RELATÓRIO N° 62/02(**)
CASO 12.285
MÉRITO
MICHAEL DOMINGUES
ESTADOS UNIDOS
22 de outubro de 2002
I.
RESUMO
1. Em 1º
de maio de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante
denominada "a Comissão") recebeu uma petição do Sr. William A. Courson do
Magnus Hirschfield Center for Human Rights contra os Estados Unidos
de América (doravante denominado "o Estado" ou "Estados Unidos"). A
petição foi apresentada em nome do Sr. Michael Domingues, que está recluido
à espera de execução no Estado de Nevada. Em 8 de dezembro de 2000 a
petição foi complementada por uma segunda petição interposta em nome do Sr.
Domingues pelo Sr. Mark Blaskey, Defensor Público do Condado Clark.
Posteriormente foi acordado entre o Sr. Domingues, o Sr. Courson e o Sr.
Blaskey que este último atuaria como único representante do Sr. Domingues no
procedimento perante a Comissão (doravante denominado o "peticionário").
2. O
peticionário afirma que o Sr. Domingues foi condenado e sentenciado a morte
devido a dois homicídios que ocorreram no Estado de Nevada em 1993. O
Sr. Domingues tinha 16 anos quando cometeu estes delitos. O
peticionário afirma, ademais, que em 1º de novembro de 1999, a Suprema Corte
de Estados Unidos negou-se a revisar a decisão da Suprema Corte do Estado de
Nevada permitindo a execução de um condenado pelo delito cometido quando era
menor. Até a data do presente relatório não havia sido fixada a data
para a execução do Sr. Domingues.
3. O
peticionário alega que o Sr. Domingues esgotou os recursos internos e,
portanto, que a petição é admissível. Também alega que ao sentenciar o
Sr. Domingues a morte por delitos cometidos quando era menor, o Estado
violou os artigos I, II, VII e XXVI da Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada "a Declaração
Americana"). Mais particularmente, o peticionário argumenta que os
Estados Unidos violaram o artigo I da Declaração Americana em razão da
norma jus cogens internacional que proibe a execução de delinquentes
menores. O peticionário também alega que o fato de que os Estados
Unidos não tenham impedido a arbitrariedade legislativa sistemática dentro
de alguns Estados da nação com respeito à aplicação da pena de morte a
delinquentes juvenis acarretou uma privação arbitrária da vida e a falta de
igualdade perante a lei, e por esta razão, o Estado violou os artigos I e II
da Declaração. Por último, o peticionário denúncia que a aplicação da
pena de morte contra o Sr. Domingues representaria uma violação dos artigos
VII e XXVI da Declaração.
4. Até a
data do presente relatório, a Comissão não recebeu nenhuma informação nem
observações do Estado em relação à petição do Sr. Domingues.
5. Após
examinar a informação e os argumentos enviados pelas partes, a Comissão
decidiu admitir o caso em relação aos artigos I, II, VII e XXVI da Declaração,
e quanto ao mérito do caso, a Comissão concluiu que o Estado atuou em
violação de uma norma jus cogens internacional ao sentenciar Michael
Domingues à pena de morte por um delito que cometeu quando tinha 16 anos.
Portanto, se o Estado vier a executar o Sr. Domingues em virtude desta
sentença, a Comissão conclui que será responsável por uma grave e
irreparável violação do direito à vida do Sr. Domingues segundo o
artigo I da Declaração Americana.
II.
ATUAÇÕES PERANTE A COMISSÃO
A. Observações das partes
6. Em 30
de maio de 2000 a Comissão decidiu dar início ao trâmite do Caso N° 12.285
relacionado a denúncia do Sr. Domingues e mediante nota da mesma data remeteu
as partes pertinentes da petição apresentada pelo Sr. Courson ao Estado,
solicitando-lhe que enviasse informação que considerara pertinente dentro
de um prazo de 90 dias, conforme o disposto no Regulamento da Comissão.
Em outra nota da mesma data a Comissão informou ao Sr. Courson que a petição
do Sr. Domingues havia sido trasmitida ao Estado.
7. Em 8 de
dezembro de 2000 a Comissão recebeu uma nova petição interposta em nome do
Sr. Domingues pelo Sr. Mark S. Blaskey, Defensor Público do Condado Clark.
Em 11 de janeiro de 2001 a Comissão recebeu uma confirmação escrita do Sr.
Domingues assinalando que era representado pelo Sr. Blaskey e que a petição
de 8 de dezembro de 2000 havia sido interposta com pleno conhecimento,
autorização e consentimento do Sr. Domingues. Este indicou também que
não havia falado com nenhum outro advogado ou organização sobre a
interposição da petição em seu nome e que, no caso de existir algum
conflicto entre as petições, desejava que a Comissão examinasse a petição
apresentada pelo Sr. Blaskey.
8.
Mediante nota de 25 de janeiro de 2001 a Comissão informou ao Sr. Courson
que havia recebido uma segunda petição em nome do Sr. Domingues
conjuntamente com uma declaração escrita deste. Depois de novas
comunicações entre a Comissão, o Sr. Courson e o Sr. Blaskey, em 21 de
fevereiro de 2001 a Comissão recebeu uma carta do Sr. Blaskey declarando que
atuaria como único representante do Sr. Domingues perante a Comissão e que o
Sr. Courson havia concordado com esta solução. Anexa à carta estava
uma comunicação do Sr. Courson confirmando este acordo.
9.
Consequentemente, a Comissão remeteu as partes pertinentes da petição
complementar apresentada pelo Sr. Blaskey ao Estado numa comunicação datada
de 5 de março de 2001, solicitando-lhe que lhe encaminhasse toda a
informação que considerara relevante para o caso dentro de um prazo de 30
dias. Até a data do presente relatório a Comissão não havia recebido
observação alguma do Estado sobre a denúncia do Sr. Domingues.
B.
Medidas cautelares
10. Em sua comunicação
de 30 de maio de 2000 ao Estado, a Comissão solicitou a adoção de medidas
cautelares por parte dos Estados Unidos em virtude do artigo 29(2) do
Regulamento anterior da Comissão.[1]
Esta solicitação foi formulada visto que, se o Estado viesse a executar o
Sr. Domingues antes de que a Comissão tivesse a oportunidade de examinar as
alegações de sua petição, sua denúncia seria inválida no que se refere a
possíveis reparações e causaria um dano irreparável ao Sr. Domingues. A
Comissão não recebeu resposta do Estado a sua solicitação de medidas
cautelares.
C. Solução
amistosa
11. Mediante
comunicações datadas de 22 de agosto de 2001 ao peticionário e ao Estado, a
Comissão colocou-se à disposição das partes a fim de buscar uma solução
amistosa da matéria, em virtude do artigo 41 do Regulamento da Comissão,
com base no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção
Americana, a Declaração Americana e demais instrumentos aplicáveis. A
Comissão também solicitou que as partes encaminhassem a Comissão uma
resposta a sua oferta dentro de um prazo de 10 dias, caso contrário a
Comissão continuaria com o trâmite regular da matéria.
12. Na comunicação
datada de 29 de agosto de 2001, e recebida pela Comissão em 4 de setembro
de 2001, o peticionário informou a Comissão que aceitava, em nome do Sr
Domingues a oferta da Comissão para facilitar uma solução amistosa da
questão. Em 6 de setembro de 2001, a Comissão remeteu as partes
pertinentes da comunicação do peticionário ao Estado e lhe solicitou que
apresentasse suas observações dentro de um prazo de 10 dias, caso contrário
a Comissão consideraria que não era possível chegar a uma solução amistosa e
continuaria o trâmite da matéria.
III. POSIÇÕES DAS PARTES
A. Posição do
peticionário
1.
Admissibilidade
13. O peticionário
alega que a denúncia do Sr. Domingues é admissível de acordo com os
requisitos do Regulamento da Comissão. Afirma que o Sr. Domingues
apresentou uma petição ao Tribunal de Primeira Instância do Estado para
corregir a sentença ilegal, argumentando que a legislação do Estado de
Nevada está em discordância com o direito internacional, que proibe a
execução de delinquentes juvenis, incluindo o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o direito internacional consuetudinário
e jus cogens. O Tribunal de Primeira Instância desacolheu a
petição. Ademais, o Sr. Domingues apelou duas vezes de sua sentença
que estabelecia pena de morte perante a Suprema Corte de Nevada. Em
sua segunda apelação, uma maioria da Suprema Corte de Nevada concluiu que
uma "reserva" do PIDCP apresentada pelo Senado dos Estados Unidos permitia
a execução de Domingues. Nem a Suprema Corte de Nevada nem o Tribunal
de Primeira Instância examinaram a questão da validade da reserva nem se a
execução de um delinquente juvenil viola o direito consuetudinário ou jus
cogens. O recurso certiorari foi apresentado perante a
Suprema Corte dos Estados Unidos alegando a violação do PIDCP, o direito
internacional consuetudinário e o jus cogens. Em 1º de novembro
de 1999 a Suprema Corte dos Estados Unidos indeferiu a petição sem examiná-la.
14. O peticionário
também denuncia que os poderes legislativo e executivo do governo dos
Estados Unidos indeferiram, por analogia, uma reparação efetiva para o Sr.
Domingues. Alega a este respeito que, quando o Estado ratificou o
PIDCP, o Senado dos Estados Unidos estabeleceu uma reserva ao Artigo 6(5)
que proibe a imposição da pena capital a menores de 18 anos no momento em
que cometeram o delito, o que priva o Sr. Domingues da proteção deste
dispositivo do tratado. O peticionário também denuncia que no recurso
certiorari do Sr. Domingues perante a Suprema Corte dos Estados
Unidos, o Procurador Geral, em nome do Poder Executivo, não argumentou que
não existia uma norma jus cogens que proibe a execução de menores de
16 anos, mas sim exortou a Suprema Corte dos Estados Unidos a não examinar o
caso em parte porque os Estados Unidos haviam firmado uma "objeção
persistente à obrigação legal até agora nos foros internacionais".[2]
15. Consequentemente,
o peticionário afirma que foi negado ao Sr. Domingues seu direito a uma
apelação substantiva destas questões e que este esgotou os recursos internos
conforme o disposto no artigo 31 do Regulamento da Comissão.
16. A Comissão recebeu
a primeira petição em nome do Sr. Domingues em 1 de maio de 2000, dentro dos
seis meses a partir da data da sentença interna definitiva no caso.
Portanto, a CIDH entende que o Sr. Domingues cumpriu com as disposições do
artigo 32 do Regulamento da Comissão.
2.
Mérito
17. Com respeito ao
mérito do caso, o peticionário indica que o Sr. Domingues é cidadão dos
Estados Unidos, que em agosto de 1994 foi julgado e condenado por um
tribunal de júri em Nevada por roubo com invasão, roubo a mão armada,
homicídio em primeiro grau e homicídio em primeiro grau com uso de arma
letal. O Sr. Domingues foi sentenciado a morte por cada uma das duas
condenações de homicídio. O peticionário argumenta que a imposição da
pena de morte a um delinquente que tinha 16 anos no momento em que cometeu
o delito constitui uma violação dos artigos I, II, VII e XXVI da Declaração
Americana, motivo pelo qual o Estado deve ser responsabilizado.
18. Com respeito ao
artigo I da Declaração, o peticionário argumenta que existe uma norma
internacional jus cogens que proibe aplicar a pena de morte a
delinquentes juvenis menores de 18 anos. Ao apresentar este argumento,
os peticionários primeiramente assinaralam que no caso de Roach e Pinkerton
contra Estados Unidos, que foi objeto de uma decisão por parte desta
Comissão em 1987, os Estados Unidos reconheceram que existia uma norma
jus cogens que proibia a execução de menores, mas que existia um
consenso internacional insuficiente quanto a idade para maioridade, posição
com a qual a Comissão concordou.[3]
19. A fim de apoiar a
sua afirmação de que existe uma norma jus cogens da decisão adotada
pela Comissão em Roach e Pinkerton proibindo a execução de delinquentes
menores de 18 anos quando cometeram o delito, os peticionários citam
numerosas autoridades, incluindo tratados internacionais e regionais,
resoluções das Nações Unidas e práticas internas dos Estados. O
peticionário baseia-se em particular no artigo 6(5) do Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos que os Estados Unidos ratificaram em 1992 mas
fez reserva através da qual o Estado pretende preservar-se do direito a
impor a pena de morte a menores de 18 anos.[4]
O peticionário também faz referência a Convenção da ONU sobre os Direitos
da Criança, em seu artigo 37(1), que proibe a imposição da pena capital por
delitos cometidos com menos de 18 anos. O peticionário observa que, em 30 de
novembro de 1997, 191 países ratificaram ou aderiram à Convenção, restando
apenas dois países, os Estados Unidos e Somália, que não são parte do
instrumento. Outros tratados referidos pelo peticionário em respaldo
a seu argumento são a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que os
Estados Unidos subsecreveram em 1 de junho de 1977 e cujo artigo 4(5) proibe
a imposição da pena capital a pessoas que no momento de cometer o delito
tinha menos de 18 anos de idade, bem como o Quarto Convênio de Genebra de
1949, cujo artigo 68 dispõe que não se pode impor a pena de morte contra uma
pessoa protegida que tenha menos de 18 anos de idade no momento em que
cometeu o delito. O peticionário observa a este respeito que os
Estados Unidos ratificaram este Tratado sem opor-se à proibição de executar
a menores.[5]
20. Entre as
autoridades citadas pelo peticionário cabe mencionar as resoluções adotadas
pela Subcomissão da ONU sobre a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos e
a Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, respectivamente, em
1999 e 1997, as quais condenam a imposição da pena de morte aqueles que
tinham menos de 18 anos de idade no momento de cometer o delito.[6]
Ademais, o peticionário refere-se a provas da práctica interna dos Estados
que indica, entre outras cosas, que desde 1990 somente sete países do mundo
executaram menores que tinham menos de 18 anos quando cometeram o delito,[7]
e que os estados de Florida e Montana nos Estados Unidos recentemente
haviam aplicado a proibição jus cogens proscrevendo a execução de
menores de 16 anos.[8]
21. O peticionário
alega também que o governo dos Estados Unidos não garantiu a adoção de um
critério uniforme em relação à execução de delinquentes juvenis, com o que
permite uma arbitrariedade legislativa sistemática em diversos Estados.
O peticionário alega que esta falha dá lugar à privação arbitrária da vida e
a inequidade perante a lei, em violação dos artigos I e II da Declaração, o
que a sua vez constitui uma violação do direito à proteção especial das
crianças estipulado no artigo VII da Declaração. Segundo o peticionário,
permitir que a aplicação da pena de morte a um menor de 16 anos fique
determinada pelo lugar em que se comete o delito significa que a política
dos Estados Unidos causa uma privação arbitrária da vida e uma desigualdade
perante a lei. Ao formular esta afirmação, o peticionário baseia-se na
decisão da Comissão em Roach e Pinkerton, caso em que a Comissão decidiu
que o fato de que os Estados Unidos não impunham aos estados na questão da pena
de morte a menores deu lugar à privação arbitrária da vida e à desigualdade
perante a lei, em violação dos artigos I e II da Declaração Americana.[9]
22. O peticionário
também cita estatísticas que indicam que na data da petição, oito estados
dos Estados Unidos autorizam a pena de morte a menores de 16 anos, 15
estados e o governo federal fixaram a idade mínima de 18 anos, nove Estados
não estabeleceram limites específicos em seus estatutos e 13 estados proibem
a pena de morte em todos os casos.[10]
O peticionário argumenta que os Estados Unidos não têm feito nada para impor
certa uniformidade à prática dos estados de executar menores e, mais ainda,
que os Estados Unidos "afetaram diretamente" a obrigação que tem para com os
cidadãos dos Estados Unidos em virtude da Declaração Americana ao ratificar
o PIDCP com una reserva inválida e contrária à proibição da pena de morte
de menores.[11]
23. Por último, o
peticionário argumenta que a imposição da pena de morte ao Sr. Domingues
representa uma violação da obrigação imposta pela Convenção da ONU sobre
os Direitos da Criança e a Declaração Americana. O peticionário
reconhece que os Estados Unidos não ratificaram a Convenção da Criança mas
assinala que 191 países do mundo ratificaram ou aderiram ao tratado e que os
Estados Unidos e Somália são os únicos dois países que não o fizeram.
24. A este respeito, o
peticionário também assinala as obrigações assumidas pelos Estados Unidos
em virtude do artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,
em virtude do fato de que assinou a Convenção em fevereiro de 1995. O
artigo 18 dispõe que:
Um Estado deverá abster-se de atos os quais
frustem o objeto e a finalidade de um tratado:
(a)
se assinado o tratado e intercambiado os instrumentos que constituem o
tratado a reserva de ratificação, aceitação de uma aprovação, enquanto não
haja manifestado sua intenção de não fazer parte no tratado, ou
(b) se manifestado
o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado, durante o período que
precede a entrada em vigor do mesmo e sempre que esta não atrase
indevidamente.[12]
25. Portanto, ao
executar o Sr. Domingues, o peticionário afirma que os Estados Unidos
violariam o objeto e propósito da Convenção sobre os Direitos da Criança e
a Declaração Americana e, portanto, constituiria uma quebra de suas
obrigações jurídicas internacionais.
B.
Posição do Estado
26. Até a data do
presente relatório, a Comissão não recebeu nenhuma observação ou informação
do Estado em relação as denúncias do Sr. Domingues.
IV. ANÁLISE
27. Antes de iniciar a
análise do presente caso, a Comissão esclarece que, à luz das circunstâncias
excepcionais desta matéria como a pena de morte e do fato de que as partes
tiveram várias oportunidades de apresentar observações sobre a
admissibilidade e o mérito das reivindicações dos peticionários, e de
conformidade com sua prática baseada em petições desta natureza,[13]
a Comissão decide considerar a admissibilidade das denúncias dos
peticionários conjuntamente com o mérito.
28. A este respeito, e
na ausência de toda observação de parte do Estado sobre a admissibilidade ou
o mérito do caso do Sr. Domingues, a Comissão deseja destacar o significado
das obrigações dos Estados membros da OEA de responder as comunicações da Comissão,
inclusive aquelas vinculadas a petições que denunciam violações de direitos
humanos atribuíveis a um Estado membro. Esta obrigação deriva em geral
das responsabilidades dos Estados membros em matéria de direitos humanos
como partes da Carta da OEA e de outros instrumentos pertinentes, e
especificamente, dos disposto nos artigos 19 e 20 do Estatuto da Comissão e
dos artigos 30 e 38 do Regulamento da Comissão.
29. Entre as
consequências que derivam do silêncio de um Estado sobre os méritos de uma
petição está o direito da Comissão, conforme o artigo 39 de seu Regulamento,
de presumir que os fatos alegados nessa petição são verdadeiros enquanto não
surjam outras provas que ensejem uma conclusão diferente. Tendo em
consideração esta norma é que a Comissão avaliará as alegações do
peticionário no caso presente.
A.
Competência da Comissão
30. O peticionário
alega que o Estado violou os direitos do senhor Domingues consagrados no
artigo I (Direito à vida), artigo II (Direito à igualdade perante a lei),
artigo VII (Direito à proteção das crianças) e artigo XXVI (Direito a não
receber um castigo cruel), da Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem. O Estado é membro da Organização dos Estados Americanos,
mas não é parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como
disposto no artigo 20 do Estatuto da Comissão, e depositou seu instrumento
de ratificação da Carta da OEA em 19 de junho de 1951.[14]
Os fatos formulados na denúncia do peticionário ocorreram depois da
ratificação da Carta da OEA pelo Estado. A suposta vítima é cidadão
natural e o peticionário foi autorizado conforme o artigo 23 do Regulamento
da Comissão a interpor a petição em nome do Sr. Domingues. Portanto,
a Comissão tem competência para examinar esta petição.
B.
Admissibilidade
31. Com respeito à
admissibilidade das denúncias do Sr. Domingues, a informação apresentada
pelo peticionário indica que o Sr. Domingues interpôs uma petição perante o
Tribunal de Primeira Instância do Estado para corregir uma "sentença ilegal".
O Tribunal indeferiu a petição e o Sr. Domingues apelou perante a Suprema
Corte de Nevada, instância superior daquele estado. Ao revisar o caso,
a Suprema Corte de Nevada examinou somente se a legislação de Nevada estava
submetida ao tratado internacional ratificado pelos Estados Unidos que
proibe a execução de pessoas menores de 18 anos quando cometeram delitos
puníveis com a pena capital. A Corte concluiu que a reserva ao PIDCP
determinada pelo Senado dos Estados Unidos, que visa outorgar o
Estado o direito de executar a delinquentes juvenis apesar de não derrogar
os dispositivos do PIDCP, permitia a execução do Sr. Domingues. A
Suprema Corte de Nevada, assim como o Tribunal de Primeira Instância, não
examinou se reserva era válida ou se execução de menores de 18 anos viola o
direito internacional consuetudinário ou jus cogens. Dado que
o Tribunal de Primeira Instância e a Suprema Corte de Nevada não
manifestaram-se sobre o mérito, o peticionário argumenta que o Sr. Domingues
foi impedido de gozar do seu direito a interpor uma apelação substantiva.
32. Conforme consta do
expediente, em 3 de março de 1999 o Sr. Domingues interpôs uma petição de
certiorari perante a Suprema Corte dos Estados Unidos alegando a
violação do PIDCP, o direito internacional consuetudinário e o jus
cogens. Em 1º de novembro de 1999 a Suprema Corte dos Estados
Unidos indeferiu a petição do Sr. Domingues sem examiná-la. O Estado
não alegou nem indicou por outra via que o Sr. Domingues não esgotou os
recursos internos disponíveis nos Estados Unidos com respeito ao presente
caso.
33. Com base na informação
aportada no expediente, a Comissão conclui que a denúncia de violação dos
artigos I, II, VII e XXVI da Declaração Americana contidas na petição do
peticionário de 20 de dezembro de 1999 não é admissível por não ter esgotado
os recursos internos, de conformidade com o artigo 31(1) do Regulamento da Comissão.[15]
34 Além disso,
os antecedentes do caso indicam que a petição apresentada em nome do Sr.
Domingues em 1º de maio de 2000 e, portanto, dentro dos seis meses do
desprovimento do recurso de certiorari perante a Suprema Corte dos
Estados Unidos. O Estado não contestou o prazo de apresentação da petição
do Sr. Domingues. Portanto, a Comissão não conclui que a petição do
peticionário seja inadmissível pela violação do prazo de seis meses previsto
no artigo 32 de seu Regulamento.[16]
35. Não existem provas
nos autos que indiquem que a matéria da denúncia do Sr. Domingues esteja
pendente de solução perante outra instância internacional, como disposto no
artigo 33(1)(a) do Regulamento da Comissão.[17]
Embora a Comissão tenha recebido duas petições neste caso, que
essencialmente duplicam a mesma matéria, o Sr. Domingues, obedecendo os
termos do artigo 33(2)(b) do Regulamento da Comissão,[18]
autorizou ao Sr. Blaseky, autor da segunda petição, para representá-lo
no procedimento frente a Comissão consolidando as duas denúncias. O Estado
não alegou a duplicação de procedimentos, portanto, as denúncias do
peticionário são admissíveis de acordo com o artigo 33(1)(a) do Regulamento
da Comissão.
36. Após examinar as
observações das partes e demais material que consta do expediente, e à luz
do maior rigoroso escrutínio que a Comissão tradicionalmente vem aplicando
aos casos que envolvem a aplicação da pena capital, a Comissão considera
que a petição dos peticionários não é manifestadamente infundada e contém
fatos que, se provados verdadeiros, tendem a configurar a violação dos
artigos I, II, VII e XXVI da Declaração Americana. Consequentemente,
a Comissão conclui que a petição do Sr. Domingues é inadmissível de acordo
com o artigo 34 do Regulamento da Comissão.[19]
37. De acordo com a
análise exposta anteriormente, a Comissão decide declarar admissível a
petição com respeito aos artigos I, II, VII e XXXVI da Declaração
Americana, e proceder com o exame de mérito destas questões.
C. Mérito
1.
Norma para o exame
38. Antes de abordar
os mérito do presente caso, a Comissão reitera sua doutrina pacífica quanto
à aplicação de um escrutínio mais rigoroso na análise dos casos que envolvem
a pena capital. O direito à vida é amplamente reconhecido como o
direito supremo do ser humano e conditio sine qua non para o gozo de
todos os demais direitos. Portanto, a Comissão considera que tem uma
obrigação ainda maior de garantir que toda privação da vida que o Estado
membro da OEA pretende perpretar pela via da pena de morte cumpra
estritamente com os requisitos dos instrumentos de direitos humanos
interamericanos aplicáveis, incluindo a Declaração Americana. Este rigoroso
escrutínio” é compatível com o critério limitado adotado por outras
autoridades internacionais de direitos humanos para a imposição da pena de
morte,[20] e foi articulado e
aplicado pela Comissão em casos de pena capital que examinou em ocasiones
anteriores.[21]
39. A Comissão observa
também que o maior escrutínio aplicável aos casos de pena de morte não
impede que a Comissão aplique a fórmula da quarta instância. Segundo
esta fórmula, a Comissão em princípio não pode examinar as sentenças dos
tribunais internos que atuaram dentro de sua competência e com as devidas
garantias judiciais.[22]
Entretanto, nos casos que envolvem a possível violação dos direitos de uma
pessoa de acordo com os instrumentos de direitos humanos interamericanos
aplicáveis, a Comissão defende sistematicamente que não se aplica a fórmula
da quarta instância.[23]
A Comissão, portanto, examinará as alegações formuladas pelo peticionário
com um maior rigor para garantir que o Estado respeitou devidamente os
direitos do Sr. Domingues consagrados na Declaração Americana.
2.
Decisão da Comissão em Roach e Pinkerton
40. A Comissão
assinalou no início de sua análise que os argumentos do peticionário
refererem-se substancialmente à decisão da Comissão de 1987 no caso Roach e
Pinkerton contra os Estados Unidos.[24]
Ese caso vinculava-se a dois delinquentes juvenis, James Terry Roach e Jay
Pinkerton, que foram sentenciados à morte, respectivamente, nos Estados de
Carolina do Sul e Texas, por delitos cometidos quando tinham 17 anos de
idade. Ambos peticionários foram posteriormente executados por esses
Estados. Ao analisar as denúncias apresentadas em nome do Sr. Roach e
Sr. Pinkerton, a Comissão examinou se, ao sentenciar os dois réus à morte e
permitir posteriormente sua execução, os Estados Unidos estariam atuando em
violação de uma norma reconhecida do direito internacional jus cogens
ou consuetudinário. A Comissão manifestou-se, de forma específica, nos
seguintes termos:
A Comissão considera que os Estados membros da OEA
reconhecem uma norma de jus cogens que proibe a execução de
crianças menores de idade. Tal norma é aceita por todos os Estados do
Sistema Interamericano, incluindo os Estados Unidos. […] A
Comissão considera que este caso surge não porque haja dúvida da existência
de uma norma internacional sobre a proibição da imposição da pena de morte
para crianças menores de idade, mas porque os Estados Unidos refutam as
alegações de que existe um consenso sobre a idade para a maioridade.[25]
41. A Comissão em
última instância concluiu que não existia nesse momento uma norma jus
cogens ou outra norma do direito internacional consuetudinário que
proibisse a execução de menores de 18 anos:
A Comissão aceita o argumento dos Estados Unidos de que não
existe neste momento uma norma consuetudinária em direito internacional que
estabeeça a idade de 18 anos como idade mínima para a imposição da pena
de morte. Contudo, a Comissão observa que esta norma está emergendo, em
vista do número crescente de países que ratificaram a Convenção Americana e
o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, e
que devido a isto modificaram a sua legislação interna para adaptá-la a
estes instrumentos. Como mencionado anteriormente, treze estados dos
Estados da Unidos e a Capital Federal, já aboliram a pena de morte de forma
absoluta e nove dos estados que ainda mantêm tal pena,[26]
a aboliram para delinquentes menores de 18 anos de idade.[27]
42. Por conseguinte,
ao decidir sobre a presente denúncia, a Comissão deve determinar se o estado
de direito internacional com relação à execução de menores de 18 anos
progrediu desde que adotou a sua decisão em Roach e Pinkerton.
3. A
Declaração Americana, o direito internacional consuetudinário e as normas
jus cogens
43. Ao analisar as
denúncias apresentadas pelo peticionário em relação ao presente estado das
normas que regem a execução de menores em virtude do direito internacional,
é necessário primeiramente realizar um exame geral das categorias de normas
do direito internacional pertinentes a esta análise, a saber, o direito
internacional consuetudinário e as normas de jus cogens, bem como os
meios principais pelos quais se manifesta o conteúdo destas normas.
44. A este respeito, a
Comissão recorda que, ao interpretar e aplicar os artigos I, VII e XXVI da
Declaração ao presente caso, estes devem ser considerados no contexto dos
sistemas internacional e interamericano de direitos humanos no sentido mais
amplo, à luz da evolução do direito internacional em matéria de direitos
humanos desde que foram redatados.[28]
A este respeito, deve prestar-se a devida atenção as demais normas
pertinentes de direito internacional aplicáveis aos Estados membros contra
os quais foram apresentadas denúncias de violação da Declaração[29]
bem como a evolução do corpus juris gentium do direito internacional
em matéria de direitos humanos ao longo do tempo e nas condições atuais.[30]
45. A evolução do
corpo de direito internacional em matéria de direitos humanos relevante à
interpretação e aplicação da Declaração Americana pode, por sua vez,
derivar-se de distintas fontes de direito internacional,[31]
incluindo as disposições de outros instrumentos internacionais e regionais
de direitos humanos[32] e o
direito internacional consuetudinário,[33]
incluindo as normas consuetudinárias que formam parte do jus cogens.[34]
46. Com respeito as
normas de direito internacional consuetudinário em especial, embora as
mesmas tenham um caráter intrinsecamente volúvel e, portanto, não podem ser
objeto de enumeração definitiva ou exaustiva, existe, porém um amplo
consenso a respeito dos elementos necessários para estabelecer uma norma de
direito internacional consuetudinário. Os elementos são os seguintes:
a.
uma prática concordante por uma série de Estados com referência ao tipo de
situação compreendida dentro do domínio das relações internacionais;
b.
uma continuidade ou reiteração da prática ao longo de um período
considerável;
c. a
concepção de que a prática está exigida pelo direito internacional imperante
ou é compatível com este;
d.
a aquiescência geral na prática de outros Estados.[35]
47. Estes elementos,
por sua vez, sugerem que, quando se considera o estabelecimento desta norma
consuetudinária, deve-se prestar atenção à evidência da prática pelo Estado.[36]
Embora o valor das possíveis fontes de evidência varia de acordo com as
circunstâncias, a prática dos Estados é em geral interpretada no sentido de
que constitua um comportamento governamental oficial que incluiria a
legislação do Estado, as decisões judiciais internacionais e nacionais,
relações de tratados e outros instrumentos internacionais, um padrão de
tratados na mesma forma, a prática de organizações governamentais
internacionais e regionais tais como as Nações Unidas e a Organização dos
Estados Americanos e seus órgãos, declarações de política nacional,
comunicados de imprensa e manuais oficiais sobre questões jurídicas.[37]
Em suma, a prática do Estado em geral compreende todo ato ou declaração do
Estado dos quais se pode inferir opiniões sobre o direito consuetudinário.[38]
48. Uma vez
estabelecida, a norma de direito internacional consuetudinário obriga a
todos os Estados com exceção unicamente daqueles que rejeitaram
sistematicamente a prática antes que de esta transformar-se em lei.
Embora certas práticas não exigem aceitação universal para transformarem-se
em normas de direito internacional consuetudinário, a norma que foi aceita
pela maioria dos Estados não tem efeito obrigatório para o Estado que
sistematicamente rejeitou a prática em que essa norma baseia-se.[39]
49. Com relação as
normas que regem o estabelecimento do jus cogens, esta Comissão
definiu previamente o conceito de jus cogens no sentido de que deriva
de conceitos jurídicos antigos de "uma ordem superior de normas jurídicas
que as leis do homem ou as nações não podem contravenir" e como "normas que
foram aceitas, seja expressamente por tratados ou tacitamente pelo costume,
como necessárias para proteger a moral pública reconocidas por elas".[40]
A principal característica distintiva destas normas é sua "relativa
obrigatoridade", por constituir normas de direito consuetudinário
internacional que não podem ser deixadas de lado por tratados ou
aquiescência, mas sim pela formação de uma posterior norma consuetudinária
de efeito contrário.[41]
Mais particularmente, dado que o direito internacional consuetudinário
descansa no consentimento das nações, o Estado que insistentemente
controverte uma norma de direito internacional consuetudinário não está
obrigado pela mesma. As normas de jus cogens, por sua parte,
derivam da sua condição de valores fundamentais defendidos pela comunidade
internacional, na medida em que a violação dessas normas prioritárias chocam
a consciência da humanidade e, portanto, obrigam a comunidade internacional
como um todo, independentemente da protesto, o reconhecimento ou a
aquiescência.[42] Os exemplos
geralmente citados como normas de direito consuetudinário que adquiriram
condição de normas jus cogens incluem o genocídio, a escravidão, o
desaparecimento forçado e a tortura ou outros tratamentos e castigos cruéis,
desumanos ou degradantes.[43]
Tem-se sugerido que o ponto de partida para identificar essas
identificação essas disposições jurídicas internacionais que alcançaram a
condição de jus cogens é a lista de direitos que os tratados
internacionais de direitos humanos tornam inalienáveis.[44]
50. Por tanto, ainda
que baseado nas mesmas fontes probatórias que as normas de direito
internacional consuetudinário, o padrão para determinar um principio de
jus cogens é mais rigoroso e requer evidências de reconhecimento do
carácter obrigatório da norma por parte da comunidade internacional em seu
conjunto. Isto pode ocorrer onde há aceitação e o reconhecimento para uma
maioria grande de Estados, ainda que um número pequeno de Estados discordem.[45]
4.
Estatuto jurídico internacional sobre execução de menores
51. O artigo I da Declaração
dispõe que "todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de
sua pessoa."
52. A Comissão observa
que, embora o artigo I da Declaração Americana não se refere explicitamente
à questão da pena capital, em decisões anteriores declinou de interpretar o
artigo I da Declaração no sentido de que proibe o uso da pena de morte
per se nem de que excetua a pena capital de todas as normas e proteções
da Declaração. Pelo contrário, em parte devido aos antecedentes
legislativos da Declaração Americana, bem como os termos do artigo 4 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão chegou a conclusão de que o
artigo I da Declaração, embora não proiba absolutamente a pena de morte,
proibe a sua aplicação quando isto dê lugar a uma privação arbitrária da vida
ou a torne um castigo cruel, degradante ou por outras razões.[46]
53. Como assinalado
anteriormente, o peticionário argumenta que, conforme a evolução do direito
internacional desde 1986, existe agora uma norma de direito internacional
consuetudinário que impede a execução de menores que tinham de 16 ou 17 anos
no momento em que cometeram o delito. O peticionário alega que esta
norma adquiriu a condição de jus cogens,
[47]e , consequentemente,
pede a decisão da Comissão no Caso Roach e Pinkerton seja revisada e
ampliada a fim de determinar que o artigo I da Declaração proibe a
execução do Sr. Domingues como delinquente juvenil, o qual tinha 18 anos
quando cometeu o delito.
54. Ao abordar esta
questão, a Comissão deve, portanto, avaliar se as disposições da Declaração
Americana, interpretadas no contexto da evolução do direito internacional
consuetudinário e das normas de jus cogens, proibe a execução de
pessoas que, ao cometer o delito, tinham menos de 18 anos. Para isto,
é necessário que a Comissão tenha em conta as evidências da prática
relevante do Estado de acordo com distintas fontes, incluindo as relações
nos tratados e outros instrumentos internacionais, o padrão de tratados na
mesma forma, a prática das Nações Unidas e de outras organizações
governamentais internacionais e a legislação interna e as decisões judiciais
dos Estados.
a.
Tratados
55. Desde 1987
ocorreram vários fatos notáveis em relação aos tratados que explicitamente
proibem a execução de pessoas menores de 18 anos de idade no momento em que
cometeram o delito. Esta evolução inclui a entrada em vigor de novos
acordos internacionais bem como a maior ratificação dos tratados existentes.
56. O que é mais
importante, em 20 de novembro de 1989 a Assembléia Geral da ONU aprovou a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. O artigo
37(a) da Convenção estabelece que:
Os Estados partes velarão para que: a)
Nenhuma criança seja submetida a torturas nem a outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes. Não será imposta a pena capital nem
a de prisão perpétua sem a possibilidade de liberdade por delitos cometidos
por menores de 18 anos de idade.
57. O tratado entrou
em vigor em 2 de setembro de 1990 e em setembro de 2001 a Convenção incluia
191 Estados partes sem reservas explicitas ao artigo 37(a).[48]
Os Estados Unidos assinaram a Convenção em fevereiro de 1995 mas não a
ratificaram, sendo que juntamente com a Somália são os únicos dois países
que não são partes do tratado. Na opinião da Comissão, a amplitude da
ratificação deste instrumento , por si só, constitui uma prova eloquente do
amplo consenso de parte da comunidade internacional ao repúdio contra a
execução de delinquentes juvenis.
58. O Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (PICDP) foi aprovado pela Assembléia
Geral da ONU em 1966 e entrou em vigência em 1976. Atualmente conta
com 64 signatários e 147 partes.[49]
Desde 1986, 64 países aderiram e ratificaram o Pacto,[50]
incluindo os Estados Unidos em 1992.[51]
O artigo 6(5) do PIDCP, assim como o artigo 37(a) da Convenção sobre os
Direitos da Criança, dispõe que:
Não será imposta a pena de
morte por delitos cometidos por pessoas de menos de 18 anos de idade, nem
será aplicada contra as mulheres grávidas.
59. Dos países partes desta Convenção, somente os
instrumentos de ratificação dos Estados Unidos e o instrumento de adesão de
Tailândia estiveram acompanhados de declarações ou reservas a respeito do
artigo 6(5). A Tailândia apresentou declarações interpretativas do artigo
6(5) nos seguintes termos :
Com respeito ao artigo 6, parágrafo 5 do Pacto,
o Código Penal Tailandês determina aos tribunais ou outorga em alguns casos
grande latitude aos tribunais, para ter em conta a idade do delinquente
como fator atenuante na formulação da sentença. Enquanto a Seção 74
do Código não permite nenhum tipo de castigo contra uma pessoa menor de 14
anos de idade, a Seção 75 do mesmo Código estabelece que toda vez que uma
pessoa maior de 14 anos mas menor de 17 comete um ato considerado delito
pela lei, o tribunal terá em conta o sentido de responsabilidade e todos os
demais aspectos pertinentes a fim de chegar a uma decisão sobre se é
apropriado pronunciar uma sentença que infringe um castigo. Se o
tribunal não considera apropriado pronunciar uma sentença de castigo,
procederá de acordo com a Seção 74 (a saber, adotar outras medidas
correctivas distintas do castigo) ou, se a Corte considera apropriado
pronunciar uma sentença de castigo, reduzirá a escala do mesmo à metade.
A Seção 76 do mesmo Código também estabelece que, toda vez que uma pessoa
maior de 17 anos mas menor de 20 comete algum ato considerado delito pela
lei, o tribunal pode, se o considera adequado, reduzir a escala de
castigo previsto para esse delito em um terço ou a metade. A redução
desta escala impedirá o tribunal pronunciar uma sentença de morte.
Por esta razão, ainda que em teoria pode impor-se a sentença de morte por
delitos cometidos por pessoas menores de 18 anos mas não menores de 17, o
tribunal sempre exerce a discricionariedade outorgada pela Seção 75 para
reduzir estas escala de castigo, e na prática não impôs a pena de morte a
nenhuma pessoa menor de 18 anos de idade. Consequentemente, a
Tailândia considera que em termos reais já deu cumprimento aos princípios
consagrados neste dispositivo.
60. O efeito da
declaração da Tailândia é esclarecer que, apesar dos termos estritos de sua
legislação, na prática não executa delinquentes juvenis e, portanto, na
realidade já deu cumprimento ao artigo 6(5) do PIDCP.
61. Por sua parte, os
Estados Unidos apresentaram a seguinte reserva ao artigo 6(5) do PIDCP.
Que os Estados Unidos reservam-se o direito,
sujeito a suas restrições constitucionais, a impor a pena capital a toda
pessoa (exceto uma mulher grávida) devidamente condenada de acordo com a
legislação vigente ou futura que permita a imposição da pena capital,
incluindo os castigos por delitos cometidos por pessoas menores de 18 anos
de idade.
62. Cabe ressaltar que
esta reserva provocou a condenação dentro da comunidade internacional e fez
com que oito países europeus apresentassem objeções declarando que a reserva
era inválida porque incompatível com os objetivos e propósitos do PIDCP,
segundo o disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.[52]
Ademais, em 1995, o Comitê de Direitos Humanos da ONU declarou que esta
reserva era contrária ao objeto e propósito do PIDCP e recomendou aos
Estados Unidos que a retirasse.[53]
63. Outros tratados
internacionais e regionais de direitos humanos que regulam a implementação
da pena de morte atestaram de maneira análoga um incremento nos Estados
partes dos mesmos desde 1987. Com respeito ao sistema interamericano
de direitos humanos em especial, o artigo 4 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos dispõe que
Não será imposta a pena de
morte a pessoas que, no momento em que cometeram o delito, tinham menos de
dezoito anos de idade
64. Atualmente 24
Estados são partes da Convenção Americana.[54]
Desde 1986, os seguintes cinco Estados membros da OEA ratificaram ou
aderiram a Convenção, sem que nenhum deles apresentasse reservas a respeito
da proibição estabelecida no artigo 4(5) sobre a execução de delinquentes
juvenis: Brasil (1992), Chile (1990), Dominica (1993), Suriname
(1987), Trinidad e Tobago (1991, que posteriormente denunciou a Convenção em
1998). Os Estados Unidos assinaram Convenção Americana em 1977 mas
nunca a ratificou. A Comissão considera que esta ampla adesão
hemisférica à Convenção Americana, incluindo seu artigo 4(5), constitui
prova eloquente de uma norma regional que repudia a aplicação da pena de
morte a menores de 18 anos, inclusive entre Estados tais como Guatemala,
Jamaica e Grenada que, assim como os Estados Unidos, mantêm a pena de morte.
65. Esta evolução
internacional e regional foi acompanhada de iniciativas nos sistemas
interamericano e europeu para proibir absolutamente a aplicação da pena de
morte. Em 1990, por exemplo, o Protocolo da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos para Abolir a Pena de Morte foi aprovado pela Assembléia
Geral da OEA no vigésimo período ordinário de sessões celebrado em Assunção,
Paraguai. Desde então, oito Estados assinaram e ratificaram o
Protocolo. Da mesma forma, o Protocolo N° 6 da Convenção Européia
sobre Direitos Humanos em relação à abolição da pena de morte derroga a pena
de morte totalmente, com exceção dos tempos de guerra. O Protocolo
entrou em vigência em março de 1985 e atualmente está ratificado por 39
Estados europeus. Estes Estados assinaram mas não ratificaram o
Protocolo e somente Turquía permanece como Estado membro do Conselho da
Europa que ainda não assinou esse Protocolo.
66. Na opinião da
Comissão, esta evolução do corpo de direito internacional em matéria de
direitos humanos deve ser considerada também à luz das disposições
correspondentes na esfera do direito internacional humanitário.[55]
A este respeito, o Quarto Convênio de Genebra de 1949 proibe a imposição da
pena de morte a delinquentes juvenis em tempos de conflicto armado ou
ocupação.[56] O artigo
68, parágrafo 4 do Quarto Convênio de Genebra, que rege a aplicação da pena
de morte a pessoas protegidas em situações de ocupação, dispõe em parte que
Em todo caso, não será possível impor a pena
de morte contra uma pessoa protegida que tinha 18 anos de idade no
momento em que cometeu o delito.
67. Em 1º de janeiro
de 1986, 162 Estados eram partes do Quarto Convênio de Genebra e, em 2001, o
número de Estados partes havia aumentado para 189.[57]
Isto inclui os Estados Unidos, que ratificaram a Convenção em 2 de agosto de
1955 sem apresetar reserva alguma ao parágrafo 4 do artigo 68. A este
respeito, a Comissão não pode identificar nenhuma justificativa apropriada
para aplicar uma norma mais restritiva à aplicação da pena de morte a
menores em tempos de ocupação que em tempos de paz, estando esta proteção,
como o está, relacionada com as proteções mais básicas não derrogáveis da vida
humana e a dignidade dos adolescentes, que são comuns a ambos regimes do
direito internacional. Como observou o Comitê Internacional da Cruz
Vermelha em seu Comentário ao artigo 68, parágrafo 4 do Quarto Convênio de
Genebra:
A cláusula corresponde a disposições similares do código
penal de muitos países, e baseia-se na idéia de que uma pessoa que não
completeu 18 anos não é plenamente capaz de um julgamento ponderado, nem
sempre tem consciência do significado de seus atos e com frequência atua
baixo a influência de outros, e as vezes baixo coação.[58]
68. Portanto, a
análise anterior indica que desde 1987, de forma compatível com a evolução
anterior essa data, foi registrada uma ampla e consistente evolução e
ratificação dos tratados, em que praticamente todos os países reconheceram
sem reservas uma norma que proibe a execução de menores de 18 anos no
momento em que cometeram o delito.
b.
Resoluções e normas das Nações Unidas
69. A evolução do
direito dos tratados examinada anteriormente tem sido acompanhada de
iniciativas e práticas similares de parte dos órgãos das Nações Unidas.
Antes da decisão da Comissão em Roach e Pinkerton, a Terceira Comissão da Assembléia
Geral das Nações, em 1980, ja havia reconhecido que o artigo 6 do PIDCP
constituía uma "norma mínima" para todos os Estados membros da ONU e não
somente para os que haviam ratificado esse instrumento.[59]
De acordo com esta posição, em 24 de agosto de 1999, Subcomissão das Nações
Unidas sobre a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos aprovou uma
resolução que condenava a imposição da pena de morte àqueles que tivessem
18 anos no momento de cometer o delito e exortava os países que continuavam
executando menores a que pussessem um fim a esta prática.[60]
Ademais, no 54° Período Ordinário de Sessões da Comissão de Direitos
Humanos da ONU foi aprovada outra resolução que instava os Estados que
mantinham a pena de morte a dar cumprimento ao Pacto Internacional não
impondo a pena de morte por delitos cometidos por pessoas menores de 18 anos
de idade.[61]
70. O Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas também aprovou algums normas proibindo
a execução de menores de 18 anos quando cometeram o delito.[62]
Essas mesmas normas foram aprovadas pela Assembléia Geral e pelo Sétimo
Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Delito e o Tratamento do
Delinquente.[63] As
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração de Justiça a Jovens
proibe de forma análoga a execução de delinquentes juvenis.[64]
71. Sendo assim, é
evidente que os órgãos das Nações Unidas responsáveis pelos direitos humanos
e a justiça penal respaldaram sistematicamente a norma inserida nos acordos
internacionais de direitos humanos que proibem a execução de delinquentes
menores de 18 anos.
c.
Prática interna dos Estados
72. A articulação de
uma norma internacional que proscreve a execução de delinquentes juvenis
através da prática internacional vem sendo acompanhada pela expressão de
uma norma similar na prática interna dos Estados. Em 1986, 46 países
haviam abolido a pena de morte por delitos tradicionais, com exceção de
certos delitos da lei militar ou em tempos de guerra. De acordo com as
estatísticas disponíveis, o número aumentou em muito, sendo que 49 países
aboliram a pena de morte por todo delito, menos os excepcionais, durante os
últimos 15 anos. Ademais, outros 20 países não levaram a cabo nenhuma
execução durante 10 anos ou mais. A taxa média anual de países que
aboliram a pena de morte aumentou de 1,5 (1965-1988) a 4 por ano
(1989-1995), ou seja, quase três vezes mais.[65]
De acordo com as estatísticas compiladas pela Anistia Internacional, uma
fonte reconhecida de investigação e informação em relação à aplicação
mundial da pena de morte, 109 países aboliram este castigo por lei ou na prática
até o ano 2001.[66]
73. Novamente de
acordo com as estatísticas compiladas pela Anistia Internacional, 115
Estados cuja legislação mantém a pena de morte por alguns delitos incluem
disposições em sua legislação que excluem o uso da pena de morte contra
delinquentes menores ou pode presumir-se que excluem esta aplicação porque
passaram a ser partes do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
da Convenção sobre os Direitos da Criança ou da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos sem apresentar reservas aos artigos pertinentes desses
instrumentos.[67] Desde
o início de 1994, pelo menos cinco países modificaram sua legislação para
eliminar a aplicação da pena de morte contra delinquentes juvenis:
Barbados, Paquistão, Iêmen, Zimbábue e China.[68]
74. Uma minoria muito
pequena de Estados continua aplicando a pena de morte a delinquentes juvenis.
Desde 1960, tem-se conhecimento que sete países executaram reclusos
que eram menores de 18 anos no momento em que cometeram o delito –Congo (República
Democrática do Congo), Irã, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita, Estados
Unidos e Iêmen.[69] Um
estudo das execuções de delinquentes juvenis no mundo cita um total de 25
num período de 10 anos. Quatorze destas execuções foram levadas a cabo
nos Estados Unidos da América, seis no Irã e as restantes cinco nações
levaram a cabo uma execução cada uma. Paquistão e Iêmen aboliram a
pena de morte para os delinquentes juvenis menores de 16 e 17 anos.[70]
No ano 2000, somente três países executaram menores de 18 anos: os Estados
Unidos, a República Democrática do Congo e Irã. Em 1999 foram
realizadas execuções de menores somente no Irã e nos Estados Unidos.
Em 1998 os Estados Unidos foram o único a executar três delinquentes juvenis.
A única execução que levou a cabo o Iêmen corresponde a 1993 e a Arábia
Saudita em 1992, de modo que, desde 1998, soemtne três Estados - os
Estados Unidos, Congo e Irã - haviam executado a delinquentes juvenis
sentenciados à morte.[71]
75. Assim como no caso
da adesão a tratados regionais no hemisfério ocidental, cabe ressaltar que,
dos poucos Estados que continuam executando delinquentes juvenis, nenhum
deles, com exceção dos Estados Unidos, estão entre os membros do sistema
interamericano. Na opinião da Comissão, isto reforça a existência de uma
norma regional particularmente extendida que repudia la aplicação da pena
de morte a pessoas menores de 18 anos de idade.
76. A prática interna
nos últimos 15 anos, portanto, evidencia uma tendência internacional quase
unânime e não qualificada em direção à proibição da execução de delinquentes
menores de 18 anos. Esta tendência abarca todos os aspectos políticos
e ideológicos e praticamente isolou os Estados Unidos como o único país que
continua mantendo a legalidade da execução de delinquentes de 16 e 17 anos,
embora como indicado mais adiante este exista somente em algumas das
jurisdições internas.
d.
Prática interna dos Estados Unidos
77. Dentro dos Estados
Unidos, as decisões judiciais e as iniciativas legislativas dos últimos 20
anos também demonstraram uma tendência a não aceitar a aplicação da pena
de morte a delinquentes menores de 18 anos. Na época da decisão da Suprema
Corte de Estados Unidos no caso Thompson contra Oklahoma, em 1988, 37
estados autorizavam a aplicação da pena capital e desses, 18 exigiam que o
acusado tivesse cumprido pelo menos 16 anos no momento em que
cometeram o delito, enquanto os 19 restantes não estabeleciam uma idade
mínima para a imposição da pena de morte.[72]
Na decisão de Thompson, a Suprema Corte de Estados Unidos entendeu que a
execução de delinquentes menores de 16 anos no momento de cometer o
delito estava proibida pela Oitava Emenda da Constituição dos Estados
Unidos.[73] Em sua
análise, a Suprema Corte concluiu que seria uma ofensa para as normas
civilizadas de decência executar uma pessoa menor de 16 anos no momento em
que cometeram o delito e citava, a fim de fundamentar a sua argumentação, o
fato de que
estatutos pertinentes do Estado –particularmente os dos 18
Estados que expressamente consideraram a questão de estabelecer uma idade
mínima para impor a pena de morte e exigiram uniformemente que o acusado
haja cumprido a idade de 16 anos no momento de cometer o delito punível com
pena capital- respaldam a conclusão de que ofenderia as normas civilizadas
de decência executar uma pessoa que seja menor de 16 anos no momento em que
cometeu o delito. Essa conclusão também é compatível com as opiniões
expressadas por organizações professionais respeitáveis, por outras nações
que compartem herança angloamericana e por membros reconhecidos da comunidade
de Europa Ocidental.[74]
78.
Desde o advento desta iniciativa da Suprema Corte dos Estados Unidos de
estabelecer a idade mínima de 16 anos para poder executar a um delinquente
nos Estados Unidos, outras jurisdições estaduais avançaram em direção de uma
norma mais estrita. Em 1999, por exemplo, a Suprema Corte da Flórida
interpretou sua Constituição no sentido de proibir a pena de morte contra
delinquentes menores de 16 anos, determinando que a execução de uma pessoa
que tivesse 16 anos no momento de cometer o delito violava a Constituição da
Flórida e sua proibição de um castigo cruel.[75]
Em 30 de abril de 1999, mediante uma revisão da lei do Estado de Montana,
foi elevada a idade mínima dos delinquentes qualificados para sofrer a pena
de morte de 16 para 18 anos.
79. Atualmente, dentro
dos Estados Unidos, 38 Estados e as jurisdições militares e civis federais
contam com disposições que autorizam a pena de morte por delitos puníveis
com a pena capital. Destas jurisdições, 16 adotaram expressamente a
idade de 18 anos no momento de cometer o delito como a idade mínima para
poder aplicar a sentença de morte,[76]
em comparação com aproximadamente 10 em 1986,[77]
e 23 Estados utilizam idades abaixo de 18 anos, em comparação com 27 em
1986.[78] Estas
estatísticas complementam o movimento internacional em direção a um
estabelecimento dos 18 anos como idade mínima para impor-se a pena capital.
A Comissão considera significativo que o próprio governo federal dos
Estados Unidos tenha considerado os 18 anos como a idade mínima a fim de
sancionar delitos federais puníveis com a pena capital.[79]
Como autoridade responsável de fazer cumprir as obrigações do Estado
derivadas da Declaração Americana e de outros instrumentos internacionais, o
fato de que o governo dos Estados Unidos tenha adotado a idade de 18 anos
como norma pertinente, mereceu particular consideração de parte da Comissão
e desta análise.
e.
Evolução paralela em matéria de maioridade
80. A Comissão observa
que o surgimento dos 18 anos como idade mínima para a execução de
delinquentes é compatível com a evolução em outra esfera do direito
internacional que se refere à maioridade para a imposição de obrigações e
responsabilidades sérias e potencialmente fatais. A Comissão observa
em particular o establecimento dos 18 anos como idade mínima para que as
pessoas participem diretamente em hostilidades como integrantes das Forças
Armadas de seus Estados. A este respeito, o artigo 1 do Protocolo
Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança, em relação à participação
de menores em conflitos armados, aprovado e aberto à assinaturas,
ratificação e adesão em 25 de maio de 2000,[80]
dispõe sobre esse limite e reforça o conceito de que a idade de 18 anos
representa um umbral por debaixo do qual se requer proteção especial:
Artigo 1
O Estados partes adotarão todas as medidas a
seu alcance para assegurar que os integrantes de suas Forças Armadas que não
completaram a idade de 18 anos não participem diretamente nos confiltos
armados.
81. Os Estados Unidos
assinaram o Protocolo Opcional em 7 de setembro de 2000, e, embora ainda não
o tenha ratificado nem a própria Convenção, o Presidente de Estados Unidos[81]
e o Congresso dos Estados Unidos manifestaram respaldo à norma prescrita no
artigo I, e o Congresso exortou a delegação norte-americana a não dificultar
a redação de um protocolo opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança
que estabelece a idade de 18 anos como a mínima para participar em
conflictos armados.[82]
82. O Presidente dos
Estados Unidos também manifestou apoio a esta norma na Assembléia Geral da
OEA a qual, por resolução de 5 de junho de 2000, assinalou que mais de
300.000 menores de 18 anos participam atualmente em conflitos armados em
distintas partes do mundo. Tendo em consideração a estatística, a
Assembléia Geral instou os Estados membros a considerar a firme ratificação
do Protocolo Opcional à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança em relação à participação de crianças em conflitos armados.[83]
Normas análogas foram reconhecidas internacionalmente e dentro dos próprios
Estados Unidos nas áreas de participação social como o direito ao voto, para
o qual se considera requisito mínimo, prévio e necessário ter-se cumprido 18
anos.[84]
83. Sendo assim, a
conclusão de que surgiu uma norma internacional que estabelece os 18 anos
como a idade mínima para que uma pessoa possa merecer o castigo final da morte
é, na opinião da Comissão, totalmente compatível com a evolução das obrigações
de caráter equivalente ou menor, como a participação em conflitos armados ou
a eleição de dirigentes políticos. Com efeito, é difícil pensar, e
muito menos justificar, por quê deve aplicar-se uma norma menos rigorosa à
implementação da pena capital, tendo em vista as obrigações particulares
dos Estados de garantir o bem-estar dos delinquentes juvenis e empenhar-se
em sua reabilitação, como refletido no artigo 19 da Convenção sobre
Direitos Humanos[85] e o artigo
VII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.[86]
Conforme entendeu recentemente a Corte Interamericana de Direitos Humanos,
quando o aparato do Estado tem que intervir em delitos cometidos por menores,
deve realizar um esforço substancial para garantir sua reabilitação a fim de
permitir-lhe cumprir um papel construtivo e produtivo na sociedade.[87]
f. Conclusão
84. Na opinão da
Comissão, as evidências descritas anteriormente ilustram claramente que, ao
persistir na prática de executar a delinquentes menores de 18 anos, os
Estados Unidos destacaram-se dentre outras nações desenvolvidas e no sistema
interamericano, e ficaram cada vez mais isolados da comunidade internacional.
As provas abundantes da prática dos Estados acima mencionada ilustra a
congruência e generalização entre os países no sentido de que a comunidade
internacional considera a execução de delinquentes menores de 18 anos no
momento em que cometeram o delito incompatível com as normas imperantes de
decência. Portanto, a Comissão opina que existe uma norma de direito
internacional consuetudinário que proibe a execução de delinquentes menores
de 18 anos no momento de cometer o delito.
85. Com base na
informação disponível, a Comissão comprovou que esta norma tem sido
reconhecida como uma norma de caráter suficientemente inalienável necessária
para constituir uma norma de jus cogens, evolução prevista pela Comissão
em sua decisão no caso Roach e Pinkerton. Como assinalado
anteriormente, quase todos os Estados nações rejeitaram a imposição da pena
capital a pessoas menores de 18 anos, em sua forma mais explícita, através
da ratificação do PIDCP, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tratados que consideram esta
disposiçaõ não derrogável. A aceitação desta norma engloba as
fronteiras políticas e ideológicas e os esforços por separar-se da mesma
forma energicamente condenados pelos integrantes da comunidade
internacional como não permissíveis segundo as normas contemporâneas de
direitos humanos. Com efeito, poderia-se afirmar que os próprios
Estados Unidos reconheceram o significado desta norma ao prescrever a idade
de 18 anos como norma federal para a aplicação da pena capital e ao
ratificar o Quarto Convênio de Genebra sem reservas a esta norma.
Sendo assim, a Comissão considera que os Estados Unidos estão obrigados por
uma norma de jus cogens a não impor a pena capital a pessoas que
cometeram os delitos quando não haviam cumprido 18 anos de idade. Como
norma de jus cogens, esta disposição obriga a comunidade de Estados,
incluidos os Estados Unidos. A norma não pode ser derrogada com
validade seja por tratado ou por discordância persistente o não de um Estado.
86. Ao interpretar os
termos da Declaração Americana à luz desta norma de jus cogens, a
Comissão conclui, no presente caso, que os Estados Unidos não respeitaram a
vida, a liberdade e a segurança da pessoa de Michael Domingues ao sentenciá-lo
a morte por delitos que cometeu quando tinha 16 anos de idade,
contrariamente ao artigo I da Declaração Americana.
87. A decisão da
Comissão acima mencionada a leva a concluir também que os Estados Unidos
serão responsáveis pela violação grave e irreparável do direito à vida de
Michael Domingues, consagrado no artigo I da Declaração Americana, se vier
a executá-lo por delitos que cometeu quando tinha 16 anos de idade.
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[16]
O artigo 32 do Regulamento da Comissão dispõe: “A Comissão
considerará as petições apresentadas dentro dos seis meses contados a
partir da data em que a presumida vítima haja sido notificada da decisão
que esgota os recursos internos.
[17] O
artigo 33(1)(a) do Regulamento da Comissão dispõe: “A Comissão não
considerará uma petição nos casos em que a respectiva matéria: a)
encontre pendente de outro processo de solução perante organização
internacional governamental de que seja parte o Estado aludido.
[18] O
artigo 33(2)(b) do Regulamento da Comissão dispõe: “Contudo, a
Comissão não se absterá de conhecer das petições a que se refere o
parágrafo 1, quando: b) o peticionário perante a Comissão, ou algum
familiar, for a presumida vítima da violação e o peticionário perante o
outro organismo for uma terceira pessoa ou uma entidade não-governamental,
sem mandato dos primeiros.
[19]
O artigo 34 do Regulamento da Comissão dispõe: “A
Comissão declarará inadmissível qualquer petição ou caso quando: a)
não expuserem fatos que caracterizem uma violação dos direitos a que se
refere artigo 27 do presente Regulamento; b) forem manifestamente
infundados ou improcedentes, segundo se verifique da exposição do próprio
peticionário ou do Estado; c) a inadmissibilidade ou a improcedência
resultem de uma informação ou prova superveniente apresentada à Comissão.
[32]
A Comissão observa que a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu
que a Convenção sobre os Direitos da Criança forma parte de um amplo
corpus juris internacional de proteção das crianças que deve servir a
Corte para fixar o conteúdo e os alcances da disposição geral
definida no artigo 19 da Convenção Americana. A Corte Interamericana
de Direitos Humanos, Caso Villagrán Morales e outros (“Crianças de rua”),
Sentença de 19 de novembro de 1999, Relatório Anual 1999, par. 194. Ver
também CIDH, Relatório de Canadá, OEA/Ser.L/V/II.106 Doc 40, rev ( 28
de Fevereiro de 2000), par. 38 (que confirma que, embora a Comissão
obviamente não aplica a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
relação aos Estados membros que ainda naõ a ratificaram, suas disposições
podem ser relevantes para informar uma interpretação dos princípios da
Declaração).
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