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RELATÓRIO
Nº 15/02 ADMISSIBILIDADE CASO
11.802 RAMON
HERNÁNDEZ BERRIOS E OUTROS HONDURAS 27
de fevereiro de 2002 I.
RESUMO 1.
Em 26 de agosto de 1997, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão
Interamericana” ou “a CIDH) recebeu
uma denúncia apresentada pelo
Centro pela Justiça e o
Direito Internacional (CEJIL) e a Associação Casa Aliança América Latina
(Casa Aliança) (doravante denominados ”os peticionários”) na qual
se alega a responsabilidade internacional da República de Honduras (doravante
denominada “o Estado” ou o “Estado hondurenho”) pela detenção ilegal e tortura dos menores Ramón Antonio Hernández
Berrios, Juan Benito Hernández Berrios, Ever Rolando Boquín Donaire e Osmán
Antonio Cáceres Muñoz. Os peticionários alegam que os fatos denunciados
configuran a violação de várias disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada a “Convenção Americana” ou a “Convenção”): artigo 5 (integridade
física e moral), artigo 7 (liberdade pessoal), artigo 19 (direitos da criança),
artigo 8 (garantias judiciais) e artigo 25 (proteção judicial). Alegam
também a violação da obrigação
genérica do Estado de respeitar os direitos protegidos na Convenção conforme o artigo 1(1) da mesma.
2.
Os peticionários alegam que em 21 de novembro de 1995 os menores Ramón
Antonio Hernández Berrios, Juan Benito Hernández Berrios, Ever Rolando
Boquín Donaire e Osmán Antonio Cáceres Muñoz foram torturados na
penitenciária para adultos Granja Penal de Comayagua pelo chefe dos
reclusos, o qual havia procedido por ordem do Diretor deste centro penitenciário,
senhor Aquilino Sorto. Alegaram os peticionários que a demora injustificada
na investigação, julgamento e
sanção de todos os responsáveis exime os peticionários de esgotar os
recursos jurisdicionais internos em virtude da exceção prevista no artigo
46(2)(c) da Convenção
Americana. 3.
O Estado negou que os menores tivessem sido torturados e assinalou
que a ação penal aberta contra o senhor Sorto terminou com uma sentença
absolutória datada de 26 de junho de 1998, a qual adquiriu valor de coisa
julgada por ter sido confirmada em todas as instâncias superiores. Em relação
a outra pessoa implicada neste caso, Pablo Argueta, chefe dos reclusos, o
Estado informou que a Promotoria estava reunindo as provas para abrir um proceso
criminal contra ele. Quanto à admissibilidade, o Estado opôs-se
expressamente à exceção de falta de esgotamento dos recursos
jurisdicionais internos. 4.
Após analisar os argumentos de fato e de direito das partes, bem
como a prova aportada e, sem prejulgar o mérito do assunto, a CIDH conclui
neste relatório que o caso é admissível conforme a exceção prevista no
artigo 46(2)(a) e (c) da Convenção Americana. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO INTERAMERICANA 5.
A petição foi recebida em 26 de agosto de 1997 e transmitida ao
Estado em 2 de setembro de 1997. Em 9 de março e 11 de junho de 1998, os
peticionários solicitaram informação sobre o andamento da denúncia. Em
29 de agosto de 1997 os peticionários apresentaram informação adicional,
a qual foi trasmitida ao Estado em 25 de setembro de 1997. Em 16 de junho de
1998 a CIDH reiterou ao Estado seu pedido de resposta à denúncia sob a
ameaça de aplicar o artigo 42 do Regulamento da Comissão. Em 22 de julho os peticionários apresentaram
informação adicional, que foi transmitida oportunamente ao Estado. 6.
Em 11 de agosto de 1998 o Estado apresentou sua contestação à denúncia,
que foi transmitida aos peticionários em 24 de agosto de 1998. Em 9 de
outubro de 1998 os peticionários solicitaram uma prorrogação do prazo
para enviar suas observações à contestação do Estado, a qual foi
concedida por 30 dias em 15 outubro de 1998. Em 12 de novembro de 1998 os
peticionários voltaram a solicitar uma extensão do prazo, esta vez por três
meses, devido ao estado de emergência em que se encontrava Honduras devido
ao Furacão Mitch. Esta prorrogação do prazo foi concedida. 7.
Em 24 de agosto de 1999 os peticionários apresentaram suas observações
à contestação do Estado, as quais forma trasmitidas ao Estado em 27 de
setembro com um prazo de 30 dias para apresentar seus comentários. 8.
Em 1º de outubro de 1999, durante seu 104º período de sessões, a
Comissão celebrou uma audiência com ambas partes na qual os peticionários
apresentaram uma proposta de solução amistosa. Em 27 de março de 2000,
depois de diversas negociações, o Estado apresentou seus comentários e uma proposta indenizatória à consideração da Comissão
“no marco do acordo amistoso perante a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos”. Esta informação foi enviada aos peticionários em 12
de abril de 2000. Mediante
comunicação de 26 de maio os peticionários apresentaram informação
adicional e referiram-se aos critérios indenizatórios que consideravam
necessário aplicar neste caso. Manifestaram que se o Estado não
reconhecesse sua responsabilidade pelos atos de tortura denunciados eles se
retirariam do procedimento de solução amistosa. Esta comunicação foi
encaminhada ao Estado em 15 de junho de 2000, com prazo de 30 dias para que
este respondesse. 9.
Em 11 de outubro de
2000, durante seu 108º período ordinário de sessões, a Comissão
celebrou uma nova audiência relacionada com este e outros casos de menores.
Durante a audiência foi resolvido que se celebraria, em 20 de outubro de
2000, uma reunião com representantes do Estado e dos peticionários na sede
da Comissão. Por acordo das partes a mencionada reunião foi
postergada para o dia 26 de outubro de 2000. Mediante comunicação de 20 de
outubro a Secretaria Executiva solicitou as partes que, na mencionada reunião, se pronunciassem sobre alguns pontos
concretos relacionados com o projeto de acordo de solução amistosa. Na
data mencionada a Secretaria Executiva e as partes reuniram-se e depois de
um extenso intercambio de opiniões, o Estado comprometeu-se a enviar sua
contra-proposta ao projeto de
acordo apresentado pelos peticionários. Em 16 de novembro de 2000 o Estado
encaminhou seus comentários sobre a proposta dos peticionários. As partes
pertinentes destes comentários forma enviadas aos peticionários em 4 de
dezembro de 2000, com um prazo de 30 dias para que estes apresentassem suas
observações. 10.
Em 21 de dezembro de 2000 os peticionários solicitaram prorrogação
do prazo por 30 dias. Em 22 de dezembro a Comissão comunicou as partes a
respeito da concessão desta prorrogação. Mediante comunicação de 20 de
janeiro de 2001, e recebida na Comissão
em 27 de abril de 2001, os peticionários encaminharam suas observações à
contra-proposta do Estado. Em 18 de abril de 2001 os peticionários pediram
informação acerca do andamento do processo de conciliação. Através de
comunicação de 26 de junho de 2001, e
recebida em 16 de julho, o Estado enviou informação adicional que foi
transmitida aos peticionários em 18 de julho de 2001.
Em nota de 20 de julho de 2001, recebida em 13 de julho do mesmo ano,
o Estado encaminhou comentários com respeito as observações dos peticionários
sobre o projeto de acordo de
solução amistosa, informação que foi encaminhada aos peticionários
em 27 de julho. Tendo em vista de que os peticionários anunciaram que se
retirariam do processo de conciliação e que as partes não tinham chegado
a um acordo para solucionar o caso, a Comissão deu por concluido o processo
de solução amistosa. III.
POSIÇÕES DAS PARTES
A.
Os Peticionários 11.
Os peticionários alegaram que em 21 de novembro de 1995 os menores
Ramón Antonio Hernández Berrios, Juan Benito Hernández Berrios,
Ever Rolando Boquín Donaire e Osmán Antonio Cáceres Muñoz, enquanto
estavam ilegalmente detidos na prisão de adultos Granja Penal de Comayagua,
foram vítimas de vexames e maus tratos. Os peticionários afirmam
que conforme ao denunciado pelos menores perante o Ministério Público,
estes se encontravam jogando com seus companheiros na cela denominada
“cela de castigo” quando o Diretor, Aquilino Sorto Gonzáles, incomodado
pelo ruido, ordenou que calassem-se. Como continuassem o barulho o Diretor
ordenou ao chefe dos reclusos, Paulo Argueta, que algemasse os menores com
as mãos atrás e que os atasse nas barras da cela. Os menores foram
mantidos algemados e pendurados das barras por espaço de mais de duas horas
sem tocar o chão. Enquanto estiveram pendurados os suspendiam e abaixavam
violentamente mediante uma corda atravessada entre o meio das algemas.
Segundo os peticionários, a violência exercida contra estes menores foi
tal, que em sua avaliação o médico forense disse ter encontrado “evidência
externa de lesões que produziram uma incapacidade temporal de 3 dias”,[1]
o que prova a tortura sofrida por estes jovens. 12.
Os peticionários indicaram que, embora os menores tenham
retratado-se nas suas denúncias
contra o senhor Aquilino Sorto declarando terem-se “autoflagelado” para
produzir lesões corporais, estas retratações carecem de validez porque não
foram devidamente investigadas. Alegam que as vítimas estavam presas na
penitenciária onde o Sr. Sorto exercia cargo de Diretor na mesma época em
que foram feitas suas retratações e durante o processo criminal que
tramitava contra ele. Ademais, o acusado admitiu em suas declarações ter
“castigado” aos jóvens e um deles, Osman Antonio Cáceres Muñoz,
declarou que o Diretor da Granja
Penal ofereceu uma quantia de duzentos lempiras para que não o denunciasse.[2]
13.
Os peticionários manifestaram que embora a decisão do orgão
judicial hondurenho mais alto tenha sido absolutória, esta reconhece
plenamente o exame de corpo de delito. Isto implica, segundo os peticionários,
que mediante ato jurisdicional que tem autoridade de coisa julgada
foi declarado provado o delito de tortura, mas não o responsável pelo
crime não foi individualizado, o que faz que este permaneça impune. Com
base na exceção prevista no
artigo 46(2)(a) da Convenção, os peticionários argumentam que não tem
que esgotar os procedimentos internos porque os recursos judiciais ao
alcance das vítimas não foram eficazes nem adequados, pelo contrário,
impediram o esclarecimento dos fatos e atrasaram a investigação. B.
O ESTADO 14.
Em sua contestação à denúncia o Estado hondurenho se opôs
expressamente a exceção da falta de esgotamento dos recursos
jurisdicionais internos. Quanto ao senhor Aquilino Sorto, Diretor da Granja
Penal de Comayagua, o Estado hondurenho informou que em 26 de junho
de 1998 foi prolatada sentença absolutória na ação criminal interposta
contra ele, tendo em vista que a declaração prestada pelos menores afetados em que se
retrataram das acusações e manifestaram que haviam sido pressionados para
prejudicar o acusado. Segundo o Estado também se retratou a senhora María Reyes Zavala Donaire,
mãe do jovem Ever Rolando Boquin Donaire, quem fez a denúncia perante o
organismo de direitos humanos e declarou como testemunha no julgamento. Em
comunicação posterior o Estado informou que a sentença absolutória foi
confirmada nas instâncias judiciais superiores, tendo adquirido caráter de
coisa julgada. 15.
Em relação a outra pessoa implicada no caso, o senhor Pablo Argueta,
chefe dos reclusos, informou a Promotoria que estava reunindo as provas para
abrir o processo criminal contra ele. IV.
ANÁLISE A.
Competência ratione loci,
ratione pessoae, ratione temporis e ratione materiae da Comissão 16.
A Comissão tem competência ratione
loci para conhecer a petição, visto que esta alega
violações de direitos protegidos na
Convenção Americana que teriam
tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado. 17.
A Comissão tem competência ratione
pessoae em virtude da legitimidade
passiva, visto que a denúncia
dirige-se contra um Estado parte, conforme contemplado de maneira genérica
na Convenção, em seus artigos 44 e 45.
Esta competência depreende-se da
própria natureza do sistema interamericano de proteção dos
direitos humanos, pelo qual os Estados partes comprometem-se a
respeitar e garantir os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção (artigo 1). 18.
A Comissão tem competência ratione
pessoae em virtude da legitimidade
ativa que tem os peticionários do presente caso, conforme o artigo 44 da
Convenção, que “estabelece que qualquer entidade não
governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da
Organização” pode apresentar perante esta petições que
contenham denúncias ou queixas de violação da
Convenção por um Estado parte em detrimento de uma ou mais pessoas. 19.
A CIDH tem competência ratione
temporis para conhecer a presente petição porque a obrigação de
respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se
encontrava em vigor para o Estado de Honduras na data em que ocorreram os
fatos alegados na petição.
Honduras ratificou a Convenção em 8 de setembro de 1977. 20.
Finalmente, a Comissão tem competência ratione
materiae porque a petição expõe
fatos que, se provados verdadeiros, caracterizariam a violação dos artigos
5 (direito à integridade pessoal); 7 (direito à liberdade pessoal); 19 (direitos
da criança); 8(1) (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção
judicial) da Convenção Americana. B.
Outros requisitos de admissibilidade da petição
a.
Esgotamento dos recursos internos 21. O artigo 46(1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que para que uma petição ou comunicação apresentada conforme os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, é necessário o esgotamento prévio dos recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos. 22.
Os peticionários alegaram que a investigação que o Estado
empreendeu de ofício com o fim de esclarecer os supostos atos de tortura,
julgar e punir os responsáveis, foi prolongado por um lapso
irrazoável, ineficaz e gerou impunidade. Solicitam, portanto, que o caso
seja declarado admissível conforme o artigo 46(2) da Convenção
Americana, que estabelece que o requisito do prévio esgotamento dos
recursos internos e o prazo de
apresentação da petição não
são aplicáveis quando: a)
não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido
processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham
sido violados; b)
não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso
aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los;
e c)
houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos. 23.
O Estado hondurenho se opôs a exceção relativa à falta de
esgotamento dos recursos internos desde as primeiras etapas do procedimento.[3] Contudo, a Comissão constata que foram transcorridos
mais de seis anos desde que os fatos ocorreram, e que os mesmos estão
impunes apesar das próprias autoridades hondurenhas terem provado a existência
de sinais de tortura no corpo das crianças.
Embora um dos supostos responsáveis, o senhor Aquilino Sorto, tenha
sido processado, este foi absolvido definitivamente. O outro acusado não
foi sequer acusado apesar de, assim como as supostas vítimas, estar preso
na Granja Penal de Comayagua, ou seja, sob custódia do Estado quando
sucederam os fatos. 24.
Cabe assinalar que não basta que o Estado alegue a exceção de
falta de esgotamento dos recursos legais internos para que ela
prospere. Como já estabelecido pela Corte
Interamericana, um Estado que invoca esta exceção deve também identificar
os recursos internos a serem esgotados e provar sua efetividade de acordo
com as circunstâncias, coisa que o Estado de Honduras não fez. 25.
Com a finalidade de prover um recurso apropriado para remediar as
violações alegadas, que constituem delitos de ação pública, o Estado
deveria, na sua qualidade de titular da ação punitiva, iniciar de ofício
os procedimentos tendentes a identificar, processar e punir todos os responsáveis,
impulsionando diligentemente todas as etapas processuais até sua conclusão.
Na opinião da Comissão, o tempo transcorrido desde a data em que
ocorrreram os fatos até o presente momento,
consiste em umm tempo mais que suficiente ao Estado hondurenho para
identificar as responsabilidades, julgar e punir os responsáveis no âmbito
interno.
26.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a CIDH entenderam
reiteradamente que a regra geral que requer o prévio esgotamento dos
recursos internos reconhece o direito do Estado a “resolver o problema
segundo seu direito interno
antes de enfrentara um processo internacional”,[4]
neste caso perante à jurisdição internacional dos direitos humanos, que
é "coadjuvante ou complementar" da interna.[5]
Esta regra geral não somente reconhece o Estado o mencionado direito mas
também lhe impõe a obrigação
de proporcionar às pessoas sob sua jurisdição recursos adequados para
proteger a situação jurídica infringida
e efetivos para produzir o resultado para os quais foram concebidos. 27.
As exceções contempladas no artigo 46(2) da Convenção
foram estabelecidas com o propósito de garantir a ação internacional
quando os recursos da jurisdição
interna e o próprio sistema
judicial interno não são céleres e efetivos para assegurar o respeito aos
direitos humanos das vítimas. 28.
A primeira destas exceções, relativa à inexistência de recursos
internos que garantam o princípio do devido processo, estabelecida na letra (a)
desta norma, não somente refere-se a uma ausência formal de recursos
jurisdicionais internos, mas também o caso em que este recursos não sejam
adequados para remediar a situação jurídica infringida. A denegação e a
demora injustificada de justiça contemplados, respectivamente, nas letras
(b) e (c) da mesma disposição,
também vinculam-se à eficácia dos recursos internos.
Por esta razão, o esgotamento dos recursos internos não deve ser
entendido como a necessidade de efetuar, mecanicamente, trâmites formais,
mas sim deve-se analisar em cada caso sua efetividad potencial, isto é, a
possibilidade razoável de obter o remédio ou resultado num caso concreto
os quais estes recursos foram
criados. 29.
Com efeito, é óbvio que o direito do Estado de alegar que uma petição
não é admissível porque não foram esgotados os recursos jurisdicionais
internos não pode servir de base para deter ou demorar indefinidamente a
atuação internacional em auxílio da vítima indefesa.
Sem num caso determinado o trâmite dos recursos internos demora de
forma injustificada, pode deduzir-se que estes perderam sua eficácia para
produzir o resultado para o qual foram criados e cabe, consequentemente,
aplicar os mecanismos de proteção internacional, entre os quais figuram as
exceções acima mencionadas que eximem o requisito de que os mesmos sejam
esgotados. 30.
A Comissão considera que as retratações das crianças que
conduziram à absolvição do
único réu[6] ocorreram
depois de apresentada esta denúncia a Comissão, e quando o senhor Sorto
supostamente estava em condições de intimidar os menores. Surge do
expediente perante a Comissão que, mediante ofício da Direção de
Estabelecimentos Penais de 30 de junho de 1997, o senhor Sorto foi suspenso
provisoriamente de suas funções de Diretor da Penitenciária a partir do
dia 1º de julho de 1997 e foi transferido à Direção Geral de
Estabelecimentos Penais. Embora o diretor estivesse suspenso temporariamente
de suas funções em 8 de outubro de 1997, data em que ocorreram as retratações,[7]
o senhor Sorto continuou trabalhando desde 21 de novembro de 1995 (data dos
fatos) até 30 de junho de 1997, período durante o qual foi formalizada a
acusação contra ele e se deu inpicio à investigação preliminar. Em 1º
de julho do mesmo ano o senhor Sorto foi suspenso “provisoriamente” de seu cargo de Diretor da Granja Penal
de Comayagua mas continuou trabalhando
para a Direção de Estabelecimentos Penais, entidade pública encarregada
deste estabelecimento penal. Estas circunstâncias permitem presumir que
desde 21 de novembro de 1995 a 30 de junho de 1997 as crianças permaneceram
sob a custódia do acusado e que este, no momento das retratações,
continuava sendo o Diretor do Penal, ainda que temporariamente tenha sido
trasladado à dependência encarregada da supervisão desse mesmo centro
penitenciário, o que faz presumir que a situação de vulnerabilidade das
crianças persistia no momento em que ocorreram as retratações. 31.
Cabe ressaltar que, da denúncia apresentada em 14 de maio de 1996
pela Promotora do Ministério
Publicó, Dra. Karen Herrera, depreende-se que, prevendo este risco, esta
funcionária pediu a realização ata de cartório das declarações
originais das crianças. No parágrafo terceiro da denúncia
apresentada perante o Primeiro Juiz de Letras Seccional, a Promotora
manifestou o seguinte: TERCEIRO.
Pelas circuntâncias delicadas do eventos e a fim de evitar que os
reclusos neguem posteriormente
suas declarações por temor procedeu-se à ata de cartório das mesmas, a
qual segue em anexo. 32.
Por sua parte, o Promotor do Ministério Público, Dr. Aldo Francisco
Santos Sosa, ao formular a
acusação na causa instruida
contra Aquilino Sorto, manifestou no parágrafo terceiro de seu ofício de 7
de abril de 1997, que o delito denominado “Delitos Cometidos pelos Funcionários
contra o Exercício dos Direitos Garantidos pela Constituição” (artigos
333 e 334 do Código Penal Vigente) encontrava-se devidamente acreditado a
critério do Ministério Público, mediante a prova documental anexada.
Dentre as provas, o Ministério Público incluiu, inter
alia, o relatório do médico forense que contém as declarações das
crianças (páginas 17, 18, e 19 do expediente judicial) e o relatório
devidamente assinado e selado por Aquilino Sorto na sua condição de
Diretor da Granja Penal de Comayagua, onde de maneira expressa informa o
Diretor Geral de Estabelecimentos Penais, Dr. Gustavo Manzanares, o seguinte: ...que
no dia dezesseis de novembro de mil novecentos e cinco, Aquilino Sorto tomou
a decisão de castigar os menores da cela No. 9, em virtude de sua
insubordinação, manifestando, de maneira a esclarecer, que somente foram
castigados pelo período de “uma
hora” e não “quatro horas” como eles afirmam (páginas 24 e 38 do
expediente judicial). 33.
No parágrafo sexto de sua acusação o Ministério Público afirma
que o senhor Sorto, em seu depoimento : ...aceitou
ter assinado o relatório enviado em vinte e dois de novembro de mil
novecentos e noventa e cinco à Direção de Estabelecimentos Penais
e de maneira expressa aceitou ter castigado os ofendidos por um período
de uma hora, em virtude do mau comportamento que estas pessoas apresentavam
nesse instante. 34.
A Comissão estima que o temor manifestado pela Promotora de que as
crianças fossem intimidadas para retratarem-se; o depoimento do Diretor da
Penitenciária reconhecendo ter castigado as crianças por uma hora e não
por quatro horas, como eles alegaram; e o relatório do médico forense,[8]
que confirma as lesões sofridas pelas crianças e certifica a incapacidade
destes para desempenhar suas atividades habituais por três dias, deveriam
ter conduzido uma investigação cuidadosa, independente e exaustiva das
circunstâncias nas quais ocorreram os fatos denunciados e as retratações.
35.
A Comissão estima que, como regra geral, uma investigação penal
deve ser realizada com rapidez para proteger os intereses das vítimas e
preservar a prova e que, neste caso, o tempo transcorrido sem que houvesse a
investigação, julgamento e punição de todos os responsáveis, constitui
uma manifestação de atraso injustificado e das escassas perspetivas de
efetividade deste recurso, posto que: não
podem ser considerados efetivos os recursos que, pelas condições gerais do
país ou pelas circunstâncias de um determinado caso, sejam ilusórios……como
sucede quando se incorre em atraso injustificado na decisão.[9]
36.
Finalmente, a Comissão considera importante esclarecer que as exceções
à regra do esgotamento dos recursos internos encontram-se estreitamente
vinculadas à determinação de possíveis violações a certos direitos
consagrados na Convenção, tais como o direito ao devido processo (artigo 8)
e o direito à proteção judicial (artigo 25). Cabe considerar, porém, que
o artigo 46(2), por sua natureza e objeto, tem conteúdo autônomo com
respeito às normas substantivas da Convenção
e depende de um padrão de
apreciação distinto daquele utilizado para determinar a violação dos
artigos 8 e 25 deste instrumento internacional. Isto faz com que a aplicação
das exceções à regra de esgotamento dos recursos internos previstas nas
letras (a), (b) e (c) do artigo 46(2) devam ser resolvidas como uma questão
de prévio e especial pronunciamento, como o faz a Comissão ao emitir o
presente relatório.
37.
Por conseguinte, as razões pelas quais não foram esgotados os
recursos internos além do efeito jurídico da falta de esgotamento dos
mesmos serão analisados quando a Comissão examinar o mérito da controvérsia
a fim de determinar se configuraram violações aos mencionados artigos 8 e
25 .[10]
38.
Tendo em vista o exposto anteriormente, a Comissão conclui que a denúncia
sub judice é admissível com base nas exceções estabelecidas no
artigo 42(2)(a) e (c) da Convenção
Americana. b.
Prazo de apresentação 39.
O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para
admitir uma petição é necessário: “que seja apresentada dentro do
prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus
direitos tenha sido notificado da decisão definitiva”. 40.
Tendo a Comissão concluido que houve uma demora injustificada na tramitação
dos recursos jurisdicionais internos e que é aplicável a exceção
prevista no artigo 46(2)(c) da Convenção
Americana, resulta claro que ainda não foi adotada uma decisão definitiva
a partir da qual se pode contar o prazo de seis meses estipulados no parágrafo
1, letra (b) do mesmo dispositivo. Entretanto, a Comissão estima que a denúncia
foi apresentada dentro de um prazo razoável a partir da data em que os
direitos das vítimas foram supostamente
violados e que, portanto, o requisito relativo ao prazo de apresentação
foi cumprido conforme o estabelecido no artigo 32 de seu
Regulamento. c.
Duplicação de procedimentos e
coisa julgada 41.
O artigo 46(1)(c) da Convenção
estabelece que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela
Comissão, a matéria da mesma
não deve estar pendente de outro procedimento internacional.
42.
A Comissão entende que a matéria da presente petição não está
pendente de outro procedimento de acordo internacional, nem reproduz uma
petição já examinada por ela ou por outro organismo internacional.
Portanto, a CIDH conclui que o requisito estabelecido no artigo 46(1), letra
(c) foi satisfeito. d.
Caracterização dos fatos
alegados 43.
O artigo 47, letra (b) da Convenção
estabelece que a Comissão declarará inadmissível toda petição ou
comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 quando "não
exponha fatos que caracterizem uma violação dos direitos garantidos por
esta Convenção". 44.
Os fatos deste caso referem-se à detenção de Ramón
Antonio Hernández Berrios, Juan Benito Hernández Berrios, Ever Rolando
Boquin Donaire e Osmán Antonio Cáceres Muñoz na penitenciária para adultos
Granja Penal de Comayagua e a suposta tortura de que teriam sido objeto no
local. A petição refere-se também à falta de eficácia do Estado em
tramitar os recursos legais internos destinados a investigar, identificar,
processar e punir todos os supostos responsáveis. 45.
A Comissão considera que, se provados verdadeiros os fatos alegados
pelos peticionários, estes poderiam configurar
uma violação de direitos consagrados na Convenção
Americana, motivo pelo qual considera cumprido o requisito estipulado no
artigo 47(b) da Convenção
acima transcrito. V.
CONCLUSÕES 46.
A Comissão Interamericana conclui que a petição é admissível de conformidade com as exceções previstas no artigo 46, parágrafo
2, letras (a) e (c) da Convenção
Americana. Com base nos argumentos de fato e de direito expostos
anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1.
Declarar admissível o presente caso no que se refere a supostas
violações dos direitos
protegidos nos artigos 5, 7, 8, 19, 25, e 1(1) da Convenção
Americana. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise sobre o mérito da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser
apresentado à Assembléia Geral da OEA. Dado
e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., no dia 27 de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan
Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidente; José
Zalaquett, Segundo Vice-presidente Membros da Comissão
Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert.
[ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ] [1]
Ver cópia das decisões dos médicos forenses anexos à denúncia
apresentada pelo Ministério Público em 14 de maio de 1996. [2]
Ver cópia das decisões dos médicos forenses anexos à denúncia
apresentada pelo Ministério Público em 14 de maio de 1996. [3]
Corte I.D.H. Caso Castillo Páez, Exceções Preliminares, Sentença de
30 de janeiro de 1996, Série C. Nº. 24, par. 41. [4]
Corte I.D.H. Caso Velásquez Rodríguez. Sentença de 29 de julho de
1988. Série C. Nº.4, par. 61. [5]
Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez,
sentença de 29 de julho de 1988, Série C N1 4 (1988), par. 61. [6]
Ver cópia da “Ampliação
dos depoimentos das vítimas”, de 8 de outubro de 1997. [7]
Ver cópia da “Ampliação
dos depoimentos das vítimas”, de 8 de outubro de 1997. [8]
Ver cópia da denúncia
efetuada pelo Ministério Público de 14
de maio de 1996 e as decisões do médico forense anexos à mesma,
de 21 de novembro de 1995. [9]
Corte I.D.H., Garantias judiciais em estados de emergência, opinão
consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987, Série A Nº. 9, par. 24. [10]
Ver CIDH, Relatório 54/01, caso 12.250, Massacre de Mapiripán, Colômbia,
par. 38 e CIDH Juan Humberto Sánchez- Honduras, Relatório
65/01-
Caso 11.073, 6
de março de 2001, par. 51.
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