V.      ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO 116/01

88.     Em 15 de outubro de 2001, a Comissão aprovou o Relatório 116/01, de conformidade com o artigo 43 de seu Regulamento, que estabelece a análise dos antecedentes, as conclusões e as recomendações sobre esta matéria.

89.     Em 19 de outubro de 2001 foi remetido ao Estado o Relatório 116/01, solicitadno-lhe a informação acerca das medidas que adotara para dar cumprimento as recomendações contidas no mesmo, dentro de um prazo de dois meses, de acordo com o  artigo 43(2) do Regulamento da  Comissão. Mediante comunicação de 18 de outubro de 2001, recebida pela  Comissão em 19 de outubro de 2001, os Estados Unidos enviaram à Comissão sua resposta à petição.

90.     Mediante comunicação de 17 de dezembro de 2001, recebida pela  Comissão em 19 de dezembro de 2001, o Estado enviou uma resposta ao pedido de informação da  Comissão de 19 de outubro de 2001. Nela, o Estado reiterou os argumentos contidos em suas observações de 18 de outubro de 2001 e agregou alguns argumentos a respeito do relatório preliminar da Comissão sobre o mérito, em que não aceitava as conclusões e recomendações desta e solicitava que o relatório fosse “retirado”. Depois desta resposta o Estado encaminhou uma comunicação em 25 de junho de 2002, recebida pela  Comissão em 27 de junho de 2002, em apresentava “observações complementares” ao relatório da  Comissão.

91.     Antes de abordar mais detalhadamente a resposta do Estado, a Comissão apresenta as observações em relação a vários aspectos de procedimento desta  matéria descritas a seguir. A Comissão ressalta primeiramente a obrigação dos Estados membros de participar de boa-fé e na forma oportuna nos procedimentos contenciosos da  Comissão em cumprimento do artigo 20 (b) de seu Estatuto, a fim de que a Comissão possa examinar as comunicações que recebe e toda outra informação disponível, e de dirigir-se ao  governo dos Estados membros não partes da  Convenção para solicitar a informação que considere conveniente. No caso presente, apesar de ter recebido comunicações a respeito da  denúncia do Sr. Domíngues em maio de 2000, janeiro de 2001, agosto de 2001 e setembro de 2001, o Estado não respondeu a estas comunicações até o dia 19 de outubro de 2001, isto é, 16 meses depois da  notificação inicial da  Comissão e de que esta adotara seu relatório preliminar sobre o mérito. Na opinião da Comissão, esta demora em responder é totalmente inadequada, mormente num proceso cuja  natureza está relacionado à situação de uma pessoa sentenciada à morte.

92.     Uma das consequências da prolongada demora do Estado em subministrar informação sobre uma denúncia é a possibilidade de que a Comissão decida sobre a matéria sem contar com argumentos do Estado, o qual, como fica claro, ocorreu no presente caso. A este respeito, a Comissão deseja ressaltar que uma vez que o relatório preliminar sobre mérito é aprovado e remetido ao Estado em questão de conformidade com o artigo 43(2) de seu Regulamento, todo o que resta é que o Estado indique as medidas adotadas para dar cumprimento as recomendações da  Comissão.[88] A esta altura do processo, as partes tiveram plena oportunidade de apresentar suas observações, finalizaram as etapas de admissibilidade e mérito e a Comissão tomou sua decisão. Portanto, embora o Estado possa apresentar suas opiniões sobre as conclusões de fato e de direito a que chegou a Comissão em seu relatório preliminar, não cabe reiterar a esta altura seus argumentos anteriores a respeito da  admissibilidade ou mérito da  denúncia apresentada perante a Comissão, nem esta está obrigada a considerar esses argumentos antes de adotar seu relatório final sobre a matéria.

93.     Entretanto, a Comissão também conhece o significado dos aspectos legais que   o caso enseja para a vítima e, em termos gerais, para a jurisprudência interamericana sobre direitos humanos. Portanto, sem prejuízo das considerações processuais acima assinaladas, a Comissão decide resumir a resposta do Estado e apresentar suas observações a certos aspectos da  mesma. A respeito, os Estados Unidos opuseram-se às conclusões da  Comissão com base em diversos fundamentos. Em suma, o Estado argumenta que a petição é inadmissível devido à duplicação de procedimentos. Ademais, o Estado afirma que a prova considerada pela  Comissão não respalda sua conclusão de que existe uma proibição consuetudinária ou jus cogens da  execução de delinquentes juvenis.

94.     Os Estados Unidos argumentam que a petição não satisfaz os critérios de admissibilidade do artigo 33(b) do Regulamento da  Comissão[89] porque sua matéria em essência duplica uma petição pendente ou já examinada e resolvida pela  Comissão. O Estado indica a este respeito que nas conclusões do caso de 1987 de Jay Pinkerton e James Terry Roach,[90] a Comissão examinou exatamente a mesma questão da  presente petição e concluiu que, embora existia uma norma de jus cogens que proibia a execução de adolescentes, não existia uma norma de direito internacional consuetudinário que estabelecesse que os 18 anos era a idade mínima para impor-se a pena de morte. Consequentemente, o Estado alega que a petição deve ser indeferida em virtude do artigo 33 do Regulamento.

95.     Os Estados Unidos afirmam também que nem a prática do Estado identificada pela  Comissão nem as normas jurídicas por esta citada em seu relatório bastam para estabelecer uma proibição consuetudinária ou de jus cogens da  execução de delinquentes juvenis. A fim de respaldar a sua posição, o Estado afirma que a Comissão comete um erro ao utilizar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança como provas da prática do Estado, posto que os antecedentes da  negociação destes instrumentos indicam que a inclusão da  disposição sobre a pena de morte contra delinquentes juvenis não baseou-se na  costume e nem sequer no consenso.[91] O Estado sugere também que estes tratados não são informativos da  interpretação e aplicação da  Declaração Americana porque são posteriores a esta e são somente obrigatórios para os Estados partes.[92] O Estado afirma que, em todo caso, “é sabido” que muitos Estados ratificam os tratados mas não implementam as obrigações que assumem em virtude deles.[93] De acordo com o Estado, isto é das razões porque não basta a referência às disposições contratuais que proibem o uso da  pena de morte para estabelecer uma prática dos Estados suficiente para constituir o direito internacional consuetudinário.

96.     Os Estados Unidos sugerem que os órgãos da ONU, nos processos de negociação, reconheceram que não existe uma norma internacional consuetudinária que proiba a execução de delinquentes juvenis. O Estado assinala, em especial, a resolução de 1998 da  Comissão de Direitos Humanos da  ONU, citada no relatório da  Comissão, e que foi aprovada por 26 votos contra 3 a favor e 12 abstenções, e que 51 Estados, incluindo alguns não membros da  Comissão, assinaram uma declaração “desvinculando-se” dessa decisão. O Estado também faz referência a uma decisão da  Comissão de Direitos Humanos da  ONU que, no período de sessões de 2001, aprovou por consenso duas resoluções nas quais exortava os Estados que não haviam abolido a pena de morte a cumprir com as obrigações assumidas em virtude das disposições pertinentes dos instrumentos internacionais de direitos humanos, em especial, os artigos 37 e 40 da  Convenção sobre os Direitos da Criança e dos artigos 6 e 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.[94] Segundo o Estado, foram aprovadas estas resoluções e não o projeto de decisão proposto pela Subcomissão sobre a promoção dos direitos humanos através do qual se confirma que o direito internacional claramente estabelece que a imposição da  pena de morte a pessoas menores de 18 anos no momento do delito  viola o direito internacional consuetudinário.[95]

97.     Em sua comunicação de 25 de junho de 2002, o Estado complementou suas observações a este respeito com uma referência ao documento resultante do Período Extraordinário de sessões da  Assembléia Geral da  ONU sobre a Criança, de 10 de maio de 2002, que se exorta os governos que não aboliram a pena de morte a dar cumprimento as obrigações assumidas em virtude das disposições pertinentes dos instrumentos internacionais de direitos humanos.[96]  Na opinão do Estado, ao não invocar nenhuma norma consuetudinária para formular uma exortação ao cumprimento pelos Estados e somente referir-se aos compromissos assumidos em virtude da  Convenção sobre os Direitos da Criança e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Assembléia Geral implicitamente rejeitou o conceito de que existe também uma norma internacional consuetudinária contra a aplicação da  pena capital a delinquentes juvenis.

98.     O Estado também argumenta que, ao centrar-se na prática interna dos Estados, o relatório da  Comissão desconhece a opinio juris como elemento necessário do direito internacional consuetudinário. O Estado afirma que no relatório fracassou em determinar que os Estados tenham suspendido o processo de execução de delinquentes juvenis em razão de uma obrigação jurídica, ao invés de razões como a cortesia, justiça ou ética, por exemplo.[97]

99.     O Estado também impugna a sugerência feita pela Comissão de que a prática dos Estados Unidos demonstra uma tendência em direção a não aceitação da  aplicação da  pena de morte aos menores de 18 anos. O Estado afirma que, ao recorrer à decisão de 1988 da  Suprema Corte de seu país em Thompson contra Oklahoma, a Comissão omite reconhecer que a mesma Corte posteriormente concluiu no caso de 1989 de Stanford contra Kentucky, que a imposição da  pena capital a uma pessoa por um delito cometido aos 16 ou 17 anos não violava as normas de decência e portanto não constituia um castigo cruel, de acordo com a Oitava Emenda da Constituição dos Estados Unidos. O Estado também afirma que as decisões legislativas e judiciais da Flórida e Montana a que a Comissão fez referência em seu relatório não baseiam-se numa norma de direito consuetudinário que proibe a pena de morte para  delinquentes menores de 18 anos. Ademais, os Estados Unidos impugnam toda relevância dada pela  Comissão às distintas idades limites dos diversos estados membros e ao fato de que o próprio governo federal tenha considerado que os 18 anos deve ser a idade mínima para delitos federais puníveis com a pena capital, porque os tribunais internos dos Estados Unidos deixaram  de dar validade a tais fatores para determinar a admissibilidade da  execução de delinquentes juvenis na  legislação norte-americana.[98]  O Estado também observa que a lei federal - o Código Uniforme da  Justiça Militar dos Estados Unidos - permite o uso da  pena capital por delitos cometidos por integrantes das forças armadas menores de 18 anos com relação aos delitos estabelecidos nesta legislação.

100.   O último elemento probatório impugnado pelo Estado é o recurso da  Comissão ao Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança em relação as crianças nos conflitos armados. O Estado argumenta a este respeito que a Comissão interpretou erroneamente o Protocolo porque a declaração vinculante que os Estados partes estão obrigados a depositar através de ratificação requer  que eles afirmem seu acordo em aumentar a idade mínima para o recrutamento voluntário nas forças armadas  do padrão atual de 15 anos para então autorizar expressamente o recrutamento voluntário de pessoas de 16 para 17 anos. O Estado também  assinala que o artigo 1 do Protocolo exige que os Estados partes adotem todas as medidas viáveis para assegurar que os integrantes de suas forças armadas menores de 18 anos não participem diretamente nas hostilidades. Isto, segundo o Estado, equivale a reconhecer que em circunstâncias excepcionais não será viável que um comandante retenha ou retire um  soldado menor de 18 anos da  participação direta nas hostilidades. O Estado afirma que, portanto, o Protocolo Opcional não proibe totalmente a participação de jovens nos conflitos armados e não se pode considerar um fato jurídico internacional que respalde a proibição absoluta da  execução de delinquentes juvenis.[99] O Estado argumenta que, em todo caso, o Protocolo Opcional aborda o uso de adolescentes em conflitos armados e não a execução de menores de 18 anos, logo carece de valor probatório para estabelecer uma norma de direito internacional que proiba a execução de delinquentes juvenis.

101.   Como fundamento final de suas objeções, os Estados Unidos argumentam que não está obrigado por nenhuma norma internacional que proibe a execução de delinquentes juvenis. Em especial, o Estado argumenta que afirmou sistematicamente seu direito a executar a delinquentes juvenis mediante reservas aos tratados, relatórios perante tribunais nacionais e internacionais e declarações públicas[100] e, que desde a decisão da  Comissão emitida há 15 anos no caso Roach e Pinkerton, a norma de direito internacional consuetudinário que estabelece que a idade mínima de 18 anos para a imposição da  pena de morte a delinquentes juvenis evolucionou, e que os Estados Unidos não estão obrigados por esta norma. O Estado também afirma que, dado que a Comissão não encontrou evidências de uma norma de direito internacional humanitário que proiba a imposição da pena de morte aos delinquentes juvenis na  decisão emitida 15 anos atrás no caso Roach e Pinkerton, concluir agora que existe uma norma de jus cogens é incompatível e improvável.  O Estado defende que o único argumento apresentado a favor desta conclusão no relatório da  Comissão é a afirmação de que a execução do Sr. Domínguez comocionará a consciência da  humanidade. O Estado considera que esta afirmação é pelos menos “falaciosa” e alega que, pelo  contrário, são os atos do Sr. Domínguez, e não o castigo originado por estes atos que devem comocionar a consciência da humanidade.[101]

102.   Varios dos aspectos assinlados na resposta do Estado merecem comentários da  Comissão. Com relação à objeção do Estado à admissibilidade da petição em razão de uma alegada duplicação de procedimentos, a Comissão considerou anteriormente que uma instância de duplicação inaceitável em virtude do artigo 47(d) da  Convenção Americana - que, em essência, reproduz os critérios do artigo 33(1)(b) do Regulamento - seria aquela que, em princípio, trata-se da  mesma pessoa, as mesmas denúncias e garantias jurídicas e os mesmos fatos aduzidos.[102] Consequentemente, as denúncias apresentadas em relação a vítimas diferentes, ou apresentadas em relação a mesma pessoa mas sobre fatos e garantias não previamente apresentados e que não são reformulações, não formulam problemas a respeito da res judicata e, em princípio, não estam compreendidas na  proibição por duplicação de denúncias.[103] No presente caso, o Sr. Domingues nao apresentou antes uma denúncia perante a Comissão formulando a questão da  legalidade de sua sentença de morte sob o amparo da  Declaração Americana ou de outro instrumento. Portanto, não se pode considerar que sua petição é inadmissível por duplicação de denúncias.

103.   O Estado também afirma que é “incoerente” e “improvável” que a Comissão conclua que a execução de delinquentes juvenis viola uma norma de jus cogens depois de 15 anos de sua decisão no caso Roach e Pinkerton. Como indicado no presente relatório e na  decisão, e como o próprio Estado o reconhece em sua resposta, a Comissão determinou em  sua resolução de 1987 em Roach e Pinkerton que a proibição da  execução de adolescentes constituía uma norma de jus cogens. A questão principal do presente caso é, portanto, se agora pode-se dizer que norma evolucionou a delimitação da  idade dos 18 anos como a idade para a minoridade para esta norma. Com base na ampla evidência da  evolução internacional sobre esta questão desde 1987, a Comissão chegou a conclusão de que este era efetivamente o caso.[104]

104.   Também são errôneas as objeções do Estado quanto à utilização, pela   Comissão, de tratados de dentro e fora do sistema interamericano como evidência do surgimento de uma norma consuetudinária. Está claramente estabelecido que podem ser invocados outros tratados relacionados com a proteção dos direitos humanos nos Estados americanos, independentemente de seu caráter bilateral e multilateral, e de que tenham sido aprovados dentro do marco do sistema interamericano ou sob seus auspícios.[105] Estes  tratados formam parte do corpus juris gentium de direito internacional em matéria de direitos humanos em cujo contexto devem ser interpretadas as obrigações internacionais atuais dos Estados.[106] É possível entender que as normas de um tratado cristalizam novos princípios ou normas de direito consuetudinário.[107] Também é possível que se forme uma nova norma de direito internacional consuetudinário, em um curto período de tempo, baseada originalmente numa norma puramente convencional, sempre que estejam presentes os elementos para estabelecer o costume.[108]

105.   No presente caso, o Estado não impugnou o fato de que em 1987 a Assembléia Geral da  ONU aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi ratificada por todos os Estados com exceção de dois e que foi assinada pelos Estados Unidos sem  reservas à proibição da  execução de delinquentes juvenis. Da mesma forma, a aceitação internacional ampla dos princípios e normas do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi ampliada com as 64 novas ratificações ou adesões a esse instrumento, o que perfaz o número total de  147 Estados partes. Ambos instrumentos prescrevem como parte do direito não derrogável a  vida  - per se considerada por esta Comissão uma norma de jus cogens-[109] uma clara e inequívoca proibição da  execução de pessoas que tenham menos de 18 anos no momento em que cometeram o delito, a respeito do qual nenhum Estado, com  a exceção dos Estados Unidos, apresentou reservas. Não obstante as opiniões que possam ter manifestado certos Estados quando negociaram os dispositivos destes tratados, o fato é que quase todos os países, dentre aqueles que aboliram ou não a pena de morte, aceitaram incondicionalmente esta proibição mediante a ratificação ou a adesão. Embora os Estados Unidos possam basear-se numa desconexão histórica entre a ratificação e implementação das disposições do tratado por parte dos Estados, o próprio Estados Unidos assinalam que, de acordo com a informação compilada em 2000 pelas Nações Unidas,[110] todos, menos 14, dos 191 Estados partes da  Convenção da Criança promulgaram leis compatíveis com o  artigo 37(a), e entre 1994 e 1998, somente quatro Estados, incluindo os Estados Unidos, executaram pelo menos uma pessoa menor de 18 anos no momento de cometer o delito. Portanto, a prática dos Estados concorda com estas obrigações internacionais subjacentes.[111]

106.   As afirmações do Estado quanto à evidência de opinion juris não tem em conta varios fatores relacionados com a natureza e a evolução das normas de jus cogens, nem a maneira em que se pode revelar e expressar a opinio juris dos Estados. A Comissão observa  que nem sempre é necessária a evidência de opinio juris para determinar a existência de uma norma de jus cogens. Mais particularmente, uma norma de jus cogens pode surgir por vários meios, incluindo a prática dos Estados e disposições contratuais que se consideram de natureza peremptória. O genocídio pode ser considerado um exemplo de norma deste último caráter, pela qual a Convenção de 1948 sobre o genocídio[112] articulou a definição deste crime e coincidentemente materializou a opinão da  comunidade internacional de que a proibição do genocídio constituia uma norma peremptória de direito internacional que não admitia derrogação, proclamando em termos nada equívocos que o genocídio é um crime no direito internacional contrário ao espírito e os objetivos das Nações Unidas e condenado pelo  mundo civilizado.[113] Em tais circunstâncias, a evidência de opinio juris através da  prática dos Estados derivada de um sentido de obrigação não é necessariamente um requisito prévio para a existência de uma norma de jus cogens. No contexto do presente caso, a Comissão vem considerando há muito tempo que a proibição internacional contra a execução de delinquentes juvenis adquiriu o  caráter de norma peremptória. Ao longo do presente relatório, a Comissão também  considerou que a comunidade internacional definiu a idade para efeitos desta norma como sendo 18 anos, em boa medida com base na Convenção da  ONU sobre os Direitos da Criança e outras disposições contratuais que prescrevem esta norma com caráter absoluto. Em tais circunstâncias, pode não ser essencial uma evidência de opinio juris além da  proibição amplamente aceita e absoluta da  execução de delinquentes menores de 18 anos da  Convenção da Criança, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e outras fontes pertinentes de direito internacional para impedir que os Estados Unidos discordem desta norma.

107.   Na  medida em que a evidência de opinio juris possa ser pertinente ao surgimento de uma norma de jus cogens através da prática, isto é, que se demonstra  que os Estados aplicaram uma determinada prática, não somente pela obrigação jurídica, mas sim em razão do reconhecimento de que a obrigação resultante é de caráter peremptório, a posição dos Estados Unidos, em termos mais gerais, não tem em conta a incidência particular dos tratados e de outros instrumentos internacionais neste sentido. Quando um instrumento é amplamente ratificado ou respaldado pelos membros da  comunidade internacional e enseja a legalidade de certas medidas, as disposições desse instrumento podem ser consideradas evidências de opinion juris.[114] Os tratados de direitos humanos são particularmente significativos a este respeito, pois em geral se considera que reconhecem direitos que já existem por serem atributos da  pessoa humana, motivo pelo qual não podem ser derrogados por nenhum Estado.[115] Ademais, se entende que,  em virtude destes instrumentos os Estados estão submetidos a uma ordem jurídica dentro do qual assumem, dentro da esfera do bem comum, várias obrigações, não em relação aos outros Estados, mas sim a  todas as pessoas sob sua jurisdição.[116]

108.   Os Estados denunciam a execução de delinquentes juvenis devido a uma obrigação jurídica e isto está evidenciado pela natureza da  proibição específica em questão, que instrui os Estados quanto a maneira em que podem ou não aplicar seu direito penal interno para privar as pessoas de seu direito mais fundamental, seu direito à vida. É difícil conceber uma prova mais convincente da opinião dos Estados quanto ao caráter jurídicamente obrigatório das prescrições internacionais que a emenda de suas leis penais para adaptá-las a essas novas obrigações.[117] Portanto, como fica claro depois das evidências analisadas pela  Comissão em sua decisão sobre o mérito desta matéria, se pode considerar que as medidas adotadas pelos Estados para erradicar a pena de morte contra delinquentes juvenis foram tomadas com base na obrigação jurídica de respeitar os direitos humanos fundamentais. 

109.   Por último, quanto à tentativa do Estado de desqualificar a evolução em outras esferas do direito e a prática internacionais, incluindo o tratamento dos adolescentes nos conflitos armados, a Comissão reitera sua opinão de que estas iniciativas são pertinentes às questões atualmente em consideração pois, assim como a proibição internacional da  pena de morte contra delinquentes juvenis, estão motivadas por um preceito comum, a saber, a opinão amplamente aceita de que a idade de 18 anos é o limite que a sociedade estabeleceu em geral para supor razoavelmente que uma pessoa é responsável pelso seus juizos especialmente em relação a atos pelos quais suas vidas podem ser confiscadas.[118] Portanto, a comunidade internacional considera que privar as pessoas da vida por atos cometidos antes de chegar aos 18 anos é um castigo desproporcionado que viola as normas contemporâneas de humanidade e decência, razão pela qual fica proibido em toda e qualquer circunstância. 

110.   Com  base na  resposta do Estado, a Comissão conclui que não se tomou medida alguma para dar cumprimento a suas recomendações. Neste sentido, e tendo analisado as observações do Estado, a Comissão decide ratificar suas conclusões e reiterar suas recomendações, conforme descritas a seguir.

VI.     CONCLUSÕES

111.   Com base nas considerações de fato e de direito expostas anteriormente, e na ausência de uma resposta do Estado ao Relatório N° 116/01, a Comissão ratifica suas conclusões.

112.   Com base nas considerações de fato e de direito expostas anteriormente, a Comissão conclui que o Estado atuou em violação de uma norma internacional de jus cogens, refletida no artigo I da  Declaração Americana, ao sentenciar  Michael Domingues à pena de morte por delitos que cometeu quando tinha 16 anos de idade.  Por conseguinte, se o Estado vier a executar o Sr. Domingues conforme esta sentença, será responsável pela violação grave e irreparável do direito do Sr. Domingues à vida, consagrado no artigo I da  Declaração Americana.

VII.     RECOMENDAÇÕES

113.   De acordo com a análise e as conclusões que constam no presente relatório,

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS REITERA AS SEGUINTES RECOMENDAÇÕES AOS ESTADOS UNIDOS:

         1.       Outorgue a Michael Domingues uma reparação efetiva, que inclua a comutação da pena.

         2.       Revise sua legislação, procedimentos e práticas para garantir que a pena de morte não seja imposta a pessoas que tinham menos de 18 anos de idade no momento em que cometeram o delito.

VIII.    NOTIFICAÇÃO E PUBLICAÇÃO

114.   Tendo em consideração a análise precedente e as circunstâncias excepcionais do presente caso, em que a vítima continua sob a ameaça iminente de execução em virtude de uma pena de morte que a Comissão determinou é inválida e que o Estado indicou claramente sua intenção de não dar cumprimento às recomendações  formuladas a respeito das violações da  Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Comissão decide, em virtude do artigo 45(2) e (3) de seu Regulamento, não fixar prazo adicional antes da  publicação para que as partes apresentem informação sobre o cumprimento das recomendações, remeter o presente relatório ao Estado e aos representantes do peticionário, publicá-lo e incluí-lo no seu Relatório Anual a  Assembléia Geral da  Organização dos  Estados Americanos. De acordo com as normas contidas nos instrumentos que regem seu mandato, a Comissão seguirá avaliando as medidas a serem adotadas pelos  Estados Unidos com relação às recomendações anteriores até que os Estados Unidos as cumpram por completo.

         Dado e assinado na  cidade de Washington, D.C., aos 22 dias de mês de outubro de 2002. (Assinado): Juan E. Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; Membros da Comissão Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts e Susana Villarán.

 

OPINÃO CONCORRENTE DO MEMBRO DA COMISSÃO HÉLIO BICUDO[119]

1. Embora apóie as conclusões, fundamento e motivos de meus companheiros  membros da Comissão neste relatório, gostaria de analisar o assunto mais a mérito e expressar minha opinião com respeito a legitimidade da pena de morte no sistema interamericano.  

2. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na 9a. Conferência Internacional Americana, realizada em Santa Fé de Bogotá em maio/ junho de 1948, afirmou que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa” (Artigo 1°), e mais, que “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, sexo, idioma, credo religioso, ou qualquer outro que seja” (artigo 2°).

3.     Em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, proclamada em 22 de novembro desse mesmo ano em São José da Costa Rica, dispõe em seu artigo 4°, que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida” e que “esse direito estará protegido pela lei, em geral, a partir do momento da concepção”. E mais, que "ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

4.       Ainda a Convenção Americana, ao incluir no âmbito dos direitos civis e políticos o direito a integridade pessoal, estabelece que “ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.

5.      Entretanto, a pena de morte e consentida pela Convenção Americana, na sua versão original. Nesse sentido, o seu artigo 4°, inciso 2°, admite a pena capital naqueles Estados partes que não a tenham abolido até o momento de sua edição e, naturalmente, posterior ratificação, e, assim mesmo, de forma excepcional: para os delitos de maior gravidade.

6.      Trata-se, sem dúvida, de uma contradição, relativamente aos dispositivos citados, que repelem a tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

7.      Realmente, a Declaração Americana resguarda a vida como um direito primordial e a seguir, a Convenção Americana repudia, como vimos, a tortura ou a imposição de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Ora, tenha-se, desde logo, que a eliminação de uma vida e o que se poderia qualificar como o ponto culminante da tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

8.      Tem-se, assim, a impressão de que a tolerância expressa no inciso 2°, do artigo 4° da Convenção Americana, revela, tão somente a adoção de uma posição política de conciliação entre as Partes contratantes, para aprovar-se o dispositivo mais geral, relativo ao direito a vida.

9.      Antes, entretanto, de aprofundarmos uma reflexão sobre o verdadeiro alcance da aludida permissão para a permanência da pena capital naqueles países que já continham em suas leis penas, no momento de sua aprovação aos termos da Convenção, convêm notar que a Convenção Interamericana para prevenir e sancionar a Tortura, subscrita em Cartágena de Índias, Colômbia, a 9 de dezembro de 1985, define o que se deve entender por tortura: “é todo ato realizado intencionalmente pelo qual se inflijam a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio intimidatório, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim” (artigo 2°).

10.  Veja-se que esse dispositivo fala em tortura como pena ou castigo pessoal, segundo qualquer finalidade.

11.  Pois bem, a condenação à morte, por si só, impõe ao condenado um sofrimento que não é, sequer, mensurável. Já se imaginou a angustia a que se sujeita um condenado a morte, ao ouvir a sentença, ao depois, ao aguardar o momento da execução? Seria, sequer, possível avaliar o sofrimento de pessoas que esperam, nos chamados “corredores da morte”, pela sua execução, por vezes postergada por vários anos? Nos Estados Unidos da América, menores de 15, 16, 17 anos, que praticaram homicídio e foram condenados a morte, aguardam, por vezes, quinze anos ou mais anos, pela sua execução. Pode-se considerar maior sofrimento? Entre a esperança e a desesperança, até o encontro final com o carrasco?

12.  Acrescente-se que os Estados Membros da OEA, ao adotarem a Convenção Americana sobre desaparecimento forçado de pessoas, reafirmaram que “o sentido da solidariedade americana e de boa vizinhança não pode ser outro que o de consolidar neste Hemisfério, dentro do espírito das instituições democráticas, um regime de liberdade individual e da justiça social, fundado no respeito aos direitos essenciais do homem”.

13.  Caberia recordar que nos anos de 1998 e 1999, os Estados Unidos da América foram o único país do mundo conhecido por executar jovens menores de 18 anos. A esse propósito vale observar que os Estados Unidos da América são parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e políticos desde setembro de 1992 e que o inciso 5° do artigo 6°desse Pacto estipula que a pena de morte não será imposta a menores de 18 anos nem a mulheres grávidas. Embora ao ratificar o aludido Pacto o Senado norte-americano tenha emitido reserva relativamente a esse dispositivo, existe hoje um consenso internacional quanto à nulidade dessa reserva a luz do disposto na alínea “c”, do artigo 19 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Esta, em suma, delega ao Estado a faculdade de formular reservas, desde porém, que não sejam incompatíveis com o objeto e propósito do Tratado.

14.  Em junho deste ano (2000), no Estado do Texas (USA), foi executado Shaka Sankofa, antes conhecido como Gary Graham, condenado por um crime que teria cometido quando contava 17 anos de idade. Foi executado depois de 19 anos de espera no corredor da morte, apesar das solicitações formalmente apresentadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ao Governo Americano, com o fim de que se suspendesse o ato extremo, até que se decidisse sobre queixa apresentada em seu nome à aludida Comissão, pois havia sérias dúvidas sobre a autoria do delito atribuído ao paciente. O não atendimento por parte do Governo Americano, que não poderia escapar à competência da CIDH, no âmbito da proteção dos Direitos Humanos no hemisfério, segundo a Declaração Americana, provocou um comunicado a imprensa, estranhando e profligando esse procedimento, em tudo contrário ao funcionamento do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos. [120](ver em nota de rodapé o inteiro teor do comunicado de imprensa da CIDH).

15.  Por outro lado, a Convenção Americana para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra a mulher, proclamada em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, impede a submissão da mulher à pena de morte. É o que se deduz do disposto em seu artigo 3°, ao afirmar “que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no 6ambito público, como privado”, e repete no artigo seguinte que dentre seus direitos compreende-se o “direito a que se respeite sua vida”. Entre os deveres do Estado, dispõe, ainda, a Convenção de Belém do Pará, inclui-se a de “abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal, agentes ou instituições se comportem na conformidade com esta obrigação”. Ora, com a afirmativa de que toda a mulher tem direito à vida, e uma vida livre de violência, negando-se ao Estado qualquer ação ou prática contra a mulher, parece evidente que a Convenção de Belém do Pará proíbe a aplicação da pena de morte à mulher. Não se pode ver nos dispositivos citados uma discriminação com relação aos homens ou às crianças e jovens. E nem se argumente com a chamada discriminação positiva, pois esta existe para preservar direitos inerentes à qualificação de uma pessoa, para preservar direitos que só a ela pertencem. Por exemplo: a mulher grávida ou com filhos tem direitos próprios a sua condição de gestante e de mãe e que não se estendem, por evidente, aos homens. Além disso, uma medida de discriminação positiva tem que visar realizar a igualdade entre grupos de pessoas entre as quais persistem desigualdades de fato, de modo temporário e proporcional. Não existe uma desigualdade entre homens e mulheres no que diz respeito ao direito à vida. E em qualquer caso, a imposição da pena de morte não é uma medida proporcional, como veremos adiante. Quando se trata de direitos comuns – como direito à vida – não se pode falar em discriminação positiva. Nesse caso, todos são iguais perante a lei. Naturalmente, ao se proibir a imposição da pena de morte, às mulheres, teve-se em atenção não apenas sua condição feminina, mas, sobretudo, sua qualificação enquanto pessoa humana.

16.  Nesse sentido, o artigo 24, da Convenção Americana, enuncia que “todas as pessoas são iguais perante a lei”. E, em conseqüência, "têm direito, sem discriminação, à igual proteção da lei”. Não obstante essa norma defina o termo discriminação, a CIDH considera que essa expressão inclui toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em algum motivo que tenha por objeto ou por resultado anular ou menoscabar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural, ou em qualquer outra esfera da vida pública”. (cf., Manual de Preparações de Informes sobre os Direitos Humanos, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 26).

17.  Convém anotar, ademais, que a Convenção sobre os direitos da criança proíbe a imposição da pena de morte a menores de 18 anos de idade, nos termos de seu artigo 37, letra “a”,

18.  Trata-se de instrumento jurídico dotado de significativa universalidade no campo dos direitos humanos (apenas os Estados Unidos da América e a Somália não o ratificaram).

19.  O citado artigo 37 da aludida Convenção dispõe que “nenhuma criança deve ser submetida à tortura ou outras formas cruéis, desumanas ou degradantes de tratamento ou punição. Nem a pena de morte, nem a prisão perpétua serão impostas nos casos de delitos cometidos por pessoas menores de 18 anos”.

20.  Observe-se, entretanto, que embora os Estados Unidos da América não tenham ratificado a Convenção sobre os direitos da criança, o simples fato de haverem assinado aquele instrumento em fevereiro de 1995 gera obrigações no plano jurídico. O artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados estabelece que os países signatários de um tratado, mesmo que não o tenham ratificado, devem abster-se de qualquer ato contrário a seu objeto e propósito, até que tenham decidido anunciar sua intenção de não tornar-se parte do tratado. No caso, apesar de os Estados Unidos da América não serem parte da Convenção de Viena, o Departamento de Estado Americano já reconhece como texto básico na área de tratados e atos processuais. Segundo a premissa de que a reserva é incompatível com o objeto e a finalidade de um tratado e que os Estados Unidos da América não são parte da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o Departamento de Estado desse País entende que as normas da Convenção de Viena se constituem numa declaração do direito internacional costumeiro. E nesse caso, devem ser reconhecidas. Isto porque, segundo, ainda a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, deve-se reconhecer a importância progressiva dos tratados como fonte do direito internacional e como meio do desenvolvimento pacífico e cooperativo entre as nações, qualquer que sejam sua Constituição e sistema social.

21.  Ora, da mesma forma, como se anotou na hipótese da imposição de pena de morte a mulheres, não se pode ver no dispositivo em questão uma discriminação a afastar homens e mulheres, pois, como se afirmou, não se trata, ainda neste caso, de uma discriminação positiva, uma vez que o artigo 37, letra “a”, da Convenção sobre os direitos da criança, objetiva preservar direitos que não são próprios, apenas, das crianças ou jovens, mas de todo ser humano.

22.  Se isto é verdade, como sem dúvida o é, o disposto no artigo 4° da Convenção Americana perdeu seu significado anterior, de sorte que os Estados que a subscreveram e a ratificaram, bem como a instrumentos internacionais posteriores não podem impor a pena de morte a qualquer pessoa, independentemente de seu sexo, ou outra qualquer condição.

23.  Examinaremos a matéria tendo em vista princípios de hermenêutica consagrados no direito positivo. O direito internacional pressupõe disposições que estão acima do Estado. Conforme acentua o ilustre jurista italiano Norberto Bobbio, o universalismo – que o direito internacional pretende normatizar – ressurge hoje, em especial depois da segunda guerra mundial e da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), não mais como crença num eterno direito natural, como vontade de constituir um direito positivo único do desenvolvimento social e histórico (como o direito natural e o estado de natureza), mas no fim. E pondera que a idéia do Estado mundial único e a idéia-limite do universalismo jurídico contemporâneo, isto é, a constituição de um direito positivo universal (cf. Teoria do Ordenamento Jurídico. Universidade de Brasília, 1991, p. 164).

24.  No caso, não se pode permitir a prevalência de norma anterior, do mesmo conteúdo da posterior que pretende ilidir a esta última. Trata-se do que os juristas denominam antinomia e como tal precisa ser encarada e solucionada. Qual das regras deve prevalecer? Que elas são incompatíveis não há dúvida. Mas como resolver o problema?

25.  Segundo, ainda, Noberto Bobbio, as regras fundamentais para a solução das antinomias são três: a) o critério cronológico; b) o critério hierárquico; e c) o critério da especialidade (op. Cit., p.92).

26.  No primeiro caso, prevalece a norma posterior – lex posterior derogat priori. No segundo, a natural prevalência do direito internacional sobre o direito nacional. Finalmente, enquadra-se, ainda, a hipótese, no último critério, pois se trata de uma regra especial, com especial destinação.

27.  Nem se alegue, entretanto, que a aceitação da pena de morte no parágrafo 2, do artigo 4°, da Convenção Americana, é uma disposição especial com relação ao direito “Geral”à vida. E, muito menos, que ao aceitar a pena de morte, foi ela considerada como um caso particular de pena a não alcançar uma violação do direito à vida ou à proibição da tortura ou de outro tratamento cruel ou desumano.

28.  A Corte Interamericana de Direitos humanos, em sua opinião consultiva OC-3/83, de 8 de setembro de 1983, assinalou que em se tratando de restrições à pena de morte, não se deveria contornar o problema, senão, pôr-lhe um limite definitivo, mediante um processo progressivo e irreversível destinado a cumprir-se tanto nos países que não tenham ainda resolvido aboli-la, como naqueles que já tomaram essa determinação.

29.  Nesta matéria, continua a Corte, a Convenção expressa uma clara tendência de progressividade, consistente em que, sem chegar a decidir a abolição da pena de morte, adota as disposições requeridas para limitar definitivamente sua aplicação e seu âmbito, de modo tal a que estes se vão reduzindo até sua supressão final.

30.  A esse propósito, vale a pena recordar os trabalhos preparatórios da Convenção Americana que confirmam o sentido resultante da interpretação textual de seu artigo 4°. Com efeito, a proposta de várias delegações para que proscrevesse a pena de morte de modo absoluto, ainda quando não tivesse alcançado a maioria regulamentar de votos afirmativos, não teve um só voto contrário. A atitude geral e a tendência amplamente majoritária da Conferência foram registradas na seguinte declaração apresentada ante a Sessão Plenária de Clausura, por quatorze das dezenove delegações participantes (Costa Rica, Uruguai, Colômbia, Equador, El Salvador, Panamá, Honduras, República Dominicana, Guatemala, México, Venezuela, Nicarágua, Argentina e Paraguai):

“As delegações, que assinam abaixo, participantes da Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, tendo em vista o sentimento altamente majoritário, expressado no curso de debates sobre a proibição da pena de morte, concorde com as mais puras tradições humanistas de nossos povos, declaramos solenemente nossa firme aspiração de ver desde logo erradicada do âmbito americano a aplicação da pena de morte e nosso indeclinável propósito de realizar todos os esforços possíveis para que, a curto prazo, se possa subscrever um Protocolo adicional à Convenção Americana de Direitos humanos “Pacto de São José, Costa Rica”, que consagre a definitiva abolição da pena de morte e coloque uma vez mais a América na vanguarda da defesa dos direitos fundamentais do homem” (atas e documentos, OEA-serv.K-XVI-12, Washington, D.C., 1973; adiante Atas e Documentos (repr.1978, esp.p. 161, 195, 296 e 449/441).

31.  Coincide, ademais, com tais afirmativas o que foi assinalado pelo Relator da Comissão, no sentido de que a Comissão fez notar, nesse artigo, sua firme tendência à supressão da pena de morte. (atas e documentos, supra n° 296).

32.  Por demais, o Estado de Direito implica, quando da imposição de uma pena, no conhecimento do que essa pena realmente importa. Quando se aplica uma pena que tem pó objetivo, além da punição, a recuperação do detento, este o que vai acontecer com sua pessoa no futuro. Se lhe é imposta uma pena somente punitiva, no caso da prisão perpétua, o réu visualiza, ainda nesta hipótese, o se futuro. Mas, se a pena é de morte, o Estado não aponta ao condenado o que lhe vai suceder com sua eliminação enquanto pessoa humana. É que a ciência, com todo o seu desenvolvimento, não chegou, até hoje, a desvendar o pós-morte; vida futura, com castigo ou prêmio? Pura e simples eliminação?

33.  Assim, ao Estado de Direito é defeso aplicar uma pena cujas conseqüências, não pode desvendar.

34.  Na verdade, todas as penas de que lança mão o legislador, constituem espécies de sanções, distribuindo-se elas segundo uma graduação racional que procura levar em conta uma série de fatores peculiares a cada hipótese de ilicitude.

35.  O pode-dever de punir, que compete ao Estado, abre-se, desse modo, em um leque de figuras ou medidas, segundo soluções escalonadas, mensuráveis em dinheiro ou em quantidade de tempo. Essa ordenação gradativa é da essência mesma da Justiça penal, pois esta não se realizaria se um critério superior de igualdade ou de proporção não presidisse a distribuição das penas, dando a cada infrator mais do que ele merece.

36.  Pois bem, quando se decreta a pena de morte, rompe-se abrupta e violentamente a apontada harmonia serial; dá-se um salto do plano temporal para o não-tempo da morte.

37.  Com que critério objetivo ou com que medida racional (pois ratio significa razão e medida) se passa de uma pena de 30 anos ou de prisão perpétua para a pena de morte? Onde e como se configura a proporcionalidade? Qual a escala asseguradora da proporcionalidade?

38.  Dir-se-á que também há uma diferença qualitativa entre a pena de multa e a de reclusão, mas o cálculo daquela é redutível a critérios cronológicos, podendo ser fixada, por exemplo segundo o que representara em termos de jornadas de trabalho perdido, par que possa significar privação e sofrimento à pessoa do infrator, em função de sua situação patrimonial. De qualquer modo, são critérios racionais de conveniência, suscetíveis de contraste na experiência, que governam a passagem de um para outro tipo de pena, enquanto a idéia de “proporcionalidade”submerge-se na perspectiva da morte.

39.  Em suma, a opção pela pena de morte, é de tal ordem que, como afirma Simmel, matiza todos os conteúdos da vida humana, podendo-se dizer que ela é inseparável de um halo de enigma e de mistério, de sombras que à luz da razão não é dado dissipar: querer enquadrá-la em soluções penais equivale a despojá-la de seu significado essencial para reduzi-la à violenta desagregação física de um corpo (apud Miguel Reale, in O Direito como Experiência).

40.  Daí a conclusão do eminente filósofo jurista Miguel Reale: analisada à luz de seus valores semânticos, o conceito de pena e o conceito de morte são entre si lógica e ontologicamente irreconciliáveis e que, assim sendo, “pena de morte” é uma “contradictio in terminis” {cf. O direito como experiência, Saraiva, 2a ed., São Paulo, Brasil).

41.  O jurista Héctor Fáundez Ledesma escreve, a propósito: “quanto aos direitos consagrados na Convenção, estes são direitos mínimos, ela não pode limitar o exercício desses direitos numa medida maior que a permitida por outros instrumentos internacionais. Por conseguinte, qualquer outra obrigação internacional assumida pelo Estado em outros instrumentos internacionais de diretos humanos é da maior relevância, e sua coexistência com as obrigações derivadas da Convenção deve ser tida em conta em  todo aquele que resulte mais favorável ao  indivíduo”.

42.  “O mesmo entendimento, prossegue o jurista, se faz extensivo a qualquer outra disposição convencional que proteja o indivíduo de uma maneira mais favorável, quando esta esteja contida num tratado bilateral ou multilateral, e independentemente de qual seja seu objeto principal” (O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, 1996, pg. 92 e 93).

43.  Acresce que o artigo 29, “b”, da Convenção Americana estabelece, nessa mesma linha de pensamento, que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de “limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possa estar reconhecido de acordo com as leis de qualquer dos Estados partes”. E oportuno, a propósito, ler o informe da CIDH sobre Suriname e a consulta OC-8/87 à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

44.  Nessa oportunidade, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmava que a proibição de impor a pena capital por delitos cometidos por menores de 18 anos, era um princípio emergente do direito internacional. Doze anos mais tarde não há dúvida alguma de que este princípio está hoje totalmente consolidado. A ratificação por 192 Estados, da Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que proíbe a imposição da pena capital àqueles que cometeram delitos quando menores de idade, e, dentre outras, uma prova irrefragável da consolidação desse princípio (cf. Relatório da Anistia Internacional apresentado à CIDH, Washington, 5 de março de 1999).

45.  É certo que a Declaração Universal de Direitos humanos não se refere especificamente à proibição da pena de morte, mas consagra em seu artigo 3° o direito de cada um à vida, liberdade e segurança (o mesmo preceito figura no artigo 1°da Declaração Americana dos Direitos e Deveres dos Homem). Adotada pela Assembléia Geral da ONU, em 1948, sob a forma de mera resolução/recomendação, a Declaração Universal é hoje considerada por insignes doutrinadores como parte do Direito Internacional Costumeiro e como norma obrigatória (jus cogens) – artigo 53, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Mutatis mutandi, seria lícito afirmar que a Convenção sobre os direitos da criança, por sua abrangência e caráter obrigatório, deva também ser observada pelos dois únicos Estados que não a ratificaram, como, aliás, já se salientou e observa o próprio Departamento de Estado, dos Estados Unidos da América.

46.  Convém, ademais, assinalar que a Corte Européia de Direitos Humanos, ao decidir o caso Soering - Jens Soering, nascido na Alemanha, em detenção na Inglaterra e submetido a um pedido de extradição pelos Estados Unidos da América para responder a uma acusação de homicídio praticado no Estado de Virgínia, que pune esse crime com pena de morte - fez oportunos comentários ao artigo 3°, da Convenção Européia, onde se diz que ninguém pode ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamento desumano, cruel ou degradante. Considerou a Corte que o pedido não poderia ser atendido a não ser que se tivesse a certeza de que o extraditando seria beneficiado, pelo menos, pelas garantias do aludido dispositivo do artigo 3°, da Convenção (cf. Jurisprudence de la Cour Européenne des Droits de l’homme, 1998, 6a ed., Sirey, os. 18 e seguintes).

47.  Quer dizer, a Corte concluiu que a extradição a um país que conhece a pena de morte não constituiria uma violação do direito à vida ou do direito à integridade pessoal, pois a pena de morte em si não é, explicitamente, proibida pela Convenção Européia. Todavia, a possibilidade de que o réu passasse anos em detenção à espera do momento – aliás, totalmente imprevisível – da execução da pena, a chamada “síndrome do corredor da morte” foi considerada pela Corte como constituindo um tratamento cruel e, de conseguinte, uma violação do direito a integridade pessoal.

48.  Trata-se, sem dúvida, de uma ambigüidade: se há espera, viola-se o direito; se a imposição da pena for imediata, a atuação do Estado não seria considerada uma violação do direito fundamental `vida.

49.  Essa decisão permite, a conclusão de que abandona-se, pouco a pouco, a visão tradicional, positivista, na aplicação do direito. Ao invés de uma interpretação literal dos textos em questão, busca-se uma hermenêutica teleológica, no caso, da Convenção Européia, para chegar-se à conclusão maior, de não se permitir a aplicação da pena de morte em qualquer hipótese.

50.  Assim, a proibição absoluta, pela Convenção Européia, da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes mostra que o artigo 3°, em referência, consagra um dos valores fundamentais das sociedades democráticas. Salienta o julgado que no mesmo sentido dispõem o pacto Internacional de 1966 relativo aos direitos civis e políticos e a Convenção Americana dos Direitos do Homem, de 1969, ao proteger, em toda sua extensão e profundidade, os direitos da pessoa humana. Trata-se, conclui, de uma norma internacionalmente aprovada.

51.  É bem verdade que o conceito de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes depende de todo um conjunto de circunstâncias. Não é por outro motivo que se deve ter todo o cuidado para que se assegure um justo equilíbrio entre as exigências de interesse geral da comunidade e os imperativos maiores da salvaguarda dos direitos fundamentais do indivíduo, na forma dos princípios inerentes ao conjunto da Convenção Européia.

52.  A Anistia Internacional vem afirmando que a evolução das normas na Europa Ocidental quanto à existência e ao uso da pena capital leva à consideração de que se trata de uma pena desumana, no sentido apontado pelo artigo 3°, da Convenção Européia. É nesse sentido que deve-se entender a decisão da Corte no caso Soering.

53.  Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já afirmou que “o  direito à vida e sua garantia e respeito pelos Estados não pode ser concebido de modo restritivo. O mesmo não somente  supõe que ninguém deve ser privado arbitrariamente da vida (obrigação negativa). Exige dos Estados, ainda mais, tomar todas as providências apropriadas para postergá-la e preservá-la (obrigação positiva)” (cf. Repertório de jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, 1998, Washington College of Law, American University, 1/ 102).

54.  Não foi por outro motivo que a Corte Européia, na decisão apontada, ponderou que “la Convention est sans conteste “un instrument vivant à interpreter (...) à lumière des conditions de vie actuelle [pour déterminer s’il lui faut considérer un traitment ou une peine donné comme inhumains ou dégradants auxfins de l’article 3° la Cour ne peut pás ne pás être influencée par l’évolution et lês normes communément acceptées de la politique pénale des Etats membres du Conseil de l’Europe dans ce domaine”.

55.  Realmente, para saber se a pena de morte, em razão de alterações atuais, tanto do direito nacional, como do direito internacional, constitui um tratamento proibido pelo artigo 3° , é preciso tomar em conta os princípios que regem a interpretação da Convenção. Neste caso, tanto da Convenção Européia, como da Convenção Americana: “ninguém pode ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes (artigo 3°, da Convenção Européia); “ninguém pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”(artigo 5°, inciso 2°, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

56.  Na mesma linha de pensamento, ao apreciar o caso Irlanda versus Reino Unido, a Corte Européia, já decidira que “a Convenção proíbe em termos absolutos a tortura e as penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, quaisquer que sejam as incriminações à vítima. O artigo 3° não prevê restrições: “... seule entrent en ligne de compte lês notions de “torture”et de “traitements inhumain ou dégradants”, à l’exclusionde celle de “peine inhumaine ou degradante”.

57.  Mais recentemente, na opinião consultiva OC – 16/99, de 1° de outubro de 1999, solicitada pelos Estados Mexicanos à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre o direito à informação a respeito da assistência consular, no conjunto das garantias do devido processo legal, estimou útil “recordar que no exame realizado, em sua oportunidade, sobre o artículo 4°, da Convenção Americana, advertiu que a aplicação e imposição da pena capital esta limitada em termos absolutos pelo princípio segundo o qual “[ninguém] poderá ser privado da vida arbitrariamente”. Tanto o artigo 6° do Pacto Internacional de Diretos Civis e Políticos, como o artigo 4° da Convenção, ordenam a restrita observância do procedimento legal e limitam a aplicação desta pena a “aos mais graves delitos”. Em ambos instrumentos existe, pos, uma clara tendência restritiva à aplicação da pena de morte até a sua supressão final”.

58.  O que falta, pergunta-se, para chegar-se à eliminação universal da pena capital? Tão somente o pleno reconhecimento dos direitos emanados dos tratados.

59.  Vem, justamente, apelo, na linha da posição do jurista e do aplicador da lei sobre a matéria, o voto concorrente, na aludida opinião consultiva – solicitada pelo Estado Mexicano, do juiz Cançado Trindade, ao fazer considerações relevantes, a propósito da hermenêutica do direito frente a novas necessidades de proteção.

60.  O ilustre internacionalista e atual presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (1999/2001) nesse voto concorrente assinala que “as próprias emergências e consolidação do corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos devem-se à reação da consciência jurídica universal perante os recorrentes abusos cometidos contra os seres humanos, frequentemente convalidados pela lei positiva: com isto, o Direito veio ao encontro do ser humano, destinatário último de suas normas de proteção”.

61.  No mesmo sentido, adverte o autor do voto concorrente, “indica a jurisprudência dos tribunais internacionais de diretos humanos até esta data, portanto, os tratados de diretos humanos são, efetivamente, instrumentos vivos, que acompanham a evolução dos tempos e do meio social em que se exercem os direitos protegidos”.

62.  A esse propósito, a Corte Européia de Direitos Humanos, no caso Tyrer versus Reino Unido (1978), ao determinar a ilicitude de castigos corporais aplicados a adolescentes na Ilha de Mana, afirmou que a Convenção Européia de Direitos Humanos “é um instrumento vivo a ser interpretado à luz das condições da vida atual”.

63.  Em remate, com a desmistificação dos postulados do positivismo jurídico voluntarista, tornou-se evidente que somente se pode encontrar uma resposta ao problema dos fundamentos e da validade do direito internacional geral na consciência jurídica universal, a partir da afirmação da idéia de uma justiça objetiva.

64.  Acrescente-se, ainda, que em reunião realizada por representantes dos órgãos de supervisão internacionais baseados em tratados de direitos humanos (os chamados “human rigths treaty bodies”), assinalou-se que os procedimentos convencionais formam parte de um amplo sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o qual tem como postulado básico a indivisibilidade dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). De modo a assegurar na prática a universalidade dos direitos humanos, a referida reunião recomendou a “ratificação universal”, até o ano 2000, dos seis tratados centrais de Direitos Humanos das Nações Unidas (os dois pactos de Direitos Humanos, as convenções sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e de discriminação contra a mulher; a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura; e a Convenção sobre os direitos da Criança), das três Convenções Regionais (a européia, a americana e a africana) sobre Direitos Humanos, e das convenções da OIT atinentes a direitos humanos básicos. A reunião advertiu, a seguir, que o não cumprimento pelos Estados Partes do dever de ratificar constituía uma violação das obrigações convencionais internacionais e a invocação da imunidade estatal neste particular equivaleria a um “doube-standard” que penalizaria os Estados que cumpriram devidamente tais obrigações (Cançado Trindade, Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. 1, Fabris ed., 1997,os. 199/200).

65.  O artigo 27, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados impede que se invoquem normas de direito interno para justificar o não cumprimento de uma obrigação internacional. E mais, uma disposição convencional deve ser interpretada de boa-fé, conforme o sentido comum dos seus termos (artigo 31, da Convenção de Viena, de 23 de maio de 1969: “A treaty shall be interpreted in good faith in accordance with the ordinary meaning to be given to the terms of the treaty in their contest and in the light of its object and purpose”). Deve-se, pois, buscar valorizar a cada um dos termos que não podem ser interpretados como não tendo sido escritos (doutrinas do “efeito útil”).

66.  Aliás, a Corte interamericana, na opinião consultiva OC-14/94, já sustentou que: “segundo o direito internacional as obrigações que este impõe devem ser cumpridas de boa-fé e não pode invocar-se para seu não cumprimento i direito interno. Estas regras podem ser consideradas como princípios gerias de direito e têm sido aplicadas, ainda em se tratando de disposições de caráter constitucional, pela Corte Permanente de Justiça Internacional e pela Corte Internacional de Justiça (caso das comunidades gréco-búlgaras (1930); caso de nacionais poloneses de Dantzig (1931); caso das Zonas livres (1932); e aplicabilidade da obrigação de arbitrar segundo o Convênio da sede das Nações Unidas (caso da missão OLP, 1988).

67.  A vista do exposto, a norma do artigo 4°,  inciso 2°, da Convenção Interamericana, pode-se dizer, está superada pelas disposições contratuais citadas, segundo a melhor hermenêutica do direito internacional dos direitos humanos, sendo-lhe defesa a aplicação, mediante normas de direito interno, ainda que anteriores à Convenção Americana, de penas aflitivas, como a pena de morte.

68.  Isto, porque é princípio do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que toda ação deve ter por objetivo primordial a proteção das vítimas.

69.  Nessa perspectiva, dispositivos como aqueles já mencionados (artigo 4°, parágrafo 2°) da Convenção Americana sobre os direitos humanos devem ser desconsiderados em favor de instrumentos jurídicos que melhor protejam os interesses das vítimas de violações de direitos humanos.


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[88] O artigo 43(2) do Regulamento da  Comissão estabelece: “Se houver uma ou mais violaçoes, preparará um relatório preliminar com as propostas e recomendações que julgue pertinentes e o transmitirá ao Estado em questão. Em tal caso, fixará um prazo dentro do qual o Estado em questão deverá informar sobre as medidas adotadas para cumprir as recomendações. O Estado não estará facultado para publicar o relatório até que a Comissão adote uma decisão a respeito”. (Énfase nossa.

[89] O artigo 33(1)(b)  do Regulamento da  Comissão dispõe: “1. A Comissão não considerará uma petição se o material contida nela: a)e encontre pendente de outro processo de solução perante organização internacional governamental de que seja parte o Estado aludido;b) constitua substancialmente a reprodução de uma petição pendente ou já examinada e resolvida pela Comissão ou por outro organismo internacional governamental de que faça parte o Estado aludido.”.

[90] Caso 9647, Resolução Nº 3/87, Caso de Jay Pinkerton e James Terry Roach (Estados Unidos), Relatório Anual da  CIDH 1986-87.

[91] A este respeito, o Estado cita autoridades que indicam que o artigo 4(5) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi aprovado somente com uma pequena margem de dois votos e que  40% dos Estados presentes abstiveram-se de votar a favor da  disposição, que o artigo 6(5) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi aprovado por 53 votos contra 5 com 14 abstenções, e que o artigo 37 da  Convenção sobre os Direitos da Criança foi aprovado entendendo-se expressamente que os Estados retinham o direito de ratificar a Convenção com uma reserva desee artigo. O Estado também afirma que o artigo 68 do Quarto Convênio de Genebra, por seus termos, versa somente sobre os conflitos armados internacionais e, portanto, não pode ser considerado demostração de um costume em tempos de paz.

[92] Observações do Estado de 17 de dezembro de 2001, p. 4, citando o Caso de Roach e Pinkerton, supra, Opinão discordante de Dr. Marco Gerardo Monroy Cabra, par. 6).

[93] A este respeito, o Estado recorre ao  sexto relatório quinquenal do Secretário Geral da  ONU sobre a pena capital, indicando que houve  “pelo menos 14 países que ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança sem  reservas mas, pelo que se sabe, não modificaram suas legislações para excluir a imposição da  pena de morte a pessoas que tenham cometido delitos com menos de 18 anos de idade”. Sexto relatório quinquenal do Secretário Geral sobre a pena capital, em ONU Doc.  E/2000/3 (31 de março de 2000), p. 21. 

[94] Observações do Estado de 17 de dezembro de 2001, p. 5, citando a resolução da  Comissão de Direitos Humanos da  ONU 2001/45 (Abr. 23) (Execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias); CDH Res. 2001/75 (Abr. 25) (Direitos da Criança).

[95] Ibid. citando ONU Doc.  E/CN.4/2001/2 , 14.

[96] Observações do Estado de 25 de junho de 2002, referindo-se ao período extraordinário de sessões das Nações Unidas sobre a Criança, “A World Fit for Children,”  Plano de Ação, par. 44(8), disponível em <http : // www . unicef.org/specialsession/>.

[97] Observações do Estado de 17 de dezembro de 2001, p. 6, citando a Ian Brownlie, Principles of Public International Law (5th ed., 1998), 7; Restatement of the Foreign Relations Law of the United States (Third), § 102(2).

[98] Observações do Estado de 17 de dezembro de 2001, p. 6-7, citando os Estados Unidos contra  Wheeler, 435 U.S. 313 (1978)  (opina que, no sistema federal, se espera que os estados federados tenham leis diferentes porque “cada um tem a faculdade intrínseca a cada soberano de determinar independentemente o que será delito sob sua autoridade e como sancionar esses delitos”); Stanford contra  Kentucky, 492 U.S. 361 ( que conclui que a Lei dos Estados Unidos contra o abuso de drogas, de 1988 “não consagra uma decisão parlamentar federal de que nenhum homicídio é suficientemente grave para merecer a execução de um delinquente juvenil, mas  que simplesmente não o merece a classe delimitada de delito que define”).

[99] Em respaldo a sua posição, o Estado cita o instrumento de ratificação do Protocolo depositado na  ONU pelo  Reino Unido, em que se afirma que “o artigo 1 do Protocolo Opcional não excluiria o posicionamento de efetivos militares menores de 18 anos para participar diretamente nas hostilidades nos casos em que (a) exista uma autêntica necessidade militar de posicionar sua unidade numa zona em que há hostilidades, e (b) em razão da  natureza e urgência da  situação: (i) não seja viável retirar essas pessoas antes do saída(ii) proceder em tal sentido afetaria a efetividad operativa de sua unidade e, portanto, arriscaria o êxito da  missão militar e/ou a segurança de outros efetivos.”.  Tratados Multilaterais depositados com o Secretário Geral, Vol. I, p. 299, Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança em relação as crianças nos conflitos armados, Declaração do Reino Unido de Grâ Bretanha e Irlanda do Norte (situação em 31 de dezembro de 2000).

[100] Observações do Estado de 17 de dezembro de 2001, p. 11, citando a reserva dos Estados Unidos ao artigo 6(5) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, apresentada depois da  decisão em Roach e Pinkerton, Tratados Multilaterais das Nações Unidas depositados com o Secretário Geral em 31 de dezembro de 2000, ONU Doc.  ST/LEG/SER.E/19 (2001); Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 1155 UNTS 332, 333, Art. 20(4)(b) . 

[101] Observações do Estado de 17 de dezembro de 2001, p. 12 (que descreve os delitos cometidos pelo  Sr. Domingues nos seguintes  termos: “em 22 de outubro de 1993, Michael Domingues, de 16 anos de idade, assassinou brutalmente a Arjin Chanel Pechpo e a seu filho Jonathan Smith, de 4 anos. Quando as vítimas chegaram a sua casa, onde Domingues as esperava, este ameaçou Pechpo com um revólver, amarrou-a com uma corda que usaria depois para estrangulá-la; ordenou seu filho pequeno que retirara as calças e entrasse na banheira, onde estava o cadáver de sua mãe. Quando a tentativa de eletrocutar o menor de quatro anos fracassou, Domingues apunhalou Jonathan várias vezes. Depois dos homicídios, Domingues se vangloriava de ter matado Pechpo por seu carro, presenteou os seus amigos com objetos roubados de Pechpo e utilizou o cartão de crédito da  vítima”. Domingues contra  Nevada, 112 Nev. 683, 917 P.2d 1364, 112 Nev 683; 917 P.2d 1364 (1996).

[102] Ver, por ej., el Caso 11.827, Relatório Nº 96/98, Peter Blaine (Jamaica), Relatório Anual da  CIDH 1998, par. 43.

[103] Ibid., par. 45.

[104] Se reconhece amplamente que os tratados de direitos humanos são instrumentos vivos em cuja interpretação devem  ser cosiderados as mudanças no tempo e nas condições atuais. Corte IDH, Opinão Consultiva OC-16/99 de 1º de outubro de 1999, O Direito à Informação sobre a Assistência Consular no Marco das Garantias do Devido Processo Legal (Ser. A) Nº 16 (1999); Corte Européia de DH, Louizidou contra  Turquía, Sentença, Objeções Preliminares, 23 de março de 1995, Ser. A Nº 310, p. 26, par. 71; Corte IDH, Opinão Consultiva OC-10/89 de 14 de julho de 1989, Interpretação da  Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem no marco do artigo 64 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, (Ser. A) Nº 10 (1989), par. 37 ( que estabelece que, ao determinar a condição jurídica da  Declaração Americana, é necessário examinar o sistema interamericano de hoje à luz da  evolução que vem tendo desde a aprovação da  Declaração, em vez de examinar o valor e significado normativo que se atribuía a esse instrumento em 1948); CIJ, Consequências jurídicas para os Estados da continuada presença de África do Sul na Namíbia (Africa Sudoeste), não obstante a Resolução 276 do Conselho de Segurança (1970), Opinão Consultiva, CIJ, Relatórios de 1971, p. 16 ad 31, que estabelece que os instrumentos internacionais devem ser interpretados e aplicados dentro do marco geral do sistema jurídico vigente no momento da  interpretação  Com efeito, recentemente foi estabelecido um  critério similar para a interpretação das liberdades civis em virtude da  Constituição dos Estados Unidos, em 20 de junho de 2002, numa na decisão da  Suprema Corte desse país no caso Atkins contra  Virginia, em que a Corte revogou sua decisão de 1989 em Penry contra  Lynaugh ao concluir que em 13 anos se havia chegado a um consenso suficiente entre o  público,  legisladores,  universitários e juízes dos Estados Unidos de que a execução dos delinquentes incapacitados mentais constituía um castigo cruel. Atkins contra  Virginia, Nº 008452, 20 de junho de 2002 (USSC).

[105] Corte IDH, “Outros Tratados " Sujeitos à Jurisdição Consultiva da  Corte (Art. 64 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Opinão Consultiva OC-1/82, 24 de setembro de 1982, Ser. A No. 1 (1982), parr. 43.

[106] Opinão Consultiva OC-16/99, supra, parr. 114.

[107] Atividades militares e paramilitares contra Nicaragua (Nicarágua contra  Estados Unidos) (Méritos), 1986 CIJ Rep. 14, 92-6 (27 de junho). Ver também Brownlie, supra, 13.

[108] O caso da  plataforma continental do Mar del Norte (FRG/Den.; FRG/Neth.) 1969 CIJ Rep. 3, 43-44 (Feb. 20).

[109] Ver, por exemplo., o Caso 11.436, Relatório Nº 47/96, Vítimas do rebocador “13 de março” contra  Cuba, Relatório Anual da  CIDH 1996, par. 79.

[110] Observações do Estado de 17 de dezembro de 2001, p. 7, n. 3, citando o Sexto relatório quinquenal do Secretário Geral sobre a pena capital, ONU Doc.  E/2000/3 (31 de março de 2000), p. 21.

[111] É também devido à ratificação ampla da  Convenção sobre os Direitos da Criança que se pode encontrar escassa orientação nas referências das resoluções da  Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas às obrigações contratuais e as obrigações de direito consuetudinário. Embora os Estados Unidos recorra a isto como evidência de um reconhecimento pelos  Estados de que não existe uma proibição da  execução de delinquentes juvenis no direito internacional consuetudinário, os Estados membros da  ONU poderiam igualmente ter omitido fazer referencia ao direito internacional consuetudinário porque o considera supérfluo, visto que o fato de que quase  todos os Estados estão de fato submetidos a essas obrigações pelos tratados.

[112] Convenção sobre a prevenção e sanção do crime de genocídio, 78 U.N.T.S. 277, que entrou em vigência em 12 de janeiro de 1951.

[113] Ibid., Preâmbulo.

[114] Ver, em geral  Anthony D’Amato, The Concept of Custom in International Law 49 (1971).

[115] Ver, por exemplo,  Declaração Americana, Preâmbulo (que reconhece que “Os direitos essenciais do Homem não nascem  do fato de ser nacional de determinado Estado mas que tem como fundamento os atributos da  pessoa humana”). Ver também The International Bill of Rights 12 (Louis Henkin ed. 1981) (que afirma que “os instrumentos internacionais de direitos humanos não versam sobre direitos humanos; os “reconhecem ” e baseiam-se em seu reconhecimento”). 

[116] Corte IDH, O efeito das reservas à entrada em vigor da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Opinão Consultiva OC-2/82, supra, par, 29. Nesta  mesma opinão consultiva, a Corte observóouque o caráter singular dos tratados de direitos humanos pode dar lugar a um maior risco de que a aplicação das normas tradicionais que regem a interpretação dos tratados, incluindo o artigo 20(4) da  Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, produza resultados manifestadamente irrazoáveis que afetan o objeto e propósito dos instrumentos de direitos humanos. Analisada a partir desta perspectiva, é claramente errônea a aparente sugerência do Estado de que as objeções dos Estados à reserva dos Estados Unidos ao artigo 6(5) do PIDCP são pertinentes somente na  medida em que estes Estados indiquem explicitamente que  não reconhecem que o PIDCP esteja vigente para eles e os Estados Unidos de acordo com o artigo 20(4)(b) da  Convenção de Viena – a essência das obrigações de que se trata são compromissos unilaterais vinculantes assumidos pelos Estados de não violar os direitos humanos das pessoas sob sua jurisdição, motivo pelo qual não razoável basear o valor das objeções às reservas apresentadas a esses direitos na aplicabilidade ou não desses direitos entre os Estados partes dos instrumentos. Ibid., pars. 29-35.

[117] J.L. Brierly, The Law of Nations 61 (6th ed., 1963) (citando atos dos parlamentos e tribunais estaduais como fontes particularmente importantes de evidências do direito internacional consuetudinário). Também é eloquente que numerosos Estados, depois de ratificar o PIDCP e a Convenção sobre os Direitos da Criança, tenham assinalado explicitamente a maneira em que sua legislação interna se conformava com este requisito. Ver, por exemplo., Base de dados dos tratados da  ONU, PIDCP, supra, Declaração interpretativa de Tailândia em relação ao artigo 6(5) sobre sua adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos Civiles e Políticos.

[118] A proscrição contra a execução de delinquentes juvenis, asim como a iniciativa de estabelecer os 18 anos como a idade a que se pode obrigar as pessoas a tomar as armas ou a que se pode permitir que o façam, foi reconhecida como a consequência do pressuposto amplamente aceito de que, independentemente de sua capacidade individual, os menores de 18 anos não podem apreciar plenamente a natureza de seus atos nem o alcance de sua responsabilidade. Ver, por exemplo., William A. Schabas, The Abolition of the Death Penalty under International Law 122 (2d ed.); Ilene Cohn & Guy S. Goodwin-Gill, Child Soldiers: The Role of Children in Armed Conflict 168 (1997) ; International Committee of the Red Cross, Commentary on the Fourth Geneva Convention Relative to the Protection of Civilian Persons in Time of War (J.S. Pictet ed., 1958), 346-347.

[119] Cuando el relatório preliminar sobre el mérito fue aprobado conforme al artigo 50 da  Convenção, la composição da  CIDH incluía al Profesor Hélio Bicudo, quien en ese momento presentó una opinão separada.  Por lo tanto, la opinão separada del Profesor Bicudo ha sido incluida no relatório final de este caso, aprobado bajo el artigo 51 da  Convenção, a pesar del fato que el mandato del Profesor Bicudo como miembro da  CIDH expiró el 31 de dezembrode 2001.

[120] COMUNICADO DE IMPRENSA

N° 9100

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos deplora a execução de Shaka Sankofa anteriormente conhecido como Gary Graham, no Estado de Texas, em 22 de junho de 2000. O Sr. Sankofa foi executado apesar das solicitações formalmente  apresentadas pela Comissão ao governo dos Estados Unidos com o fim de que fosse suspendida dua execução, até que a CIDH tivesse decidido sobre uma denúncia apresentada em seu nome.

Em 1993, a Comissão recebeu uma denúncia em nome do Sr. Sankofa, conforme a qual os Estados Unidos, como Estado Membro da Organização dos Estados Americanos, tinha violado os direitos do Sr. Sankofa consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem incluindo seu direito à vida, previsto no artigo 4 desse instrumento. O peticionário aelgou que o Sr. Sankofa foi sentenciado à morte por um crime que, segundo alegações, foi cometido quando tinha 17 anos,  que era inocente e que tinha sido sujeito a procedimentos em que não deram cumprimento aos padrões internacionais sobre devido processo legal.

Em 11 de agosto de 1993, a Comissão abriu o Caso n° 11.193 com base na denúncia do Sr. Sankofa depois de uma audiência celebrada em 4 de outubro de 1993. A Comissão transmitiu aos  Estados Unidos, em 27 de outubro  de 1993, uma solicitação formal para a adoção de medidas cautelares de acordo com o artigo  29 (2) do Regulamento da Comissão, solicitando que os Estados Unidos garantisse a suspensão da execução do Sr. Sankofa, tendo em conta que seu caso se encontrava pendente perante a Comissão. Nessa oportunidade, se propôs a execução do Sr. Sankofa, cuja data havia sido fixada previamente para 17 de agosto de 1993, até que fossem concluídos certos processos judiciais internos.

Em fevereiro de 2000 a Comissão foi informada sobre a conclusão dos procedimentos internos e a iminente expedição de uma nova ordem de execução. Em resposta, em 4 de fevereiro  de 2000 a Comissão reiterou aos Estados Unidos sua solicitação de medidas cautelares de outubro de 1993. Subsequentemente, em maio de 2000, a Comissão recebeu informação de que a petição do Sr. Sankofa perante a corte Suprema dos Estados Unidos havia sido denegada e sua execução programada para o dia 22 de junho de 2000. Em resposta, em 15 de junho de 2000, durante seu 107 período de sessões, a Comissão adotou o Relatório n°51/00 mediante o qual  declarou admissível a queixa do Sr. Sankofa e decidiu proceder a examinar o mérito do seu caso. Nesse mesmo informe, a Comissão voltou a reiterar aos Estados Unidos sua solicitação de suspensão da execução do Sr. Sankofa enquanto seu caso se encontrasse pendente de decisão final.

Numa comunicação de 21 de junho de 2000, os Estados Unidos acusou o recebimento da nota da Comissão de 4 de fevereiro de 2000 e indicou que a tinha enviado ao Governador e ao Procurador-Geral do Texas. Em 22 de junho, porém, a Comissão tomou conhecimento de que a Junta de Indultos e Liberdade Condicional de Texas havia recusado recomendar o Sr. Sankofa para uma suspensão, comutação ou indulto, e que sua execução teria lugar em 22 de junho de 2000 pela tarde. Em consequência, mediante uma comunicação da mesma data, a Comissão solicitou aos Estados Unidos uma resposta urgente a seu pedido prévio de medidas cautelares. Infelizmente, os  Estados Unidos não responderam à solicitação apresentada pela Comissão em 22 de junho  de 2000, e a execução do Sr. Sankofa foi efetuada conforme o programado.

A Comissão está  preocupada pelo fato de que, apesar de ter admitido o  caso do Sr. Sankofa para sua consideração por um órgão internacional de direitos humanos com competência, os Estados Unidos não respeitou eficazmente no contexto de suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. Tendo em vista o dano irreparável provocado por essas circunstâncias, a Comissão exorta os Estados Unidos e outros Estados Membros da OEA a cumprir com as solicitações de medidas cautelares da Comissão, particularmente naqueles casos que envolvem o direito mais fundamental, o direito à vida.

Washington D.C., 28 de junho de 2000.