RELATÓRIO Nº 12/02[1]

CASO 12.090

 ADMISSIBILIDADE

JESÚS ENRIQUE VALDERRAMA PEREA

EQUADOR

27 de feveiro de 2002

 

I.            RESUMO

 

1.            Em 21 de setembro de 1998 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana” ou “a CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada por Jesús Enrique Valderrama Perea, cidadão colombiano, na qual se alega a responsabilidade internacional da República do Equador (doravante denominado “o Estado”) pela detenção e os maus tratos que recebeu no momento desta, e ainda pela prisão preventiva que se prolongou devido a demora dos tribunais em proferir sentença.  O senhor Valderrama encontra-se atualmente em detenção sem uma sentença definitiva.

 

2.            O peticionário alega que os fatos denunciados configuram a violação de várias disposições da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção Americana”): integridade pessoal (artigo 5), liberdade pessoal (artigo 7) garantias judiciais (artigo 8); direito à indenização (artigo 10); proteção da  honra e dignidade (artigo 11); igualdade perante a lei (artigo 24) e proteção judicial (artigo 25), em conjunção com as obrigações que figuram no  artigo 1(1) da  Convenção. O peticionário também argumenta que foram cumpridos todos os requisitos de admissibilidade previstos na mesma.  A sua vez, o Estado equatoriano nunca respondeu as comunicações da Comissão, o que leva a sua renúncia tácita do seu direito de alegar exceções para a admissão da  presente petição.

 

3.            Sem prejulgar o mérito do assunto, a CIDH concluiu neste relatório que o caso é admissível, pois reune os requisitos previstos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.  Portanto, a Comissão Interamericana decide notificar as partes desta decisão e continuar com a análise de mérito relativa a suposta violação dos artigos 1(1), 5, 7, 8, 10, 11, 24 e 25 da  Convenção Americana.

 

         II.            TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.             Em 21 de setembro de 1998 o senhor Jesús Enrique Valderrama Perea encaminhou uma comunicação a  Comissão Interamericana, cujas partes pertinentes foram trasmitidas ao Estado em 25 de janeiro de 1999, outorgando-lhe um prazo de 90 dias para formular suas observações.  Esta comunicação não foi respondida pelo Estado.  O peticionário enviou informação adicional mediante notas recebidas em 16 de fevereiro e em 27 de março de 1999.  Em 19 de setembro de 2001 a Comissão reiterou a solicitação de informação ao Estado, assinalando um prazo de trinta dias para o envio da  informação.  Esta comunicação tampouco foi contestada pelo Estado.

 

III.            POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE

A.            O  peticionário

 

            5.            De acordo com o peticionário, em 2 de maio de 1996 foi detido na cidade de Quito, Equador, quando estava por abordar um avião com destino a Bogotá, Colômbia.  A detenção foi realizada por três indivíduos que não se identificaram nem lhe apresentaram nenhuma ordem de captura, além de lhe golpearem enquanto o conduziam as instalações da  Interpol em Quito.

 

6.            O peticionário assinala que nas instalações da Interpol foi interrogado pelo Capitão Edmundo Mera, este lhe perguntou acerca de sua viagem a Bogotá, e ele resondeu que havia viajado a Equador para comprar ouro para seu negócio familiar na Colômbia. Ao perguntar o motivo de sua detenção, o Capitão Mera lhe disse que o tinham detido por tráfico de drogas e que passaria o resto de sua vida na prisão.

 

7.            Posteriormente, o peticionário foi conduzido mediante violência física a um estacionamento, onde lhe indicaram um  homem e lhe perguntaram se este era seu cúmplice. Como o senhor Valderrama não respondeu, o ameaçaram de torturá-lo.  Posteriormente foi conduzido aos banheiros do lugar, onde o fizeram ajoerlhar-se para posteriormente colocar-se um dispositivo de segurança nos dedos das manos e amarraram uma corda para pendurá-la no teto.  Assinala que os policiais ficaram sob os tornozelos para empurrar o corpo para baixo enquanto o golpeavam em todo o corpo com um pau envolvidos em um pano e exigiam que confesasse os delitos de que era acusado.  Afirma que quando solicitou água para beber lhe deram urina dos banheiros.  Por último, os policiais Edmundo Mera e Mauro Vargas lhe disseram que o levaria a Guayaquil, que seus pais já se encontravam na Interpol perguntando por seu paradeiro e que se confesasse os delitos não lhes passaria nada.

 

8.            Em sua comunicação de 15 de abril de 1999, o peticionário fez saber a  Comissão que tinha cumprido 24 meses em detenção sem que o tribunal que tramitava seu processo tivesse resolvido sobre seu caso.  Assinalou que em 6 de novembro de 1998, o Promotor 9o. do Penal de Guayas emitiu parecer acusado-lhe de delitos de tráfico de entorpecentes, sendo que tomou mais de dois anos para chegar a esta conclusão .

 

9.            O peticionário afirma que a partir do momento de sua detenção pediu par falar com sua Embaixada, mas que o citado Capitão Mera lhe respondeu que nesse país (Equador), não tinha nenhum direito.

 

B.            O Estado

 

10.            O Estado não respondeu a nenhuma das comunicações da Comissão Interamericana nem manifestou sua posição perante os fatos denunciados. 

 

IV.            ANÁLISE

 

A.         Competência ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci da  Comissão Interamericana

 

11.            O peticionário encontra-se facultado pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como suposta vítima a um indivíduo,  a respeito do qual o Equador comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que o Equador é um Estado parte na Convenção Americana desde  28 de dezembro de 1977, data em que foi depositado o instrumento de ratificação respectivo. Portanto a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.

 

12.            A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que a mesma alega violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte deste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis já que a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana encontrava-e em vigor para o Estado na data em que ocorreram os fatos alegados na petição. Finalmente, a Comissão tem competência ratione materiae, porque a petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.

 

B.         Outros requisitos de admissibilidade da petição

 

a.            Esgotamento dos recursos internos

 

13.            O peticionário argumenta que existe uma demora injustificada na decisão dos tribunais nacionais no caso, visto que transcorreram-se cinco anos desde sua detenção sem  que ele  tenha tido conhecimento da existência de uma sentença definitiva.

 

14.            O Estado equatoriano não se manifestou nas oportundades processuais que teve, não fez referência aos recursos internos pendentes no Equador nem negou o atraso injustificado que alega o peticionário.

 

15.            A Comissão Interamericana observa que o Estado equatoriano não invocou na petição sob estudo a falta de esgotamento dos recursos internos, depois de transcorrdiso seis meses desda a primeira comunicação da  Comissão Interamericana.

 

16.            A Corte Interamericana determinou reiteradamente que a falta de interposição da  exceção de falta de esgotamento dos recursos internos leva a presumir a renúncia tácita por parte do Estado interessado.[2]   Portanto, a Comissão Interamericana considera que o Estado equatoriano renunciou em interpor a exceção de falta de esgotamento dos recursos internos, já que não a apresentou dentro dos prazos legais estabelecidos, e tampouco o fez nas oportunidades processuais que teve.

 

b.                 Prazo de apresentação

 

17.            Na  petição sob estudo, a CIDH determinou a renúncia tácita do Estado equatoriano a seu direito de interpor a  exceção de falta de esgotamento dos  recursos internos, motivo pelo qual não é aplicável o requisito do artigo 46(1)(b) da  Convenção  Americana.  Contudo, os requisitos convencionais de esgotamento de  recursos internos e de apresentação dentro do prazo de seis meses da  sentença que esgota a jurisdição interna são independentes.  Desta forma, a Comissão Interamericana deve determinar se a petição sob estudo foi apresentada dentro de um prazo razoável.   Neste sentido, a CIDH observa que o peticionário invoca a exceção de demora injustificada, mas para esta exceção possa ser aplicada deve existir uma decisão definitiva na jurisdição interna, logo, a CIDH considera que a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável.

 

c.            Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

18.            Não surge do expediente que a matéria da  petição encontre-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional.  Portanto, a CIDH conclui que não são aplicáveis as exceções previstas nos artigos 46(1)(d) e 47(d) da  Convenção.

 

d.            Caracterização dos fatos alegados

 

19.            A CIDH considera que os fatos alegados, se provados verdadeiros, caracterizariam violações dos direitos garantidos nos artigos 1(1), 5, 7, 8, 10, 11, 24 e 25 da  Convenção Americana.

 

V.            CONCLUSÕES

 

20.            A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.  Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.            Declarar admissível o presente caso com relação as supostas violações dos direitos protegidos nos artigos 1(1), 5, 7, 8, 10, 11, 24 e 25 da  Convenção Americana.

 

2.            Notificar as partes desta decisão.

 

3.            Prosseguir com a análise do mérito do assunto.

 

4.            Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia  Geral da OEA.

 

            Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 27 dias do mês de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente, Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; membros da Comissão Robert K. Goldman e Clare Kamau Roberts.

 

           

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[1] O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou da discussão deste caso, conforme o artigo 17 do Regulamento da Comissão.

[2] Ver Corte IDH, Caso da  Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni, Nicarágua, Sentença sobre exceções preliminares de 1º de fevereiro de 2000, Pár. 53.  Na  mesma sentença, a Corte Interamericana determinou que “para opor-se validamente a admissibilidade da  denúncia… o Estado deveria invocar de maneira expressa e oportuna a regra de não esgotamento dos  recursos internos” (ênfase do  original). Ídem, Pár. 54.