b.       Tortura de Diego Orozco García

69.     O expediente revela que Diego Orozco García recebeu uma ferida de bala no  ventre durante a incursão policial à fazenda La Exacta, e que essa ferida foi responsável em parte pela sua morte.[39] Não obstante, o expediente mostra também que Diego Orozco García foi retirado vivo da  fazenda  em um helicóptero usado na  operação policial, e que seu cadáver apareceu dias mais tarde, a uns 60 quilômetros da fazenda.[40] O relatório forense preparado comprovou que o Sr. Orozco faleceu devido a uma ferida de bala e amplas contusões e lacerações na  cara, tórax e parte superior do corpo. O relatório indica também que o cadáver apresentava indícios de ter tido suas mãos e tórax atados e de ter sido arrastrado sobre uma superfície sólida.[41]

70.     A Comissão conclui que ademais de ter sido objeto de força excessiva usada pelas forças policiais, o Sr. Orozco foi torturado antes de sua morte. O relatório forense estabelece que suas mãos e tórax foram atados. O Sr. Orozxo deve ter sofrido esse tratamento quando ainda estava vivo e sofrendo devido a ferida de bala que tinha no  ventre. Quando foi retirado da  fazenda La Exacta, o Sr. Orozco já tinha a ferida de bala e não tinha razão para atá-lo depois de sua morte. O relatório forense estabelece também que o Sr. Orozco sofreu outro tratamento violento que lhe provocou contusões e lacerações. A Comissão conclui que os atos perpetrados contra  o Sr. Orozco constituem tortura, em violação direta do artigo 5(2) da  Convenção, que proibe expressamente o uso de tortura.

71.     A tortura aplicada contra  o Sr. Orozco constitui também violação da  Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (doravante denominada "Convenção sobre a Tortura"), ratificada pelo Governo de Guatemala em 29 de janeiro de 1987.[42] O artigo 2 da  Convenção sobre a Tortura define a tortura da seguinte maneira:

todo ato realizado intencionalmente que inflija a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio intimidatório, castigo pessoal, medida preventiva, pena, ou qualquer outra finalidade.

O relatório forense descreve um tipo de tratamento dado a Diego Orozco por agentes do Governo que se encaixa na definição de tortura acima.

2.       Direito à liberdade de associação

72.     A Comissão passa a examinar a alegação de que os agentes do Governo que cometeram a incursão de 24 de agosto de 1994 incorreram também em violação do artigo 16 da  Convenção, que protege o direito á liberdade de associação. O artigo 16(1) prevê que "todas as pessoas têm direito a associar-se livremente com fins... trabalhistas... ou de qualquer outra índole".

73.     Em fevereiro de 1994, os trabalhadores da  fazenda La Exacta organizaram-se numa entidade sindical com a assistência de UNSITRAGUA.[43] Em 18 de fevereiro de 1994, os trabalhadores da  fazenda La Exacta apresentaram perante os tribunais trabalhistas da Guatemala uma petição destinada a iniciar um procedimento de conflito coletivo de caráter econômico social baseado numa disputa com os proprietários da  fazenda La Exacta.[44] A petição incluia um rol de acusações dos  trabalhadores contra os proprietários e administradores da  fazenda.

74.     Nos  primeiros dias de março de 1994, os proprietários e administradores da  fazenda La Exacta começaram a despedir trabalhadores que haviam  participado na  petição destinada a abrir um processo referente ao conflito coletivo. Segundo a informação não controvertida apresentada pelos  peticionários, na  primeira semana de março foram  despedidos mais de 60 trabalhadores.[45] Os trabalhadores apresentaram imediatamente incidentes de reintegração perante o Segundo Juizado de Trabalho.[46] Os proprietários da  fazenda continuaram recusando-se  reintegrar os trabalhadores ou a discutir suas reclamações, e os tribunais tampouco reagiram. Os trabalhadores ocuparam a fazenda La Exacta a partir de 17 de julho de 1994.

75.     Estes antecedentes da  incursão de 24 de agosto de 1994 e a maneira em que a incursão foi planejada e executada demonstram que a finalidade da  mesma era eliminar o movimento sindical e suas manifestações na  fazenda La Exacta. Como analisado na  seção anterior, a incursão foi realizada com um grau de força excessivo para efeito de cumprir a obrigação policial legítima de cumprir ordens de detenção . Ademais, como já assinalado no  plano policial para a realização da  incursão,  foram denominada de "forças inimigas" os "grupos de camponeses  organizados" e os "Iíderes sindicalistas".[47]

76.     A Comissão assinala  também que os proprietários da  fazenda, e inclusive os de outras fazendas vizinhas, colaboraram com a polícia para levar a cabo a operação de 24 de agosto de 1994. O plano da  operação estabelece que "os interessados" proporcionariam o apoio logístico para a operação, incluindo apoio aéreo, ônibus e caminhões, bem como alimentos para os agentes policiais participantes.[48] O depoimento do piloto de helicóptero Carlos Alberto Enríquez Santizo indica que Ievou em seu helicóptero  Alvaro Blanco, um dos  proprietários da  empresa e fazenda conhecida como La Exacta, durante a incursão.[49] Segundo informação não controvertida aportada pelos  peticionários, agentes de segurança privados da  fazenda La Exacta vestiam uniformes policiais e participavam da  incursão. O depoimento do  agente da  Polícia Nacional que preparou o plano da  operação indica que o proprietário de uma fazenda vizinha proporcionou outro helicóptero para que fosse usado na incursão.[50]

77.     Até a data da incursão, os proprietários e administradores da  fazenda La Exacta já tinham mostrado seu interesse em impedir e sancionar a atividade do movimento sindical. Como assinalado anteriormente, em face da organização sindical na  fazenda e a apresentação de uma petição de conflito coletivo, a fazenda La Exacta reagiu terminando contratos. Ademais, os proprietários e administradores  recusaram-se a aceitar a início do procedimento referente a um conflito coletivo e a levar a cabo qualquer negociação com os trabalhadores organizados da  fazenda.

78.     O interessse dos  proprietários da  fazenda em suprimir o movimento sindical surge também das provas encontradas depois da incursão de 24 de agosto de 1994. Após a incursão, os trabalhadores das fazendas vizinhas a fazenda La Exacta desarmaram e  mantiveram retidos os agentes de segurança privados que trabalhavam para os proprietários da  fazenda La Exacta. Hugo René Murga Izguirre, Coronel retirado do Exército que comandava a equipe de segurança privada, foi registrado enquanto se mantinha retido. Segundo informação não controvertida aportada pelos  peticionários, foi encontrado com o coronel um documento que continha os nomes de representantes de UNSITRAGUA, a organização sindical que havia assessorado os trabalhadores da  fazenda La Exacta. O documento continha os nomes de Luis Mérida e Guillermo Monzón e os números das matrículas de seus automóveis. Pode supor-se que o agente de segurança privada possuia esse documento, porque lhe haviam pedido que controlasse as pessoas indicadas por meios violentos.

79.     A Comissão considera que a análise do plano e da  operação policial realizada em 24 de agosto de 1994, conjuntamente com a colaboração dos  proprietários da  fazenda La Exacta e de outros proprietários da  zona, revela que as forças policiais não atuaram com  objetividade como agentes de segurança pública mas sim de modo de alcançar o objetivo dos  proprietários da  fazenda de fazer represálias e suprimir o movimento de trabalhadores rurais que surgiu na  fazenda La Exacta.

80.     Ao unirem-se em uma associação sindical para realizar atividades sindicais, os trabalhadores haviam empreendido uma atividade protegida pelo  artigo 16 da  Convenção. Os agentes governamentais, que trabalhavam com os proprietários da  fazenda, castigaram com a mais severa sanção a decisão dos  trabalhadores da  fazenda La Exacta de criar uma organização sindical, matando três trabalhadores e lesionando gravemente  outros onze e pondo em perigo a vida e a segurança de todo um grupo de pessoas. A represália tomada contra as atividades sindicais e a supressão do movimento sindical constituem uma violação do artigo 16.

3.       Direitos da criança

81.     O  artigo 19 da  Convenção estipula que "toda criança tem o direito as medidas de proteção que sua condição de menor requerem". Na  incursão policial ocorrida em 24 de agosto de 1994, os agentes de polícia guatemalenses utilizaram força excessiva contra um grupo de pessoas que incluia menores. Como observado anteriormente, as forças de segurança de Guatemala reconheceram no  plano preparado antes de 24 de agosto de 1994, que havia menores presentes durante a incursão na  fazenda La Exacta. Posto que os menores são particularmente vulneráveis, as normas internacionais e o artigo 19 da  Convenção requerem que sejam tomadas medidas especiais para evitar que sejam vítimas da  violência.[51] Neste caso o plano das forças de segurança para a incursão não contemplou nenhuma medida de proteção para as crianças que estariam presentes. Portanto, o Governo violou o artigo 19 da  Convenção.

4.       Direito ao devido processo legal e à proteção judicial

82.     A Comissão passa a analisar se o  Governo da Guatemala violou  neste caso os artigos 8 e 25 da  Convenção. Os artigos 8 e 25 da  Convenção reconhecem o direito das pessoas de obter acesso a um recurso, o direito de interpor procedimentos judiciais e serem ouvidas, e o direito a um pronunciamento da  autoridade judicial competente. O artigo 25(1) da  Convenção estabelece que:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção....

O  artigo 8(1) da  Convenção prevê que toda pessoa tem o direito a ser ouvida "com as devidas garantias" por um tribunal competente e independente "dentro de um prazo razoável " para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer  outro caráter. O artigo 25(2) estabelece que os Governos devem garantir que os direitos de toda pessoa que interponha um recurso legal serão determinados pela  autoridade competente.

83.     No  presente caso, a Comissão deve ocupar-se da  aplicação dos  artigos 8 e 25 em dois aspectos. A Comissão considera a aplicação de ambos artigos em relação as reclamações trabalhistas formuladas pelos  trabalhadores da  fazenda La Exacta e com respeito à demanda de justiça em relação aos fatos violentos ocorridos em 24 de agosto de 1994.

a.       Denegação de justiça em relação as reclamações trabalhistas dos  trabalhadores da  fazenda La Exacta

84.     A Comissão conclui que o Governo de Guatemala violou os artigos 8 e 25 da  Convenção em relação as reclamações trabalhistas interpostas pelos  trabalhadores da  fazenda La Exacta perante os tribunais guatemalenses. Essas violações referem-se tanto as reclamações formuladas na  petição inicial dos trabalhadores perante os tribunais guatemalenses, que iniciou um processo referente a um conflito coletivo, como as reclamações relativas a despedida de trabalhadores depois da apresentação da  petição referente ao conflito coletivo.

85.     Como assinalado anteriormente, em 18 de fevereiro de 1994, os trabalhadores organizados da  fazenda La Exacta apresentaram perante os tribunais guatemalenses uma petição a fim de iniciar o procedimento de conflito coletivo devido as suas reclamações referentes a suas condições de trabalho.[52] Conforme o Código de Trabalho da Guatemala,  essa petição pode ser apresentada quando se formula um conflito que pode gerar uma greve no  lugar de trabalho.[53] Uma vez apresentada a petição desse tipo, o juiz competente no  caso deve convocar a um tribunal de conciliação dentro de 12 horas.[54] O procedimento de conciliação não pode durar mais de 15 dias.[55] Se não se chegar a um acordo, os trabalhadores podem solicitar aos tribunais permissão para iniciar uma greve.

86.     No presente caso, os tribunais nunca pronunciaram-se sobre a petição apresentada pelos  trabalhadores organizados da  fazenda La Exacta. Após admitir inicialmente o caso para dar-lhe trâmite, o Segundo Julgado de Trabalho não tomou nenhuma medida  para Ievá-lo adiante até vários meses depois. Em 12 de maio de 1994, o Segundo Julgado de Trabalho notificou os trabalhadores que o caso havia sido transferido ao Sexto Julgado de Trabalho e Previdência Social da  Cidade de Guatemala.[56] Embora já haviam passado vários meses desde  a apresentação da  petição quando os trabalhadores ocuparam a fazenda La Exacta, não se havia tomado nenhuma medida adicional no caso. Atualmente, transcorridos mais de dois anos, os tribunais de trabalho guatemalenses ainda não tramitaram as reclamações expostas pelos  trabalhadores em sua demanda de 18 de fevereiro de 1994, não havendo levado a cabo o procedimento referente a um conflito coletivo previsto pela  lei.

87.     Consequentemente, foi negado a possibilidade de os trabalhadores organizados que procuraram obter acesso aos tribunais para a determinação de seus direitos e obrigações trabalhistas frente aos proprietários e administradores da  fazenda La Exacta serem ouvidos dentro de um prazo razoável, em violação do artigo 8 da  Convenção. Os tribunais trabalhistas guatemalenses não estabeleceram um foro em que os trabalhadores pudessem ser ouvidos, a fim de resolver sobre as reclamações através de mútua colaboração com os proprietários e administradores da  fazenda ou através de uma greve legal. A oportunidade de serem ouvidos não foi proporcionada aos trabalhadores dentro dos prazos previstos na legislação guatemalteca nem dentro de nenhum outro prazo razoável.

88.     Os tribunais tampouco concederam uma audiência ou resolveram o caso referente a despedida, no início de março de 1994, de trabalhadores que haviam formado a associação trabalhista na  fazenda La Exacta e que haviam participado na  apresentação da  petição para iniciar um processo de conflito coletivo. Os atos dos  proprietários da  fazenda La Exacta violaram a decisão do Segundo Julgado de Trabalho emitida quando a petição foi oficialmente admitida.[57] Nessa decisão, conforme a lei guatemalteca, o Julgado proibia a cada uma das partes levar a cabo represálias uma contra a outra. A decisão ordenava especificamente que toda rescisão de contrato deveria ser autorizada pelo  julgado. Como assinalado anteriormente, os trabalhadores despedidos apresentaram imediatamente incidentes de reintegração perante o Segundo Julgado de Trabalho.[58]

89.     Apesar do fato de os proprietários da fazenda La Exacta não terem  cumprido com as ordens do próprio tribunal, o Segundo Julgado de Trabalho não adotou  nenhuma medida com respeito as reclamações dos  trabalhadores. Mais de dois anos depois da  apresentação dos  incidentes de reintegração, os tribunais trabalhistas de Guatemala não haviam tramitado a reintegração dos  trabalhadores. Segundo a legislação guatemalteca e as ordens do Segundo Julgado de Trabalho, os proprietários da  fazenda La Exacta estavam  obrigados a reparar imediatamente todo prejuízo que tivesse causado como resultado de uma represália adotada contra aqueles que tivessem participado do conflito trabalhista.[59]

90.     Sendo assim, a Comissão conclui que não foi dada aos trabalhadores que foram despedidos a oportunidade de serem ouvidos, nem lhe foi dado acesso a um recurso rápido e eficaz frente as violações da  lei que afetaram desfavoravelmente seu direito ao trabalho e a liberdade de associação, direitos reconhecidos na  Constitução guatemalteca e na  Convenção Americana.[60] Esta denegação de acesso à justiça constitui uma violação dos  artigos 8 e 25(1) da  Convenção.

91.     A conclusão da  Comissão, com respeito à falta de proteção judicial relativa as reclamações trabalhistas dos  trabalhadores da  fazenda La Exacta, está respaldada pelo  fato de que na Guatemala existe um padrão em que os tribunais trabalhistas tendem a ser omissos no  cumprimento de suas funções.[61] A informação apresentada a Comissão no amicus curiae indica que o Sexto Julgado de Trabalho, ao qual foi transferida a competência a respeito do procedimento de conflito coletivo neste caso, somente resolveu um caso entre março de 1994 e março de 1995, que é o  período pertinente para este caso.[62] A Comissão assinalou  anteriormente que as cortes trabalhistas da Guatemala não estão em condições de oferecer  proteção judicial em questões trabalhistas.[63] MINUGUA confirmou que os tribunais guatemalenses não atendem oportuna nem eficazmente as questões trabalhistas e de liberdade de associação.[64]

92.     As autoridades guatemaltecas admitiram também que este caso está incluido numa tendência geral a falta de proteção por parte dos  tribunais guatemalenses no que se refere a questões trabalhistas. O Procurador Geral da Guatemala, Acisclo Valladares Molina declarou, pouco depois do incidente de 24 de agosto de 1994, que o caso formava parte de um conjunto de casos que "deveriam ser resolvidos judicialmente em curto  tempo, [mas que] se atrasam indefinidamente nos  Tribunais de Trabalho".[65]

b.       Denegação de justiça em relação às violações cometidas em 24 de agosto de 1994

93.     A Comissão conclui que as disposições dos  artigos 8 e 25 da  Convenção foram violadas quando as tentativas de conseguir justiça frente as violações de direitos cometidas em 24 de agosto de 1994. Como assinalado na análise da  Comissão sobre a admissibilidade do caso, observadores internacionais indicaram que o trâmite do caso foi injustificadamente lento e inadequado. Mais de dois anos depois dos  fatos de 24 de agosto de 1994, não se havia formulado nenhuma acusação contra nenhum suspeito, e o caso continua na  etapa preliminar. A conclusão da  Comissão de que os peticionários estão isentos do  cumprimento do requisito de esgotamento dos  recursos internos, com base nesse e outros fatores, implica na conclusão de que ocorreram violações dos  artigos 8 e 25.[66]

94.     A Comissão assinala que a investigação levada a cabo no  caso foi  inadequada, o que demonstra claramente a falta de acesso a um recurso judicial efetivo. Ademais, como também assinalado na etapa de admissibilidade, diversas autoridades do Governo guatemalense expressaram que não estavam dispostas a investigar plenamente o incidente e processar os responsáveis.

95.     O tribunal competente no  caso, o Segundo Julgado de Primeira Instância de Coatepeque, e a promotoria incorreram numa demora injustificada em interrogar a testemunhas chaves e não realizaram entrevistas completas e efetivas com estas testemunhas. Os agentes policiais chamados como testemunhas nem sempre compareceram para colaborar na  investigação.

96.     O Plano Montanha contém uma lista dos nomes de determinados agentes policiais responsáveis pela operação de 24 de agosto de 1994. Não obstante, após transcorridos mais de um ano do incidente, os tribunais e a promotoria receberam a declaração do primeiro deles.

97.     Em 11 de outubro de 1995, 14 meses depois da  incursão policial a fazenda La Exacta, o Segundo Julgado de Primeira Instância de Coatepeque tomou depoimento do  primeiro agente policial. Francisco Filiberto Duarte Gómez, o agente responsável pela preparação do plano de operações.[67] Inicialmente, o tribunal encontrou fundamento suficiente para deter o Sr. Duarte baseado no seu depoimento, mas em dezembro de 1995 o colocou em liberdade.

98.     Segundo informação aportada pelos  peticionários e não controvertida, o agente policial mencionado no  Plano  Montanha como responsável pela operação de 24 de agosto de 1994, foi citado para depor em 11 de novembro de 1995. Este agente, Reyes Gumercindo López Martínez, recusou-se a comparecer na primeira citação, mas acabou depondo em janeiro de 1996.

99.     O Governo, em seu relatório datadao de 23 de janeiro de 1996, informou a Comissão que em 11 de novembro de 1995, o Segundo Julgado de Primeira Instância de Coatepeque havia ordenado que se tomasse o depoimento de Basilio Hernández Guzmán. O Sr. Hernández é um policial considerado como suspeito no  caso mas somente depôs em dezembro de 1995.[68] Quando finalmente prestou depoimento, ele ofereceu um álibi indicando que não havia estado presente durante os eventos violentos de 24 de agosto de 1994. O juiz que tomou seu depoimento não formulou pergunta alguma a testemunha sobre o álibi nem sobre nenhum outro ponto.

100.   Em seu relatório de 23 de janeiro de 1996, o Governo observa também que o Ministério Público ouviu o depoimento de várias outras testemunhas importantes em novembro e dezembro de 1995, mais de dois anos depois do incidente matéria deste caso. O Governo encaminhou o depoimento de cada uma das  testemunhas mencionadas no seu relatório. Todas estas testemunhas declararam que não haviam estado presentes no  lugar onde ocorreram os fatos, seja porque já haviam abandonado de todo a zona da  fazenda La Exacta seja porque somente prestavam um serviço de apoio e, portanto, não encontravam-se cerca do conflito. A promotoria não interrogou nenhuma  das testemunhas depois que estes prestaram seus depoimentos, logo, não obteve a resposta das  testemunhas a perguntas importantes sobre seus álibis nem conseguiram informação sobre a identidade de outras pessoas que participaram dos  atos violentos ocorridos em 24 de agosto de 1994.[69]

101.   O piloto do helicóptero que foi contratado pelos  proprietários da  fazenda La Exacta para participar dos  fatos de 24 de agosto de 1994 foi interrogado em janeiro de 1996.[70] Deveria ter-se dado especial prioridade a este depoimento, não somente devido a que o helicóptero havia participado na  incursão, mas também porque há alegações que Diego Orozco foi retirado da fazenda num dos  helicópteros que estavam no local em 24 de agosto de 1994 e depois jogado fora do helicóptero.

102.   A injustificada demora no trabalho de reunir provas e receber as declarações dessas importantes testemunhas impediu o descubrimento da  verdade e a aplicação de justiça na  investigação interna referente aos fatos de 24 de agosto de 1994. Com o transcurso de tempo as provas testemunhais tornam-se menos confiáveis e resulta mais árduo encontrar outras provas. O fato de que não foram tomados depoimentos eficazes das testemunhas ainda em data já taão avançada, intensificou este problema.

103.   O tribunal e a promotoria faltaram por completo com sua obrigação de tomar os depoimentos de outras testemunhas chaves e de realizar o seguimento da  informação obtida das  testemunhas que declararam. Por exemplo, não consta do  expediente que se tenha tomado depoimento dos três agentes policiais nomeados como ajudantes de Reyes Gumercindo López Martínez na  operação de 24 de agosto de 1994.

104.   O piloto que prestou depoimento em janeiro de 1996 manifestou que um dos  proprietários da  fazenda La Exacta, Alvaro Blanco, viajou no  helicóptero no dia dos  fatos.[71] Não obstante, o Sr. Blanco jamais prestou depoimento, embora deva possuir informação importante sobre aspectos chaves, como a sequência dos  fatos ocorridos em 24 de agosto de 1994, a responsabilidade pelos  mesmos e os objetivos e intenções das forças policiais no  dia em questão. Também deveria ter sido  interrogado sobre o que teria ocorrido com Diego Orozco, já que esteve presente num dos  helicópteros que estavam na cena dos  fatos.

105.   O agente policial que preparou o plano de operações, Francisco Filiberto Duarte Gómez, informou o nome do proprietário de uma fazenda próxima a fazenda La Exacta, que forneceu outro helicóptero para que fosse usado no dia  24 de agosto de 1994. Não há indícios de que essa pessoa tenha prestado depoimento, apesar da informação importante que poderia proporcionar sobre os responsáveis pela incursão e possivelmente sobre o que teria ocorrido com  Diego Orozco.

106.   Por último, a Comissão conclui que funcionários e/ou entidades do Governo buscaram positivamente obstruir a investigação dos eventos de 24 de agosto de 1994. Como já observado anteriormente, a preparação de uma versão modificada do "Plano Montanha" entregue ao Ministério Público somente pode ser entendida como uma tentativa de ocultar provas prejudicias e, portanto, de obstaculizar a investigação efetiva do caso.

107.   Os participantes do Governo encarregados de Ievar a cabo as investigações penais  e os procedimentos judiciais necessários para revelar a verdade e punir os responsáveis neste caso não cumpriram com suas obrigações de forma oportuna, o que impediu a realização de  justiça. Outros participantes do Governo, as forças policiais e os agentes policiais individuais que participaram dos  fatos de 24 de agosto de 1994, impediram a investigação ou colaboraram muito tarde. Sendo assim, neste caso o acesso à justiça as vítimas dos  incidentes de 24 de agosto de 1994 e suas famílias foi demorado e obstaculizado.

5.       Artigo 1(1) -Obrigação de respeitar direitos

108.   As violações de direitos do presente caso provam que o Estado da Guatemala foi omisso no cumprimento da  obrigação estipulada no artigo 1(1) da  Convenção Americana, de "respeitar os direitos e liberdades reconhecidos nela e garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja  sujeita a sua jurisdição".

109.   A primeira obrigação de qualquer Estado parte da  Convenção Americana consiste em respeitar os direitos e liberdades nela contidos.

[E]m qualquer circunstância na qual um órgão ou funcionário do Estado ou de uma instituição de caráter público lesione indevidamente um dos direitos [reconhecidos na  Convenção], se estará frente a uma suposta inobservância do dever de respeito. [O] Estado responde pelos  atos de seus agentes realizados sob caráter oficial e pelas omissões dos  mesmos ainda que fora dos  Iimites de sua competência ou em violação do direito interno.[72]

110.   No  presente caso, como já assinalado anteriormente, as forças policiais guatemaltecas, atuando sob o amparo de sua autoridade oficial, tomaram parte em atos realizados em 24 de agosto de 1994 que violaram o direito à vida, o direito à integridade pessoal e o direito à liberdade de associação, protegidos pelos  artigos 4, 5, 16 e 19 da  Convenção. Os agentes guatemalenses impediram, ademais, a aplicação da  justiça, em violação dos  artigos 8 e 25 da  Convenção. Portanto o Estado da Guatemala violou o artigo 1(1) da  Convenção como resultado das violações da  Convenção cometidas por seus agentes, e é responsável por essas violações.

111.   A segunda obrigação do Estado consiste em "garantir" o livre e pleno exercício dos  direitos reconhecidos pela  Convenção.  A Comissão reitera que esta obrigação:

implica no dever dos  Estados Partes de organizar todo o aparato governamental em geral, todas as estruturas através das quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar jurídicamente o livre e pleno exercício dos  direitos humanos. Como consequência dessa obrigação os Estados devem prevenir, investigar e sancionar toda violação dos  direitos reconhecidos pela  Convenção e procurar, ademais, o restabelecimento, se  possível, do direito violado e, conforme o caso, a reparação dos  danos produzidos pela  violação dos  direitos humanos.[73]

112.   Os artigos 1 e 6 da  Convenção sobre a Tortura estabelecem também que os Estados Partes devem prevenir e punir a tortura. O Estado da Guatemala não cumpriu com sua  obrigação de prevenir, investigar e sancionar as violações dos  direitos dos  trabalhadores da  fazenda La Exacta e de outorgar indenização por essas violações.

113.   Em primeiro lugar, o Governo não impediu os fatos de violência de 24 de agosto de 1994. O fato de que os tribunais trabalhistas da Guatemala não pronunciaram-se sobre as reclamações dos  trabalhadores da  fazenda La Exacta criou uma situação em que os trabalhadores não podiam  obter proteção judicial de seus direitos. Como resultado da  frustração dos  trabalhadores confrontados com essa falta de proteção produziu-se uma situação de tensão entre os trabalhadores e os proprietários e administradores da  fazenda La Exacta.

114.   O Governo não adotou medidas adequadas para que a situação de tensão não culminasse em fatos violentos e na infringência dos  direitos humanos dos  indivíduos. Pelo  contrário, foi elaborado um plano policial que previa claramente o uso da  força para resolver a ocupação da  fazenda La Exacta. Nenhum tribunal de justiça ou outro organismo interveniu a fim de que o plano não conduzisse ao uso de força excessiva, em violação dos  direitos dos  trabalhadores ocupantes.

115.   O Estado tampouco cumpriu com sua obrigação de investigar e punir as violações dos  direitos reconhecidos pela  Convenção. Tampouco outorgou indenização as vítimas das violações correspondentes a este caso. O Governo omitiu levar adiante os procedimentos judiciais referentes aos incidentes de 24 de agosto de 1994 de modo a responsabilizar aqueles que levaram a cabo o ataque aos trabalhadores da  fazenda La Exacta. Conforme a conclusão já exposta da  Comissão, os procedimentos e investigações realizados foram inadequados e ineficazes.

116.   Nenhuma pessoa foi acusada formalmente ou punida. É inegável que as forças policiais da Guatemala são responsáveis pelo uso de força excessiva que teve lugar no  caso, embora hajam certas dúvidas sobre a identidade dos  agentes policiais individuais responsáveis pela  preparação do ataque e sobre a identidade dos  agentes que efetivamente tenham disparado suas armas. Não obstante, o Governo não puniu nenhum policial. A Comissão tampouco recebeu informação de que algum oficial da  polícia tenha sido removido de serviço.

117.   O Governo também faltou com a sua obrigação de garantir os direitos consagrados na  Convenção dos  trabalhadores organizados na  fazenda La Exacta em relação aos atos cometidos por pessoas privadas. Os proprietários e administradores da  fazenda La Exacta despediram numerosos trabalhadores da  fazenda como represália pela  decisão desses trabalhadores de criar uma organização sindical e apresentar uma demanda trabalhista perante os tribunais. Pessoas vinculadas aos proprietários e administradores da  fazenda La Exacta, juntamente com outros particulares, colaboraram também com as forças policiais na  preparação e execução da  incursão de 24 de agosto de 1994. Essas medidas adotadas por pessoas privadas deram lugar a violações do direito à liberdade de associação e aos direitos à vida, à integridade pessoal e dos  direitos da criança.

118.   Os tribunais guatemalenses nunca revogaram as despedidas dos trabalhadores, e o Governo tampouco investigou ou puniu os particulares que participaram do planejamento e execução do ataque ocorrrido em 24 de agosto de 1994. Os particulares cujos nomes aparecem nos  procedimentos judiciais como participantes das violações de direitos de 24 de agosto de 1994 sequer foram chamados a depor como testemunhas. Portanto, o Estado é responsável pelos atos desses particulares que violam os direitos protegidos pela  Convenção, "por falta da  devida diligência para prevenir a violação ou para tratá-la nos termos requeridos pela  Convenção".[74]

119.   O Estado de Guatemala é responsável pela  violação do artigo 1(1) porque não garantiu o livre e pleno exercício dos  direitos garantidos na  Convenção. Portanto, as violações da  Convenção produzidas são imputáveis ao Estado tanto por essa razão como pela falta do Estado em cumprir com o dever de respeitar os direitos estabelecidos na  Convenção.

III.      ATUAÇÕES POSTERIORES À EMISSÃO DO RELATÓRIO 41/96 CONFORME O ARTIGO 50 DA  CONVENÇÃO AMERICANA

120.   Em 16 de outubro de 1996, em seu 93° período de sessões, a Comissão aprovou o  Relatório 41/96 conforme o artigo 50 da  Convenção Americana. Neste relatório, a Comissão concluiu que o Estado da Guatemala era responsável pela  violação de direito à vida, consagrado no  artigo 4 da  Convenção, no que se refere a Efraín Recinos Gómez, Basilio Guzmán Juárez y Diego Orozco; do direito à integridade pessoal, consagrado no  artigo 5 da  Convenção, quanto a Diego Orozco, e a todo o grupo de trabalhadores ocupantes e suas famílias, que sofreram o  ataque de 24 de agosto de 1994, e especialmente as onze pessoas que sofreram graves lesões: Pedro Carreto Loayes, Efraín Guzmán Lucero, Ignacio Carreto Loayes, Daniel Pérez Guzmán, Marcelino López, José Juárez Quinil, Hugo René Jiménez López, Luciano Lorenzo Pérez, Felix Orozco Huinil, Pedro García Guzmán e Genaro López Rodas; do  direito à liberdade de associação, consagrado no artigo 16 da  Convenção, em relação aos trabalhadores da  fazenda La Exacta que organizaram uma associação trabalhista para expor suas demandas aos proprietários e administradores da  fazenda La Exacta e aos tribunais guatemalenses e que sofreram represálias por esse motivo; do direito da criança à proteção especial estipulada no  artigo 19 da  Convenção, no que se refere aos menores que estavam presentes durante a incursão de 24 de agosto de 1994; do direito a um devido processo legal e a proteção judicial protegidos pelos  artigos 8 e 25 da  Convenção, quanto aos trabalhadores organizados que procuraram acesso a recursos judiciais para suas demandas trabalhistas, e quanto as vítimas dos  sucessos de 24 de agosto de 1994 e seus parentes que procuraram justiça em relação com esses sucessos, tudo em conjunção com o artigo 1(1) da  Convenção, por não ter cumprido com as obrigações impostas nesse artigo. A Comissão concluiu também que o Estado de Guatemala era responsável pela  violação dos  artigos 1, 2 e 6 da  Convenção sobre a Tortura, em relação a tortura sofrida por Diego Orozco.

121.   A Comissão recomendou que o Estado de Guatemala: 1) inicie uma investigação rápida, imparcial e eficaz em relação aos fatos ocorridos em 24 de agosto de 1994 para poder detalhar, numa versão oficial, as circunstâncias e a responsabilidade pelo uso de força excessiva; 2) adote as medidas necessárias para submeter as pessoas responsáveis pelos fatos de 24 de agosto de 1994 aos processos judiciais apropriados, que devem ser baseados na plena e efetiva investigação do caso; 3) repare as consequências das violações dos  direitos enunciados, incluindo o pagamento de uma justa indenização as vítimas ou suas famílias; 4) adote as medidas necessárias para garantir que não ocorram futuras violações do tipo daquelas que tiveram lugar no presente caso. De igual forma, a Comissão decidiu transmitir o relatório ao Estado e outorgar-lhe um prazo de dois meses para cumprir com as recomendações formuladas. A Comissão encaminhou o relatório ao Estado da Guatemala em 30 de outubro de 1996, data em que começou a correr o prazo de  dois meses.

122.   Em 6 de junho de 1997, mediante comunicação datada de 30 de dezembro de 1996, o Estado de Guatemala solicitou a CIDH uma prorrogação para informar sobre as ações empreendidas para atender as recomendações contidas no  relatório 41/96. Em 9 de janeiro de 1997, a Comissão recebeu a resposta do Estado na qual assinalou que,

[A respeito da primeira recomendação, que] [o] Governo da Guatemala informou previamente a Ilustre Comissão que a investigação acerca deste caso está sendo realizada pelo Ministério Público, e que iniciou as ações destinadas à averiguação das circunstâncias que concorreram nos  fatos …

[A respeito da segunda recomendação, que] independentemente do procedimento seguido no  Sistema Interamericano de Proteção dos  Direitos Humanos, o ordenamento jurídico interno estabelece os procedimentos a serem seguidos quando ocorre uma situação contemplada e tipificada como delito. Nesse sentido, o Ministério Público realizou a investigação correspondente e solicitou ao juiz… as prorrogações legais para arrecadar maiores elementos probatórios racionais e contundentes a fim de determinar  responsabilidade, culpabilidade e participação direta daqueles  que apareciam como acusados dos  fatos ocorridos em 24 de agosto de 1994…

[A respeito da terceira recomendação, que] [no momento não pod[ia] pronunciar-se sobre o particular, visto que exist[ia] um processo penal, que embora estivesse suspenso provisionalmente, [era] suscetível de reinício a qualquer momento de acordo com os elementos probatórios e constâncias processuais que trouxessem novos dados ao  processo.

[A respeito da quarta recomendação, que] os operativos policiais designados a cumprir mandados judiciais de desocupação haviam atuado com observância as garantias suficientes para as pessoas que por circunstâncias variadas tomaram esta atitude. Estes operativos contemplan a negociação, a disuasão e persuasão dos  ocupantes, ademais de contemplar a participação e acompanhamento de organizações de Direitos Humanos como garantidores das ações das forças de segurança.

123.   O Estado comprometeu-se a ampliar a informação aportada a Comissão e, para esse efeito, em comunicação remetida a CIDH em 10 de janeiro de 1997, solicitou uma prorrogação de 30 dias. Em 17 de janeiro, o Estado solicitou uma nova prorrogação de 60 dias, a qual foi concedida pela Comissão até o dia 6 de março de 1997.

124.   Em 5 de março de 1997, durante seu 95° período de sessões, a Comissão celebrou uma audiência sobre o presente caso na  qual participaram representantes do Estado e os peticionários. O Estado afirmou que a suspensão provisória do processo não deveria ser entendida como uma suspensão da  causa pois, apesar dela, o Ministério Público  continuava recebendo depoimentos dos  agentes de polícia. Também manifestou que o caso era muito  complexo pela  participação de numerosos agentes policiais na  execução do operativo, motivo pelo qual era necessário mais tempo e provas. Nessa mesma oportunidade, o Estado assinalou que não podia naquele momento responder sobre a aceitação ou não de  uma solução amistosa, mas  que o faria nos  próximos 45 dias.[75] Com base nessa resposta, e depois de ouvir os peticionários, a Comissão decidiu esperar a posição do Estado no  prazo acordado.

125.   Em 21 de abril de 1997, o Governo da Guatemala informou a Comissão que aceitava iniciar um  procedimento de solução amistosa fundamentado no  respeito aos direitos humanos estabelecidos na  Convenção Americana. Em 15 de agosto do mesmo ano, a CIDH recebeu uma nova comunicação do Estado na qual informou sobre o procedimento acordado para levar a cabo o procedimento de solução amistosa. Em 12 de janeiro de 1998, a CIDH recebeu outra comunicação do Estado na  qual este lhe informava que umas das dificuldades pelas quais não prosperava o procedimento de solução amistosa era que as pretensões dos  peticionários excediam os limites razoáveis, mas que, não obstante, o Governo tinha muito interesse em avançar adequadamente no  procedimento auspiciado pela  CIDH.

126.   Em 24 de fevereiro de 1998, representantes do Estado alegaram uma reunião com o Membro da Comissão Claudio Grossman na qual foi acordado que, previamente a uma proposta governamental de acordo, os peticionários deveriam acreditar a representação das vítimas. Em 24 de junho de 1998, os peticionários remeteram a CIDH a certificação solicitada.

127.   Em 23 de fevereiro de 1999, os peticionários dirigiram-se a CIDH fazendo  notar que o procedimento de solução amistosa não estava prosperando e que seguiam a espera de uma contra oferta oferecida pelo  Estado. Ao mesmo tempo, sugeriram uma nova alternativa nas negociações. Em 25 de fevereiro de 1999, a Comissão transmitiu ao Estado as sugerências dos  peticionários.

128.   Em 18 de fevereiro de 2000, os peticionários apresentaram a CIDH uma lista das pessoas afetadas que expressram sua vontade para que CALDH realize a negociação de um acordo amistoso sobre o caso. Em 12 de abril do mesmo ano, os peticionários comunicaram a CIDH que tinha sido realizada uma nova reunião com o Governo da Guatemala, mas que não se havia chegado a nenhum acordo.

129.   Em 9 de agosto de 2000, o Governo da Guatemala, representado pelo  Presidente da  República, Dr. Alfonso Portillo, reconheceu

[a] responsabilidade institucional do Estado originada pelo descumprimento imposto pelo  artigo 1 (1) da  Convenção Americana de respeitar e garantir os direitos consagrados na  Convenção … a respeito das seguintes pessoas ou casos:

(…)

4.         FAZENDA LA EXACTA (CIDH 11.382)

(…)

[o] Governo guatemalense aceitou os  fatos constitutivos que deram  lugar a apresentação das denúncias perante a Comissão… e obrigou-se a empreender negociações sobre tais casos [e] comprometeu-se a iniciar os processos de solução amistosa que compreenda a reparação e/ou assistência aos familiares das vítimas mencionadas ou as vítimas de forma direta, nos  casos que exista tal possibilidade. A determinação da  reparação que o Governo da Guatemala comprometeu-se a fazer efetiva a estes seria calculada posteriormente de comum acordo com as vítimas ou seus familiares ou com  base nos  princípios e critérios estabelecidos no  Sistema Interamericano de Proteção dos  Direitos Humanos. Também comprometeu-se a dar seguimento e promover as investigações dos  fatos… a iniciar os procediemento tanto civil, como penal e administrativo das pessoas que, em cumprimento de funções estatais ou utilizando o poder público, tiveram participação presumida na violação alegada… [Por último]  o Estado da Guatemala, através de COPREDEH, comprometeu-se a informar cada seis meses a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o cumprimento das obrigações assumidas pelo  Estado em virtude desta Declaração. [76]

130.   A Comissão observa que, depois de emitido o relatório 41/96 em 16 de outubro de 1996, de conformidade com o  artigo 50 da  Convenção Americana, o Estado manifestou, em 21 de abril de 1997, sua vontade de chegar a um acordo amistoso com os peticionários sob os auspícios da  CIDH, embora observe que esse procedimento foi prorrogado por mais de cinco anos, especialmente por razões atribuíves, ainda que de forma não exclusiva, ao Estado.

131.   Por outro lado, a CIDH reconhece e valoriza bastante o importante avanço do Estado da Guatemala ao assumir responsabilidade institucional por violações aos direitos humanos no  presente caso. Entretanto, a Comissão observa que, desde a resposta inicial ao relatório 41/96 até o reconhecimento de responsabilidade institucional, o Estado não adotou medidas concretas e efetivas com relação ao descumprimento das recomendações formuladas pela  Comissão. A CIDH tampouco advertiu que o Estado possa honrar efetivamente o compromisso que assumiu na  declaração de 9 de agosto de 2000. Portanto, a CIDH deve prosseguir com o trâmite conforme o artigo 51 da  Convenção Americana.

IV.      CONCLUSÕES

132.   Tendo em vista os  antecedentes de fato e de direito analisados supra, a Comissão reitera suas conclusões no  sentido de que o Estado guatemalense, à luz da  informação e das observações acima estabelecidas, descumpriu com as obrigações impostas pelo artigo 1(1) da  Convenção, e violou os seguintes direitos:

a.       o direito à vida, consagrado no  artigo 4 da  Convenção, no que se refere a Efraín Recinos Gómez, Basilio Guzmán Juárez e Diego Orozco;

b.       o direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 4 da  Convenção, quanto  a Diego Orozco, a todo o grupo de trabalhadores ocupantes e suas famílias, que sofreram o ataque de 24 de agosto de 1994, e especialmente as onze pessoas que sofreram graves lesões: Pedro Carreto Loayes, Efraín Guzmán Lucero, Ignacio Carreto Loayes, Daniel Pérez Guzmán, Marcelino López, José Juárez Quinil, Hugo René Jiménez López, Luciano Lorenzo Pérez, Felix Orozco Huinil, Pedro García Guzmán e Genaro López Rodas;

c.       o direito à liberdade de associação consagrado pelo  artigo 16 da  Convenção, em relação aos trabalhadores da  fazenda La Exacta que organizaram uma  associação trabalhista para expor suas demandas aos proprietários e administradores da  fazenda La Exacta e aos tribunais guatemalenses e que sofreram represálias por esee motivo;

d.       o direito da criança à proteção especial estipulada no  artigo 19 da  Convenção, no que se refere aos menores que estavam presentes durante a incursão de 24 de agosto de 1994.

e.       o direito a um devido processo e a proteção judicial protegidos pelos  artigos 8 e 25 da  Convenção, quanto aos trabalhadores organizados que procuraram acesso a recursos judiciais em relação a suas demandas trabalhistas, e quanto as vítimas dos eventos de 24 de agosto de 1994 e seus parentes que procuraram justiça em relação a esses eventos.

133.   O Estado da Guatemala violou também os artigos 1, 2 e 6 da  Convenção sobre a Tortura em relação a tortura sofrida por Diego Orozco. 

V.      RECOMENDAÇÕES

134.     Com base na análise e nas conclusões do presente relatório, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera as seguintes recomendações ao Estado guatemalense:

1.       Que inicie uma investigação rápida, imparcial e eficaz em relação aos fatos ocorridos em 24 de agosto de 1994, para poder determinar, numa versão oficial, as circunstâncias e a responsabilidade pelo uso de força excessiva.

2.       Que adote as medidas necessárias para submeter as pessoas responsáveis pelos  fatos de 24 de agosto de 1994, aos processos judiciais apropriados, que devem ser baseados numa plena e efetiva investigação do caso.

3.       Que repare as consequências das violações dos  direitos enunciados, incluindo o pagamento de uma justa indenização as vítimas ou suas famílias.

4.       Que adote as medidas necessárias para garantir que não ocorram futuras violações do tipo daquelas que tiveram lugar no  presente caso. 

VI.      PUBLICAÇÃO

135.   Em 14 de março de 2002, a Comissão transmitiu o relatório Nº 30/02 --cujo texto está exposto acima- ao Estado guatemalense e aos peticionários, de conformidade com o estabelecido no  artigo 51(2) da  Convenção Americana, e outorgou um prazo de 30 dias ao Estado para que este apresentasse informação sobre o cumprimento das recomendações. Em 16 de abril de 2002, o Estado guatemalense remeteu uma comunicação informando que o Ministério Público havia solicitado a reabertura da  investigação, a qual foi decretada pelo  juiz da  investigação em 2 de novembro de 2001; que citou para depor os senhores Pedro Castro Acabal, Luis Fernando Tobar Mejía e outros policiais que participaram do operação realizada na fazenda La Exacta, mas que está pendente que o órgão judicial envie as citações e ouça os citados; que o Ministério Publico solicitou em 27 de novembro de 2001, a captura de Harry Omar Hernández, que é acusado como autor material dos  disparos efetuados contra Diego Orozco, e o juiz o ordenou em 29 de novembro de 2001, estando pendente de execução. Em relação às reparações, o Estado informa que “está por realizar negociações com os peticionários a fim de acordar as formas de reparação às vítimas no  presente caso”.

136.   A Comissão Interamericana valoriza a informação apresentada pelo  Estado guatemalense; porém, observa que aquela relativa ao estado das investigações judiciais  corresponde a atuações anteriores ao relatório 30/02. A Comissão observa que as demais recomendações formuladas neste relatório tampouco foram cumpridas pelo  Estado.  Portanto, na opinião da CIDH não cabe formular considerações adicionais àquelas expostas nos  parágrafos precedentes deste relatório.

          137.   Em virtude da análise anteriormente exposta, e do disposto nos  artigos 51(3) da  Convenção Americana e 48 do seu Regulamento, a  Comissão decide reiterar as conclusões e recomendações contidas, respectivamente, nos  capítulos VI e VII supra; publicar o presente relatório; e incluí-lo em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da  OEA. Conforme o disposto no  artigo 46 de seu Regulamento, a Comissão continuará avaliando as medidas adotadas pelo  Estado guatemalense em relação as recomendações mencionadas, até que estas sejam completamente cumpridas pelo Estado.

Dado e assinado na cidade de Washington, D.C., aos 21 dias de mês de outubro de 2002. (Assinado): Juan E. Méndez, Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, e Clare K. Roberts e Susana Villarán, Membros da Comissão.

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[39] Ver Relatório do Procurador de Direitos Humanos de Guatemala, 6 de setembro de 1994, p. 4; Denúncia original dos  peticionários, p. 3.

[40] Ver íd.

[41] Ver Relatório do Procurador de Direitos Humanos de Guatemala, 6 de setembro de 1994, p. 5.

[42] O artigo 29 da  Convenção Americana estabelece claramente que as normas contidas em outros tratados internacionais regem também os Estados Partes da  Convenção. O propósito da  Convenção sobre a Tortura é servir de instrumento auxiliar da  Convenção Americana, no  sistema interamericano para a proteção dos  direitos humanos, ampliando os princípios estabelecidos no  artigo 5 da  Convenção Americana. O artigo 8 da  Convenção sobre a Tortura dispõe expressamente que um caso de tortura pode ser submetido ao foro internacional apropriado quando esgotados todos os recursos internos. A Comissão considera que seus procedimentos constituem um foro internacional apropriado para a aplicação da  Convenção sobre a Tortura. A Comissão considera, portanto, que conforme o artigo 49 da  Convenção Americana, pode aplicar diretamente a Convenção sobre a Tortura através dos  mecanismos previstos na  Convenção Americana.

[43] Ver Documento apresentado perante o Sub-Inspector de Trabalho, Ministério de Trabalho e Previdência Social, Caatepeque, Quetzaltenango, 16 de fevereiro de 1994.

[44] Documento iniciando procedimento de Conflito Coletivo de Carácter Econômico Social, apresentado perante a Segunda Corte de Primeira Instância de Trabalho e Previdência Social de Coatepeque, Ouetzaltenango, 18 de fevereiro de 1994.

[45] Ver também Relatório do Procurador de Direitos Humanos de Guatemala, 6 de setembro de 1994, p. 1.

[46] Ver., por exemplo, Demanda de reposição, 3 de março de 1994.

[47] Ver Plano Montanha, p. 1.

[48] Ver íd., p. 7.

[49] Ver Depoimento de Carlos Alberto Enríquez Santizo perante o Ministério Público em Coatepeque, Quetzaltenango, 17 de janeiro de 1996, p. 2.

[50] Ver Depoimento de Francisco Filiberto Duarte Gómez perante o Segundo Juizo de Primeira Instãncia de Coatepeque, Quetzaltenango, 11 de outubro de 1995, p. 10.

[51] Ver: Código de Conduta, artigo 3, com. c.

[52] As  reclamações básicas dos  trabalhadores em  relação as violações da  lei foram as seguintes:

1.         A maioria dos  trabalhadores recebia 6 quetzais diários, em lugar do salario mínimo de 10 quetzais que dispõe a lei.

2.         Os trabalhadores não recebiam o 13 salário estabelecido pela  lei.

3.         Os trabalhadores não recebiam o "bonus quatorze" que dever ser pago no  mês de julho de conformidade com  a lei vigente.

4.         Os trabalhadores não ecebiam as férias correspondentes a cada final de ano.

5.         Os trabalhadores não gozavam os dias feriados.

6.         Os trabalhadores não tinham acesso aos benefícios e prestações administradas pelo  Instituto Guatemalense de Previdência Social.

Não obstante, no  rol de acusações que apresentaram com a petição de por em marcha um procedimento de conflito coletivo, os trabalhadores formularam também reclamações adicionais. A Comissão adverte que o Ministério de Trabalho reconheceu, depois dos incidentes de 24 de agosto de 1994, que os trabalhadores não recebiam o salário mínimo. Ver "Ministra Morfín: Fazenda San Juan el Horizonte não pagam o salário mínimo", 30 de agosto de 1994, La Hora.

[53] Ver Código de Trabalho da Guatemala, artigo 377.

[54] Ver íd., artigo 382.

[55] Ver íd., artigo 393.

[56] Ver Corte Segunda de Primera Instância de Trabalho e Segurança Social de Coatepeque, Quetzaltenango, 12 de maio de 1994.

[57] Ver Decisão do Segundo Julgado de Primeira Instância de Trabalho e Previdência Social de Coatepeque, Quetzaltenango, 18 de fevereiro de 1994.

[58] Ver. D.ei. Demanda de reposição, 3 de março de 1994.

[59] Ver Decisão do Segundo Julgado de Primeira Instância de Trabalho e Previdência Social de Coatepeque, Quetzaltenango, 18 de fevereiro de 1994; Código de Trabalho da Guatemala, artigo 379.

[60] Ver Constituição Política da  República de Guatemala, artigos 34, 101.

[61] Ver Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 126 (uma pauta de violações comprovada respalda a conclusão de que houve uma violação em determinado caso).

[62] Ver Declaração de amicus curiae do Mérito Internacional de Direitos Trabalhistas, Projeto conjunto dos EUA e Guatemala de Educação para o Trabalho, apresentado a Comissão em 25 de setembro de 1995.

[63] Ver Quarto Relatório, p. 91.

[64] Ver Quinto Relatório do Diretor de MINUGUA, parágrafo 179.

[65] "Acisclo: Tribunal de trabalho tem responsabilidade em despejo ", La República, 29 de agosto de 1994.

[66] Ver Caso Velásquez Rodríguez, Objeções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 91.

[67] Ver Depoimento de Francisco Filiberto Duarte Gómez perante o Segundo Julgado de Primeira Instância de Coatepeque, Quetzaltenango, 11 de outubro de 1995.

[68] Ver: Depoimento de Basilio Hernández Guzmán perante o Quinto Juiz de Primeira Instância em Matéria Penal, 10 de dezembro de 1995.

[69] Ver: Depoimento de Guillermo Enrique Betancourt Ruiz e Oscar Hugo Leonel López perante o Procurador, Ministério Publico, 9 de novembro de 1995; depoimento de Darwin de León Palencia perante o Procurador , Ministério Publico, 14 de novembro de 1995;  depoimento de Rolando Ordóñez Corado, Hugo Leonel Gómez Diaz e Dimas Antonio Hernández Gómez perante o Procurador, Ministério Publico, 6 de dezembro de 1995.

[70] Ver  depoimento de Carlos Alberto Enríquez Santizo perante o Ministéio Púlico de Coatepeque, 17 de janeiro de 1996.

[71] Ver íd., p. 2.

[72] Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafos 169, 170.

[73] Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 166.

[74] Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 172.

[75] A intervenção do Estado consta da  Ata de Audiência N° 34 del 93° período de sessões da  Comissão.

[76] O documento em que o Estado guatemalense reconheceu os fatos e sua responsabilidade institucional foi firmado também pelo então Presidente e Secretário Executivo da CIDH Reitor Claudio Grossman e o Embaixador Jorge Taiana, respectivamente.