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RELATÓRIO
Nº 73/02[1] ADMISSIBILIDADE PETIÇÃO
P-050/02 RONALD
ERNESTO RAXACACÓ REYES GUATEMALA 9
de outubro de 2002 I.
RESUMO 1.
Em 28 de janeiro de 2002, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada a “Comissão” ou a “CIDH”) recebeu uma
petição apresentada pelo Centro
pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Instituto de
Estudos Comparados em Ciências Penais da Guatemala (ICCPG) e o Instituto de
Defesa Pública Penal de Guatemala (doravante denominados “os peticionários”)
contra a República Guatemala (doravante denominada “Guatemala, o
"Estado” ou o “Estado
guatemalense”) pela imposição
da pena de morte a Ronald Ernesto Raxacacó Reyes (doravante
denominado “a suposta vítima”), em violação dos artigos
1(1), 2, 4, 5, 8, 10 e 25 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção”
ou “a Convenção Americana”). Nesta mesma oportunidade, os peticionários
solicitaram à CIDH medidas cautelares em favor da suposta
vítim, as quais foram outorgadas em 30 de janeiro de 2002 e mantêm-se
vigentes até esta data. O Estado guatemalense solicitou à Comissão que se
abstenha de conhecer o pedido efetuado pelo peticionário
e desestime a denúncia, com base na inexistência de violações à Convenção
e a falta de esgotamento dos recursos
internos. A CIDH decidiu admitir
o caso e prosseguir com a análise de mérito. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO 2.
Em 30 de janeiro de 2002, a Comissão abriu o caso, transmitiu as
partes pertinentes da denúncia
ao Estado guatemalense e lhe solicitou que apresentasse informação dentro
do prazo de dois meses de conformidade com
o estabelecido no artigo 30(3) do Regulamento da Comissão.
3.
Em 21 de maio de 2002, o Estado remeteu suas observações. 4.
Na mesma comunicação
de 30 de janeiro de 2002, a CIDH solicitou ao Estado da Guatemala a adoção
de medidas cautelares em favor da suposta vítima a fim de preservar sua
vida até que a CIDH decidira sobre o mérito do assunto. 5.
Em 21 de maio de 2002, o Estado informou à CIDH que, com relação
às medidas cautelares neste caso, não existia um mal iminente nem a violação
de um direito humano de forma arbitrária, motivo pelo qual, na opinião do
Estado, uma intervenção da Comissão
resultaria desafortunada devido ao desgaste que isto provocaria ao sistema
jurídico interno. III.
POSIÇÃO DAS PARTES A.
Posição dos peticionários
6.
Os peticionários alegaram que durante os dias 5 e 6 de agosto de
1997 ocorreu o sequestro do menor P. A. L. W, de 9 anos na época, por parte
de um grupo de pessoas entre as quais estava Ronald Ernesto Raxacacó Reyes.
O menor foi liberado depois de uma operação policial. Os autores do
sequestro foram submetidos a um processo penal que culminou com a sentença
de 14 de maio de 1999 decretada pelo Sexto Tribunal de Sentença Penal,
Narcotráfico e Delitos contra o Ambiente. O tribunal condenou a Jorge Mario
Murga Rodríguez, Hugo Humberto Ruiz Fuetes e Ronald Ernesto Raxacacó Reyes
à pena de morte por terem sido responsáveis, como autores diretos, do
delito de Rapto ou Sequestro perpetrado contra P.A.L.W. 7.
Os peticionários assinalam que mediante a imposição da pena
capital contra Ronald Ernesto Raxacacó Reyes o Estado guatemalense tinha
incorrido numa violação aos direitos à vida, às garantias judiciais, à
tutela judicial efetiva, à integridade pessoal e à indenização
por erro judicial consagrados nos artigos 4, 8, 25, 5 e 10 da Convenção Americana. De igual maneira, os peticionários
alegam que o Estado guatemalense desconheceu as obrigações de respeitar os
direitos e adotar disposições de direito interno, consagradas nos artigos
1 e 2 do mesmo instrumento. 8.
Com relação ao direito à vida, os peticionários manifestam que o
Estado da Guatemala violou o artigo 4(2), dado que a suposta vítima foi
sentenciada à morte por um delito - rapto ou sequestro não seguido de
morte – que, no momento em que Guatemala ratificou a Convenção
Americana, em 25 de maio de 1978, não era punido com a pena capital, mas a
prisão de 8 a 15 anos;[2]
e que a pena de morte foi imposta por um delito que, por sua natureza não
poderia ser catalogado entre os mais graves. Adicionalmente, os peticionários
argumentam que no mês de maio de 2000, o Congresso da Guatemala derrogou o
Decreto 159 que estabelecia o mecanismo das petições de clemência perante
o Presidente da República, em
contradição ao disposto pelo artigo
4(6) da Convenção. 9.
Quanto aos direitos às garantias judiciais e a tutela judicial
efetiva, os peticionários assinalam que estas disposições foram violadas
porque a “sentença de morte obrigatória” é a única condenação
imposta ao rapto ou sequestro na jurisdição guatemalense. Desta forma, os peticionários
indicam que o réu é privado
do direito a ser julgado por um juiz independente e imparcial; de preparar
adequadamente sua defesa e apresentar provas; e de ter acesso a um recurso
efetivo perante um tribunal. 10.
No que se refere ao direito à integridade pessoal, o peticionário
assinala que o Estado da Guatemala está causando um sofrimento moral à
suposta vítima, que corresponde ao tratamento proibido pelo referido artigo, na medida em que Ronald Ernesto Raxacacó
Reyes está sendo submetido ao fenômeno do death
row ou “corredor da morte”. 11.
Em relação com o direito á indenização, o peticionário alega
que o Estado da Guatemala violou esta disposição uma vez que a
possibilidade de detectar um erro judicial e de que a suposta vítima possa
ser indenizada por este erro é ilusória, dado que o sentenciado a pena de
morte obrigatória não tem possibilidades reais de exercer o direito
garantido no precitado artigo 10. 12.
Finalmente, quanto ao requisito
de admissibilidade do prévio esgotamento dos recursos
internos, os peticionários alegam que a defesa do senhor Raxacacó Reyes promoveu todos os recursos disponíveis
na jurisdição guatemalense. A
este respeito, o peticionário informa que em 13 de setembro de 1999 a
Quarta Sala da Corte de Apelações indeferiu a apelação especial
intentada pela defesa; que em 20 de junho de 2000 a Câmara Penal da Corte
Suprema declarou improcedente o recurso de cassação interposto em favor da
suposta vítima; e que em 28 de
julho de 2001 a Corte de Constitucionalidade indeferiu o recurso de amparo
interposto contra a decisão de improcedência do recurso de cassação. 13.
O peticionário explica que, no presente caso, não foi solicitada a
graça ou comutação da pena
perante o Presidente da República,
visto que recentemente o Congresso da Guatemala derrogou o Decreto 159 que
regulamentava estes recursos. B.
Posição do Estado 14.
Em sua resposta datada de 23 de maio de 2002, o Estado alegou que a
petição não deveria ser admitida porque os recursos da jurisdição interna ainda não tinha sido esgotados. Seu
argumento fundamenta-se na afirmações do Defensor Público, Sr. Ovidio Girón,
em entrevista celebrada com funcionários do COPREDEH em 9 de abril do
presente ano e “nos comentários dos póprios peticionários”. Em sua
comunicação o Estado não indica quais são os recursos que não foram
esgotados. Adicionalmente, o Estado avisa a Comissão que não se pronunciará
novamente sobre o presente caso, já que segundo seus argumentos não existe
violação alguma que lhe possa ser atribuida. 15.
Com relação à caracterização de violações da Convenção
Americana, o Estado argumenta que, de conformidade com as leis
guatemalenses, a pena de morte pode ser imposta somente em virtude de um
julgamento levado a cabo em estrita observância de todas as garantias do
devido processo e que, no presente caso, Ronald
Raxacacó teve acesso a um tribunal independente e imparcial e exerceu todos
os meios de defesa necessários para repelir as decisões judiciais. O
Estado assinala que a atuação do Tribunal que impôs a pena de privação
da vida foi exercida dentro do estrito marco jurídico e que, portanto, não
se pode alegar a existência de uma ameaça arbitrária a seus direitos. 16.
Finalmente, o Estado alega que o senhor Raxacacó, quem foi julgado e
considerado culpado em todas as instâncias legais estabelecidas para tais
efeitos, fez uso dos meios de
impugnação contemplados pelo procedimento
penal guatemalense a fim de amparar seus direitos. O Estado afirma que
“este é um caso que tornou-se coisa julgada”. IV.
ANÁLISE A.
Considerações prévias 17.
A CIDH oberva que em sua resposta de 23 de maio de 2002, o Estado
advirtiu a Comissão que não
se pronunciará novamente sobre a presente petição porque, na sua opinião,
não existe violação alguma que lhe possa ser atribuida. A CIDH deseja
ressaltar que o Estado da Guatemala contraiu diversas obrigações
internacionais em virtude da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Entre estas
obrigações está a de oferecer a informação requerida pela CIDH em
cumprimento das atribuições conferidas pelo artigo 48(1)(a) da Convenção.[3] 18.
A este respeito, a CIDH também considera necessário notar que a
informação requerida nas diferentes etapas do procedimento estabelecido em
seu Regulamento é aquela que fundamenta suas decisões a respeito de uma
petição ou caso submetidos a seu conhecimento.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos assinalou que a cooperação
dos Estados é uma obrigação
fundamental no procedimento internacional do sistema interamericano nos seguintes
termos: Diferentemente
do Direito penal interno, nos processos sobre violações de direitos
humanos, a defesa do Estado não pode descansar sobre a impossibilidade do
demandante de alegar provas que, em muitos casos, não podem ser obtidas sem
a cooperação do Estado. O
Estado é quem tem o controle dos meios para esclarecer os fatos ocorridos
dentro de seu território. A Comissão, ainda que tenha faculdades para
realizar investigações, na prática, depende da cooperação
e dos meios proporcionados pelo
governo para poder efectuá-las dentro da jurisdição
do Estado.[4]
19.
Consequentemente, a Comissão considera pertinente recordar a
Guatemala o dever que tem de colaborar com os órgãos
do sistema interamericano de direitos humanos para o melhor cumprimento de
suas funções na proteção dos direitos
humanos, e inclusive aportar informação requerida por estes. 20.
A Comissão passa a analisar os requisitos de admissibilidade
estabelecidos na Convenção
Americana. B. Competência da
Comissão 21.
A Comissão tem competência ratione
materiae para examinar a presente petição, porque nela se denuncia
violações a direitos humanos protegidos pela
Convenção Americana, da qual o Estado da Guatemala é Parte desde a
sua ratificação feita em 25 de maio de 1978. 22.
A Comissão tem competência ratione
pessoae para conhecer a presente petição porque tanto a natureza dos peticionários
como a da suposta vítima satisfaz os requerimentos estipulados no artigos 44 e 1(2) da Convenção. 23.
A CIDH tem competência ratione
temporis para conhecer a presente petição porque a obrigação de
respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se
encontrava em vigor para o Estado na data em que ocorreram os fatos alegados
na petição. 24.
Finalmente, a Comissão tem competência ratione
loci para conhecer a petição, visto que esta alega
violações de direitos protegidos na
Convenção Americana que teriam
tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado. C.
Requisitos de admissibilidade da petição 1.
Esgotamento dos recursos
internos 25.
De acordo com o artigo 46(1)(a) da Convenção,
para que uma petição seja admissível pela Comissão é necessário o esgotamento prévio dos recursos
da jurisdição interna, de acordo com os princípios do direito
internacional. 26.
Os peticionários assinalam que a defesa da suposta vítima promoveu
todos os recursos disponíveis na jurisdição interna da Guatemala contra a
sentença de primeira instância. Neste sentido, indicam que em 13 de
setembro de 1999 a Quarta Sala da Corte de Apelações desacolheu a apelação
especial; em 20 de junho de 2000 a Câmara Penal da Corte
Suprema de Justiça declarou improcedente o recurso de cassação interposto;
e em 28 de julho de 2001 a Corte de Constitucionalidade indeferiu o recurso
de amparo interposto em favor de Ronald Ernesto Raxacacó Reyes.
Em todos estes casos, afirmam os peticionários, foi reclamada a
violação por parte do Estado da Guatemala da norma consagrada no artigo
4(2) da Convenção, dada a ampliação da pena de morte a delitos que não tenham sido contemplados
quando a Guatemala ratificou a Convenção. Consequentemente, os peticionários
pediram a não aplicação da pena
capital. 27.
O Estado alegou a falta de esgotamento de recursos internos, mas não
indicou os recursos que estariam pendentes para serem esgotados,[5]
nem advertiu de maneira expressa que este é um caso que tornou-se coisa
julgada. A juízo da Comissão, as alegações do Estado são contraditórias,
na medida em que a instituição
da coisa julgada, destinada a proteger as resoluções judiciais[6]
e, consequentemente, a garantir o
princípio de segurança jurídica, opera sobre sentenças transitadas em
julgado, quando não resta contra elas nenhum recurso ordinário nem
extraordinário.[7]
De tal modo que a defesa fundamentada no argumento de que o caso tornou-se
coisa julgada implica a aceitação de que a sentença condenatória por
meio da qual a pena de morte foi imposta a Ronald Raxacacó transitou em
julgado e, portanto, não é suscetível de nenhum de recurso. 28.
A CIDH comprovou a partir da revisão
das peças processuais remetidas pelos peticionários que a defesa da
suposta vítima, efetivamente, reclamou pela imposição
da pena de morte e que esta
reclamação foi esgotada perante a Corte Suprema de Justiça da Guatemala
e, inclusive, perante a Corte Constitucional, através de um recurso
diferente do procedimento
substanciado em sede penal. Portanto, a CIDH conclui que com a decisão de
20 de junho de 2000, por meio da qual a Corte Suprema de Justiça declarou
improcedente o recurso de cassação, e com a decisão de 12 de julho de
2001 que declarou improcedente a ação de amparo interposta contra a decisão
anteriormente citada, os recursos internos foram devidamente esgotados, em
concordância com os requisitos exigidos no artigo 46 da Convenção.
2.
Prazo de apresentação 29.
O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para
admitir uma petição é necessário “que seja apresentada dentro do prazo
de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus direitos
tenha sido notificado da decisão
definitiva”. Como indicado previamente pela Comissão, esta regra existe
para dar certeza jurídica e proporcionar tempo suficiente para que um
peticionário potencial considere sua posição.[8]
No assunto sob exame, os peticionários apresentaram a denúncia perante a
Comissão em 28 de janeiro de 2002, e a sentença prolatada pela Corte de
Constitucionalidade da Guatemala, última decisão decretada no procedimento
interno, tem data de 28 de junho de 2001. A suposta vítima foi notificada
desta decisão em 4 de julho do mesmo mês e ano, segundo a certificação
que consta do expediente. Isto é, a denúncia foi apresentada seis meses e
vinte e quatro dias depois da notificação da precitada
sentença.
30.
A CIDH considera que os prazos convencionais, incluindo aquele do
artigo 46(1)(b) da Convenção
Americana, são de estrito cumprimento, motivo pelo qual toda a petição
apresentada fora do prazo de seis meses deve ser declarada inadmissível.
Entretanto, de acordo com a jurisprudência do sistema interamericano,
dentro de certos, oportunos e razoáveis limites, e sempre que se mantenha
um equilíbrio entre a justiça
e a certeza jurídica, certas demoras podem ser justificada.[9]
No presente caso, em virtude de considerações tanto de ordem substantiva
como adjetiva, a Comissão estima procedente aplicar o criterio de
razoabilidade e considera que este atraso não menoscaba o equilíbrio que
devem guardar os órgãos do sistema entre a proteção dos direitos
humanos e o princípio de segurança jurídica.[10]
31.
Em primeiro lugar, a Comissão observa a natureza do presente caso,
em que o sistema regional foi solicitado a fim de proteger o direito à vida
de uma pessoa condenada à pena de morte num procedimento que supostamente
transgride a Convenção Americana. Em segundo lugar, deve-se considerar o
fato de que em sua resposta o Estado não argumentou o
vencimento do prazo, ao contrário, alegou que os recursos da jurisdição
interna não haviam sido esgotados. A este respeito, cabe notar que na sentença
de exceções preliminares do Caso Neira Alegría e outros, a Corte
Interamericana considerou que como prazo dos seis
meses depende do esgotamento dos recursos, é o governo quem deve arguir o
vencimento deste prazo perante a Comissão, dado que se trata de uma regra
que pode ser renunciada de forma expressa ou tácita pelo Estado que tem direito a invocá-la.[11]
32.
Finalmente, a Comissão estima pertinente esclarecer que, na sua
opinião, os peticionários atuaram de boa fé ao apresentar a denúncia em
28 de janeiro de 2002 e indicar como data da última decisão a de 28 de
julho de 2001, já que na certificação o Estado incorreu no mesmo erro
material. Portanto, a CIDH considera satisfeito o requisito de apresentação
oportuna. 3.
Duplicação de procedimentos e coisa julgada 33.
O
expediente da petição não
contém nenhuma informação que pudesse ensejar que o presente assunto
encontra-se pendente de outro procedimento de acordo
internacional ou que tenha sido previamente decidido pela
Comissão Interamericana. Portanto,
a CIDH conclui que não são aplicáveis as exceções previstas no artigo
46(1)(c) da Convenção
Americana. D.
Caracterização dos fatos
alegados 34.
O Estado argumenta que a pena de morte foi imposta à suposta vítima
no estrito marco jurídico guatemalense e que, consequentemente, não existe
uma ameaça arbitrária a seus direitos. 35.
A Comissão entende que nesta etapa do procedimento não cabe
estabelecer se há ou não uma violação da Convenção Americana.[12]
Para efeitos de admissibilidade,
a CIDH deve decidir se foram expostos fatos que caracterizam uma violação,
como estipula o artigo 47(b) da Convenção Americana, e se a petição é
“manifestadamente infundada” ou seja “evidente sua total improcedência”,
segundo o inciso c do mesmo artigo. O padrão de apreciação destes
requisitos é diferente daquele requerido para decidir sobre o mérito de
uma denúncia. A CIDH debe realizar uma avaliação prima
facie para examinar se a denúncia fundamenta a aparente ou potencial
violação de um direito garantido pela Convenção,
e não para estabelecer a existência de uma violação. Tal exame constitui
uma análise sumária o que não
implica um prejulamento ou uma antecipação da opinião sobre o mérito. O
próprio Regulamento da Comissão, ao estabelecer duas claras etapas de
admissibilidade e mérito, reflete esta distinção entre a avaliação que
deve realizar a Comissão a fim de declarar
uma petição admissível e a requerida para estabelecer uma violação. 36.
A Comissão considera que os fatos denunciados
caracterizam prima facie
uma violação dos direitos à vida, integridade pessoal, garantias
judiciais e proteção judicial, consagrados nos artigos
4, 5, 8 e 25 da Convenção
Americana, em conjunção com a obrigação genérica do Estado de respeitar
e garantir os direitos mencionados, estabelecida no artigo 1(1) do mesmo
instrumento. A Comissão considera que as alegações relativas ao
descumprimento por parte do Estado da Guatemala da obrigação contida no
artigo 2 da Convenção Americana poderiam caracterizar uma violação à
Convenção Americana. Portanto, a CIDH conclui que na presente petição
estão reunidos os requisitos requeridos no artigo 47(b) e (c). 37.
Não obstante o anterior, em relação à alegada violação do
artigo 10 da Convenção
Americana que consagra o direito de indenização, a Comissão observa que
esta disposição estabelece que “[t]oda
pessoa tem direito a ser indenizada conforme a lei em caso de ter sido
condenada por sentença transitada em julgado por erro judicial”. Os
peticionários fundamentam seu argumento de violação do direito de
indenização, no fato de que a aplicação real da pena de morte à suposta
vítima lhe impediria pedir a revisão do processo com o objetivo
de que a sentença transitada em julgado que o condenou fosse declarada
nula, em caso de que esta sentença tivesse sido viciada por um erro
judicial. A impossibilidade de revisar seu proceso leva, obviamente, à
impossibilidade de solicitar uma indenização por ter sido
condenado por erro judicial, se este for o caso. 38.
A CIDH ressalta que os peticionários
não alegaram que a pena de
morte da suposta vítima tenha
sido consequência de um erro judicial, ou demonstraram que alguma resolução
do poder judicial guatemalense estabeleça que este erro foi cometido pelas
autoridades judiciais da Guatemala. Portanto, o argumento sobre a violação
do artigo 10 da Convenção
baseia-se, unica e exclusivamente, numa expectativa ou situação hipotética,
mas não numa situação real e concreta na qual tivesse ocorrido a violação
do direito à indenização reconhecido convencionalmente. Sendo assim, a
Comissão considera que a alegação dos peticionários a respeito deste ponto em particular é
manifestadamente infundada e logo inadmissível de conformidade com o artigo
47(c) da Convenção Americana.
V.
CONCLUSÕES 39.
A Comissão
Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste
caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47
da Convenção Americana com
respeito aos artigos 1(1), 2, 4, 5, 8 e 25 do referido instrumento e
inadmissível com relação ao artigo 10 do mesmo tratado. 40.
Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente,
e sem prejulgar o mérito da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1.
Declarar admissível o presente caso, no que se refere as eventuais
violações aos artigos 1(1), 2, 4, 5, 8, e 25 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos. 2.
Declarar inadmissível o presente caso em relação ao artigo 10 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos. 3.
Ratificar as medidas cautelares outorgadas em 30 de janeiro de 2002 e
solicitar ao Estado guatemalense a adotar as medidas necessárias para
preservar a vida do senhor Ronald Ernesto Raxacacó Reyes até que a Comissão
decida sobre o mérito do assunto. 4.
Notificar as partes desta decisão. 5.
Continuar com a análise de mérito da questão. 6. Publicar esta decisão e incluí-la no seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de
Washington, D.C., aos 21 dias do mês de outubro 2002. (Assinado): Juan E. Méndez,
Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; Membros da Comissão
Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo e Clare K. Roberts e Susana Villarán.
[ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ] [1]
O Membro da Comissão Sra. Marta Altolaguirre, de nacionalidade
guatemalense, não participou na discussão e votação do presente
relatório, em cumprimento do artigo 17(2)(a) do novo Regulamento da
Comissão, que entrou em vigor no dia
1º de maio de 2001. [2]
O artigo 201 (Rapto ou Sequestro) do Decreto 17/73 de 1973, vigente
quando a Guatemala ratificou a Convenção Americana, dispunha “[O]
rapto ou sequestro de uma pessoa com o objetivo de conseguir resgate,
troca de terceiras pessoas ou outro propósito ilícito de igual ou análoga
entidade será castigado com a pena de oito a quinze anos de prisão. Será
imposta a pena de morte ao responsável quando, por motivo ou na ocasião
do rapto ou sequestro, falecer a pessoa sequestrada”. A
sua vez, o artigo 201 reformado do vigente Decreto 81/96, com base no
qual a suposta vítima foi condenada a pena capital, dispõe que “[Os]
autores materiais ou intelectuais do delito de rapto ou sequestro de uma
ou mais pessoas com o propósito de conseguir resgate, troca de pessoas ou a tomada de qualquer decisão
contrária à vontade do sequestrado ou com qualquer outro propósito
similar ou igual, será aplicada a pena de morte, e quando esta não
possa ser imposta, será aplicada a prisão de vinte e cinco a
cinqunenta anos. Neste caso não será apreciada nenhuma circunstância
atenuante. Os cúmplices ou colaboradores serão punidos com pena de
vinte a quarenta anos de prisão”. [3]
O
artigo 48(1)(a) da Convenção estabelece que: "A
Comissão, ao receber uma petição ou comunicação (…) a) solicitará
informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade
apontada como responsável pela violação alegada (…) As referidas
informações devem ser enviadas dentro de um prazo razoável (…). b)
poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação
pertinente". [4]
Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988. Par.
135 e 136;
e
Comissão IDH, Relatório Nº 28/96, Caso 11.297, Guatemala, 16 de outubro
de 1996, Par. 43. [5]
Quando
um Estado alega que um peticionário não observou o requisito de
esgotar os recursos de jurisdição interna, este tem o ônus de indicar
os recursos específicos disponíveis e eficazes. Nesse sentido ver
Corte IDH, Caso Loayza Tamayo, Objeções Preliminares, Sentença de 31
de janeiro de 1996, parágrafo 40. [6]
Víctor
Fairén Guillen, Teoria Geral do Direito Processual, Universidade Autônoma
do México, 1992, pág. 519. [7]
A respeito, o tratadista Farién Guillen assinala que a coisa julgada
formal implica firmeza, e não impugnação ou possibilidade de recurso
ou preclusão de recursos jurisdicionais. Víctor Fairén Guillen,
Teoria Geral do Direito Processual, Universidade Autônoma do México,
1992, pág. 520. [8]
Comissão
IDH, Caso María Eugenia Morales de Sierra, Relatório sobre
admissibilidade Nº 28/98 de 6 de maio de 1998, par. 29 [9]
Corte
IDH, Caso Cayara, Sentença de Exceções Preliminares de 3 de feveiro
de 1993, par. 42. [10]
Nesse
sentido ver Corte IDH, Caso “A Última Tentação de Cristo”, sentença
de 5 de fevereiro de 2001, par. 41. [11]
Corte
IDH, Caso Neira Alegría e outros, sentença de exceções preliminares
de 11 de dezembro de 1991, par. 30. [12] Ver nesse sentido, CIDH, Relatório Nº 28/01, Caso 12.367, Mauricio Herrera Ulloa e Fernán Vargas Rohrmoser do Diario “La Nação”, Costa Rica, 3 de dezembro de 2001. |