RELATÓRIO Nº 57/02[1]
CASO 11.382
MÉRITO
FAZENDA LA EXACTA
GUATEMALA
21 de outubro de 2002

1.       Os peticionários no  presente caso (doravante denominados o Centro para a Ação nos  Direitos Humanos) alegam que o Estado guatemalense violou os direitos humanos dos  trabalhadores da  fazenda La Exacta (mencionada também no  expediente como fazenda El Ceibal ou fazenda San Juan do Horizonte), em Coatepeque, Quetzaltenango, quando as forças de polícia guatemaltecas, empregando uso excessivo da força, entraram na  fazenda no dia 24 de agosto de 1994, deixando um saldo de três trabalhadores mortos e onze gravemente feridos. Os peticionários afirmam que o Estado cometeu outras violações ao não oferecer acesso à justiça e proteção judicial para os trabalhadores da  fazenda La Exacta, em relação aos eventos ocorridos em 24 de agosto de 1994 e a outras demandas dos  trabalhadores baseadas na legislação guatemalteca. Ao analisar exclusivamente estas demandas, a Comissão conclui que o Estado da Guatemala violou os artigos 1, 4, 5, 8, 16, 19 e 25 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "a Convenção").

I.        ANTECEDENTES

A.      Alegações dos  peticionários

2.       Segundo os peticionários, os trabalhadores da  fazenda La Exacta começaram a organizar-se, no início de 1994, com a ajuda dos  dirigentes sindicais da  União Sindical de Trabalhadores de Guatemala ("UNSITRAGUA”) a fim de protestar contra as condições em que trabalhavam. Não houve reação dos  tribunais especializados na área trabalhista da Guatemala nem da  administração da fazenda, e os trabalhadores ocuparam a fazenda em 17 de julho de 1994.

3.       Em 24 de agosto de 1994, agentes das forças de segurança da Guatemala entraram na fazenda  e fizeram uso excessivo de força contra os trabalhadores ocupantes. Segundo os peticionários, os agentes entraram à força na  fazenda com um trator e começaram a disparar suas armas e lançar bombas de gás lacrimogêneo sem provocação. O conflito resultou em três trabalhadores mortos e onze feridos.

4.       Os peticionários argumentam que o Governo da Guatemala omitiu investigar devidamente esses fatos e sancionar os responsáveis. Também alega que o Governo da Guatemala incorreu em denegação de justiça ao  não proporcionar aos trabalhadores um devido processo legal, a possibilidade de serem ouvidos e adequados recursos judiciais em relação as suas reclamações trabalhistas.

B.       Posição do Governo

5.       O Governo da Guatemala alegou que a denúncia dos  peticionários não é admissível porque não foram esgotados os recursos internos. O Governo defende  que está levando a cabo uma adequada investigação, a qual não foi concluida.

6.       O Governo apresentou argumentos no sentido de refutar as alegações dos   peticionários com respeito ao uso excessivo da força por parte dos  agentes policiais em 24 de agosto de 1994. A este respeito, o Governo argumenta que as forças policiais entraram com ordem judicial e que os ocupantes da  fazenda possuiam armas.

C.      Trâmite do caso

7.       Em 8 de setembro de 1994, os peticionários apresentaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (a "Comissão") uma solicitação de medidas cautelares e solicitaram que fosse aberto o caso baseado nos  fatos ocorridos em 24 de agosto de 1994 na  fazenda La Exacta.  Em 9 de setembro de 1994, conforme o artigo 34 do seu Regulamento, a  Comissão abriu o caso 11.382 e remeteu ao Governo de Guatemala as partes pertinentes da  denúncia recebida solicitando-lhe que enviasse a informação que considerara apropriada  dentro de um prazo de 90 dias.

8.       Em 19 de setembro de 1994, a Comissão solicitou ao Governo da Guatemala que adotasse medidas cautelares, conforme o artigo 29 do Regulamento da  Comissão, para proteger a vida e a segurança de 12 pessoas envolvidas nos  fatos da  fazenda La Exacta. Ao mesmo tempo, a Comissão convocou uma audiência no  caso, para o dia 23 de setembro de 1994.

9.       A audiência foi realizada durante o  87° período de sessões da  Comissão, na qual participaram ambas as partes. Nessa ocasião, os peticionários apresentaram uma denúncia formal na qual repetiram a informação contida na  solicitação original de medidas cautelares.

10.     A Comissão anunciou durante a audiência que se colocava à disposição das partes para chegar a um acordo amistoso. Os peticionários indicaram que aceitavam a oferta da Comissão. Depois da audiência, a Comissão enviou uma carta ao Governo reiterando sua oferta de por-se à disposição das partes para negociar um acordo amistoso, mas o Governo não respondeu a essa comunicação.

11.     Em 28 de setembro de 1994, o Governo remeteu sua resposta à solicitação da  Comissão sobre a adoção de medidas cautelares. Essa resposta foi encaminhada aos peticionários em 5 de outubro de 1994.

12.     Em 17 de novembro de 1994, a Comissão recebeu a resposta do Governo, a qual foi transmitida aos peticionários em 21 de novembro de 1994.

13.     Em 6 de setembro de 1995, foi celebrada uma segunda audiência sobre o caso durante o 90° período de sessões da  Comissão. Nessa ocasião os peticionários apresentaram vários documentos, os quais foram remetidos ao Governo em 7 de setembro de 1995. Em 27 de setembro de 1995 a Comissão recebeu uma declaração amicus curiae relacionada ao caso.

14.     Em 4 de dezembro de 1995, a Comissão encaminhou comunicações ao Governo e aos peticionários, colocando-se mais uma vez à disposição das partes para iniciar uma negociação tendente a um acordo amistoso. A Comissão solicitou que as partes respondessem dentro de um prazo de 30 dias.

15.     Os peticionários apresentaram sua réplica no  caso em 14 de dezembro de 1994, em inglês. Em 22 de dezembro de 1995 os peticionários apresentaram sua réplica em espanhol, incluindo os argumentos formulados na sua réplica original em inglês, bem como informação atualizada sobre o caso. A réplica dos  peticionários foi remetida ao Governo em 29 de dezembro de 1995.

16.     Em 23 de janeiro de 1996, o Governo respondeu à comunicação da  Comissão referente a uma solução amistosa. O Governo informou à Comissão que não considerava   apropiado debater um acordo amistoso, porque as investigações e procedimentos internos do caso não havaim concluido. O Governo proporcionou também à Comissão informação atualizada sobre o estado da  investigação. A Comissão trasmitiu esse relatório do Governo aos peticionários em 24 de janeiro de 1996.

17.     Em 16 de fevereiro de 1996, a Comissão recebeu uma resposta do Governo à réplica dos  peticionários. Essa resposta foi remetida aos peticionários em 29 de fevereiro de 1996.

18.     Mediante carta datada de 21 de agosto de 1996, a Comissão solicitou ao Governo, conforme o artigo 48.1 da  Convenção, documentos que considerou  necessários para Ievar a cabo a análise do caso. Em 10 de outubro, o Governo enviou à Comissão una comunicação juntamente com todos os documentos solicitados.

II.       ANÁLISE

A.      Admissibilidade

1.       Requisitos formais de admissibilidade

19.     A denúncia cumpre com os requisitos formais de admissibilidade contidos na  Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no  Regulamento da  Comissão. Conforme o artigo 47(b) da  Convenção Americana, (doravante denominada "a Convenção"), a Comissão é competente para examinar o caso, visto que nela se aduzem fatos tendentes a demostrar uma violação de direitos e liberdades protegidos pela  Convenção. Quanto aos artigos 46(1)(c) e 47(d) da  Convenção, respectivamente, a Comissão não recebeu  informação que indique que o tema da  denúncia esteja pendente de resolução em outro procedimento internacional ou que reproduza um denúncia anteriormente investigada pela  Comissão.

2.       Solução amistosa

20.     De acordo com o artigo 48(1)(f) da  Convenção, a Comissão colocou-se à  disposição das partes a fim de chegar a uma solução amistosa. O Governo da Guatemala comunicou à Comissão sua decisão de não participar numa negociação tendente a um acordo amistoso.

3.       Esgotamento dos  recursos internos

21.     Conforme o artigo 46(2) da  Convenção Americana, o requisito do esgotamento dos  recursos internos que aparece no  artigo 46(1)(a) não é aplicável a este caso. O artigo 46(1)(a) exige " o esgotamento prévio dos  recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos".

22.     Não obstante, o artigo 46(2)(b) da Convençaõ estabelece que não se requer o esgotamento dos recursos internos quando "não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los ". Conforme o artigo 46(2)(c), o requisito do esgotamento não é aplicável quando "houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos". A Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "a Corte") pronunciou-se sobre estes princípios, deixando claro que para invocar o requisito do esgotamento dos  recursos internos a fim de descartar a jurisdição do sistema interamericano, o Governo deve demostrar não somente que existe um recurso interno adequado, mas que este é "eficaz".[2]

a.       Esgotamento dos  recursos internos quanto a denúncia de falta de proteção judicial para os reclamações trabalhistas dos  trabalhadores

23.     A Comissão adverte que o aspecto fundamental da  denúncia referente a omissão de proteção judicial em relação às reclamações trabalhistas dos  trabalhadores da  fazenda La Exacta baseia-se na  asseveração de que não foi oferecido aos trabalhadores o direito ao devido processo legal nem a oportunidade de serem ouvidos para a resolução de suas reclamações, e que os tribunais de trabalho de Guatemala incorreram em demoras excessivas e injustificadas no trâmite dessas reclamações. Essas afirmações, além de constituir uma denúncia por violações da  Convenção, ensejam o fato de que os peticionários estavam isentos de preencher o requisito de esgotamento dos  recursos internos neste assunto.[3]

24.     O Governo limitou seu argumento sobre o tema do esgotamento dos  recursos internos relacionado à denegação de justiça e referente as reclamações trabalhistas a afirmação de que os trabalhadores e seus dirigentes sindicais estavam tramitando suas reclamações perante os tribunais do trabalho. O Governo não assumiu sua  carga processual de demostrar que os recursos que foram invocados para resolver as reclamações trabalhistas são efetivos e se estão sendo aplicados sem demoras não razoáveis, nem que ainda não foram invocados e esgotados os recursos efetivos adicionais.[4] Portanto, a Comissão considera que os peticionários estão isentos  do requisito do esgotamento dos  recursos internos quanto as suas  denúncias referentes à falta de proteção judicial para as reclamações trabalhistas dos  trabalhadores. A Comissão analisará o fundamento das denúncias referentes à falta de proteção judicial para essas reclamações na  etapa relacionada ao mérito do caso.

b.       Esgotamento dos  recursos internos quanto as violações supostamente ocorridas nos  eventos de 24 de agosto de 1994

25.     Em relação as supostas violações originadas nos fatos ocorridos em 24 de agosto de 1994, a Comissão considera também que os peticionários estão isentos do cumprimento do requisito de esgotamento dos  recursos internos. O Governo defendeu que a existência de procedimentos penais em trâmite quanto a esses fatos impede a Comissão de assumir a competência neste caso.

26.     Entretanto, a Comissão conclui que ocorreu uma demora injustificada na ação penal aberta devido aos fatos violentos ocorridos em 24 de agosto de 1994. Esse procedimento deveria ter sido o mecanismo adequado para investigar os incidentes, determinar quem são os responsáveis e impor sanções conforme o caso.

27.     Não obstante, transcorreram mais de dois anos desde que ocorreram os  fatos violentos sem que se tenha formulado nenhuma acusação formal no processo, o qual permanece  na  etapa de inquérito e investigação. O Código Processual Penal da Guatemala estabelece que normalmente o procedimento preliminar dura seis meses uma vez identificados os acusados.[5] Todavia, neste caso, o Ministério Público solicitou prorrogações de prazos para a etapa preparatoria em quatro diferentes ocasiões.

28.     A Comissão considera também que não foi demostrado que o procedimento penal referente aos fatos ocorridos em 24 de agosto de 1994 constitua um recurso efetivo e tramitado de forma adequada. Pelo  contrário, foi demostrado que esse procedimento foi inadequado e ineficaz. Consequentemente, na prática, as vítimas dos  fatos ocorridos em  24 de agosto de 1994 não tiveram acesso aos recursos previstos na  legislação nacional.

29.     Após a ação policial de 24 de agosto de 1994, ficou claro que não seria realizada uma investigação e julgamento imparcial do caso. Altas autoridades desculparam-se de imediato pela operação das unidades policiais guatemaltecas antes de que fosse possível  conhecer plenamente os fatos e sem ordenar uma investigação.

30.     Apenas dois dias depois do incidente, o então Presidente Ramiro de León Carpio afirmou que o despejo forçado dos  trabalhadores era uma medida legal justificada pela  necessidade de proteger o direito de propriedade num regime de direito.[6] No dia seguinte, o Procurador Geral da  Nação, Ramses Cuestas Gómez, afirmou que os policiais não invadiram a fazenda "em condições repressivas ou ilegais". Indicou que era provável  que as forças de segurança privadas, e não as forças policiais do Governo, tivessem sido responsáveis pela  violencia ocurrida.[7]

31.     A falta de disposição da polícia para colaborar numa investigação a qual poderia conduzir à determinação judicial de responsabilidades pelos  fatos de violência resultou ainda mais clara. Pouco depois da  conflito, o Diretor da  Polícia Nacional, Salvador Figueroa, rejeitou de pIano todas as acusações referentes a irregularidades ou responsabilidade policial. Alegou que aqueles que criticavam as medidas tomadas pela Polícia na  fazenda La Exacta pertenciam a "grupos desestabilizadores" da Guatemala.[8] Mais tarde disse expressamente que a Polícia não realizaría uma investigação das medidas policiais adotadas na  fazenda La Exacta.[9]

32.     Como resultado da atitude abertamente manifestada pelas altas autoridades governamentais, ficou claro, pouco depois de ocorridos os fatos em questão, e inclusive antes de que a Comissão abrisse o caso 11.382, em 9 de setembro de 1994, que não era provável  que as vítimas obtivessem acesso a um recurso interno efetivo. As investigações posteriores e o trâmite do caso penal interno emergente dos  fatos de 24 de agosto de 1994 demostraram ainda mais a ineficácia dos  recursos internos.

33.     O Ministério Público e os tribunais demoraram consideravelmente, ou simplesmente omitiram, na tomada de depoimentos de testemunhas chaves e na coleta de  provas. A Missão das Nações Unidas de Verificação dos Direitos Humanos na Guatemala ("MINUGUA ") assinalou os problemas referentes ao trâmite em vários relatórios. No seu segundo relatório, o Diretor de MINUGUA afirmou que "ao final de oito meses, a investigação não havia avançado em nenhuma medida devido a inação da  Procuradoria Geral da  Nação, que sem justificação alguma, omitiu em realizar investigações básicas".[10] O  terceiro relatório de MINUGUA estabeleceu que o caso não havia avançado devido à inação da Promotoria Geral da  Nação e as diligências dilatórias do tribunal encarregado do caso.[11]

34.     O Governo assinalou que esses relatórios de MINUGUA, por serem mais  antigos, não refletem a atividade processual mais recente do Ministério Público, destinada a avançar a investigação do caso. Segundo o Governo e os peticionários, a partir de novembro de 1995, as investigações foram reativadas e convocadas testemunhas importantes.[12] Todavia, essas novas medidas indagatórias foram realizadas depois de mais de um ano desde que os  fatos ocorreram em 24 de agosto de 1994, e muitos procedimentos indagatórios importantes ainda não foram celebrados. Não há indícios de que será realizada num  futuro próximo uma investigação judicial completa e adequada.

B.       Sobre o mérito do  assunto - Fatos comprovados e conclusões de direito

1.       Direito à vida e direito ao respeito à integridade pessoal

a.       Uso excessivo da força  

35.     Surge do expediente deste caso que, em 24 de agosto de 1994, cerca de 215 agentes da  Polícia Nacional, com o apoio de pelo menos dois helicópteros, realizaram uma na incursão na  fazenda La Exacta, utilizando gás lacrimogêneo e armas de fogo contra os trabalhadores que a tinham ocupado. O emprego dessa força provocou a morte  de Efraín Recinos Gómez, Basilio Guzmán Juárez e Diego Orozco e graves lesões em onze pessoas: Pedro Carreto Loayes, Efraín Guzmán Lucero, Ignacio Carreto Loayes, Daniel Pérez Guzmán, Marcelino López, José Juárez Quinil, Hugo René Jiménez López, Luciano Lorenzo Pérez, Felix Orozco Huinil, Pedro García Guzmán e Genaro López Rodas, além de por em perigo todo o grupo de trabalhadores ocupantes e suas famílias, que sofreram o ataque. A Comissão passa a analisar se a força empregada foi excessiva e portanto violatória da  Convenção.

36.     Diversos observadores na Guatemala concluiram  imediatamente depois dos  acontecimentos que a força empregada pelas forças de segurança foi excessiva. Os Bispos de Quetzaltenango emitiram uma declaração, pouco depois da invasão, assinalando que a incursão "foi caracterizada pelo uso irracional da  força que beirou a brutalidade e a selvageria".[13] O Procurador de Direitos Humanos da Guatemala, Dr. Jorge Mario García La Guardia, após realizar uma minuciosa investigação dos  fatos, chegou a conclusão similar. Funcionários da  Procuradoria de Direitos Humanos visitaram, no mesmo dia dos eventos, a fazenda La Exacta e o hospital onde encontravam-se várias das pessoas feridas, a fim de colher provas. Também entrevistaram testemunhas e examinaram a documentação pertinente. A conclusão final do relatório do Procurador de Direitos Humanos emitido depois destas investigações extensivas era que os agentes policiais haviam levado a cabo um "uso excessivo e desnecessário da  força".[14]

37.     O Governo ressaltou que os agentes policiais que realizaram a incursão na  fazenda La Exacta levaram consigo várias ordens de detenção, emitidas contra 111 trabalhadores. O Governo enfatizou o fato de que os trabalhadores que ocupavam  a fazenda haviam sido acusados perante os tribunais dos  delitos de usurpação e coação. O Governo defende que a ação policial era necessária para proteger a propriedade privada dos  proprietários da fazenda.

38.     A Comissão não deve determinar –nem se propõe a fazê-lo – se os ocupantes da  fazenda cometeram um ou mais delitos que justificassem a emissão de ordens de detenção.[15] Ainda que se tenha cometido um delito e estivesse em perigo a propriedade privada, os agentes de segurança pública teriam que realizar detenções e castigar conforme a lei e o devido processo e respeitar os direitos humanos garantidos na  Convenção. Os agentes policiais não podem atuar de forma discricionária ilimitada quando realizam suas funções de fazer cumprir a lei.

39.     A jurisprudência da  Corte deixa claro que os agentes do Estado têm o direito e a responsabilidade de fazer cumprir a lei e manter a ordem ainda que ocorram, em alguns casos, mortes ou lesões corporais.[16] Não obstante, a Corte entendeu também que a força utilizada não deve ser excessiva.[17] Quando se usa força excessiva, não se respeita a integridade pessoal, e toda privação da  vida resultante deste ato é arbitrária.[18] A questão que a Comissão defronta consiste, portanto, em determinar se os agentes policiais que penetraram na  fazenda para cumprir as ordens de detenção fizeram uso excessivo de força, que a sua vez, deu lugar a violações da  Convenção. A Comissão conclui que neste caso ocorreu o uso excessivo da  força.

40.     Conforme os padrões internacionais elaborados referentes ao uso da  força por parte dos  agentes de segurança pública para cumprir sua função, essa atividade deve ser necessária e proporcional às necessidades da  situação e ao objetivo que trata de alcançar.[19] O Código de Conduta para Oficiais de Segurança Pública das Nações Unidas dispõe expressamente que "o uso de armas de fogo é considerado uma medida extrema".[20]

41.     A possibilidade de que os trabalhadores ocupantes tivessem cometido um delito contra a propriedade, e a existência de ordens de detenção contra eles não poderiam  justificar, por si mesmas, o uso de força letal, incluindo o uso de armas de fogo. Os delitos pelos quais foram emitidas as ordens de detenção não incluem necessariamente o elemento violência.[21] Tampouco a denúncia de carácter penal que deu origem ao processo judicial, através da qual foram emitidas as ordens de detenção, aduz fatos que implicam atos de violência.[22] O uso de força letal meramente para cumprir ordens de detenção é desnecessário e desproporcionado.

42.     A Comissão observa novamente oa acordos internacionais prevêem que as armas de fogo não devem ser usadas contra as pessoas, salvo quando exista perigo para a vida:

Os agentes de segurança pública não devem usar armas de fogo contra as pessoas, salvo em caso de legítima defensa própria ou de terceiros frente a um perigo  iminente de morte ou lesões graves, para impedir a perpetração de um delito especialmente grave que implique em perigo para a vida, a fim de deter uma pessoa que suscite um perigo desse gênero e resista à  autoridade, ou para impedir sua fuga.[23]

43.     O Governo não proporcionou provas que indiquem que os agentes policiais tiveram motivos para crer que suas vidas, ou das de terceiros, estiveram em perigo. A força letal que utilizaram incluindo o uso de armas de fogo, era, portanto, desproporcionada em relação ao perigo existente.

44.     O Governo argumenta que as pessoas que ocuparam a fazenda estavam em poder de armas letais. O Governo cita como prova o fato de que certas armas, como armas de fogo  e bombas, que supostamente encontravam-se sob o controle dos  ocupantes da fazenda, foram entregues aos tribunais no dia da  incursão.

45.     A Comissão conclui que, apesar destas provas, o expediente não demonstra que os ocupantes possuiam esses tipos de armas. Primeiramente, nenhuma das pessoas, cerca de 40, que foram detidas na incursão, tinha armas em seu poder.

46.     Segundo, várias das pessoas que foram detidas depois da incursão de 24 de agosto de 1994, declararam que os ocupantes não tinham outras armas que paus e pedras.[24] Uma dessas  testemunhas oculares declarou que viu que agentes policiais abriram um escritório da  fazenda e tomaram as armas que depois foram entregues aos tribunais.[25] Outra testemunha alegou também que as armas haviam sido introduzidas de forma encoberta pela  polícia.[26]

47.     O depoimemento dessas testemunhas referente à ausencia de armas está corroborado por observadores externos da  zona que chegaram ao lugar dos eventos imediatamente depois da  incursão. Os Bispos de Ouetzaltenango emitiram  uma declaração na qual afirmaram que os ocupantes da fazenda não tinham armas.[27]

48.     Ademais, o Presidente da Guatemala, Ramiro de León Carpio, reconheceu  publicamente que havia cometido um erro em sua declaração original, após o  incidente, segundo a qual os ocupantes tinham em seu poder armas e explosivos.[28]

49.     A versão dos  fatos contida no relatório policial original referente ao incidente de 24 de agosto de 1994, indica que os ocupantes da  fazenda atacaram as forças policiais com  armas letais. Segundo essa versão, um grupo de ocupantes, formado exclusivamente por homens, atacou as forças policiais com armas de grosso calibre e bombas, o que representaria um considerável perigo para a vida dos  agentes policiais.

50.     Dado que a Comissão rejeitou o argumento de que os ocupantes possuiam armas letais, tais como armas e  bombas, deve rejeitar  também esta primeira versão oficial dos  aconteciementos.  Esta versão dos  fatos também foi rejeitada de forma quase unânime por atores governamentais e não governamentais .[29] Também é improvável que o  fato de que os artigos jornalísticos dos fatos assinalem que embora três policiais tenham sido feridos durante os fatos de 24 de agosto de 1994, nenhum deles foi atingido  por armas de fogo  ou explosivos.[30] O Governo nunca tentou apresentar a Comissão, como fato, o relato que aparece no  relatório policial.

51.     O Governo não apresentou outra prova que indique que houve perigo a vida que pudesse ensejar uma reação, por parte das forças policiais, que incluisse o uso de armas de fogo e outra força letal. O Governo assinalou que o Procurador de Direitos Humanos da Guatemala recebeu várias denúncias, nos primeiros dias de agosto de 1994, em que se afirmava que vários trabalhadores da  fazenda eram mantidos em cativeiro pelos  trabalhadores ocupantes. Contudo, essas denúncias não demonstram e o Governo nunca alegou, que as vidas dessas pessoas corriam perigo, nem que a força extrema usada pela  polícia foi empregada para  impedir danos a essas pessoas.[31]

52.     A Comissão considera como a versão mais verossímel dos  fatos aquela que  indica que em 24 de agosto de 1994 as forças policiais chegaram a fazenda com ordens de detenção e trataram de negociar com os ocupantes em um dos portões da fazenda, durante aproximadamente uma ou duas horas. Quando os trabalhadores ocupantes recusaram-se  a abandonar a fazenda, as forças policiais a invadiram usando um trator Caterpillar para forçar o caminho até a zona interior. Uma vez que abritam caminho em direção ao lugar que estavam  concentrada a maior parte dos  ocupantes, os rodearam e començaram a atacá-los con armas de fogo  e com o apoio aéreo de dois helicópteros. O relatório do Procurador de Direitos Humanos da Guatemala, o depoimento de testemunhas oculares, e os relatórios do próprio  Governo confirmam esta versão dos  fatos.[32]

53.     Essa sequência de fatos demonstra que os agentes de segurança pública que participaram da  incursão de 24 de agosto de 1994 não comprovaram, antes de atacar os trabalhadores ocupantes, que era necessário usar força extrema. Segundo os padrões internacionais sobre o uso excessivo de força, os agentes de segurança pública "podem usar a força e armas de fogo  somente se outros meios resultam ineficazes ou sem possibilidade alguma de atingir o resultado desejado".[33]

54.     No presente caso, as forças policiais negociaram com os ocupantes somente  durante algumas horas antes de empreender uma incursão violenta. Nesse período, os agentes policiais não poderiam saber se era impossível  cumprir as ordens de detenção sem recorrer ao uso de força extrema, incluindo o uso de armas de fogo. O agentes policiais poderiam ter esperado mais tempo para ver se as pessoas as quais se referiam as ordens de detenção se entregariam ou sairiam da  fazenda de modo que pudessem ser detidas. Essa omissão prova que os agentes policiais não postergaram o uso da  força até que resultara evidente que outros meios de alcançar seu objetivo seriam ineficazes.

55.     A maneira em que os agentes policiais procederam ao entrar na  fazenda  e  atacar os ocupantes prova ademais que a força usada não foi proporcionada nem  estritamente necessária para alcançar o objetivo de cumprir as ordens de detenção. O uso, por parte das forças de segurança pública, de um trator e apoio aéreo bem como armamento pesado para rodear aos ocupantes e logo abrir fogo  contra eles, prova que a operação se assemelhou  muito mais a um ataque e a um esforço destinado ao despejo compulsivo das famílias ocupantes que a detenção das pessoas referidas nas ordens de detenção. Do expediente não surge que as autoridades judiciais tivessem autorizado um despejo compulsivo. Pelo  contrário, as ordens que tinha a polícia quando levou a cabo a incursão dispunham, específica e exclusivamente, a "detenção" de determinados indivíduos.[34] Como o despejo não era um objetivo legítimo das forças de segurança pública, a força usada para alcançá-lo foi estritamente necessária.

56.     A Comissão considera importante assinalar com respeito ao emprego de força excessiva pelas forças policiais, que havia crianças entre os trabalhadores ocupantes que foram  atacados. O Código de Conduta para Oficiais de Segurança Pública das Nações Unidas dispõe expressamente que devem ser realizados esforços especiais para evitar o uso de armas de fogo  contra crianças.[35] No presente caso, as forças policiais atacaram os ocupantes usando armas de fogo e outras armas sem adotar nenhuma  medida especial para proteger as crianças.

57.     Finalmente, a Comissão assinala que o expediente deste caso contém o plano de ação que as forças policiais prepararam antes dos  fatos de 24 de agosto de 1994 (doravante denominado o "Plano Montanha").[36] A Corte Européia de Direitos Humanos estabeleceu que um plano para uma operação de segurança pública pode não oferecer  proteção adequada contra o uso de força excessiva e, portanto, pode criar uma situação em que seja provável o uso de força excessiva. O plano constitui, assim, um importante indicador para verificar se foi ou não utilizada força excessiva depois de realizada a operação de segurança pública.[37] A Comissão estima que essas considerações são igualmente aplicáveis  ao presente caso no  sistema interamericano.

58.     No  plano policial preparado no  presente caso foi previsto o uso de força mas não foram previstas suficientes garantias relativas à proporcionalidade e a necessidade da  força utilizada. Posteriormente, o Plano Montanha foi realizado com o uso de força excessiva.

59.     O plano prevê o "despejo" dos  "invasores", e começa explicando que os ocupantes provocariam uma confrontação com as forças de segurança pública estatais. O plano denomina "forças inimigas" os trabalhadores organizados na fazenda e menciona também a "líderes políticos desestabilizadores" e "grupos subversivos" como outras possíveis  "forças inimigas" que poderiam apresentar-se para apoiar os ocupantes.

60.     O plano contém uma lista de "suposições"; entre elas figura a de que os ocupantes possuiam armas, que elaboraram bombas para advertir a presença policial, e que colocaram minas terrestres na  zona ocupada.

61.     A linguagem extremamente forte usada no  plano, e as suposições formuladas, previam em cenário que requeria que as forças policiais atuassem com força extrema. Não obstante, nem o plano nem nenhum outro documento dos autos indica que alguma investigação policial ou outra informação referente à situação na fazenda La Exacta respaldasse as suposições elaborados pelas forças policiais. Portanto, o plano incitava ao uso de força desnecessária e desproporcionada.

62.     Em sua contestação de 16 de fevereiro de 1996, o Governo reconheceu que o fundamento das suposições do plano consistia na  experiência que a Polícia havia adquirido ao realizar despejos em outras fazendas em circunstâncias similares. Contudo, as forças policiais não puderam atuar com base na informação geral para estabelecer um plano que requeresse o uso de força extrema num caso individual. A análise realizada pelas forças de segurança pública sobre a necessidade e o tipo de força que deveria ser usada deve ter vinculação estreita com fatos concretos, para garantir o cumprimento dos  princípios de proporcionalidade e necessidade em cada caso.

63.     A Comissão assinala que não surge da análise do expediente que um despejo  compulsivo fosse o objetivo de segurança pública legítimo neste caso. Portanto, um plano baseado em experiências anteriores de despejos  compulsivos conduziria necessariamente a um tipo e nível de força mais extremo que o necessário neste caso, que se referia somente ao cumprimento de ordens de detenção.

64.     O nível de força previsto conforme o plano era excessivo, pois previa  o uso de agentes de várias unidades policiais diferentes, incluindo as Forças de Reação Imediata e  o  Quinto Corpo de Polícia (a polícia antimotim). Mais de 200 agentes policiais foram designados para a operação, sendo que esta cifra está relacionada com as 111 ordens de detenção  que deveriam ser cumpridas, embora não surga no expediente que todas essas 111 pessoas estivessem na fazenda. Os agentes policiais deveriam ser transportados em seis ônibus e quatro caminhões. O plano previa  também o uso de um helicóptero e um trator. Os agentes policiais deveriam levar gás lacrimogêneo, pistolas e fusis. A Comissão considera que esse nível de força era desproporcionado e desnecessário para levar a cabo o objetivo de executar as ordens de detenção  pendentes.

65.     A Comissão conclui que o plano não estabeleceu de modo algum garantias adequadas para evitar o uso excessivo da  força. Num plano de 16 páginas referente a uma operação con armas pesadas somente está inclusa uma breve menção, na  página 14, a necessidade de limitar a força a ser aplicada. A Instrução Nº 11 dispõe que "fica terminantemente proibido o uso das armas de fogo  salvo em caso de legítima defesa". Embora o plano reconhece que poderiam estar presentes crianças no momento da incursão, não prevê medidas para sua proteção para o caso em que fosse necessário usar a força. A Comissão considera que o tipo de força que foi empregada conjuntamente com a omissão de indicar suficientemente as forças policiais que deveriam  limitar a força a ser aplicada fez com que fosse  inevitável o uso de força excessiva.

66.     O Governo enviou a Comissão uma cópia do Plano Montanha que difere do plano analisado pela  Comissão.[38] Esta segunda versão do plano, enviada ao Ministério Público pela  Polícia Nacional em 5 de janeiro de 1995, não utiliza a mesma linguagem do plano examinado pela  Comissão. Por exemplo, esta versão diz "possíveis  opositores" em lugar de "forças inimigas" e não menciona nesta categoria os líderes sindicais e grupos subversivos. Tampouco faz menção de um despejo e põe maior ênfase no controle do uso das armas pelos policiais.

67.     Entretanto, o documento que consta do expediente e que contém o Plano Montanha original analisado pela Comissão,  indica claramente que este plano foi efetivamente  enviado as unidades de polícia envolvidas na  incursão e que estas o receberam antes de ocorrer a operação. Por conseguinte, a cópia do Plano Montanha encaminhada pelo  Governo não leva  esta Comissão a concluir que a segunda versão, mais aceitável, foi distribuida e executada. Pelo  contrário, a Comissão deve concluir que os agentes do Governo reconheceram a natureza comprometedora do plano original e por isso enviaram uma versão modificada do mesmo para uso na  investigação penal do caso.

68.     Com base na análise precedente, a Comissão conclui que as forças de polícia guatemaltecas utilizaram força excessiva em 24 de agosto de 1994, e com isso  privaram arbitrariamente do direito à vida  Efraín Recinos Gómez, Basilio Guzmán Juárez e Diego Orozco, violando assim o artigo 4(1) da  Convenção. Os agentes do Governo responsáveis  pelo uso excessivo de força também violaram o artigo 5(1), que protege o direito à integridade física, psíquica e moral, em relação ao grupo de pessoas ocupantes que foram atacadas e, em particular, aquelas onze pessoas que foram gravemente feridas.


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[1] A membro da Comissão Marta Altolaguirre, de nacionalidade guatemalteca, não participou da  discussão e votação do presente relatório, em cumprimento do artigo 17(2)(a) do novo Regulamento da  Comissão, que entrou em vigor em 1º de maio de 2001.

[2] Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988. Serie C Nº 4, parágrafo 66.

[3] Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Objeções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Série C Nº 1, parágrafo 91.

[4] Ver íd., parágrafo 88.

[5] Ver Código Processual Penal da Guatemala, artigo 323.

[6] Ver "Presidente justifica uso de força em despejo", Siglo Veintiuno, 26 de agosto de 1994.

[7] "Ramses Cuestas: Morte e violência não ficarão impunes", La República, 27 de agosto de 1994.

[8] "Figueroa: Afetados os Direitos Humanos", Siglo Veintiuno, 1º de setembro de 1994.

[9] Ver "El Ceibal: Diretor de PN contradiz o Presidente sobre relatório oficial", Siglo Veintiuno, 5 de setembro de 1994.

[10] Segundo Relatório do Diretor de MINUGUA, parágrafo 67.

[11] Ver Terceiro Relatório do Diretor de MINUGUA, parágrafo 65.

[12] O quarto relatório de MINUGUA assinala  que um novo promotor ajudou a reativar a investigação. Ver Quarto Relatório do Diretor de MINUGUA, parágrafo 43(f).

[13] Declaração da  Diocese dos  Altos- Quetzaltenango, 29 de agosto de 1994. O texto das partes pertinentes desta declaração está transcirta a seguir:

Às onze horas, sem  provocação alguma ou motivo aparente por parte dos  trabalhadores, chegaram ao portão da fazenda os agentes policiais de antimotim, destruiram a porta com um trator, e começaram  a disparar contra os  trabalhadores e lançar bombas lacrimogêneas.

Durante o operativo alguns agentes resultaram feridos e foi visto sobrevoar a altitude muito baixa os três helicópteros, que orientavam os agentes da  polícia e os incitava a "arrematar" os trabalhadores. Pessoas que testemunharam o fato manifestaram que o operativo foi caracterizado pelo uso irracional da  força que beirou a  brutalidade e selvageria.

Por esta razão  EXIGIMOS:

1.         Aos organismos estatais e funcionários públicos, que nas suas intervenções públicas façam uso de informações verazes, não manipuladas, nem parciais;

2.         Que determinem as responsabilidades de lei, pelo  excesso de violência e abuso de autoridade do grupo de agentes do pelotão de antimotim e seja iniciada por parte do Ministério Publico, a investigação correspondente pelo  delito de Assassinato;

3.         O Ministério de Trabalho, para que através da Inspeção Geral, investigue o descumprimento da  parte patronal, o pagamento do salario mínimo dos  trabalhadores da  fazenda San Juan El Horizonte e demais prestações de lei aplicando drasticamente as sanções que correspondam.

4.         Aos patrões o respeito pela livre organização dos  trabalhadores do campo e o  cumprimento das obrigações trabalhistas.

[14] Relatório do Procurador de Direitos Humanos da Guatemala, 6 de setembro de 1994, p. 4.

[15] A Comissão tampouco de analisar as afirmações dos  peticionários que insistem em que a ocupação, ainda que fosse ilegal, estava justificada pelo  fato de que nem os propietários da  fazenda  nem os tribunais da Guatemala respoderam de forma oportuna a seus problemas trabalhistas. A Comissão afirma expressamente que a análise que faz neste Relatório não deve ser interpretada, de nenhuma maneira, como aprovação da  ocupação de fazendas. A Comissão analisará a reação dos  tribunais da Guatemala frente as reclamações trabalhistas dos  trabalhadores da  fazenda  em sua análise referente aos artigos 8 e 25 da  Convenção.

[16] Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Neira Alegría e outros, Sentença de 19 de julho de 1995, parágrafo 61; Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafos 54, 74. Diferentemente da  Convenção Européia de Direitos Humanos, a Convenção Americana não permite expressamente o uso de força necessária, inclusive a que da lugar a mortes, para controlar o delito e a violência. Ver Convenção Européia de Direitos Humanos, artigo 2. Não obstante, a jurisprudência da  Convenção Americana parece estabelecer um marco similar ao que aparece na  Convenção Européia. Os agentes do Estado devem respeitar a vida e a integridade pessoal das pessoas e não podem privar a ninguém arbitrariamente da  vida. Contudo, os policiais podem fazer uso da força inclusive para privar a  vida ou lesar a  integridade corporal de indvíduos a fim de alcançar objetivos legítimos, na  medida em que a força usada não seja excessiva.

[17] Ver Neira Alegria e outros, Sentença de 19 de janeiro de 1995, parágrafos 74- 75.

[18] Ver. D.ej., Relatório sobre a Situação dos  Direitos Humanos no Chile, OAS/Ser.L/V/11.66, doc. 17, 27 de setembro de 1985, p. 67-68 (a Comissão qualifica como extrajudiciais as mortes por execução causadas pelo  uso desproporcionado da  força por parte de agentes oficiais para sufocar motins).

[19] Ver Código de Conduta para Oficiais de Segurança Pública adotado pela  Assambléia Geral das Nações Unidas, resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979, artigo 3 [doravante denominado "Código de Conduta"]; Princípios Básicos sobre o Uso da  Força e de Armas de Fogo por parte de Oficiais de Segurança Pública, adotado pelo  Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento dos  Delinquentes, La Habana, Cuba, 27 de agosto a 7 de setembro de 1990, artigos 4-5 [doravante denominado "Princípios Básicos"].

[20] Código de Conduta, artigo 3.

[21] Código Penal de Guatemala, artigos 214, 256.

[22] Ver: Demanda apresentada perante a Procuradoria Geral e o Ministério Público por José Alvaro Blanco Aguirre, 19 de julho de 1994.

[23] Princípios Básicos, artigo 9.

[24] Ver Depoimento de Enrique Guzmán Monzón, 25 de agosto de 1994, p. 3; Depoimento de Ricardo Guzmán Juárez, 25 de agosto de 1994, p. 4; Depoimento de Demetrio Trinidad Delfino González Sánchez, 25 de agosto de 1994, p. 4; Depoimento  de Juan Guzmán Huinil, 25 de agosto de 1994, p. 2.

[25] Ver Depoimento de Enrique Guzmán Monzón, p. 3.

[26] Ver Depoimento de Juan Guzmán Huinil, p.2.

[27] Ver Depoimento  da  Diócese dos  Altos-Ouetzaltenango, 29 de agosto de 1994.

[28] Ver "Presidente reconhece erros em suas declarações sobre caso El Ceibal", Siglo Veintiuno, 31 de agosto de 1994.

[29] Ver "Presidente reconhe erros em suas declarações sobre caso El Ceibal", Siglo Veintiuno, 31 de agosto de 1994; "Governo aceita erro em relatório sobre despejo", Prensa Libre, 31 de agosto de 1994; Depoimento dos  Bispos de Quetzaltenango.

[30] Ver "La Exacta: ODHA podería promover processo contra policiais que atuaram em despejo", Siglo Veintiuno, 30 de agosto de 1994.

[31] Ver: Denúncia apresentada perante o Procurador de Direitos Humanos por José Alvaro Andrés Blanco Aguirre, 1º de agosto de 1994; Denúncia apresentada perante o Procurador de Direitos Humanos por David Alexander Abbott Haim e José Arturo Morales (advogados de José Alvaro Andrés Blanco Aguirre) em nome de Marco Tulio Aguilar, Pedro Soc, Arnulfo Velásquez, Marco Tulio Monge, Abraham Vásquez, Rafael Huinac e Agustín Zamora, 9 de agosto de 1994.

[32] Ver Relatório do Procurador de Direitos Humanos da Guatemala, 6 de setembro de 1994, p. 3-4; Depoimento de Enrique Guzmán Monzón, 25 de agosto de 1994, p. 2; Depoimento de Demetrio Trinidad Delfino González Sánchez, 25 de agosto de 1994, p. 3; Relatório do Governo de 16 de fevereiro de 1996, p. 5; Resposta do Governo de 28 de setembro de 1996, p. 6.

[33] Princípios Básicos, p. 4.

[34] Ver Ordem de apreensão emetida pelo  Segundo Julgado de Primeira Instância de Instrução Penal de Coatepeque, 1º de agosto de 1994; Ordem de apreensão emitida pelo  Julgado de Primeira Instância de Instrução Penal de Coatepeque, 16 de agosto de 1994. As ordens de apreensão específicamente determinavam que as autoridades responsáveis em executar as mesmas encontravam-se obrigadas a garantir que não fosse utilizada força desnecessária.

[35] Ver Código de Conduta, artigo 3, com. c.

[36] Ver Plano de Operações Nº 121-94 "Montanha", preparado pela  Polícia Nacional, 18 de agosto de 1994 [doravante denominado "Plano Montanha"].

[37] Ver Corte Européia de Direitos Humanos, McCann e outros contra Reino Unido, Sentença de 27 de setembro de 1995, Serie A., vol. 324, parágrafos 201, 202 e 205.

[38] Ver: Plano de Operações Nº 121-94 "Montanha", certificado pela  Polícia Nacional e enviado ao Ministério Público, 3 de janeiro de 1995.