RELATÓRIO N° 10/02[1]

CASO 12.393

ADMISSIBILIDADE

JAMES JUDGE

EQUADOR

27 de fevereiro de 2002

 

I.            RESUMO

 

1.            Em 7 de maio de 2001 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana” ou “a CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada por James Judge, cidadão dos Estados Unidos da América, na qual se alega a responsabilidade internacional da  República do Equador (doravante denominado “o Estado”) pela  falta de pagamento de uma indenização a que teria direito e a demora injustificada dos tribunais da jurisdição interna para resolver o assunto.

 

2.            O peticionário alega que os fatos denunciados configuram a violação de várias disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção Americana”): garantias judiciais (artigo 8); propriedade privada  (artigo 21); e proteção judicial (artigo 25), em conjunção com as obrigações que figuram no artigo 1(1) da  Convenção. O peticionário também alega que foram cumpridos todos os requisitos de admissibilidade previstos na mesma.  O Estado equatoriano nunca respondeu as comunicações da  Comissão, o que resultou na sua renúncia tácita do seu direito de alegar exceções para a admissão da  presente petição.

 

3.            Sem prejulgar o mérito do assunto, a CIDH concluiu neste relatório que o caso é admissível, pois reune os requisitos previstos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.  Portanto, a Comissão Interamericana decide notificar as partes desta decisão e continuar com a análise de mérito relativa a suposta violação dos artigos 1(1), 8, 21 e 25 da  Convenção Americana.

 

            II.            TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.             Em 11 de outubro de 1994, o peticionário apresentou à Comissão uma denúncia com relação ao descobrimento de tesouros arqueológicos reclamando o reconhecimento que as leies equatorianas consagram em seu benefício.

 

5.             Em 20 de março e em 13 de junho de 1996 o senhor James Judge encaminhou comunicações à Comissão Interamericana nas que expunha violações ao direito a propriedade e ao direito a garantias judiciais. Em 16 de agosto de 1996, a Comissão enviou uma nota ao peticionário assinalando que havia determinado não admitir a comunicação porque não se havia esgotado os recursos internos, já que continuava pendente sua ação perante o Tribunal de Garantias Constitucionais.

 

6.             O senhor James Judge enviou uma comunicação a Comissão em 27 de março de 2001 na qual fazia  referência aos recursos utilizados na jurisdição interna. Em 25 de maio de 2001 a Comissão transmitiu ao Estado as partes pertinentes da comunicação dando um prazo de 30 dias para o envio da  informação que considerava pertinente sem que este respondesse. Em 19 de setembro de 2001 a Comissão reiterou  o pedido de Informação ao Estado, assinalando um prazo de trinta dias para o encaminhamento da  informação. Esta comunicação tampouco foi respondida pelo  Estado.

 

III.            POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE

A.            O  peticionário

 

7.            De acordo com o peticionário, em 23 de maio de 1967 a Casa da Cultura Equatoriana autorizou ao engenheiro Virgilio Vélez a realizar escavações na Ilha da Toilita, Cantón de Eloy Alfaro, Província de Esmeraldas.

 

8.           Em 20 de junho de 1969, o engenheiro Vélez cedeu, através de cartório  público, todos os direitos da escavação em favor do peticionário, quem amparado nesta cessão continuou com os trabalhos e encontrou vários objetos arqueológicos entre os quais se destaca uma máscara de ouro com olhos de platina. Este objetos arqueológicos foram  depositados pelo  peticionário no Banco Central do Equador.

 

            9.            O peticionário assinala que a propriedade ou domínio dessa máscara e os benefícios de seu descobrimento encontram-se justificados com abundante documentação, a qual consta registrada no Quinto Cartório de Quito. 

 

10.              Alega que, mediante o Decreto Supremo 320 promulgado no Diario Oficial Nº 796 de 6 de maio de 1975 emitido pelo  governo do General Guillermo Rodríguez Lara, a citada máscara de ouro foi declarada propriedade do Patrimônio Nacional, sem que o peticionário receba a indenização correspondente, razão pela qual considera que a expropriação é um ato confiscatório ilegal e arbitrário.

 

11.              O peticionário alega que este decreto foi aplicado retroativamente e este que proibe a tramitação de causas a respeito do objeto, que declara sem fundamento de fato nem de direito, que a máscara foi extraída de forma ilegítima e dispõe que a propriedade da  máscara seja da Casa da Cultura Equatoriana, sem que esta última seja obrigada a pagar valor algum por conceito de indenização ao descobridor ou proprietário, desconhecendo que a partir da  cessão feita em favor do peticionário lhe correspondiam todos os benefícios do descobrimento arqueológico.

 

12.              Face a arbitrariedade alegada pelo senhor Judge, este iniciou ações na jurisdição interna, entre as quais se destaca uma ação de inconstitucionalidade do Decreto Supremo 320 interposta em 1993 junto ao Tribunal de Garantias Constitucionais. Este tribunal decidiu contra o peticionário mediante resolução de 27 de dezembro de 1995.

 

13.              Após decisão do Tribunal de Garantias Constitucionais que negava a inconstitucionalidade do decreto, o peticionário interpôs um recurso de cassação, cujo conhecimento correspondia na época à Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça. Esta Sala, mediante resolução prolatada em 18 de março de 1997 pediu “autos para sentença”. Todavia, esta Sala Constitucional foi extinta em 1997 devido a uma reforma constitucional, sem que tivesse proferido uma sentença  na ação, a qual passou a cargo da Sala do Contencioso Administrativo da  Corte Suprema de Justiça. Esta Sala tampouco emitiu uma decisão no recurso.

 

14.              A Sala do Contencioso Administrativo devolveu o recurso ao Tribunal Constitucional sem notificar o peticionário e até esta data o o citado Tribunal não se pronunciou sobre o assunto.

 

B.            O Estado

 

15.            O Estado não respondeu a nenhuma das comunicações da Comissão Interamericana nem manifestou sua posição perante os fatos denunciados.

 

IV.            ANÁLISE

 

A.            Competência ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e  ratione loci da  Comissão Interamericana

 

16.            O peticionário encontra-se facultado pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como suposta vítima a um indivíduo,  a respeito do qual o Equador comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que o Equador é um Estado parte na Convenção Americana desde  28 de dezembro de 1977, data em que foi depositado o instrumento de ratificação respectivo. Portanto a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição sobre os fatos que ocorreram a partir de 28 de dezembro de 1977.

 

17.            A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que a mesma alega violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte deste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis já que a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana encontrava-e em vigor para o Estado na data em que ocorreram os fatos alegados na petição, e tendo em vista que a falta de pagamento de indenização e a  denegação de justiça alegadas constituem fatos continuados.  Finalmente, a Comissão tem competência ratione materiae, porque a petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.

 

 

B.            Outros requisitos de admissibilidade da petição

 

a.            Esgotamento dos recursos internos

 

18.            O peticionário argumenta que existe uma demora injustificada na decisão dos tribunais nacionais no caso, visto que transcorreram-se nove anos desde  a interposição  de um recurso de inconstitucionalidade sem que haja uma sentença definitiva.

 

19.             O Estado equatoriano não se manifestou nas oportundades processuais que teve, não fez referência aos recursos internos pendentes no Equador nem negou o atraso injustificado que alega o peticionário.

 

20.            A Comissão Interamericana observa que o Estado equatoriano não invocou na petição sob estudo a falta de esgotamento dos recursos internos, depois de transcorrdiso seis meses desda a primeira comunicação da  Comissão Interamericana.

 

21.            A Corte Interamericana determinou reiteradamente que a falta de interposição da  exceção de falta de esgotamento dos recursos internos leva a presumir a renúncia tácita por parte do Estado interessado.[2]   Portanto, a Comissão Interamericana considera que o Estado equatoriano renunciou em interpor a exceção de falta de esgotamento dos recursos internos, já que não a apresentou dentro dos prazos legais estabelecidos, e tampouco o fez nas oportunidades processuais que teve.

 

b.                 Prazo de apresentação

 

22.            Na  petição sob estudo, a CIDH determinou a renúncia tácita do Estado equatoriano a seu direito de interpor a  exceção de falta de esgotamento dos  recursos internos, motivo pelo qual não é aplicável o requisito do artigo 46(1)(b) da  Convenção  Americana.  Contudo, os requisitos convencionais de esgotamento de  recursos internos e de apresentação dentro do prazo de seis meses da  sentença que esgota a jurisdicção interna são independentes.  Desta forma, a Comissão Interamericana deve determinar se a petição sob estudo foi apresentada dentro de um prazo razoável.   Neste sentido, a CIDH observa que o peticionário invoca a exceção de demora injustificada, mas para esta exceção possa ser aplicada deve existir uma decisão definitiva na jurisdição interna, logo, a CIDH considera que a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável.

 

c.            Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

23.            Não surge do expediente que a matéria da  petição encontre-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional.  Portanto, a CIDH conclui que não são aplicáveis as exceções previstas nos artigos 46(1)(d) e 47(d) da  Convenção.

 

d.            Caracterização dos fatos alegados

 

24.            A CIDH considera que os fatos alegados, se provados verdadeiros, caracterizariam violações dos direitos garantidos nos artigos 1(1), 8, 21, e 25 da Convenção Americana.

 

V.            CONCLUSÕES

 

25.            A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.  Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.            Declarar admissível o presente caso com relação as supostas violações dos direitos protegidos nos artigos 1(1), 8, 21 e 25 da  Convenção Americana.

 

2.            Notificar as partes desta decisão.

 

3.            Prosseguir com a análise do mérito do assunto.

 

4.            Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia  Geral da OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 27 dias do mês de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente, Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; membros da Comissão Robert K. Goldman e Clare Kamau Roberts.


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[1] O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou da discussão deste caso, conforme o artigo 17 do Regulamento da Comissão.

[2] Ver Corte IDH, Caso da  Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni, Nicarágua, Sentença sobre exceções preliminares de 1º de fevereiro de 2000, Pár. 53.  Na  mesma sentença, a Corte Interamericana determinou que “para opor-se validamente a admissibilidade da  denúncia… o Estado deveria invocar de maneira expressa e oportuna a regra de não esgotamento dos  recursos internos” (ênfase do  original). Ídem, Pár. 54.