RELATÓRIO Nº 74/02[1]

ADMISSIBILIDADE

PETIÇÃO 320/2000

FERMÍN RAMÍREZ E/OU FERMÍN RAMÍREZ ORDOÑEZ

GUATEMALA

9 de outubro de 2002

 

 

I.            RESUMO

 

1.            Em 9 de junho de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a “Comissão Interamericana”, a “Comissão” ou “a CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada pelo Instituto de Defesa Pública Penal (doravante denominado “o peticionário”), representando o Sr. Fermín Ramírez ou Fermín Ramírez Ordoñez  (doravante denominada a “suposta vítima”), contra a  República da Guatemala (doravante denominada “o Estado”, “o Governo” ou “Guatemala”). A petição refere-se à imposição da  pena de morte ao Sr. Fermín Ramírez em 6 de março de 1998, pelo Tribunal de Sentença Penal, Narcotráfico e Delitos contra o ambiente do estado de Escuintla ao declarar o réu o autor do delito de assassinato da menor Grindi Yasmín Franco Torres. Naquela oportunidade, os peticionários solicitaram à Comissão medidas cautelares em favor da  suposta vítima.

 

2.            O peticionário alegou a responsabilidade do Estado pela  violação dos  direitos à vida, e às garantias judiciais e à proteção judicial contemplados nos artigos 4, 8 e 25 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”) em detrimento de Fermín Ramírez, em conjunção com a obrigação genérica de respeito e garantia dos  direitos estabelecidos na  Convenção.

 

3.            O Estado, por sua parte, alegou que a atuação do Tribunal que impôs à suposta vítima a pena de privação da vida foi exercitada no estrito marco jurídico guatemalense e que   a mesma contou com todos os meios de defesa necessários para repelir as decisões judiciais que lhe foram desfavoráveis. Portanto, solicitou à Comissão que declarasse inadmissível a petição dos  peticionários.

 

4.            Com base na  análise das posições das partes, a Comissão concluiu que é competente para conhecer a presente petição e que esta é admissível conforme as disposições dos  artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.

 

II.            TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

5.             A petição foi apresentada perante a Comissão, em 9 de junho de 2000.  Juntamente com a pedido principal, o peticionário solicitou medidas cautelares a favor da suposta vítima. Novamente em 27 de junho o peticionário dirigiu-se à CIDH requerendo que a mesma solicitasse à Corte Interamericana de Direitos Humanos medidas provisórias a favor do condenado. Em face deste pedido, a CIDH, em 19 de junho de 2000,  transmitiu as partes pertinentes ao Estado guatemalense e lhe solicitou que apresentasse informação  a respeito da  solicitação de medidas cautelares no prazo de 7 dias. Em 21 de junho do mesmo ano, o Estado manifestou à CIDH que seu requerimento seria satisfeito o antes possível com a  atuação dos tribunais de justiça que tem competência no caso e ao qual havia trasladado o expediente em questão.

 

6.                  O Estado, mediante comunicação datada de 11 de agosto de 2000, dirigiu-se à  Comissão manifestando que não se havia configurado no  presente caso nenhuma violação aos direitos consagrados na  Convenção e que a falta de esgotamento dos  recursos internos à disposição do Sr. Ramírez constituia outra causa que impedia a CIDH de emitir qualquer  tipo de medidas cautelares a favor da  suposta vítima ou solicitar à Corte Interamericana de Direitos Humanos medidas provisionais em seu favor.

 

7.            Em 7 de dezembro de 2000, o peticionário reiterou à Comissão a solicitação de medidas cautelares em favor da  suposta vítima, dado que os os recursos ordinários da  jurisdição interna tinham sido esgotados e era iminente a fixação da data para sua execução.

 

8.            Em 3 de maio de 2001, a Comissão iniciou o trâmite da  petição, transmitiu as partes pertinentes da  denúncia ao Estado guatemalense e lhe solicitou que apresentasse uma resposta à petição dentro do prazo de dois meses de conformidade com o artigo 30 de seu Regulamento. O Estado enviou suas observações à CIDH em 11 de julho de 2001, solicitando à CIDH que declarasse a inadmissibilidade do presente caso e que se abstivesse de solicitar medidas cautelares em favor do Sr. Ramírez.

 

9.            Em 3 de outubro de 2001, a Comissão trasmitiu ao peticionário as partes pertinentes da  resposta do Estado e lhe solicitou que apresentasse suas observações num prazo de 30 dias. Em 12 de novembro o peticionário apresentou suas observações ao relatório enviado  pelo  Governo da Guatemala onde novamente solicitou à Comissão a adoção de medidas cautelares e a continuidade do trâmite do presente caso.

 

10.            Finalmente o peticionário apresentou um novo relatório que ampliava as  observações encaminhadas em 12 de novembro de 2001.

 

III.            POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.            Posição do peticionário

 

Sobre os fatos

 

11.            O peticionário alega que o Sr. Fermín Ramírez foi condenado a pena de morte num processo em que não foram respeitadas várias das garantias mínimas estabelecidas no  artigo 8 e, portanto, a aplicação desta pena viola o artigo 4 do mesmo instrumento interamericano.

 

12.            Em primeiro lugar, o peticionário informou a CIDH que na presente causa o Ministério Público acusou o réu pelo delito de violação qualificada, o qual não está sujeito à pena de morte nos casos em que a vítima seja maior de 10 anos, de conformidade com a legislação penal guatemalense. [2] Indica, ademais, que os autos de abertura da ação foi feito sob o delito de violação qualificada, e que todo o desenvolvimento do assunto esteve baseado neste mesmo delito. O peticionário indica que, não obstante o anterior, o Tribunal qualificou os fatos como assassinato e, dada a “periculosidade” da  suposta vítima, lhe impôs a pena máxima na  sentença. O peticionário assinala que no  transcurso da fase oral o Tribunal advertiu as partes sobre uma possível variação na qualificação jurídica dos fatos, usando de uma faculdade legal estabelecida na  normativa de procedimento penal da Guatemala,[3] e que o Ministério Público, nas alegações finais, solicitou a qualificação jurídica pelo  delito de assassinato.

 

13.            A este respeito, o peticionário alega que na sentença foram alterados os fatos objeto da  acusação e do debate oral, sem que o réu tivesse a oportunidade de ser ouvido sobre esta nova imputação, nem apresentar provas de defesa en relação ao delito de assassinato nem controverter os fatos que conduziram a ser considerado como “perigoso”  de uma maneira prática e efetiva. Ol peticionário argumenta que é precisamente a falta de defesa a que foi submetido que constitui uma ruptura radical das garantias mínimas que tem todo réu num processo penal, particularmente se este processo termina com  a imposição da  pena capital.

 

14.            Em segundo lugar, o peticionário alega que a acusação do réu como perigoso não foi oportunamente imputada ao condenado, dado que nem na acusação, nos autos de abertura, nem no julgamento oral se fez menção alguma a esta circunstância, que conforme a  legislação penal guatemalense é a única que habilita a imposição da  pena de morte a um delito de assassinato. O peticionário alega que para que o tribunal possa impor a pena de morte é necessário provar a periculosidade do  agente[4], mas no  processo contra o Sr. Ramírez em nenhum momento o Ministério Público formulou imputação sobre a periculosidade. Seundo a argumentação dos  peticionários, o tribunal tampouco poderia ter provado este requisito, já  que o tribunal tem como limite da determinação dos  fatos a imputação conhecida pela  defesa na acusação, de modo que o peticionário afirma que a defesa não pode exercer nem prever uma estratégia para refutar as afirmações sobre periculosidade.

 

15.            O peticionário manifestou que foi vulnerada a garantia da presunção de inocência, que supõe que, nos caso em que é aplicada a pena de morte, a proibição de aplicação desta pena com base em presunções que admitam a possibilidade de uma explicação diferente dos fatos. No  presente caso, se alega que não se manifestaram os fatos em virtude dos quais o tribunal de primeira instância considerou por acreditadas as causas agravantes, limitando-se a indicá-la como concorrentes. Alega também que a ausência de indicação na  sentença de primeira instância dos  fatos que consistiam a maioria das causas agravantes mencionadas pelo Tribunal e a falta de fundamentação das mesmas nos  princípios do livre arbítrio restringiram objetivamente a possibilidade da defesa de controverter questões de direito relevantes sobre tais circunstâncias agravantes nos  recursos de apelação especial e de cassação interpostos pela  via da  impugnação.

 

16.            Finalmente o peticionário alegou que nos recursos interpostos para impugnar a sentença de primeira instância foi mencionada a inadequada tipificação do delito e concorrência de qualificanteagravantes, mas dada a estrutura do processo legal na Guatemala, pela  qual as questões de fato são debatidas unicamente na  primeira instância do procedimento, a possibilidade do contraditório ficou circunscrita às questões puramente de direito e não sobre as circunstâncias de fato constitutivas das causas agravantes, de modo que a suposta vítima naõ gozou do direito à proteção judicial.

 

17.            Quanto ao artigo 4 da  Convenção, o peticionário manifestou que o Estado da Guatemala violou a referida disposição convencional porque não observou as garantias judiciais de maneira aberta, as mesmas que devem ser respeitadas com  maior rigorosidade em processos por delitos punidos com a pena de morte. O peticionário invoca tanto a jurisprudência da  Corte Interamericana de Direitos Humanos como a opinão do Comitê de Direitos Humanos[5] sobre a obrigatoriedade de observar de maneira estrita as garantias do devido processo legal, quando existe a possibilidade de aplicação da pena capital, a fim de que a mesma não seja imposta arbitrariamente.

 

Sobre o esgotamento dos recursos internos

 

18.            Os peticionários informam que a sentença de 6 de março de 1998 que  impôs a pena de morte ao senhor Fermín Ramírez foi impugnada através de apelação, a qual foi indeferida pela  Corte de Apelações de Guatemala na decisão de 27 de maio de 1998. A defesa interpôs um recurso de cassação contra esta decisão, o qual foi indeferido pela  Corte Suprema de Justiça em 17 de agosto de 1998. Posteriormente a defesa interpôs um recurso de amparo perante a Corte de Constitucionalidade, o qual foi indeferido em 18 de fevereiro de 1999; e que, finalmente, interpôs um recurso de revisão perante a Corte Suprema de Justiça, o qual foi indeferido mediante resolução de 12 de julho de 1999. Os peticionários informam também que em 27 de julho de 1999 interpuseram um pedido de graça perante o Presidente da  República, mas este foi rejeitado em 31 de maio de 2000.

 

B.            Posição do Estado

 

19.            Em sua resposta às argumentações dos peticionários, o Governo da Guatemala assinalou que não se referiria a todos os pontos relativos ao direito de defesa referidos pelo  peticionário na  petição porque considerava que isto implicaria discutir sobre a interpretação e a aplicação de preceitos jurídicos de ordem interna, o que em definitiva constituiria a criação de uma quarta instância e  o enfraquecimento institucional guatemalense, uma vez que seria posto em dúvida um assunto que passou por todas as etapas e procedimentos estabelecidos pelo  Código Processual Penal (doravante denominado CPP) e outras leis relativas à matéria.

 

20.            O Estado manifestou que a mudança de tipificação jurídica do delito efetuada pelo Tribunal de Primeira Instância ao prolatar a sentença no presente caso não vulnerou o direito de defesa do Sr. Ramírez, ja que foi realizada em estrito cumprimento das garantias judiciais que supõe o devido processo legal. A este respeito, o Estado argumentou que foi emitido mandado de prisão preventiva contra o réu pelos  delitos de Assassinato e Violação Qualificada e que,  como reconhecido pelo próprio peticionário, a defesa foi advertida durante o debate de uma possível modificação do tipo penal, circunstância prevista expressamente no  CPP[6] e que foi solicitada também pelo  Ministério Público nas conclusões finais.

 

21.                        O Estado argumentou também que o Tribunal de sentença não fez mais que valorar a prova  da  causa, a qual não demonstra que a morte da menor tivesse sido produzida pelo fato da violação ou por circunstâncias secundárias à mesma; pelo  contrário, se alega que neste caso conseguiram distinguir e provar, mediante o relatório do médico forense que atuou no  processo, que a causa da morte foi asfixia por estrangulamento. O Estado afirmou que existiu o que doutrinariamente se conhece como “concurso real ou material de delitos” já que o réu, conforme o que consta do processo, executou duas ações, a de “matar ” a menor e a de ”violentá-la”. Estas duas ações em separado constituem delitos e o Tribunal de Sentença interpretou que a ação de matar a menor, com as agravantes respectivas, deu origem ao dispositivo de direito que autoriza a privação da  vida. Por todas estas razões o Estado considera que as alegações do peticionário sobre a alteração dos fatos e a violação de seus direitos processuais não existiram, e assinala que mesmo na hipótese em que tais argumentos fossem verdadeiros o réu contou com os meios necessários para fazer valer sua defesa.

 

22.            Com relação às alegações dos peticionários referentes à violação da presunção de inocência, o Estado manifestou que se foi prolatada uma sentença condenatória na  presente causa é porque foi provado devidamente que o Sr. Ramírez foi o autor do crime que os tribunais de justiça qualificaram como assassinato. O Governo manifesta que o Tribunal de Sentença não estava obrigado a manifestar os fundamentos de todas as agravantes, mas apenas a concorrência de uma delas, e atendendo a natureza e circunstâncias próprias do delito, este está facultado a impor a sanção. Finalmente assinala que o Tribunal declarou que havia concorrência das circunstâncias agravantes de dolo, premeditação, abuso de superioridade, e menosprezo da  vítima.

 

23.            Quanto ao direito à proteção judicial, o Estado alega que dos  recursos e ações esgotadas pelos  peticionários se conclui que o Sr. Ramírez contou com os meios jurídicos idôneos para que tribunais superiores conhecessem a  causa instruida contra sua pessoas e  que em todos os  recursos não foram encontrados motivos para a violação mencionada.

 

24.            Com base nas razões anteriormente expostas, o Estado alegou que não existiu nenhuma violação ao direito a julgamento ou ao devido processo legal e as garantias judiciais previstas na  Convenção, e por esta razão, não sel lhe pode atribuir responsabilidade internacional pela  violação do direito à vida do Sr. Ramírez.

 

IV.            ANÁLISE

 

25.            A Comissão passa a analisar os requisitos de admissibilidade estabelecidos na  Convenção Americana.

 

A.            Competência da  Comissão

 

26.            A Comissão tem competência ratione materiae para examinar a presente petição, porque nela se denuncia violações a direitos humanos protegidos pela  Convenção Americana, da qual o Estado da Guatemala é Parte desde a sua ratificação feita em 25 de maio de 1978.

 

27.            A Comissão tem competência ratione pessoae para conhecer a presente petição porque tanto a natureza dos  peticionários como a da suposta vítima satisfaz os requerimentos estipulados no  artigos 44 e 1(2) da  Convenção.

 

28.            A CIDH tem competência ratione temporis para conhecer a presente petição porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que ocorreram os fatos alegados na  petição.

 

29.            Finalmente, a Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que esta alega  violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam  tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado. 

 

B.            Requisitos de admissibilidade da  petição

 

1.            Esgotamento dos  recursos internos

 

30.            De acordo com o artigo 46(1)(a) da  Convenção, para que uma petição seja admissível pela  Comissão é necessário o esgotamento prévio dos  recursos da  jurisdição interna, de acordo com os princípios do direito internacional.[7] Tanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Corte”), como a Comissão entenderam em reiteradas oportunidades que “(…) segundo os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos e a prática internacional, a regra que exige o prévio esgotamento dos  recursos internos está concebida no interesse do Estado, pois busca dispensá-lo de responder perante um órgão internacional por atos imputados contra ele, antes de ter tido a oportunidade de remediá-los com seus próprios meios”.[8]

 

31.            A este respeito, o Estado de Guatemala manifestou em sua primeira comunicação de 11 de agosto de 2000 que a falta de esgotamento dos  recursos internos constituia para a Comissão uma causa impeditiva para o conhecimento do mérito do assunto. Entretanto, em sua última comunicação de 10 de julho de 2001, o Estado alegou que o réu  teve a sua disposição todos os recursos processuais para atacar a resolução que o declarou culpado e que, ainda que os recursos tivessem sido esgotados, nenhum deles considerou que o Tribunal de Sentença tivesse atuado sem observar as garantias judiciais dentro do devido processo legal.

 

32.            A Comissão recebeu informação aportada por ambas partes referente aos  recursos esgotados pelo peticionário. Em primeiro lugar, a sentença de primeira instância foi impugnada através de apelação especial que foi indeferida em 27 de maio de 1998, e em seguida interposto um recurso de cassação que também foi indeferido em 17 de agosto do mesmo ano. Posteriormente foi interposto um recurso de amparo perante a Corte de Constitucionalidade que foi indeferido em 18 de fevereiro de 1999, que foi seguido por um  recurso de revisão perante a Câmara Penal da  Corte Suprema de Justiça, que o indeferiu através da resolução de 12 de julho de 1999. Contra esta sentença foi interposto um recurso de amparo perante a Corte de Constitucionalidade. Finalmente, e devido  a mais um indeferimento do amparo, foi interposto um pedido de graça e um incidente de falta de execução com base na  normativa constitucional guatemalense, mediante a qual não se pode executar a pena de morte enquanto esteja pendente algum recurso. Neste último caso os peticionários estavam referindo-se ao  trâmite perante à jurisdição internacional, ou seja, o procedimento em curso perante esta Comissão.

 

33.            A Comissão observa que, com base na informação aportada pelas partes, o peticionário interpôs todos os recursos ordinários e extraordinários previstos na  legislação da Guatemala para controverter a sentença que impôs a pena de morte e que, por esta razão, está satisfeito o  requisito estabelecido na  normativa internacional. A CIDH assinala que na  oportunidade em que o Estado alegou a falta de esgotamento dos  recursos da  jurisdição interna não indicou quais os recursos que restavam para serem esgotados nem a prova de sua efetividade,[9] o que, no momento, não é relevante pois em sus última comuniação o Estado alega que a suposta vítima fez uso de todos os recursos oferecidos pela  jurisdição guatemalense na  defesa de seus direitos.

 

2.            Prazo de apresentação

 

34.            O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para admitir uma petição é necessário “que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus direitos tenha sido notificado da  decisão definitiva”. 

35.            A Corte Interamericana de Direitos Humanos assinalou, a respeito dos recursos a serem interpostos e esgotados com a finalidade de dar cumprimento com o requisito contemplado no artigo 46(1)(b) da Convenção, que estes devem ser adequados, o que “significa que a função desses recursos, dentro do sistema do direito interno, sejaa idônea para proteger a situação jurídica infringida”.[10]

 

36.            A CIDH nota que a petição foi recebida na CIDH em 9 de junho de 2000. De acordo com a informação aportada, a defesa jurídica do Sr. Fermín Ramírez formulou o pedido de graça junto ao  Presidente da  República da Guatemala em 27 de julho de 1999. Este pedido foi denegado em 31 de maio de 2000, mediante Acordo Governamental de 31 de maio de 2000. Consequentemente, a CIDH considera satisfeito o requisito inserido no artigo 46(1)(b) da  Convenção Americana.

 

3.            Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

37.            O expediente da  petição não contém nenhuma informação que pudesse ensejar que o presente assunto encontra-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional ou que tenha sido previamente decidido pela  Comissão Interamericana.  Portanto, a CIDH conclui que não são aplicáveis as exceções previstas no artigo 46(1)(c) da  Convenção Americana.

 

D.            Caracterização dos  fatos alegados

 

38.            O Estado argumenta que no processo pelo qual se impôs a pena de morte à suposta vítima não houve nenhuma violação ao julgamento justo nem às garantias judiciais previstas na  Convenção Americana.

 

39.            A Comissão entende que não corresponde nesta etapa do procedimento estabelecer se há ou não uma violação da Convenção Americana.[11] Para efeitos de  admissibilidade, a CIDH deve decidir se foram expostos fatos que caracterizam uma violação, como estipula o artigo 47(b) da Convenção Americana, e se a petição é “manifestadamente infundada” ou seja “evidente sua total improcedência”, segundo o inciso c do mesmo artigo. O padrão de apreciação destes requisitos é diferente daquele requerido para decidir sobre o mérito de uma denúncia. A CIDH debe realizar uma avaliação prima facie para examinar se a denúncia fundamenta a aparente ou potencial violação de um direito garantido pela  Convenção, e não para estabelecer a existência de uma violação. Tal exame constitui uma análise sumária  o que não implica um prejulamento ou uma antecipação da opinião sobre o mérito. O próprio Regulamento da Comissão, ao estabelecer duas claras etapas de admissibilidade e mérito, reflete esta distinção entre a avaliação que deve realizar a Comissão a fim de  declarar uma petição admissível e a requerida para estabelecer uma violação.

 

40.            A Comissão considera que os fatos denunciados  caracterizam prima facie uma violação dos direitos à vida, garantias judiciais e proteção judicial, consagrados nos  artigos 4,  8 e 25 da  Convenção Americana, em conjunção com a obrigação genérica do Estado de respeitar e garantir os direitos mencionados, estabelecida no artigo 1(1) do mesmo instrumento. Portanto, a Comissão conclui que na  presente petição estão reunidos os requisitos estipulados no artigo 47(b) e (c).

 

V.            CONCLUSÃO

 

41.            A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana com respeito aos artigos 1(1), 4, 8 e 25 do referido instrumento. Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.            Declarar admisível o presente caso no que se refere às eventuais violações dos  artigos 1(1), 4, 8,e 25 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

2.            Notificar as partes desta decisão.

 

3.            Continuar com a análise de mérito da questão.

 

4.            Publicar esta decisão e incluí-la no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 21 dias do mês de outubro 2002. (Assinado): Juan E. Méndez, Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; Membros da Comissão Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo e Clare K. Roberts e Susana Villarán.


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[1] O Membro da Comissão Sra. Marta Altolaguirre, de nacionalidade guatemalense, não participou na discussão e votação do presente relatório, em cumprimento do artigo 17(2)(a) do novo Regulamento da  Comissão, que entrou em vigor no dia  1º de maio de 2001.

[2] O artigo 175 do código Penal de Guatemala estabelece que “Se com motivo ou consequência da  violação, resultar a morte da ofendida, será imposta prisão de 30 a 50 anos. Será imposta pena de morte, se a vítima não tiver cumprido 10 anos de idade”.

[3] O artigo 388 do Código Processual Penal estabelece que “A sentença não poderá dar por acreditados outros fatos ou outras circunstãncias que os descritos na acusação e no auto de abertura da ação ou, se for o caso, na  ampliação da  acusação, salvo quando favoreça o réu.

Na  sentença, o tribunal poderá dar ao fato uma qualificação jurídica distinta daquela da acusação ou daquela do auto de abertura do processo, ou impor penas maiores ou menores que a pedida pelo  Ministério Público”.

[4] O artigo 132 do Código Penal estabelece que “Comete assassinato quem matar uma pessoa:

1) Con dolo.

2) Por preço, recompensa, promessa, ânimo de lucro.

3) Por meio ou na ocasião de inundação, incêndio, veneno, explosão, desmoronamento, derrubada de edifício ou outro artifício que possa ocasionar grande estrago.

4) Con premeditação conhecida.

5) Con raiva.

6) Com impulso de perversidade brutal.

7) Para preparar, facilitar, consumar e ocultar outro delito ou para assegurar seus resultados ou a imunidade para si ou para co-partícipes ou por não ter obtido o resultado que se tinha proposto ao tentar o outro fato punível.

8) Com fins terroristas ou no desenvolvimento de atividades terroristas.

Ao réu de assassinato será imposta prisão de 25 a 50 anos, contudo, será aplicada a pena de morte em lugar do máximo de prisão, se pelas circunstâncias do fato e da  ocasião, a maneira de realizá-lo e os modos determinantes, for revelado uma maior ou particular periculosidade do agente. Aquele ao qual não é aplicável a pena de morte por este delito, não poderá ser-lhe concedida a diminuição da pena por nenhuma causa.”

[5] Human Rights Committee, General Comment 6, Article 6 (Sixteenth session, 1982), Compilation of General Comments and General Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies, U.N. Doc. HRI\GEN\1\Rev.1 at 6 (1994).

[6] Ibid nota de pé de página  N° 4.

[7]  Ver Corte IDH, Exceções ao Esgotamento dos  Recursos Internos (artigo 46(1), 46(2)(a) e 46(2)(b) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Opinião Consultiva OC-11/90 del 10 de agosto de 1990, Ser. A Nº 11, parágrafo 17.

[8]  Ver Corte IDH, Decisão do Assunto Viviana Gallardo e Outras de 13 de novembro de 1981, Ser. A N° G 101/81, parágrafo 26.

[9] Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Serie C Nº 1, par. 88; Caso Fairén Garbi e Solís Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Serie C Nº 2, par. 87; e Caso Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de juno de 1987. Serie C Nº 3, par. 90.

[10] Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, Serie C Nº 4, par. 64; Corte I.D.H., Caso Godínez Cruz, Sentença de 20 de janeiro de 1989, Serie C Nº 5, par. 67; Corte IDH, Caso Fairén Garbi e Solís Corrales, Sentença de 15 de março de 1989, Serie C Nº 6, par. 88; Corte IDH, Caso Caballero Delgado e Santana, Exceções Preliminares, Sentença de 21 de janeiro de 1994, Serie C Nº 17, par. 63; Corte IDH, Exceções ao Esgotamento dos  Recursos Internos (artigo 46(1), 46(2)(a) e 46(2)(b) Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Opinião Consultiva OC-11/90 de 10 de agosto de 1990, Serie A Nº 11, par. 36.

[11] Ver nesse sentido, CIDH, Relatório Nº 28/01, Caso 12.367, Mauricio Herrera Ulloa e Fernán Vargas Rohrmoser del Diario La Nação”, Costa Rica,  3 de dezembro de 2001.