RELATÓRIO N° 11/02[1]

CASO 12.394

ADMISSIBILIDADE

JOAQUÍN HERNÁNDEZ ALVARADO E OUTROS

EQUADOR

27 de fevereiro de 2002

 

I.            RESUMO

 

1.           Em 7 de maio de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana” ou “a CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada por Joaquín Hernández Alvarado, Marlon Loor Argote e Hugo Lara Pinos, juntamente com seu advogado Ronald Game Intriago (doravante denominados “os peticionários”), todos eles de  nacionalidade equatoriana, na qual se alega a responsabilidade internacional da  República do Equador (doravante denominado “o Estado”) por terem sido vítimas de um ataque por parte de membros da  Polícia Nacional no dia 22 de maio de 1999 e pela  demora dos tribunais policiais em perseguir e punir os responsáveis  por estes ataques.

 

2.          Os peticionários alegam que os fatos denunciados configuram a violação de várias disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção Americana”): integridade pessoal (artigo 5), garantias judiciais (artigo 8), e proteção judicial (artigo 25), em conjunção com as obrigações que figuram no artigo 1(1) da  mesma. Os peticionários também alegam que foram cumpridos todos os requisitos de admissibilidade previstos na  Convenção.  O Estado equatoriano respondeu a petição solicitando que esta fosse declarada inadmissível porque os recursos internos não haviam sido esgotados.

 

3.        Sem prejulgar o mérito do assunto, a CIDH concluiu neste relatório que o caso é admissível, pois reune os requisitos previstos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.  Portanto, a Comissão Interamericana decide notificar as partes desta decisão e continuar com a análise de mérito relativa a suposta violação dos artigos  1(1), 5, 8 e 25 da  Convenção Americana.

 

II.        TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.         Em 7 de maio de 2001, os senhores Joaquín Hernández Alvarado, Marlon Loor Argote e Hugo Lara Pinos encaminharam uma comunicação à Comissão Interamericana, cujas partes pertinentes foram trasmitidas ao Estado em 3 de julho de 2001, outorgando-lhe  um prazo de 60 dias para formular suas observações. Esta comunicação não foi respondida pelo Estado.  Em 25 de setembro de 2001 a Comissão reiterou seu pedido de informação ao Estado, estabelecendo um prazo de trinta dias para o envio da  informação. Em 28 de novembro de 2001 a CIDH recebeu a resposta do Estado, a qual foi enviada aos peticionários em 18 de dezembro, dando-lhes um prazo de 30 dias para formular suas observações.  Em 5 de janeiro de 2002 foram recebidas as observações dos peticionários, as quais foram transmitidas ao Estado.

 

III.        POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE

A.          Os peticionários

 

5.           De acuerdo com a denúncia, em 22 de maio de 1999, aproximadamente as 20:00 horas, quando viajavam num automóvel na cidade de Guayaquil, os peticionários foram atacados com armas de fogo por um grupo da Polícia Nacional.  O ataque durou  aproximadamente dez minutos e deixou feridos dois dos peticionários. Joaquín Hernández recebeu um impacto de bala nas costas.

 

6.           Os peticionários alegam que foram atirados ao chão e algemados ao mesmo tempo em que sofriam mais abusos físicos e verbais, e depois foram trasladados ao quartel modelo da  cidade, onde os abusos continuaran por quase três horas com golpes e insultos.

 

7.           Posteriormente a polícia ofereceu desculpas porque, segundo a sua versão, o ataque ocorreu por um erro na operação poicial dirigida pelo subtenente Freddy Osorio.  Entre as pessoas que pediram desculpas ao senhor Hernández encontrava-se o Diretor da Polícia, o Governador da  província de Guayaquil e o Presidente da  República Jamil Mahuad na época.

 

8.           Com relação aos esgotamento dos recursos internos, os peticionários assinalam houve um “silêncio administrativo positivo” quanto as indenizações por conceito de reparação de danos, já que venceu o prazo estabelecido pela lei para que o Estado respondesse a solicitação de reparações, sem que este o tenha feito.  Argumentam que não existem normas vigentes na  legislação equatoriana que regulam o cumprimento da aceitação tácita do Estado.

 

9.           No que se refere as investigações e sanções dos responsáveis, os peticionários indicam que, apesar da  existência de um processo penal nos tribunais policiais desde junho de 1999, a jurisdição policial não é a instância idônea para julgar os prováveis culpados.  Assinalam que houve demora injustificada na decisão das diligências, bem como diversas irregularidades processuais.

 

B.           O Estado

 

10.          O Estado respondeu a denúncia solicitando a Comissão que declarasse inadmissível o presente caso porque os recursos da  jurisdição interna não haviam sido devidamente esgotados, motivo pelo qual não é procedente continuar com o trâmite do assunto de conformidade com o artigo 46 da  Convenção.

 

11.          O Estado assinala que os fatos ocorridos em 22 de maio de 1999 deram origem a uma ação penal dentro do foro policial; que este processo avançou com total normalidade desde seu início em 17 de junho de 1999, e que atualmente encontra-se na etapa intermediária.  Afirma que, tendo em vista que o processo não terminou, os tribunais deberão resolvê-lo conforme o direito interno e que esta resolução é idônea para resolver a situação dos peticionários.

 

12.          Com relação a demora injustificada reclamada pelos peticionários, o Estado alega que tal demora não existe, visto que transcorreram apenas dois anos para um processo que trata de um assunto muito complexo.  Indica que os interessados não somente não cooperaram com a investigação, mas também a obstaculizaram deliberadamente o que levou a demora que não podem ser imputada ao Estado.  Assinala também que o tempo que tomou o processo é consequêcia do amplo número de acusados, do grande volume do expediente e das numerosas provas requeridas.    

 

13.          Por último, o Estado argumenta que os peticionários tiveram livre acesso ao aparato jurisdicional e em nenhum momento se lhes impediu que exercessem seu direito a serem ouvidos pelos órgãos competentes.  Tomando em conta estes argumentos o Estado solicitou o arquivamento imediato do caso.

 

IV.      ANÁLISE

 

A.       Competência ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis

                         e ratione loci da  Comissão Interamericana

 

14.      Os peticionários encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como suposta vítima a indivíduos,  a respeito dos quais o Equador comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que o Equador é um Estado parte na Convenção Americana desde  28 de dezembro de 1977, data em que foi depositado o instrumento de ratificação respectivo. Portanto a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.

 

15.      A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que a mesma alega violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte deste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis já que a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana encontrava-e em vigor para o Estado na data em que ocorreram os fatos alegados na petição, e tendo em vista que a falta de pagamento de indenização e a  denegação de justiça alegadas constituem fatos continuados.  Finalmente, a Comissão tem competência ratione materiae, porque a petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.

 

 

A.        Outros requisitos de admissibilidade da petição

 

a.        Esgotamento dos recursos internos

 

16.       Os peticionários argumentam que a jurisdição policial não é o mecanismo idôneo para reparar os direitos alegadamente violados. Também afirmam que, independentemente do  anterior, existe uma demora injustificada na decisão dos tribunais nacionais no caso, já que transcorreram dois anos desde que foi dado início ao proceso sem que se tenha chegado  a uma sentença definitiva.

 

17.       O Estado equatoriano assinalou que os recursos internos não foram esgotados e que o processo na  jurisdição policial continua em seu curso normal.  Alega que não existe demora injustificada, porque o caso é muito complexo, e que os peticionários não colaboraram e a carga judicial é volumosa.

 

18.       Longe de analisar se existe demora injustificada ou não no presente assunto, a Comissão Interamericana entende que as jurisdições especiais, como a militar ou a policial, não são meios adequados para determinar reparações quando há violações aos direitos humanos no âmbito interno.  A este respeito, tanto a Corte como a Comissão Interamericanas assinalaram em distintas oportunidades, que os foros especiais não constituem um foro apropriado para investigar, julgar e punir violações aos direitos humanos supostamente cometidas por membros da  força pública.[2]

 

19.       Desta maneira, tendo em vista que neste caso está sendo utilizado um meio que não somente não é adequado, mas que resulta contrário à própria Convenção, o peticionário não está obrigado a esgotá-lo, posto que os recursos indicados pelo Estado em sua resposta não são eficazes para tutelar os direitos alegadamente violados.

 

b.           Prazo de apresentação

 

20.        Na  petição sob exame, a Comissão determinou que os peticionários encontram-se isentos de esgotar os recursos da jurisdição interna; portanto, a Comissão Interamericana deve determinar se a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável.  A CIDH observa que os fatos ocorreram em maio de 1999 e a ação penal teve início em 7 de junho de 1999, sendo que esta encontra-se atualmente na etapa intermediária.  O caso foi apresentado à Comissão em 7 de maio de 2001, isto é, quase dois anos depois do início do processo penal. A Comissão entende que a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável de conformidade com o artigo 32 de seu Regulamento.

 

c.           Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

21.          Não surge do expediente que a matéria da  petição encontre-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional.  Portanto, a CIDH conclui que não são aplicáveis as exceções previstas nos artigos 46(1)(d) e 47(d) da  Convenção.

 

d.       Caracterização dos fatos alegados

 

22.           A CIDH considera que os fatos alegados, se provados verdadeiros, caracterizariam violações dos direitos garantidos nos artigos 1(1), 5, 8 e 25 da  Convenção Americana.

 

V.            CONCLUSÕES

 

23.           A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.  Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.         Declarar admissível o presente caso com relação as supostas violações dos direitos protegidos nos artigos 1(1), 5, 8 e 25 da  Convenção Americana.

 

2.         Notificar as partes desta decisão.

 

3.         Prosseguir com a análise do mérito do assunto.

 

4.         Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia  Geral da OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 27 dias do mês de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente, Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; membros da Comissão Robert K. Goldman e Clare Kamau Roberts.

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[1] O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou da discussão deste caso, conforme o artigo 17 do Regulamento da Comissão.

[2] Ver por exemplo, CIDH, Relatório Nº 64/01 Caso 11.712, Leonel de Jesús Isaza Echeverry e Outro, (Colômbia) 6 de abril de 2001, parágrafo 22.  Ver também  Corte I.D.H., Caso Durand e Ugarte, Sentença de 16 de agosto de 2000, par. 117; Cte I.D.H., Caso Cesti Hurtado, Sentença de 29 de setembro de 1999, par. 151.  Ver também CIDH, RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO CHILE, 27 de setembro de 1985, pag. 199. 200. OEA/Ser.L/V/II.66 doc. 17; CIDH, RELATÓRIO ANUAL 1996, 14 março 1997, pág. 688.  CIDH, RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO EQUADOR, 24 de abril de 1997, pág. 36.  CIDH, RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL, 29 de setembro de 1997, pág. 50.