RELATÓRIO Nº 78/02
CASO 11.335

MÉRITO

GUY MALARY

HAITI

27 de dezembro  de 2002

 

 

I.          RESUMO

 

1.         Em 17 de agosto de 1994, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a “Comissão”  ou a “CIDH”) recebeu uma petição apresentada por “The Lawyers Committee on Human Rights” (doravante denominado “os peticionários”), contra a República de Haiti (doravante denominadA “Haiti”, “O Estado haitiano” e o ”Estado”) na qual se alega a violação dos  direitos à vida (artigo 4), às garantias judiciais (artigo 8) e  proteção judicial (artigo 25), todos relacionados com o dever de respeitar os direitos (artigo 1(1)) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção” e “a Convenção Americana”), em detrimento do senhor Guy Malary e seus familiares sobreviventes.

 

2.         O Sr. Guy Malary, Ministro de Justiça nomeado pelo  Presidente, Jean-Bertrand Aristide durante seu primeiro mandato, continuou exercendo este cargo durante o governo militar de fato de Raoul Cédras.  Os peticionários alegaram que o assessinato do Sr. Malary foi planejado e executado por agentes de segurança do Estado haitiano do regime militar na cidade de Porto Príncipe em 14 de outubro de 1993.  Alegam que o julgamento iniciado para investigar e punir os responsáveis está viciado pela parcialidade do júri, que julgou dois acusados que depois foram absolvidos, e a negligência das autoridades judiciárias ao realizar a investigação.  Alegam que em mais de oito anos transcorridos desde o assassinato do Sr. Malary, o Haiti não investigou adequadamente os  fatos, e que falhou deliberadamente em levar perante a justiça os responsáveis pelo crime e em compensar a família do Sr. Malary.

 

3.         O Estado inicialmente alegou que os fatos que motivam a petição ocorreram  durante o regime de fato e que, portanto, estes não comprometiam a responsabilidade internacional do Estado.  Depois das negociações dirigidas a alcançar uma solução amistosa [1], o Estado emitiu onze ordens de detenção contra vários suspeitos de assassinato, e em julho  de 1999, levou a julgamento dois deles, os quais foram absolvidos, e um terceiro saiu do país e até o  momento não foi possível processá-lo. O Estado manifestou que a investigação do caso encontra aberta, e que esta não avançou devido a que certos documentos chaves estão em  poder do governo dos Estados Unidos e devido as dificuldades estruturais do novo governo, o qual está numa etapa de transição pós-ditadura.  Contudo, o Estado reconheceu que agentes do  Estado participaram do  assassinato do Sr. Malary e que o júri que decretou o veredito contra dois acusados foi subornado.

 

4.         A Comissão Interamericana, reunida durante seu 109° período de sessões, em 4 de dezembro  de 2000, decidiu declarar admissível o presente caso, aplicando a exceção ao esgotamento dos recursos internos prevista no  artigo 46(2)(c) da  Convenção Americana, quando ocorre a demora injustificada na decisão sobre os recursos internos.[2] Em 28 de fevereiro  de 2002, durante seu 114° período de sessões, de acordo com o artigo 50 da  Convenção, a Comissão aprovou um relatório  preliminar sobre o mérito do caso e concluiu que o Estado é responsável pela  violação do direito à vida (artigo 4) em detrimento do Sr. Malary; e os direitos as garantias judiciais (artigo 8) e o direito à proteção judicial (artigo 25) dos  familiares do Sr. Malary, tudo em conjunção com  obrigação de respeitar e garantir os direitos estabelecidos no  mencionado instrumento (artigo 1(1)).

 

5.         O Relatório foi transmitido ao Estado haitiano em 28 de março  de 2002, com um   prazo de dois meses para cumprir com as recomendações segundo o previsto no  artigo 43(2) do Regulamento da  CIDH.  A Comisssão notificou ao peticionário sobre a adoção do relatório e sua transmissão ao Estado e lhe solicitou que apresentasse sua posição a respeito da interposição do caso à Corte de acordo com o artigo 43(3) do mencionado Regulamento. Uma vez cumprido o prazo de dois meses, a Comissão decidiu não apresentar o presente caso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerando a posição do peticionário original.  Nessa oportunidade, durante seu 116° período de sessões, a CIDH decidiu aprovar o relatório definitivo previsto no  artigo 51 da  Convenção.

 

II.         TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

6.         Os peticionários e o Estado haviam iniciado um processo de solução amistosa na audiencia outorgada pela  CIDH em 4 de maio  de 1999, e em 19 de novembro de 2000, foi assinado o acordo.  Posteriormente, os peticionários enviaram uma comunicação a CIDH indicando que não desejava continuar com este procedimento de solução amistosa pois o Estado não havia cumprido com sua parte.  Em 4 de dezembro  de 2000, durante o seu  109° período de sessões, a CIDH aprovou o relatório número 113/00, mediante o qual decidiu declarar admissível o caso 11.335 e continuar com a análise de mérito. Este relatório foi notificado as partes em 22 de janeiro de 2001 e publicado no  Relatório Anual da  CIDH do ano 2000 à Assembléia Geral da  OEA.

 

7.         Em 26 de março  de 2001, os peticionários solicitaram a Comissão a elaboração do relatório artigo 50, e solicitaram uma audiência para o 113° período de sessões. Em 7 de junho  de 2001, os peticionários manifestaram a Secretaria Executiva da  CIDH sua intenção de elaborar um memorando sobre o mérito  da  petição, o qual remeteram em 27 de junho  de 2001 sob o nome “Memorando a favor da  Solicitação de Ressarcimento do Peticionário”.  As partes pertinentes deste documento foram transmitidas ao Estado haitiano em 10 de julho  de 2001, outorgando-lhe um prazo de 30 dias para sua resposta.  O Estado não respondeu a esta solicitação.

 

8.         Em 7 de setembro de 2001, os peticionários enviaram uma comunicação escrita a CIDH na qual manifestaram que não seria necessária uma audiência sobre o mérito da  petição, por considerar suficiente a informação apresentada por escrito a Secretaria Executiva.  Também manifestaram seu desejo de encerrar o caso com a elaboração do relatório de mérito  por parte da  CIDH.  Em 28 de fevereiro  de 2002, durante seu 114° período de sessões, de acordo com o artigo 50 da  Convenção Americana, a Comissão aprovou um Relatório preliminar sobre o mérito do caso.  O relatório foi transmitido ao Estado haitiano em 28 de março  de 2002, com um prazo de dois meses para que este cumprisse com as recomendações segundo o previsto no  artigo 43(2) do Regulamento da  CIDH.  A CIDH notificou também o  peticionário sobre a adoção do relatório e sua transmissão ao Estado e lhe solicitou que apresentasse sua posição a respeito da interposição do  caso perante a Corte de conformidade com o artigo 43(3) do mencionado Regulamento.  Uma vez cumprido o prazo de dois meses, o Estado haitiano não havia apresentado suas observações e a Comissão decidiu aprovar o presente relatório.

 

III.        POSIÇÕES DAS PARTES

 

A.         Os peticionários

 

9.         O Sr. Guy Malary foi nomeado Ministro de Justiça pelo  Presidente Jean-Bertrand Aristide durante seu primeiro mandato e continuou exercendo esta  função durante o governo de fato do General Raoul Cédras.  Os peticionários alegam que, durante o exercício de seu cargo, o Sr. Malary trabalhou pela  implementação do Acordo de Governors Island,[3] advogando a criação de uma força policial independente e levando a cabo uma revisão geral do sistema judicial do Haiti, motivo pelo qual entrou em conflito com as autoridades desse país.  As tentativas do Sr. Malary de promover os direitos humanos e o estado de direito no Haiti haviam representado uma ameaça direta ao poder do governo de fato,[4] o que levou este governo  a planejar e executar o seu assassinato.  Afirmam que este assassinato foi realizado como parte de uma campanha de violência e intimidação política.

 

10.       Com relação à responsabilidade do Estado pelo  homicídio do Sr. Malary, os peticionários alegam que existem evidências de que foi planejado (autoria intelectual) por um comandante superior do Exército do Haiti e por vários integrantes da Frente para o Avanço e o  Progresso do Haiti, FRAPH (Front pour l’Advancement et Progrès d’Haiti).  Também assinalam que este assassinato foi levado a cabo pelos chamados attachés, que são tropas paramilitares integradas por civis utilizadas pelo governo de fato em certas  ocasiões,[5] com a cumplicidade do Serviço de Investigação e Buscas Anti-gang (Service d’Investigation et de Recherches Anti-gang, doravante denominado "Serviço Anti-gang"), que é uma força militar de segurança do Estado.[6]

 

11.       Os peticionários basearam seus argumentos sobre a participação de agentes do Estado no assassinato do Sr. Malary da seguinte forma:  a) as armas pesadas de assalto utilizadas no  assassinato foram do tipo reservado para os militares haitianos; b) as testemunhas oculares identificaram, pelo menos, um dos membros do Serviço Anti-gang que estavam presentes no  momento imediatamente posteiror ao assassinato do Sr. Malary; c) as testemunhas da  Missão Civil Internacional no Haiti (doravante denominada “MICIVIH”), os quais observavam pessoalmente o comandante do Serviço Anti-gang quando este dirigia a rodada de testemunhas do homicídio, e d) a semelhança na  execução de outros assassinatos políticos ocorridos no Haiti constituem provas da  participação de agentes do Estado no  assassinato da  suposta vítima.[7] Os peticionários indicaram que o Sr. Marcel Morissaint, membro do Serviço Anti-gang, --um dos suspeitos detidos por estar envolvidos nesses fatos que posteriormente foi liberado—reconheceu perante os investigadores estrangeiros que o Serviço Anti-gang era responsável pelo assassinato.

 

12.       Os peticionários explicaram que o dia do assassinato do Sr. Malary, ao chegar os observadores da  MICIVIH, a guarda policial armada com metralhadoras já havia rodeado o lugar do crime.  A polícia impediu os observadores da  MICIVIH acercarem-se do veículo em que foi assassinada a vítima durante mais de uma hora.[8] Assinalaram que os observadores notaram também que o Capitão Jackson Joanis,[9][9] comandante do Serviço Anti-gang, estava supervisionando a  rodada das testemunhas.[10][10]

 

13.       Os peticionários alegam que o Estado haitiano não cumpriu com  suas obrigações internacionais básicas relativas ao direito a não ser privado arbitrariamente da  vida.  Defendem que, embora o assassinato do Sr. Malary tenha ocorrido com a cumplicidade das forças armadas do governo de fato, a responsabilidade do Estado pelo  homicídio do Sr. Malary é igualmente atribuível aos governos posteriores, não somente ao regime que estava no  poder no  momento em que ocorreu a violação,  na medida em que esta  violação não tenha sido reconhecida e reparada devido a falta de uma investigação e processo judicial adequados.  O Estado haitiano seria, portanto, responsável em virtude da  Convenção Americana ainda que o atual Governo não tenha tido participação alguma no  assassinato.[11][11]

 

14.       Com relação aos direitos de garantias judiciais e um mínimo grau de proteção judicial, os peticionários alegaram que apesar das numerosas promessas de investigar o homicídio do Sr. Malary, e  a disponibilidade de suspeitos importantes e novas provas, o Estado haitiano omitiu repetidamente em adotar medidas tendentes a garantir uma mínima investigação adequada e eficaz.[12] Segundo os peticionários, o Estado haitiano não  investigou os suspeitos conhecidos, não aceitou documentos que representam provas chave, não  cumpriu com as promessas feitas durante negociações amistosas em prol  de um acordo, nem levou a cabo uma ação judicial adequada, nem deu lugar a que a investigação e o ajuizamento dos  assassinos do Sr. Malar fossem eficazes além da demora injustificada de oito anos do julgamento.[13]

 

15.       Os peticionários alegaram que, embora na investigação inicial do homicídio do Sr. Malary realizada pelo  Estado haitiano foram descobertas provas de uma ampla conspiração para assassiná-lo, as autoridades haitianas nunca detiveram nem interrogaram a maioria dos suspeitos.  Assinalaram que no início do processo, em maio  de 1996, o Estado ordenou a prisão de 11 pessoas acusadas de estarem envolvidas no  assassinato.  Destas 11 pessoas investigadas, somente três continuaram sendo processadas perante um tribunal e somente duas foram finalmente julgadas e absolvidas por um tribunal haitiano.  A terceira pessoa foi detida e posteriormente liberada sem ter sido julgada. 

 

16.       Segundo os peticionários, no julgamento das duas pessoas implicadas no  caso do Sr. Malary, o representante do Ministério Público não preparou as testemunhas nem procurou selecionar um júri imparcial, o que deu lugar a um julgamento viciado.[14]  Argumentam que esta deliberada falta de preparação impossibilitou o estabelecimento dos  fatos cruciais que poderiam ter determinado a responsabilidade do assassinato da  vítima.

 

17.       Os peticionários alegam que o Estado haitiano pôs em liberdade a terceira pessoa detida, sem explicação e sem interrogá-lo, antes de determinar a natureza e o grau de implicação no assassinato do Sr. Malary, sendo que este era uma figura chave contra quem existiam evidências de ter  participado dos  fatos e que tinha admitido perante os investigadores estrangeiros sua participação no  assassinato de Malary.  Indicaram que depois de sua liberação, as autoridades haitianas somente emitiram uma ordem de comparecimento, a qual foi desacatada.  O Estado não fez nenhum esforço sério por voltar a prender o Sr. Morissaint, nem deteve ou interrrogou os oito dos  outros suspeitos contra os quais haviam sido decretadas as ordens de prisão.[15]

 

18.       Os peticionários alegaram que o júri que decretou o veredito absolvendo os réus era parcial.  Para sustentar a parcialidade do jurado assinalaram que havia indevidas relações pessoais entre os membros do júri e os réus bem como conexões dos membros do júri com o  governo anterior, o que representou uma violação da  obrigação do Estado de proporcionar um tribunal independente e imparcial.[16] Um dos  membros do júri era um repórter de televisão empregado pelo  governo de fato, a quem o Representante do Ministério Público que interveio na causa havia chamado de "inimigo  da  democracia".  Outros dois membros do júri pareciam ser amigos pessoais do advogado de defesa , e uma grande maioria dos  membros do júri tinha mostrado abertamente desdenho pelas testemunhas oculares da promotoria, pois tratava-se de mendigos sem domicílio.  Os peticionários alegaram que os membros do júri aplaudiram  quando os réus entraram  na sala do tribunal.

 

19.       Os peticionários alegaram que depois de decretado o veredito absolutório a favor dos réus indicados no parágrafo anterior, o Representante do Ministério Publico interpôs uma  apelação, mas esta nunca foi desacolhida por razões processuais.  Neste sentido explicaram que o artigo 316 do Código de Instrução Criminal do Haiti impede que seja apelado e revogado o veredito de um júri que absolve o réu.  Isto é, somente prevê a apelação para os vereditos condenatórios e não os absolutórios.

 

20.       Além disso, os peticionários indicaram que o Estado incorreu numa série de omissões que impediram realizar uma investigação séria.  Entre elas, os peticionários mencionam primeiramente que em 1996 o Presidente René Préval solicitou a colaboração dos Estados Unidos na extradição do Sr. Constant, membro do FRAPH,[17] a qual foi negada por falhas de forma, e esta solicitação não foi reiterada desde 1996.  Em segundo lugar, os peticionários indicam que o Estado negou-se a obter documentos do FRAPH confiscados pelos Estados Unidos que representam provas cruciais sobre o assassinato do Sr. Malary, visto que poderiam conter informação útil e necessária para adiantar a investigação.  Alegam que, embora o Estado haitiano continue exigindo que os Estados Unidos devolvam os documentos sem nenhuma modificação, o fato de que se negue a aceitar algo que não seja o jogo de documentos completos e intatos lhe impede aproveitar a aparente boa disposição dos Estados Unidos para entregar alguns documentos sem  modificação alguma para efeito do processo penal.  A critério dos  peticionários, a posição adotada pelo  Estado haitiano, “tudo ou nada”, representa outro obstáculo para esta prolongada investigação.[18]

 

21.       Os peticionários alegam que o descumprimento da  obrigação de investigar outros suspeitos ou  de obter informação nos  documentos do FRAPH por parte do Estado haitiano representam exemplos de sua omissão inexplicável e injustificável, e que os antecedentes de oito anos de inação que tem o Estado haitiano constituem por si mesmos uma violação prima facie do direito à proteção judicial. O Estado comprometeu-se em várias ocasiões a solicitar a liberação de alguns documentos chave confiscados pelas tropas dos Estados Unidos no Haiti e a continuar com a investigação de outros suspeitos de autoria intelectual e material do crime.  A este respeito, acredita-se que o Governo dos  Estados Unidos tem em seu poder 160.000 documentos que seus soldados confiscaram em outubro de 1994 da  organização militar FRAPH e as Forças  Armadas do Haiti, FAd’H (Forces Armées d’Haïti), relativas a sua organização.  O Estado haitiano solicitou oficialmente a devolução destes documentos devido ao processo penal.  Em 1996, o Embaixador dos  Estados Unidos no Haiti, William Swing, informou que em resposta a esta solicitação se daria acesso aos documentos com a condição de que se editaria a lista dos  nomes dos  cidadãos   norte-americanos que participaram do  FRAPH ou FAd’H.  O Estado haitiano negou-se a aceitar os documentos modificados, e exigiu insistentemente na devolução dos  documentos originais.  Não obstante, os peticionários consideram que esta atitude do Estado resultou na indisponibilidade da informação essencial para a prisão dos  assassinos do Sr. Malary e que isto constitui uma violação da Convenção Americana por parte do Haiti.[19]

22.       Os peticionários manifestaram que os recursos jurídicos internos do Estado haitiano foram ineficazes, e que a falta de cumprimento do Estado de sua obrigação de realizar uma investigação eficaz sobre o assassinato do Sr. Malary viola suas obrigações derivadas da  Convenção Americana.[20]

 

23.       Os peticionários alegaram que os promotores e os juízes do Governo de Haiti não efetuaram uma investigação independente dos atos ilícitos cometidos por agentes do Estado porque não conferiu às instituições que investigaram o assassinato do Sr. Malary os recursos necessários para realizar uma investigação eficaz e compatível com os deveres previstos na Convenção Americana.[21]  Neste sentido, expressaram que os problemas estruturais do sistema judicial haitiano não constituem uma desculpa  para que o governo  negue-se constantemente a investigar e processar o caso Malary.

 

24.       Para fundamentar a falta de independência do tribunal, os peticionários indicaram que, na prática dentro da  jurisdição haitiana, nem os promotores nem os juízes de instrução têm capacidade de realizar uma investigação independente de assassinatos com consequências políticas delicadas que impliquem membros das forças armadas. Alegaram  que dado que os promotores  dependem da  polícia para realizar investigações dos  fatos, eles muito raramente investigam a atuação dos  militares ou da  polícia.  O Ministro de Justiça continua utilizando seu poder para encerrar investigações realizadas por juízes de instrução com respeito a aspectos delicados que envolvem atos ilícitos da  polícia.  Afirmaram que embora os juízes de instrução mantêm autoridade para levar a cabo suas próprias investigações dos  fatos, eles não contam com funcionários nem recursos para realizar tais investigações e, consequentemente, têm que depender da  polícia local para todas essas investigações.  Defendem que a informação proporcionada pela  polícia local é, constantemente, incompleta ou inútil.  Segundo os peticionários, os juízes de instrução não puderam  exercer nenhuma de suas faculdades de investigação independente para recompilar provas ou citar testemunhas para o caso Malary.[22]

 

25.       Os peticionários assinalaram que, salvo se os juízes de instrucção, ou alguma outra instituição, recebam os recursos para levar a cabo uma investigação independente do homicídio de Malary, não será possível efetuar uma investigação eficaz e que o Estado haitiano não proporcionou às instituições que investigaram o assassinato de Malary os recursos necessários para realizar uma investigação eficaz e compatível com os deveres do Estado haitiano em virtude da  Convenção Americana.

 

26.       Os peticionários sugeriram ademais, uma série de medidas ao Estado haitiano para avançar na investigação do caso: a) solicitar acesso aos documentos do FRAPH com as modificações do caso; b) reativar abusca dos indicicados indicados nas ordens de detenção de 1996; e c) solicitar a extradição do Sr. Morissaint, suspeito de crucial importância por sua suposta cumplicidade no  assassinato do Sr. Malary.[23]

 

27.       Os peticionários indicaram uma série de processos por supostas violações de direitos humanos cometidas durante o governo de fato que o Estado haitiano investigou ativamente,[24] e argumentaram que o fato de que o Estado haitiano tenha-se negado a tomar medidas parecidas a respeito do homicídio de Malary representa uma prova da  violação intencional e deliberada do Estado haitiano de suas obrigações em virtude da  Convenção Americana.[25]

 

28.       Finalmente, os peticionários solicitam a Comissão que declare que a deliberada insuficiência e ineficácia dos  esforços realizados pelo  Estado haitiano para investigar e processar judicialmente os responsáveis pelo assassinato do Sr. Malary constituem uma violação dos artigos 1(1), 4, 8 e 25 da  Convenção Americana.[26]

 

B.        O Estado

 

29.       Inicialmente, o Estado haitiano alegou que não podia responder pelas violações de direitos humanos cometidas pelo  governo de fato ocorridas entre 30 de setembro de 1991 e  14 de outubro de 1994, já que os autores devem  responder pessoalmente por seus atos.[27]  Entretanto, este argumento não foi utilizado durante o resto do procedimento, já que posteriormente constatou a existência de processos judiciais, investigações e ordens de prisão relacionados com o assassinato do Sr. Malary que se encontravam pendentes perante os tribunais, e que tinham sido reiniciados com o retorno do governo constitucional ao país.[28]

 

30.       O Estado reconheceu a existência de um atraso excessivo no  processo, mas indicou que isto devia-se as enormes dificuldades que enfrentava o Estado; obstáculos do tipo técnico  e econômico, e o fato de que muitos das  testemunhas temem por sua segurança.[29]

 

31.       A respeito do julgamento dos réus, o Estado informou que as autoridades competentes atuaram de maneira adequada e conforme as obrigações estabelecidas na Convenção Americana a fim de efetuar um julgamento imparcial.  Assinalou que embora  existissem alguns problemas na preparação da  acusação realizada pelo  Estado, esta não é atribuível à promotoria, já  que, pelo menos no  caso do Sr. Robert Lecorps, o expediente foi preparado em um só dia pelos  advogados norte-americanos assistentes dos  peticionários,  e não pelo  Representante do Ministério Público.

 

32.       O Estado defende que as três pessoas detidas, ademais de terem sido objeto de ordens de detenção pela  execução do Sr. Malary, também foram detidos por outros delitos.  Um deles foi detido, processado e condenado por tentativa de roubo de veículo e, o outro por tentativa de homicídio, mas foi posteriormente liberado devido a prescrição deste delito.[30]

 

33.       Em relação a participação de agentes do Estado no  homicídio do Sr. Malary, o Estado reconheceu que ao menos dois agentes policiais estavam conscientes do plano de assassinato do Sr. Malary.  Um deles, o agente de segurança do Ministério de Justiça, chamado Charles Avril, havia tentado comunicar o Ministro Malary sobre o plano  de seu assassinato, mas havia sido impedido de fazê-lo por um agente policial do Serviço Anti-gang.[31]  Este último, de acordo com os últimos argumentos do Estado, está atualmente preso, e o primeiro foi assassinado juntamente com o Sr. Malary pois estava no veículo no momento do ataque.  O Estado alegou que o Sr. Charles Avril, agente de segurança, tinha sido uma testemunha chave na resolução do caso Malary, já que este sabia dos planos para assassinar o Sr. Malary.  Contudo, esta testemunha foi assassinada juntamente com a vítima.[32]  Igualmente, o Estado manifestou que no dia do assassinato haviam attachés e policiais do Serviço Anti-gang que velavam pela  segurança dos  assassinos e que em lugar de proteger o Ministro, a Polícia havia protegido os assassinos.[33]

 

34.       O Estado indicou que os expedientes de Jackson Joanis, Emmanuel Constant e Michel François, tinham relação com os indivíduos antes mencionados, já que estes encontravam-se sob seu comando no  Serviço Anti-Gang,[34] e que estes três indivíduos estavam vinculados com o assassinato do Sr. Malary.

 

35.       Adicionalmente, indicou que existia um mandado do juiz de instrução contra o Sr. Morissaint e que a razão pela qual o mesmo não havia sido executado eram as dificuldades na busca deste indivíduo.[35]

 

36.       Com relação à parcialidade do júri que decretou o  veredito absolutório dos acusados pela morte do Sr. Malary, o Estado reconheceu a existência de várias irregularidades na eleição do jurado, entre outras, a presença de um número inferior do requerido pela  lei durante o julgamento do Sr. Lecorps, o qual foi passado por alto pelo  juiz da  causa.[36] Indicou que os onze suspeitos  enfrentaram julgamentos por contumácia e revelia, e que, por terem partido ao exílio não pudeam ser julgados, mas que existiam mandados judiciais contra eles.[37]

 

37.       Com relação ao recurso de apelação interposto pelo  Representante do Ministério Público depois da absolvição dos dois réus, o Estado afirmou que o mesmo foi apresentado a tempo e indeferido em outubro de 1996, devido a aspectos processuais.  Informou que a lei  haitiana estabelece que quando um júri emite um veredito, a Corte de Cassação não pode revisar o conteúdo desta decisão, mas somente comprovar se esta foi emitida conforme o direito.[38]

 

38.       A respeito dos documentos haitianos confiscados pelos Estados Unidos, o Estado haitiano informou  que aceitaria sua devolução somente se estiver completa, ou seja,  sem nenhuma modificação.[39] O Estado haitiano argumenta que não rejeitou a oferta feita pelos Estados Unidos de entregar os documentos, já que estes determinariam a resolução e o avanço do processo penal, mas que estes são documentos haitianos e, portanto, pertencem em sua totalidade ao Haiti.

 

39.       Em 2 de fevereiro  de 2000,[40] o Estado haitiano informou a CIDH que havia apresentado uma denúncia perante o  Comissário designado ao Tribunal de Primeira Instância de Porto Príncipe contra uma pessoa desconhecida.  Esta denúncia havia sido remetida a Departamento de Instrução (Cabinet d'Instruction) para o trâmite correspondente e a identificação da  pessoa desconhecida, antes de proferir a decisão no  prazo previsto no  Código de Instrução Criminal haitiano.  Informou que o encarregado do Departamento do Comissário responsável pelos expedientes dos acusados pelo homicídio do Sr. Malary, havia sido vítima de um roubo efetuado em seu automóvel no qual encontravam-se os expedientes e que estes nunca foram encontrados novamente.  Somente em 6 de janeiro de 2000 os expedientes foram reconstituidos e entregues ao juiz. 

 

40.       O Estado indicou que o exame dos  documentos que atualmente encontram-se em  poder dos  Estados Unidos constitui uma peça chave que permitirá o rápido avanço do julgamento.[41] Assinalou que o Haiti está saindo de um período de ditadura e como consequência, são muitos os obstáculos que deve superar; mas que apesar disto, está trabalhando em diversas frentes pelo  respeito dos  direitos humanos.  Um exemplo disto é o projeto de reforma judicial, a criação da  “Comissão Nacional de Verdade e Justiça”, e o estabelecimento de uma Brigada Criminal no  Ministério de Justiça para investigar os crimes e os desaparecimentos cometidos durante a ditadura.[42]

 

41.       Po último, o  Estado indicou que o caso Malary encontra-se aberto na jurisdição interna e que não pode ter avanço devido a dificuldades alheias á vontade dos funcionários.

 

IV.        ANÁLISE DE DIREITO

 

A.         Observações Preliminares

 

42.       Inicialmente, o Estado alegou que não podia responder pelas violações de direitos humanos cometidas pelo  governo de fato que ocorreram entre  30 de setembro de 1991  e 14 de outubro de 1994, já que os autores deveriam  responder pessoalmente por seus atos.[43] Não obstante, a Comissão recorda ao Estado haitiano que o sistema de proteção interamericano de direitos humanos tem como objeto, inter alia, determinar as responsabilidades dos  Estados pelas violações de direitos humanos cometidas sob sua jurisdição e não de determinar a  responsabilidade individual por estas  violações.  De acordo com o princípio de continuidade do Estado, a responsabilidade internacional existe de forma independente das mudanças de governo,[44] portanto, o Haiti é suscetível de responsabilidade internacional pelas violações de direitos humanos cometidas por qualquer  governo, seja anterior ou atual, independentemente do regime que este possa ter, sea de jure ou de fato.

 

43.       Com  finalidade de seguir com a ordem cronológica em que sucederam os fatos, será  apresentado em primeiro lugar a análise sobre o direito à vida, logo as garantias judiciais e a proteção judicial, e finalmente, o dever dos  Estados de respeitar os direitos estabelecidos na Convenção e de adotar disposições de direito interno de acordo com as normas da  Convenção.

 

B.        Direito à vida (artigo 4)

 

44.       O artigo 4 da  Convenção Americana estipula que “toda pessoa tem o direito a que seja respeitada a sua vida” e que “ninguém pode ser privado da  vida arbitrariamente”.  Tal direito não é derrogável, nem sequer em situações de emergência, de acordo com a jurisprudência da  Corte e a prática da  Comissão.[45]

 

45.       A Comissão observa que o Estado aceita que tenha existido a participação de agentes  do Estado no  homicídio do Sr. Malary.  Este fato, está devida e suficientemente estabelecido mediante os diferentes meios probatórios, testemunhais e documentais, que foram recolhidos no  trâmite do presente caso perante a Comissão.

 

46.       Com referência à participação de agentes do Estado no  assassinato da  suposta vítima, os peticionários alegaram que: a) os relatórios das  testemunhas oculares da  emboscada e do tiroteio; b) o uso das armas de assalto que somente dispõem as forças militares, c) a presença de oficiais do Serviço Anti-gang no local do assassinato, e d) a semelhança na execução de outros assassinatos políticos constituem provas da  participação de agentes do Estado no  assassinato da  suposta vítima. Os peticionários alegam que estas provas da  participação do Estado haitiano indicam que houve violação das suas obrigações de respeitar o direito à vida em virtude do  artigo 4 da  Convenção Americana.

 

47.       O  Estado também reconheceu que ao menos dois agentes policiais estavam conscientes do plano de assassinato do Sr. Malary.  Um deles, o agente de segurança do Ministério de Justiça, Charles Avril, havia tentado comunicar-se com o Ministro Malary sobre o plano de seu assassinato, mas havia sido impedido por um agente policial do Serviço Anti-gang.[46]  Este último, de acordo com os últimos argumentos  do Estado, está atualmente preso, e o primeiro foi assassinado juntamente com o Sr. Malary, pois estava no veículo no momento do ataque.  O Estado indicou que as três pessoas contra quem havia emitido ordem de captura estavam vinculados com o assassinato do Sr. Malary e tinham relação com os mencionados agentes de segurança já que estes estavam sob seu comando no  Serviço Anti-gang.[47]

 

48.       Da mesma forma, o Estado reconheceu a possível  vinculação do Serviço Anti-gang com o assassinato do Sr. Malary e o encobrimento dos  assassinos na cena do crime.  Na audiência de 5 de março  de 1999 celebrada perante a Comissão, o representante do Estado haitiano[48] expressou que “no dia do assassinato, haviam attachés e policiais do Serviço Anti-gang que velavam pela  segurança dos  assassinos e (…) a polícia, em lugar de proteger o  Ministro Guy Malary, protegeu os assassinos”, evidenciando com isto uma participação dos  agentes de segurança militares e agentes do Serviço Anti-gang no encobrimento do assassinato do Sr. Guy Malary.

 

49.       As alegações dos  peticionários reafirmam, por sua vez, estes fatos reconhecidos pelo  Estado ao assinalar  que quando chegaram os observadores da  MICIVIH, a guarda policial armada com metralhadoras havia rodeado o lugar do crime.  A polícia impediu os observadores da  MICIVIH acercarem-se do veículo em que foi assassinada a suposta vítima durante mais de uma hora.  Assinalaram que os observadores notaram também que o Comandante do Serviço Anti-gang estava supervisionando a rodada de testemunhas.

 

50.       Portanto, após o exame dos fatos anteriormente expostos, a Comissão observa que não há controvérsia entre as partes a respeito da participação dos agentes de Estado no  assassinato do Sr. Guy Malary.  As partes diferiram quanto ao grau de cumplicidade que estes  agentes tiveram no  fato, o qual não pode ser esclarecido por não ter-se levado a cabo o  processo judicial que pudesse determinar a identidade dos  perpetradores e dos  autores intelectuais do crime.  Não obstante, o acervo probatório disponível perante a CIDH relativo ao encobrimento do assassinato do Sr. Malary, e seu planejamento, o qual foi reconhecido pelo  Estado, permite a Comissão determinar que teve participação de pelo menos alguns agentes do Serviço Anti-gang e das forças armadas.

 

51.       A Corte Interamericana manifestou-se anteriormente no sentido de que para estabelecer que houve uma violação do direito à vida, não é necessário  determinar, como ocorre no  direito penal interno, a culpabilidade de seus autores ou sua intenção, pois “é suficiente a demostração de que houve apoio ou tolerância do poder público na infração dos  direitos reconhecidos na Convenção”.[49]

 

52.       No  presente caso, após o exame da  informação proporcionada pelas partes, a Comissão considera que o Estado é responsável pelos  atos de seus agentes bem como pelos  atos perpetrados pelos  indivíduos que contaram com sua cumplicidade para possibilitar e encobrir a execução extrajudicial do Sr. Malary em violação de seu direito a não ser arbitrariamente privado de sua vida.  Portanto, a Comissão conclui que o Estado haitiano é responsável pela  violação do direito à vida do Sr. Guy Malary, previsto no  artigo 4(1) da  Convenção Americana.

 

C.        Direito às Garantias Judiciais (artigo 8)

 

53.       O direito a um julgamento justo constitui um dos  pilares fundamentais de uma sociedade democrática.  Este direito é uma garantia básica do respeto aos  demais direitos reconhecidos na Convenção, já que representa um limite ao abuso do poder por parte do Estado.  Os orgãos da  Convenção Americana são competentes, de conformidade com o  artigo 33 da  mesma, para determinar se as ações ou omissões de qualquer orgão do Estado, incluindo o Poder Judicial, comprometem a responsabilidade daquele em função das obrigações internacionais assumidas de boa-fé ao ratificar a Convenção Americana.

 

54.       A Comissão está plenamente facultada para examinar, por exemplo, se no  curso de um processo penal foram respeitadas as garantias judiciais estabelecidas no  artigo 8 da  Convenção.  A determinação sobre se um processo judicial satisfaz os requisitos do artigo 8 deve ser feita com base nas circunstâncias particulares de cada caso e examinando o processo em sua totalidade.  Conforme o exposto, a Comissão examinará vários aspectos que foram alegados pelos  peticionários.  Em primeiro lugar, a obrigação de levar a cabo um processo judicial em um "prazo razoável" e em segundo lugar, a obrigação de estabelecer tribunais ou juízes imparciais.

 

a.         Direito a um julgamento num prazo razoável (artigo 8(1))

 

55.       O inciso 1º do artigo 8 assinala especificamente a obrigação dos  Estados de levar a cabo os processos judiciais dentro de um "prazo razoável" a fim de evitar dilações indevidas que representem uma privação ou denegação de justiça.

 

56.       Em relação ao cômputo do prazo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos vem aplicando a noção de "análise global do procedimento", segundo a qual, para determinar sua razoabilidade, devem ser incluidas as demoras ocorridas nas diversas etapas do conjunto do processo.[50]

 

57.       No  presente caso, a CIDH nota que os peticionários e o  Estado referiram-se a 11 pessoas contra quem foram expedidas ordens de prisão por estarem supostamente implicadas na execução do Sr. Malary, das quais, somente duas delas foram  julgadas pela  autoridade judicial competente e foi decretado um veredito que teve caráter de coisa julgada em outubro de 1996.  Na análise a seguir, a Comissão analisará o atraso no  processamento e decisão definitiva pela morte do Sr. Malary relativo as nove pessoas restantes contra as quais foram decretadas  ordem  de detenção e outras pessoas desconhecidas que também estão sendo investigadas.  

 

58.       Com relação ao prazo razoável para proferir uma decisão no  caso, os peticionários alegaram que as limitações orçamentárias e de outro tipo do sistema judicial haitiano não justificam a demora na investigação do presente caso.  Por outra parte, o Estado não negou que houve um atraso na investigação; porém, assinalou que o atraso foi justificado em razão de que há vários suspeitos no  exílio; as dificuldades em sua busca e na colheita de outras provas como os documentos confiscados pelos Estados Unidos; e o processo de reconstrução do país depois do fim da ditadura militar.

 

59.       A jurisprudência da  Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu três elementos que devem ser considerados para a determinação da  razoabilidade do prazo no  qual se desenvolve o processo: i.- a complexidade do assunto; ii.- a atividade processual do interessado; e iii.- a conduta das autoridades.

 

i.          A complexidade do assunto

 

60.       Com relação à complexidade do caso, a CIDH estima que embora  o  procedimento não apresentava uma complexidade jurídica particular, o tribunal haitiano teve dificuldades na compilação do material probatório. A CIDH considera que a presença de numerosos acusados não pode por si mesma converter o caso em particularmente complexo.[51] Entretanto, a CIDH considera que o procedimento penal desenvolvido no Haiti tornou-se complexo a partir do momento em que os indiciados que tiveram ordens de detenção decretadas sairam do país, lugar do crime.[52] O Estado haitiano solicitou a extradição de uma dessas pessoas ao Governo dos Estados Unidos; porém, segundo os argumentos dos  peticionários, esta solicitação foi indeferida.  A CIDH considera que os procedimentos de extradição apresentam uma relativa complexidade, tomando em consideração que é da  competência de dois ou mais Estados.[53]  O Estado haitiano, no qual ocorreram os fatos sob investigação, encontra-se na impossibilidade de fazer os acusados comparecerem em juizo e de interrogá-los, somada as dificuldades burocráticas.

 

61.       Com respeito à documentação das forças militares e policiais haitianas que supostamente planejaram e efetuaram o assassinato do Sr. Malary, os peticionários e o Estado alegaram que este documentos foram confiscados pelos Estados Unidos e que atualmente encontram-se em seu poder.  A CIDH considera que a obtenção desta documentação, --que tanto o Estado como os peticionários reconhecem a sua importância para a investigação dos  fatos--, tornou complexo o processo penal.

 

62.       Com efeito, os peticionários assinalaram que o Governo dos  Estados Unidos tem em seu poder 160.000 documentos relativos à organização militar FRAPH e  FAd’H, e que o Estado haitiano fez uma solicitação oficial para a devolução destes documentos baseado no processo penal.  Em 1996, o Embaixador dos  Estados Unidos no Haiti, William Swing, informou que, em resposta a esta solicitação, daria acesso aos documentos com a condição de que se editasse os nomes dos  cidadãos norte-americanos que participaram do FRAPH ou FAd’H.  O Estado haitiano negou-se a aceitar os documentos modificados, e exigiu insistentemente a devolução dos  documentos em sua forma original.  Não obstante, os peticionários consideram que esta atitude do Estado resultou na indisponibilidade da informação essencial para a detenção dos  assassinos do Sr. Malary.[54]  O Estado haitiano argumenta que não rejeitou a oferta feita pelos Estados Unidos de entregar os documentos, já que estes determinariam a resolução e o avanço do processo penal, mas que estes são documentos de propriedade haitiana e, portanto, pertencem em sua totalidade ao Haiti.

 

63.       A CIDH observa que o Estado haitiano solicitou aos Estados Unidos a devolução destes documentos e na medida que esse país negou-se a devolvê-los na sua forma original, --tal e como estavam quando foram confiscados--,  o Estado haitiano se nega a recebê-los. A CIDH considera que estas circunstâncias tornam complexo o processo judicial, na medida que se trata da  cooperação e ajuda dos  Estados em matéria judiciária.

 

64.       Tomando em consideração os fatores antes mencionados, a CIDH considera que o presente caso não somente está relacionado a um processo penal, mas também   a procedimentos de extradição de pessoas e a transferência de provas e documentos da  jurisdição de um país a outro.  Consequentemente, a CIDH conclui que tais procedimentos apresentam uma relativa complexidade que faz necessária uma diligência especial, por parte das autoridades judiciárais haitianas, a fim de concluir o processo dentro de um prazo razoável.

 

ii          A atividade processual do interessado

 

65.       Em relação ao segundo elemento necessário para avaliar a razoabilidade do prazo, isto é, a atividade processual do interessado, o fato de que durante o processo se houvesse chegado a um acordo amistoso entre os peticionários e o Estado, não eximiria o tribunal haitiano de garantir o cumprimento dos  requerimentos da  Convenção em matéria de prazo razoável.  Por outra parte, em nenhum momento o Estado alegou alguma atividade dos  peticionários que tenha impedido o tribunal de realizar uma investigação séria no  presente caso.  A CIDH estima que os peticionários não podem ser considerados responsáveis pelo atraso no  presente caso.

 

iii.        A conduta das autoridades

 

66.       Em relação a conduta das autoridades competentes, terceiro elemento em consideração, a CIDH considera que não é razoável o prazo de mais de 8 anos  transcorridos desde outubro de 1993, ano em que aconteceu a morte do Sr. Malary até a presente data.  Apesar da  complexidade do caso, a CIDH considera que existem lapsos de inatividade processual por parte das autoridades haitianas que não podem ser justificadas pelas dificuldades na colheita das provas.

 

67.       Com efeito, ao analisar o acervo probatório arrecadado durante mais de 8 anos desde a morte do Sr. Malary, existem lapsos de inatividade por parte das autoridades encarregadas de levar a cabo a investigação.  Segundo as alegações dos  peticionários, as quais não foram controvertidas pelo  Estado, depois de ocorrido o delito em outubro de 1993, a investigação não foi aberta antes do final de 1994, após o regresso do Governo constitucional no Haiti, ou seja, quase um ano depois.  A CIDH toma em consideração que não foi senão no final de 1994 que o Presidente Jean Bertrand Aristide regressou ao país e restabeleceu o Governo constitucional e que durante esse tempo os recursos judiciais eram inexistentes ou ineficazes.  Contudo, este período de mais de um ano para a abertura da etapa de investigação, em virtude do princípio de continuidade do Estado, a responsabilidade internacional existe de forma independente das mudanças de Governo e, portanto, é atribuível ao Estado haitiano.

 

68.       Ademais, os peticionários alegaram que não foi até maio  de 1996 que foram emtidas as 11 ordens de prisão contra alguns suspeitos do homicídio. A Comissão considera que o atraso desde final de 1994, quando teve início a investigação, até maio  de 1996, quando foram decretadas as ordens de prisão, não foi justificado pelo  Estado.

 

69.       Os peticionários alegaram que em julho  de 1996 foram remetidos dois novos expedientes ao juiz de instrução do caso, nos quais se investigava outros dois ex-oficiais das forças armadas acusados do assassinato do Sr. Malary.  Segundo a informação disponível perante a CIDH,[55] o expediente havia  sido remetido ao tribunal em abril de 1997 e em junho  do mesmo ano, foi enviado aos Procuradores (Parquet), para que fosse preparada a requisição definitiva e a partir dessa data se desconhece o destino deste expediente.  O Estado informou a CIDH que este expediente foi roubado do automóvel de um assistente do representante do Ministério Público,[56] e não foi visto senão dois anos e meio depois, em 6 de janeiro de 2000, quando os autos foram reconstituidos para a correspondente investigação, a qual, até esta data não foi concluida.

 

70.       A CIDH observa que o Estado atrasou a realização de gestões que havia iniciado.  A Comissão foi informada que a maioria dos  acusados fugiram do país e que o Presidente René Préval, em 1996, tinha solicitado a colaboração do Governo dos Estados Unidos na extradição do Sr. Constant.[57] Segundo  os peticionários, a mesma foi negada por falhas de forma, e esta solicitação não foi reiterada desde então.  Estes fatos não foram  negados ou controvertidos pelo  Estado e este não manifestou que tenha aperfeiçoado ou reiterado a solicitação de extradição, nem que tenha tratado de obter provas do Sr. Constant.  A CIDH estima que este atraso em impulsionar as gestões para obter provas é imputável ao Estado haitiano apesar de que na cooperação judicial para obter provas entre os países, cada Governo depende da  colaboração do outro.

 

71.       Além disso, a CIDH nota que o Estado não informou que tivesse solicitado a extradição a outros países das demais pessoas contra quem decretou ordens de prisão, ou em caso de que estas encontrem-se no país, quais seriam as dificuldades para sua detenção e ajuizamento.  A Comissão considera que estes atrasos em levar a cabo gestões para investigar e determinar as responsabilidades pela morte do Sr. Malary são imputáveis ao Estado e injustificados.

 

72.       Os peticionários informaram a CIDH que em 2 de fevereiro  de 2000, o Estado enviou uma comunicação aos peticionários na qual lhes informava sobre a remissão do expediente de um desconhecido ao juiz de instrução do caso.[58] Logo depois desta  comunicação, o caso se manteve paralizado.

 

73.       A CIDH recorda ao Estado haitiano que cabe aos Estados partes da  Convenção organizar seus sistemas judiciaies de tal maneira que suas jurisdições possam garantir a cada pessoa o direito de obter uma decisão definitiva sobre seus direitos e obrigações num prazo razoável.  Portanto, tomando em consideração os três elementos anteriormente analisados: a complexidade do assunto, a atividade processual do interessado e a conduta das autoridades,[59] a CIDH considera que desde o momento em que ocorreu o  homicídio do Sr. Malary em 1993, até a presente data de aprovação deste Relatório, o lapso de mais de oito anos sem que se tenha proferido uma decisão definitiva nem determinado a responsabilidade pelo cirme, supera os limites da  razoabilidade prevista pelo  artigo 8(1) da  Convenção Americana.

 

C.        Direito a um tribunal ou juiz imparcial (artigo 8(1))

 

74.       A imparcialidade do tribunal é um dos  aspectos centrais das garantias mínimas da  administração de justiça.  Quanto ao alcance da obrigação de prover tribunais imparciais segundo o artigo 8(1) da  Convenção Americana, a CIDH afirmou em ocasiões anteriores que a imparcialidade supõe que o tribunal ou juiz  não têm opiniões preconcebidas sobre o caso sub judice.[60] Nos  sistemas que empregam tribunal de júri, estes requisitos são aplicáveis tanto aos juízes como aos jurados.  De acordo com esta norma, deve determinar-se se existe um perigo real de parcialidade que afete o razoamento do jurado ou jurados responsáveis.  A Comissão Interamericana distinguiu, assim como outros orgãos internacionais de proteção dos  direitos humanos,[61] os aspectos subjetivo e objetivo da  imparcialidade.[62]

 

75.       O aspecto subjetivo da imparcialidade do tribunal trata de determinar a convição pessoal de um juiz  num momento determinado, e a imparcialidade subjetiva de um juiz  ou de um tribunal no  caso concreto é presumida enquanto não se prove o contrário.

 

76.       Com relação ao aspecto objetivo da  imparcialidade, a CIDH considera que exige que o tribunal ou juiz ofereça as garantias suficientes para eliminar qualquer dúvida acerca da  imparcialidade observada no  processo.[63]  Se a imparcialidade pessoal de um tribunal ou juiz se presume até que se prove o contrário, a apreciação objetiva consiste em determinar se independentemente da  conduta pessoal do juiz, certos fatos que podem ser verificados autorizam a suspeitar a sua imparcialidade.[64]

 

77.       No  presente caso, as partes discutiram se os membros do júri que decretaram  o veredito com relação a dois réus pelo  homicídio do Sr. Malary, não eram imparciais.  A Comissão examinou anteriormente, no  caso William Andrews contra Estados Unidos, se um júri que decreta um veredito deve cumprir com o  requisito de imparcialidade dos  tribunais previsto no  artigo 8(1) da  Convenção Americana.[65] Continuando com o razoamento da  jurisprudência mencionada, a Comissão estima que no caso sub judice existe uma série de fatos que criam dúvidas sobre a imparcialidade subjetiva do júri que decidiu se os suspeitos da  morte do Sr. Malary tinham ou não responsabilidade pelos  fatos.

 

78.       Os peticionários assinalaram uma série de irregularidades na eleição e atuação dos  membros do júri que, na sua opinião, foi produto das indevidas relações pessoais que havia entre eles e os acusados, bem como as conexões destes membros com o governo anterior. Alegaram que dois membros do júri eram  amigos pessoais do advogado de defesa , e  um deles era un repórter de televisão empregado do governo de fato a quem o promotor qualificou como “inimigo da  democracia”;  que os membros do júri haviam  aplaudido quando um dos réus subiu ao palanque; que o representante do Ministério Público designado para o caso havia declarado posteriormente que os membros do júri foram subornados ou esperavam receber dinheiro de um dos acusados depois do julgamento.[66] Também indicaram  que a grande maioria dos  membros do júri havia mostrado abertamente desdenho pelas  testemunhas oculares da  promotoria, pois tratavam-se de mendigos sem domicílio.[67]

 

79.       O  Estado não controverteu os fatos assinalados pelos  peticionários.  O Estado informou que o dia do julgamento de um dos  acusados, o representante do Ministério Público manifestou sua oposição pela  composição do júri por diversas razões.[68] Entre outros aspectos assinalou que encontravam-se presentes somente 27 membros do júri, quando a lei estipula que deve haver  no mínimo 32 membros, e que o juiz, embora estando consciente desta norma, passou por alto desta questão e continuou com o trâmite do julgamento.[69] Com relação ao veredito viciado do júri, o representante do Haiti durante a audiência celebrada em 5 de março  de 1999 na sede da  CIDH contestou a pergunta da  Comissão sobre se o júri havia ou não sido subornado no mencionado julgamento, da  seguinte maneira: “é evidente que os membros do júri foram subornados. (…) Durante o julgamento, podia observar-se um dos  supostos assassinos saindo do seu lugar e indo conversar com os jurados”.[70]

 

80.       A CIDH também constata que na comunicação do representante do Ministério Público perante o tribunal superior (pourvoi en appel),[72] se assinala que somente compareceram 28 candidatos para o júri quando eram necessários 30; o presidente do tribunal concordou em suspender a audiência quando um dos  acusados que se encontrava parado diante do júri  --longe da mesa do acusado-- em vez de ordenar-lhe que voltasse ao seu lugar; e que os jurados aplaudiram um dos réus enquanto este testemunhava.  Esta informação confirma a versão dos  peticionários. A Comissão conclui que o júri que decretou o veredito no julgamento contra dois acusados pelo homicídio do Sr. Malary era parcial e portanto existe uma violação ao direito a um devido processo previsto no  artigo 8(1) da  Convenção Americana por parte do Estado haitiano.

 

E.         Direito à Proteção Judicial (artigo 25)

 

81.       O artigo 25(1) da  Convenção assinala que "Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”.

 

82.       A Corte Interamericana assinalou que o artigo 25 obriga o Estado a garantir a toda pessoa o acesso à administração de justiça e, em particular, a um recurso rápido e simples para que os responsáveis pelas violações de direitos humanos sejam julgados e para obter uma reparação do dano sofrido.[71] Conforme o artigo 25 da  Convenção Americana, o Estado haitiano tem a obrigação de oferecer um recurso jurídico eficaz contra as violações dos  direitos fundamentais contemplados nela.  Um recurso jurídico eficaz requer uma  investigação que responda as normas de garantia judicial estipuladas nos  artigos 8 e 25 da  Convenção Americana.  Em conjunto, os artigos 8 e 25 criam uma obrigação positiva “de prover o acesso à justiça com garantias de legalidade, independência e imparcialidade, dentro de um prazo razoável, bem como a obrigação geral de proporcionar um recurso judicial eficaz frente a violação dos  direitos fundamentais”.[72]  A Corte refere-se a este artigo ao manifestar: "Esses princípios não se referem somente a existência formal de tais recursos, mas também a que estes sejam adequados e efetivos".[73]

83.       No  presente caso, a Comissão observa que até esta data transcorreram mais de oito anos e cinco meses desde que ocorreram os fatos denunciados, outubro de 1993, sem  que se tenha realizado uma investigação completa que permita responsabilizar e punir os culpados pelo assassinato do Sr. Malary.  A Comissão entendeu anteriormente que a eficácia de um recurso judicial se vê “gravemente afetada” pelo  “enorme tempo transcorrido”[74] entre a morte da  vítima e a decisão sobre as reparações.

 

84.       Adicionalmente, a Comissão observa que no  presente caso, o impulso processual da  investigação dos  fatos foi de parte dos  peticionários, quem aportaram  constantemente elementos probatórios às investigações levadas a cabo pelo  Estado e pela  MICIVIH.  O Estado mostrou certa atividade neste processo penal ao emitir ordens de prisão contra vários indiciados, mas a maioria delas nunca foram executadas.  Posteriormente, o Estado levou os réus a julgamento, mas estes foram absolvidos por um júri parcial (supra, pars. 74 e seguintes).  Após este julgamento, o Estado levou a cabo as investigações pendentes com crescente lentidão até chegar a atual paralização do processo.  A este respeito, a Corte Interamericana é clara ao manifestar que a obrigação de investigar “deve ser empreendida com seriedade e não como uma simples formalidade condenada de antemão a ser infrutífera.  Deve ter sentido e ser assumida pelo  Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da  iniciativa processual da  vítima ou de seus familiares ou do aporte privado de elementos probatórios, sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade”.[75]

 

85.       Consequentemente, a Comissão constata que os recursos judiciais não produziram nenhum resultado até esta data, protelando o  processo por mais de oito anos sem que fosse deduzida a responsabilidade de nenhum dos autores materiais ou inteletuais do assassinato, nem foram reparados os familiares da  vítima. Este recusos tornaram-se assim inefetivos e ineficazes, violando dessa maneira o Estado haitiano sua obrigação de providenciar proteção judicial as vítimas de violações a seus direitos fundamentais.

 

86.       Os peticionários alegaram que, apesar de que os investigadores internacionais designados pelo  Presidente Aristide,[76] e posteriormente pelo Lawyers Committee,[77] identificaram pelo menos vinte pessoas que participaram direta ou indiretamente no planejamento e execução do assassinato do Sr. Malary, e de que foram emitidas ordens de prisão contra elas, as autoridades do Haiti somente prenderam três pessoas.[78] A este respeito, o Estado alegou que as demais ordens de detenção não foram executadas porque a maioria destas pessoas encontravam-se no exílio, indicou que foram processados por contumácia e revelia onze pessoas, e que as diligências correspondentes começaram a fim de localizar estes indivíduos.[79]

 

87.       Com relação a um dos acusados que tinha ordem de prisão decretada mas que posteriormente tinha sido liberado, o Estado assinalou que tal fato ocorreu devido a uma decisão judicial, que depois foram emitidas mais duas ordens de captura contra ele quando houve rumores que encontrava ainda no  país, mas que esta captura não foi levado a cabo por existir “enormes dificuldades” em sua busca, e por encontrar-se o país num difícil período de ajuste pós-ditadura.[80] A este respeito, a CIDH considera que as omissões do Estado haitiano em localizar as pessoas objeto das ordens de detenção e que, segundo o Estado encontram-se no  exílio, atentam contra a eficácia da  investigação.

 

88.       A CIDH também nota que a obrigação de levar a cabo uma investigação efetiva pode ser afetada pelos  atrasos em proceder a gestões para buscar a colaboração de outros países na compilação de provas e o comparecimento perante os tribunais nacionais dos acusados.  Segundo a informação fornecida pelos  peticionários, a qual não foi controvertida pelo  Estado, a solicitação de extradição de um dos  líderes e fundador do FRAPH implicado no  assassinato do Sr. Malary, que vive  atualmente nos Estados Unidos, foi considerada com falhas pelo  governo norte-americano, razão pela qual não lhe foi dado trâmite, sem que o Haiti tenha feito maiores esforços por aperfeiçoar ou renovar sua solicitação.[81]

 

89.       A Corte Interamericana assinalou que “em certas circunstâncias, pode resultar difícil a investigação dos  fatos que atentem contra direitos da  pessoa”[82] e que "a obrigação de investigar é, como a de prevenir, uma obrigação de meio ou comportamento  que não é descumprida pelo  fato de que a investigação não produza um resultado satisfatório.  Contudo, deve ser empreendida com seriedade e não como uma simples formalidade condenada de antemão a ser infrutífera”.[83]

 

90.       A Comissão considera que o encobrimento nas investigações do  homicídio do Sr. Malary, a dilação em realizar gestões para adiantar a investigação e o veredito de um júri  parcial que absolveu dois réus, são condutas e omissões que afetam a eficácia dos  recursos internos segundo o artigo 25 da  Convenção Americana.  A Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que “se o aparato do Estado atua de modo que tal violação fique impune e vítima seja restabelecida, no que for possível, na plenitude de seus direitos, pode-se  afirmar que descumpriu com o  dever de garantir seu livre e pleno exercício as pessoas sujeitas a sua jurisdição”.[84] No  presente caso, o assassinato do Sr. Malary permanece atualmente impune, em responsabilidades deduzidas nem sanções aplicadas, apesar da  grande quantidade de indícios de prova que estão em poder do Estado, o qual ainda tem abertos vários expedientes sobre o caso.

 

91.       Portanto a Comissão, com base nos  elementos de fato e de direito acima  expostos, conclue que o Estado descumpriu com sua obrigação de investigar a execução da  vítima e julgar os responsáveis conforme os padrões previstos no  artigo 25 da  Convenção Americana.

 

F.         Dever de respeitar os direitos (artigo 1(1))

 

92.       O artigo 1(1) da  Convenção Americana dispõe que,

 

Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

 

93.       A Comissão recorda ao Governo de Haiti que o Estado parte da Convenção Americana tem por obrigação realizar investigações, impor sanções e no  caso necessário compensar as vítimas das violações alegadas.  A Comissão não ignora a difícil situação pela  qual atravessa o país e está consciente dos  esforços que realiza o Governo constitucional para reforçar os mecanismos de proteção dos  direitos humanos.  Os Estados tem o dever de investigar as execuções extrajudiciais cometidas pelo  Estado.[85] As ações dirigidas a executar ou tolerar a execução extrajudicial de pessoas,  a não investigá-las de maneira adequada ou a não punir os responsáveis, gera a violação do dever de respeitar os direitos reconhecidos pela  Convenção e a garantir seu livre e pleno exercício (artigo 1(1)).

 

94.       Segundo o disposto no  artigo 1(1), o Estado tem a obrigação de investigar as violações que foram cometidas dento de sua jurisdição, a fim de identificar os responsáveis, de impor-lhes sanções pertinentes e de assegurar a vítima uma adequada reparação.[86] A Comissão adverte que de acordo com o estabelecido no  presente Relatório, o Estado violou o  artigo 4 em prejuízo do Sr. Guy Malary e os artigos 8 e 25 em detrimento dos  familiares do Sr. Malary, motivo pelo qual o mesmo descumpriu com seu dever geral de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção Americana e de garantir seu livre e pleno exercício, como estipulado no artigo 1(1) da  Convenção.

 

V.         ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO N° 24/02

 

95.       A Comissão examinou este caso no  curso de seu 114° período de sessões e aprovou o relatório preliminar N° 24/02 sobre os méritos do caso, de conformidade com o  artigo 50 da  Convenção Americana, formulando as proposições e recomendações que considerou adequadas.  De acordo com o artigo 51(1) da  Convenção, no  prazo de três meses a partir do envio do relatório anteriormente mencionado ao Estado, a CIDH deve determinar se o Estado solucionou o  assunto através do cumprimento das recomendações ou se submete o caso à decisão da  Corte.  No  presente caso, nenhuma destas duas circunstâncias teve lugar.

 

96.       Por um lado, o Estado não resolveu o assunto.  Com efeito, desde a data do envio do relatório 24/02 ao Estado haitiano, este não respondeu a solicitação da  Comissão, não entrou em contato com a Comissão em referência ao presente caso, nem tomou medidas que informassem a Comissão sobre a implementação das recomendações anteriormente mencionadas. 

 

97.       Por outro lado, a CIDH não submeteu o caso à decisão da  Corte.  De acordo com o artigo 44(1) do Regulamento da  Comissão, por decisão fundamentada da  maioria absoluta dos seus membros, a CIDH poderá decidir não enviar um caso à Corte Interamericana.  No  presente caso, a CIDH decidiu por absoluta maioria não submeter o caso à Corte considerando principalmente que o peticionário original, Lawyers Committee for Human Rights, manifestou que não desejava continuar com seu trâmite perante a Corte.

 

98.       A CIDH está consciente da  natureza e seriedade das violações de direitos humanos que foram declaradas no  presente caso.  A CIDH toma em consideração as declarações feitas pelos  representantes do Estado perante as delegações da  CIDH que efetuaram várias visitas in loco no  ano 2002 a esse país.  Em suas declarações, os representantes do Estado manifestaram sua vontade de investigar e de indenizar os familiares da  vítima de acordo com o princípio pacta sunt servanda, pelo  qual os Estados devem cumprir de boa-fé com as obrigações assumidas nos  tratados. 

 

99.       Em virtude das circunstâncias antes assinaladas e de conformidade com o artigo 51(2) da  Convenção Americana, a CIDH reitera ao Estado haitiano as conclusões e recomendações já contidas no  relatório preliminar N° 24/02, as quais foram adotadas por maioria absoluta e com caráter definitivo de conformidade com o artigo 45(1) de seu Regulamento.

 

VI.        CONCLUSÕES

 

100.     Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera suas conclusões de que o Estado haitiano violou em detrimento do Sr. Guy Malary e de seus familiares sobreviventes, os seguintes direitos consagrados na Convenção Americana:

 

a)         O Estado haitiano  violou o direito à vida consagrado no  artigo 4 da  Convenção Americana em detrimento do  Sr. Guy Malary.

 

b)         O Estado haitiano  violou os direitos às garantias judiciais e a proteção judicial consagrados nos  artigos 8(1) e 25 da  Convenção Americana em detrimento dos  familiares do Sr. Guy Malary.

 

c)         As violações antes mencionadas implicam na violação por parte do Estado haitiano da obrigação geral de respeitar e garantir os direitos prevista no  artigo 1(1) do citado instrumento internacional, em detrimento do Sr. Guy Malary e de seus familiares, e o Estado haitiano está obrigado a investigar os fatos, punir os responsáveis e reparar as consequências dessas violações e indenizar os familiares do Sr. Malary.

 

VI.        RECOMENDAÇÕES

 

101.     Com base na  análise e nas conclusões expostas, a Comissão Interamericana reitera as seguintes recomendações ao Estado haitiano:

 

a)         Que leve a cabo uma investigação judicial de maneira completa, rápida, imparcial e efetiva na jurisdição penal ordinária haitiana para determinar a responsabilidade de todos os autores da  violação do direito à vida do Sr. Guy Malary e punir todos os responsáveis.

 

b)         Que conceda uma reparação integral aos familiares das vítimas, entre outras, o pagamento de uma indenização justa.

 

c)         Que adote as medidas necessárias para que as autoridades competentes e responsáveis pelas investigações judiciais conduzam os processos penais de acordo com os instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos.

 

VIII.      PUBLICAÇÃO

 

            102.     Em 20 de novembro de 2002, conforme o artigo 51(2) da  Convenção, a CIDH enviou ao Estado cópia do relatório Nº 61/02 adotado pela  Comissão de acordo com o artigo 51 da  Convenção. A Comissão outorgou ao Estado um prazo de 15 dias para que informasse sobre as medidas adotadas a fim de cumprir com as recomendações da  Comissão. Em 27 de novembro de 2002 a CIDH encaminhou aos peticionários cópia do relatório Nº 61/02, conforme o artigo 45 do Regulamento da  Comissão e lhes concedeu um prazo de 15 dias para que informassem acerca das medidas adotadas pelo  Estado para cumprir com as recomendações da  CIDH. O Estado não apresentou a Comissão, no  prazo estipulado, suas observações relativas as medidas adotadas para cumprir com as recomendações da  Comissão. Em 12 de dezembro  de 2002 os peticionários apresentaram a Comissão suas observações a respeito. Indicaram que o Estado não havia adotado medidas relacionadas com as recomendações da  Comissão, apesar de ter em seu poder documentos que haviam sido confiscados pelas tropas norte-americanas em 1994 e que continham informação relativa ao FRAPH.

 

            103.     Tendo em conta as considerações precedentes, e dada a falta de resposta do Estado e tendo em vista as observações transmitidas pelos  peticionários relativas ao relatório Nº 61/02, a Comissão decide, de conformidade com o artigo 51(3) da  Convenção e o artigo 45(3) de seu Regulamento, ratificar as conclusões e reiterar as recomendações previstas no  relatório, fazer público o relatório e incluí-lo em seu Relatório Anual a Assembléia Geral da  OEA. A Comissão, conforme as normas estipuladas nos instrumentos que regem seu funcionamento, continuará avaliando as medidas adotadas pelo  Estado haitiano em relação as recomendações até que este as tenha cumprido por completo.

 

Dado e assinado na sede da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 21 dias de outubro de 2002.  (Assinado): Juan E. Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primera Vice-presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Robert K. Goldman, Julho  Prado Vallejo, Clare K. Roberts e Susana Villarán, Membros da Comissão.


 

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[1] O processo de solução amistosa teve início  durante a audiência celebrada com as partes perante a CIDH em 5 de março  de 1999 até a reunião de 23 de agosto de 2000, celebrada no Haiti, no  marco da  visita in loco da  CIDH. Ver Relatório Nº 113/00 da  CIDH que declara a admissibilidade do presente caso.

[2] Ver Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório Nº 113/00, Caso 11.335, Guy Malary, Haiti, 4 de dezembro  de 2000, pars. 33-44  (doravante denominado Relatório de Admissibilidade).

 

[3] Este acordo foi firmado em 3 de julho  de 1993 com o objetivo de facilitar a transição pacífica em direção a um governo democrático, processo que culminaria com o regresso do presidente Aristide em 15 de outubro de 1993.

[4] Memorando final dos  peticionários, pág.25.

[5] Embora os attachés não tenham um status reconhecido oficialmente, em 1993 um grupo de attachés formou a organização denominada FRAPH e outros grupos operam em organizações criminais isoladas denominadas "zengledos".  Ver: Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório sobre a Situação de Direitos Humanos no Haiti, fevereiro  de 1994, par. 73.

[6] O Serviço Anti-gang é uma força especializada da  polícia militar em Porto Príncipe, o qual comparte seu escritório com a sede da  Polícia Militar sob as ordens do Tenente coronel Francois.

[7] Memorando final dos  peticionários, págs. 12 e 13.

[8] Memorando final dos  peticionários, pág. 11-12.

[9] Este individuo foi posteriormente declarado, embora revel, culpado pela  execução extrajudicial de Antoine Izméry em 1993.

[10] Memorando final dos  peticionários, pág. 12.

[11] Idem.

[12] Memorando a Favor da  Solicitação Ressarcimiento do Peticionário. Lawyers Committee for Human Rights, Debevoise & Plimpton. New York, New York, 26 de junho  de 2001, pág.21 (doravante denominado Memorando final dos  peticionários).

[13] Ibid, pág. 22.

[14] Ibid, pág. 32.

[15] Os peticionários esclareceram que em 1995, o Presidente Aristide formou um grupo internacional de Advogados com o  fim de realizar investigações de violações de direitos humanos, tais como o assassinato do Sr. Malary.

[16] Ibid, pág. 34.

[17] Os peticionários citam a: CIA Calls [ CIA says account of Malary killing unreliable. Jim Lobe, Washington, DC, 11 de outubro de 1996.  Interpress Service.

[18] Ibid, pág. 31.

[19] Memorando sobre admissibilidade da  petição, págs. 6-8.

[20] Ibid, pág. 26.

[21] Ibid, pág. 38.

[22] Memorando final dos  peticionários, págs. 37-38.

[23] Ibid, pág. 39.

[24] Os peticionários indicaram que no  ano 2000, os tribunais haitianos decretarm  sentença contra 43 réus, 37 deles reveús, pela  participação no  massacre de civis em Raboteau que ocorreu em 22 de abril de 1994. Citaram igualmente o julgamento realizado contra o Capitán Jackson Joanis, revel, uma das principais figuras do Serviço Anti-gang implicada no  assassinato de Malary, por sua participação no  assassinato de Antoine Izméry, um dos  ativistas em prol da  restituição de Aristide como Presidente do país e criador do Comitê para o Conhecimento da  Verdade (KOMEVEB).

[25] Memorando final dos  peticionários, pág. 40.

[26] Ver Ibid, pág. 41.

[27] Ver Nota de 28 de Junho  de 1995 da  Ministra de Relações Exteriores, Claudette Werleigh, a Secretaria Executiva da  CIDH, Edith Márquez Rodríguez.

[28] Relatório de Admissibilidade, par. 26.

[29] Idem.

[30] Ver Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 102° período de sessões, Audiência Nº 43 de 5 de março  de 1999, Transcrição literal dos  cassetes, págs. 7-9 (doravante denominada Ata de Audiência Nº 43).

[31] Ata de Audiência Nº 43, pág. 8.

[32] Ibid, pág. 8.

[33] Ata de Audiência Nº 43, pág. 18.

[34] Ibid, pág. 18.

[35] Ibid, pág. 9.

[36] Ibid, pág. 14.

[37] Idem.

[38] Relatório de Admissibilidade, pág. 4.

[39] Ata de Audiência Nº 43, pág. 16.

[40] Carta do Ministro de Justiça e da  Segurança Pública do Haiti a CIDH e  aos peticionários com o objetivo de informar sobre o curso do processo judicial.  O anexo é uma  notificação do Tribunal de Primeira Instância de Porto Príncipe de 18 de janeiro de 2000 indicando o estado em que se encontravam os expedientes.

[41] Idem.

[42] Relatório de Admissibilidade, pág. 5.

[43] Ver Relatório de Admissibilidade, par. 25.

[44] Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 29 de julho  de 1988, Caso Velásquez Rodríguez, par.184; Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório Nº 61/01, Caso 11.771,  Samuel Alfonso Catalán Lincoleo, Chile, 16 de abril de 2001.

[45] Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, O Habeas Corpus sob Suspensão de Garantias, Opinião Consultiva OC-8/87,  par.44; Garantias Judiciais em Estados de Emergência, Opinião Consultiva, OC-9/87, par.4.

 

[46] Ata de Audiência Nº 43, pág. 8.

[47] Ibid, pág. 18.

[48] O representante do Haiti nesta ocasão participou no julgamento dos  Sr. Lecorps e Antoine no Haiti.

[49] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 8 de março  de 1998, Caso Paniagua Morales, par.48.

 

[50] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Genie Lacayo, sentença de 29 de janeiro de 1997, par. 81.

 

[51] Ver: Corte Européia de Direitos Humanos, caso Foli e outros de 10 de dezembro  de 1982, Serie A, num. 69, pág. 59 e Caso Guincho contra Portugal, sentença de 10 de julho  de 1984.

[52] Ver: Corte Européia de Direitos Humanos, Caso Sari contra Turquia e Dinamarca. Número de petição 00021889/93. Fecha 08/11/2001. Parágrafo 74 e seguintes.

[53] Ver: Corte Européia de Direitos Humanos, Caso Sari contra Turquía e Dinamarca. Ibídem, parágrafo 75 e seguintes.

[54] Memorando sobre Admissibilidade da  petição, págs. 6-8.

[55] Missão Civil International no Haïti., OEA-ONU. 10 de fevereiro  de 1999. Ref: SJ-X-0304HT.N56-99.rev. "Procedimentos e Investigação sobre o assassinato do ex-Ministro de Justiça Guy Malary.

[56] Ver Nota de Sr. Bazelais, Diretor de Assuntos Judiciais do Ministério de Justiça e Segurança Pública, ao Sr. Beaglehole, advogado de Lawyers Committee of Human Rights. 2 de fevereiro  del 2000, Porto Príncipe.

[57] Os peticionários citam a: CIA Calls account of Malary killing unreliable. Jim Lobe, Washington, DC, 11 de outubro de 1996.  Interpress Service.

[58] Ver Relatório do Tribunal de Primeira Instância de Porto Príncipe de 18 de janeiro de 2000.

[59] Corte IDH, Caso Genie Lacayo, Sentença de 29 de janeiro de 1997, par. 77.

[60] Ver: Relatório Nº 17/94, Guillermo Maqueda, Argentina, OEA/Ser. L/V/II.85, Doc. 29, 9 de fevereiro  de 1994, par. 28. Não publicado. Neste  mesmo sentido a Corte Européia de Direitos Humanos pronunciou-se no  caso Piersack contra  Bélgica de 1º de outubro de 1982, serie A, n° 53, p. 14, par. 30. Também os “Princípios Básicos relativos à independência da  Judicatura” aprovados pelo  VII Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, 1990, assinalaram  que a imparcialidade refere-se, entre outros aspectos, a que não tenha opiniões preconcebidas nem compromissos ou tome partido de alguma das partes sobre o caso sub judice. É a atitude psicológica de probidade e isenção para buscar a verdade processual que corresponde com a verdade material.

[61] Para a Corte Européia, a imparcialidade do julgador está composta de elementos subjetivos e objetivos. Sobre este ponto a Corte Europeia desenvolveu uma extensa jurisprudência.  Por exemplo, ver  Casos Piersack, De Cubber, Hauschildt.

[62] Idem.

[63] Ver  Caso Saint-Marie contra. France Relatório da  Comissão Européia de Direitos Humanos, 16 E.H.R.R. 116, par. 50. e Corte Européia de Direitos Humanos, caso Piersack contra Belgica (1982) 5 E.H.R.R. 169, par. 30.

[64] Neste  mesmo sentido a Corte Européia pronunicou-se no caso Hauschildt de 24 de maio  de 1989, serie A n° 154, p. 21, par. 48.

[65] A Comissão IDH, no  Relatório Nº 57/96, Caso 11.139, William Andrews contra Estados Unidos, de 6 de dezembro  de 1996, pronunciou-se sobre a imparcialidade dos  membros de um júri.  Ademais, a Comissão das Nações Unidas para Eliminar a Discriminação Racial entendeu que uma suspeita razoável de que existe predisposição é suficiente para desqualificar um membro do júri e manifestou que "cabe as autoridades judiciárias nacionais investigar a questão e desqualificar o membro do júri se existe a suspeita de que está predisposto".  Ver caso Narrainen contra Noruega, Com. para Elim. la Disc. Racial da  ONU, Comunicação Nº 3/1991, pontos de vista adotados em 15 de março  de 1994. No  caso Remli contra Francia (Número de petição 00016839/90, em 23/04/1996), a Corte Européia de Direitos Humanos referiu-se os princípios enunciados em seus precedentes sobre a independência e a imparcialidade dos  tribunais, que são aplicados aos membros do júri e aos juízes professionais e leigos e opinou que se havia  violado o artigo 6(1) da  Convenção Européia.

[66] Memorando sobre a Admissibilidade da  Petição Relacionada com o Caso de Malary, Lawyers Committee for Human Rights y Debevoise & Plimpton, New York, New York, 8 de setembro de 2000, pág.5.

[67] Ibid, pág. 34.

[68] Ata de Audiência Nº 43, pág. 14.

[69] Ata de Audiência Nº 43, pág. 14.

[70] Ibid, pág. 15.

[71] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 27 de novembro de 1998, Reparações, Caso Loayza Tamaio, par.169.

[72] [73] Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório No.63/01, Caso 11.710, Carlos Manuel Prada González e Evelio Antonio Bolano Castro, 6 de abril de 2001, párr.37; Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 25 de novembro de 2000, Caso Bámaca Velásquez, par.191.

[73] Caso Velázquez Rodríguez, par.63.

[74] Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório Nº 55/01, Caso 11.286, Aluísio Cavalcante e outros, 4 de abril de 2001, par. 40; Ver ibid. par. 23 y 167.2 (determinação de demoras de 8, 13 e 10 anos para constituir violações dos  artigos 8 e 25); Relatório Nº 39/98, Caso 11.774, Héctor Hugo Boleso, 24 de setembro de 1998, par. 26 (insiste na necessidade de evitar “prorrogações indevidas que constituiam uma redução e denegação de justiça” para aqueles que aduzem violação de seus direitos).

[75] Caso Velásquez Rodríguez, par. 177.

[76] A lista elaborada pelos  investigadores internacionais assinalava como suspeitos pelo menos onze pessoas, das quais nove tiveram ordens de prisão emtidas.

[77] O Lawyer’s Committee fez uma investigação que produziu novas povas relacionadas com o assassinato do Sr. Malary, e teve como resultado uma série de ordens de detenção decretadas em maio  de 1996. A lista de suspeitos incluia a quatro pessoas identificadas pelo  Sr. Morissaint juntamente com outros sete nomes.

[78] Memorando final dos  peticionários, pág. 12.

[79] Acta de Audiencia Nº 43, pág. 14.

[80] Ibid, pág. 9.

[81] Memorando sobre Admissibilidade da  petição, pág. 10.

[82] Caso Velásquez Rodríguez, par. 158; Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 20 de janeiro de 1989, Caso Godínez Cruz, par. 177.

[83] Idem.

[84] Caso Velásquez Rodríguez, Ibidem, par. 174; Caso Godínez Cruz, Ibidem, par. 174 e 176.

[85] Ver: Princípio Nº 18 relativo a uma eficaz prevenção e investigação das execuções extralegais, arbitrárias ou sumárias, Recomendada pelo  Conselho Econômico e Social das Nações Unidas  em sua resolução 1989/65, de 24 de maio  de 1989: "Os governos velarão para que sejam julgadas as pessoas que a investigação tenha identificado como participantes em execuções extralegais, arbitrárias ou sumárias, em qualquer território sob sua jurisdição. Os governos farão comparecer essas pessoas perante a justiça ou colaborarão para extraditá-las a outros países que proponham submetê-las a julgamento. Este princípio será aplicado com independência de quem sejam os perpetradores ou as vítimas, do lugar em que se encontram, de sua nacionalidade, e do lugar no qual cometeu o delito".

[86] Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de  29 de julho  de 1988, par.174.