, no dia seguinte às supostas liberações, Marco Antonio Servellón foi assessinado na  colônia “El Lolo”, as margens da velha rodovia do Norte. Nesse mesmo dia foram encontrados os corpos sem vida de Rony Alexis Bentancourt, a 50 metros da ponte da rua principal da Colônia Nueva Suyapa; de Orlando Alvarez Ríos, na rodovia do Norte, na altura do quilômetro 41, e de Diómedes García, entre os quilômteros 8 e 9 da rodovia que conduz ao Departamento de Olancho.  Segundo os peticionários os supostos responsáveis seriam os seguintes funcionários policiais: David Abraham Mendoza, Marco Tulio Regalado, Alberto José Alfaro Martínez, Hugo Antonio Vivas, José Antonio Martínez Arrazola, e a juíza de polícia Roxana Sierra.[5] Dado os lugares em que apareceram os corpos, o caso é conhecido como “Quatro Pontos Cardinais”.

 

10.            Os peticionários indicam que as mortes ocorreram, segundo a autópsia, aproximadamente entre as 3 e 6 hs da manhã do dia 17 de setembro de 1995 e que existe um mesmo padrão ou “modus operandi”,  o que indica a mesma autoria. Todas as vítimas foram mantidas na clandestinidade durante sua detenção arbitrária; todas foram ameaçadas de morte por membros da polícia preventiva antes de sua detenção; e todas foram assessinadas pela  mesma arma de fogo[6] num intervalo de poucas horas.

 

11.            Em 5 de março de 1996, o pai de uma das vítimas, senhor Betancourt, apresentou queixa no Primeiro Juizado de Letras Criminal. Em 6 de maio, a Promotoria  Especial de Direitos Humanos do Ministério Público solicitou ordens de captura contra vários agentes da Força de Segurança Pública (FUSEP) e a juíza de polícia Roxana Sierra pelos delitos de assassinato, abuso de autoridade, violação dos deveres dos  funcionários públicos e detenção ilegal em detrimento da administração pública.

 

12.            Os peticionários argumentam que, embora o expediente judicial tivesse provas suficientes contra os acusados, inclusive relatórios periciais da  Direção de Medicina Forense do Ministério Público, inspeções judiciais e declarações de testemunhas, o Primeiro Juiz de Letras Criminal declarou improcedente as ordens de captura solicitadas “porque não existe mérito suficiente”.[7]  Também indeferiu o recurso de revisão interposto tanto pelo senhor Betancourt, pai de uma das vítimas, como pela  Promotoria Especial de Direitos Humanos.[8] Em 6 de de agosto de 1996, a Primeira Corte de Apelações confirmou a decisão da primeira instância.[9] Depois de ser denegado a apelação e, num esforço por obter justiça, a Promotoria continuou solicitando diligências que, até hoje, mais de seis anos depois dos  assassinatos, não conduziram à individualização e julgamento dos culpados.

 

13.            Em face do exposto anteriormente, os peticionários solicitam que seja declarada admissível a presente denúncia de acordo com as exceções previstas no  artigo 46(2), letras  (a) e (c) da  Convenção, tendo em vista que houve uma demora injustificada na  administração de justiça e porque os recursos internos que estiveram disponíveis para as vítimas não foram eficazes.

 

B.        O ESTADO

 

14.            O Estado opôs expressamente uma exceção de falta de esgotamento dos  recursos legais internos ao teor do artigo 46(1)(a) e alegou que estes continuavam em trâmite. Adicionalmente, informou sobre as diligências praticadas durante os anos 1995 e 1996[10] , as quais os peticionários já haviam se referido em sua denúncia[11] e que a Promotoria Especial de Direitos Humanos havia enviado a acusação contra os oficiais da Polícia Nacional, a juíza de polícia e a Administração Pública ao Primeiro Juizado de Letras Criminal em 17 de setembro de 1995. Assinalou ademais que a ordem captura contra os acusados foi solicitada por esta mesma instituição em 6 de agosto de 1996 e que nessa mesma data o juiz da  causa a declarou improcedente por falta de mérito suficiente. O Estado hondurenho informou também  sobre algumas ações novas realizadas e outras pendentes.[12]

 

15.            O Estado concordou com os peticionários que as mortes das supostas vítimas constituem homicídio; que as mesmas estão relacionadas entre si por terem sido causadas por arma ou armas de fogo calibre 38SPL; que a Promotoria de Direitos Humanos apelou da  decisão e que a Primeira Corte de Apelações a confirmou. 

 

16.            O Estado assinalou que a Promotoria Especial de Direitos Humanos não economizaria esforços para reforçar a prova existente e solicitar novamente a liberação das correspondentes ordens de captura contra todos aqueles que forem responsáveis pelos  fatos.

 

IV.            ANÁLISE

 

A.       Competência, ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci da  Comissão Interamericana.

 

17.            A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que esta alega  violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam  tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado.

 

18.            A Comissão tem competência ratione pessoae em virtude da  legitimidade passiva, visto que a denúncia dirige-se contra um Estado parte, conforme contemplado de maneira genérica na Convenção, em seus artigos 44 e 45.  Esta competência depreende-se  da própria natureza do sistema interamericano de proteção dos  direitos humanos, pelo qual os Estados partes comprometem-se a respeitar e garantir os direitos e liberdades reconhecidos na  Convenção (artigo 1).

 

19.            A Comissão tem competência ratione pessoae em virtude da  legitimidade ativa que tem os peticionários do presente caso, conforme o artigo 44 da  Convenção, que “estabelece que qualquer entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da  Organização” pode apresentar perante esta petições que contenham denúncias ou queixas de violação da  Convenção por um Estado parte em detrimento de uma ou mais pessoas.

 

20.            A CIDH tem competência ratione temporis para conhecer a presente petição porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado de Honduras na data em que ocorreram os fatos alegados na  petição.  Honduras ratificou a Convenção em 8 de setembro de 1977.

 

21.            Finalmente, a Comissão tem competência ratione materiae porque na petição se se denunciam violações dos  artigos 1(1) (dever geral de garantia), 5 (direito à integridade pessoal); 7 (direito à liberdade pessoal); 19 (direitos da criança); 8(1) (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção Americana.

 

B.             Outros requisitos de admissibilidade da petição

 

a.             Esgotamento dos recursos internos

 

22.            O artigo 46(1) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que para que uma petição ou comunicação apresentada conforme os artigos 44 ou 45 seja admitida pela  Comissão, é necessário o esgotamento prévio dos  recursos da  jurisdição interna, de acordo com os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos.

 

23.            Os peticionários solicitam que seja aplicada as exceções contidas no artigo 46(2) da  Convenção porque a investigação que o Estado deveria empreender de oficio com o objetivo de esclarecer os assassinatos matéria da denúncia, julgar e punir os responsáveis, foi prolongado por um lapso irrazoável, foi ineficaz e deixou os crimes impunes.

 

24.            O artigo 46(2) da  Convenção Americana  estabelece que o requisito do prévio esgotamento dos recursos internos e o  prazo de apresentação da  petição não são aplicáveis quando:

 

a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados;

b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.

 

 

25.            O Estado hondurenho opôs a exceção relativa à falta de esgotamento dos  recursos internos em sua resposta à  denúncia e alegou que esta não é admissível conforme o artigo 46(1) da  Convenção.[13]  Os peticionários, porém, alegam que transcorreram quase sete  anos desde que ocorreram os fatos sem que os recursos a seu alcance tenham sido efetivos para identificar, julgar e punir os responsáveis. Também informam que o processo ainda encontra-se na fase de instrução, apesar do artigo 174 do Código de Procedimentos Penais hondurenho estabelecer que o prazo máximo para a etapa de instrução é de 30 dias. Com base no anterior, os peticionários pedem que seja declarada admissível a petição conforme as exceções previstas no  artigo 46(2) da  Convenção.

 

26.            A Comissão assinalou reiteradamente que não basta que o Estado alegue a exceção de falta de esgotamento dos  recursos legais internos para que ela  prospere. Como já estabelecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, um Estado que invoca esta exceção deve também identificar os recursos internos a serem esgotados e provar sua efetividade de acordo com as circunstâncias, coisa que o Estado de Honduras não fez.

 

27.            Com a finalidade de prover um recurso apropriado para remediar as violações alegadas, que constituem delitos de ação pública, o Estado deveria, na sua qualidade de titular da ação punitiva, iniciar de ofício os procedimentos tendentes a identificar, processar e punir todos os responsáveis, impulsionando diligentemente todas as etapas processuais até sua conclusão. Na opinião da Comissão, os sete anos transcorridos desde a data em que ocorrreram os fatos até o presente momento,  consiste em umm tempo mais que suficiente ao Estado hondurenho para identificar as responsabilidades, julgar e punir os responsáveis no âmbito interno.

 

28.            A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a CIDH entenderam reiteradamente que a regra geral que requer o prévio esgotamento dos recursos internos reconhece o direito do Estado a “resolver o problema segundo  seu direito interno antes de enfrentara um processo internacional”,[14] neste caso perante à jurisdição internacional dos direitos humanos, que é "coadjuvante ou complementar" da interna.[15] Esta regra geral não somente reconhece o Estado o mencionado direito mas também lhe  impõe a obrigação de proporcionar às pessoas sob sua jurisdição recursos adequados para proteger a situação jurídica infringida  e efetivos para produzir o resultado para os quais foram concebidos. Se os recursos oferecidos pelo Estado não reunem estes presupostos cabe aplicar as exceções contempladas no artigo 46(2) da  Convenção, que foram estabelecidas com o propósito de garantir a ação internacional quando os recursos da  jurisdição interna e  o próprio sistema judicial interno não são céleres e efetivos para assegurar o respeito aos direitos  humanos das vítimas.

 

29.            A Comissão estima que neste caso os recursos internos nã foram efetivos para remediar a situação jurídica infringida, de modo que se pode aplicar a exceção prevista no  artigo 46(2) letra (a) da  Convenção. Também é aplicável a exceção estabelecida na letra (c) do mesmo dispositivo porque houve uma demora injustificada na decisão dos recursos jurisdicionais internos que elimina a possibilidade razoável de obter o remédio ou resultado para o qual foram concebidos. Esta demora injustificada de justiça é incompatível com a obrigação do Estado de por recursos adequados e efetivos à disposição das pessoas que encontram-se sob sua jurisdição.

 

30.            A Comissão reitera que a regra do esgotamento dos  recursos internos não deve se entendida como a necessidade de efetuar, mecanicamente, trâmites formais, e que se o  trâmite destes recursos demora de forma injustificada se pode deduzir sua ineficácia para obter o remédio ou resultado para o qual foram criados. Consequentemente, o direito do Estado a alegar que esta petição é inadmissível por não esgotar os recursos jurisdicionais internos não pode deter ou demorar indefinidamente a atuação do sistema interamericano de proteção em auxílio das vítimas indefesas, situação esta que o legislador tratou de evitar ao estabelecer as exceções a esta regra contempladas no  artigo 46(2) da  Convenção, cujo resultado é eximir o cumprimento deste requisito.

 

31.            A Comissão estima que, como regra geral, uma investigação penal deve ser realizada com rapidez para proteger os intereses das vítimas e preservar a prova e que, neste caso, o tempo transcorrido sem que houvesse a investigação, julgamento e punição de todos os responsáveis, constitui uma manifestação de atraso injustificado e das escassas perspetivas de efetividade deste recurso, posto que:

 

não podem ser considerados efetivos os recursos que, pelas condições gerais do país ou pelas circunstâncias de um determinado caso, sejam ilusórios……como sucede quando se incorre em demora injustificada na decisão.[16]

 

32.            A Comissão considera importante esclarecer que as exceções à regra do esgotamento dos recursos internos encontram-se estreitamente vinculadas à determinação de possíveis violações a certos direitos consagrados na  Convenção, tais como o direito ao devido processo (artigo 8) e o direito à proteção judicial (artigo 25). Cabe considerar, porém, que o artigo 46(2), que dispõe sobre três exceções a esta regra, por sua natureza e objeto, tem conteúdo autônomo com respeito às normas substantivas da  Convenção e depende de um padrão  de apreciação distinto daquele utilizado para determinar a violação dos artigos 8 e 25 deste instrumento internacional. Portanto, a Comissão passa a resolver neste relatório a aplicabilidade das referidas exceções como uma questão de prévio e especial pronunciamento e deixa a análise das razões pelas quais não se esgotaram os recursos internos e do efeito jurídico da  falta de esgotamento dos mesmos para a etapa em que a Comissão examina o mérito da controvérsia  a fim de determinar se foram configuradas as violações aos artigos 8 e 25 da  Convenção.[17]

 

33.            Tendo em vista o exposto anteriormente, a Comissão considera que os recursos internos disponíveis foram ineficazes, o que gerou uma privação e uma demora injustificada de justiça. Portanto, a Comissão conclui que a denúncia sub judice é admissível com base nas exceções estabelecidas no  artigo 42(2) letras (a) e (c) da  Convenção Americana e exime os peticionários de esgotar a via jurisdicional interna.

 

b.            Prazo de apresentação

 

34.            Dado que a presente petição está contemplada dentro das exceções do artigo 46(2)(c) da  Convenção, a CIDH conclui que não são aplicáveis os requisitos inseridos no  artigo 46(1)(b) da mesma.

 

c.             Duplicação de procedimento e coisa julgada

 

35.            O expediente da  petição não contém nenhuma informação que pudesse ensejar que o presente assunto encontra-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional ou que tenha sido previamente decidido pela  Comissão Interamericana.  Portanto, a CIDH conclui que não são aplicáveis as exceções previstas no artigo 46(1)(d) e no artigo 47(d) da  Convenção Americana.

 

d.             Caracterização dos  fatos alegados.

 

36.            A Comissão considera que, se provados verdadeiros os fatos alegados pelos peticionários, estes poderiam  configurar uma violação de direitos garantidos nos  artigos 4, 5, 7, 8, 19 e 25 da  Convenção Americana. 

 

V.            CONCLUSÕES

 

37.            A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46, letras (a) e (b)  da  Convenção Americana.  Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

DECIDE:

 

1.            Declarar admissível o presente caso no que se refere às supostas violações dos  direitos protegidos nos  artigos 4, 5, 7, 8, 19  e 25 da  Convenção Americana.

 

2.            Notificar as partes desta decisão.

 

3.            Continuar com a análise sobre o mérito da questão.

 

4.            Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 27 de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-presidente Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert.

 

 

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[1] Artigo 39 do Regulamento da  CIDH:  Presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados na petição cujas partes pertinentes tenham sido transmitidas ao Estado em questão, se este não submete informação relevante para controvertê-los dentro do prazo fixado pela  Comissão conforme o artigo 38 do presente Regulamento, sempre que de outros elementos de convicção não resulte uma conclusão contrária.

[2] A este respeito, os peticionários manifestam o seguinte:

O Estado de Honduras ignorou a solicitação de informação da  Comissão Interamericana, e não apresentou nenhuma solicitação fundamentada que justifique seu silencio. Até esta data não se pronunciou sobre os fatos denunciados, motivo pelo qual solicitamos a Comissão que presuma como verdadeiros os fatos alegados, conforme o estipulado no  artigo 39 de seu Regulamento.

Comunicação dos  peticionários de 12 de junho de 2001, pág.1.

[3] Os peticionários esclarecem que atualmente não se chama CORE 7 mas Chefatura Metropolitana Nº 1.

[4] Segundo consta no  expediente judicial nas páginas Nº. 42 e seguintes. Acusação criminal contra  oficiais da  Polícia de Honduras, Marco Tulio Regalado Hernandez, Alberto José Alfaro, Hugo Antonio Vivas, José Antonio Martinez Arrazola e contra   Dra. Roxana Sierra Ramirez apresentada pela  advogada Mercedes Suyapa Vásquez Coello, Promotora Auxiliar da Promotoria Especial de Direitos Humanos dependente do Ministério Público perante o Primeiro Juiz de Letras Criminal. (Anexo 1, denúncia dos  peticionários de 11 de outubro de 2000).

[5] Ver denúncia dos  peticionários de 11 de outubro de 2000,  págs. 1-4.

[6] Segundo o parecer do técnico em balística forense da  Direção de Investigação Criminal os projéteis extraidos dos  corpos das vítimas “foram disparados pela  mesma arma de fogo tipo: revólver, calibre 38SPL. (Anexo 1 da  demanda).

[7] Ver auto processual de pag 288 (anexo 1).

[8] Ver pag 289 e 292 (anexo 1).

[9] Ver pag 298 e 299 (anexo 1).

[10] O Estado informou as seguintes ações realizadas entre 1995-1996: Acusação formal apresentada pela  Promotoria Especial de Direitos Humanos em 17 de setembro de 1995; realização das autópsias forenses;  tomada de depoimentos; inspeções nos Escritórios do Comando Regional Nº 7; solicitação de ordens de captura contra os acusados (esta solicitação foi denegada, e a a Promotoria a cargo apelou da decisão; (Ver Relatório do Estado de 10 de setembro de 2001).

[11] Ver denúncia original dos  peticionários de 11 de outubro de 2000.

[12] O Estado informou que solicitou aos laboratórios criminalísticos do Ministério Público o relatório balístico do caso para determinar se existe algum nexo com outros crimes. Está pendente de localização outros jovens que se presume teriam conhecimento de crimes ocorridos em circunstâncias similares. (Ver Resposta do Estado de 10 de setembro de 2001).

[13] Corte I.D.H., Caso Castillo Páez, Exceções Preliminares, Sentença de 30 de janeiro de 1996, Série C. Nº. 24, par. 41.

[14] Corte I.D.H. Caso Velásquez Rodríguez. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C. Nº.4, par. 61.

[15] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, Série C N1 4 (1988), par. 61.

[16] Corte I.D.H., Garantias judiciais em estados de emergência, opinão consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987, Série A Nº. 9, par. 24.

[17] Ver CIDH, Relatório Nº 54/01, Caso 12.250, Massacre de Mapiripán, Colômbia, par. 38 e CIDH Juan Humberto Sánchez- Honduras, Relatório Nº 65/01- Caso 11.073, 6 de março de 2001, par. 51.