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RELATÓRIO
Nº 45/02[1] ADMISSIBILIDADE PETIÇÃO
12.219 CRISTIÁN
DANIEL SAHLI VERA E OUTROS CHILE 9
de outubro de 2002 I.
RESUMO 1.
Em
6 de outubro de 1999, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante
denominada “a Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma petição
apresentada pelo Centro pela Justiça e o
Direito Internacional (CEJIL), a Corporação de Direitos do Povo (CODEPU) e
o Grupo Chileno de Objeção de Consciência “Ni Casco ni Uniforme” (NCNU),
(doravante denominados “os peticionários”), na qual se alega a violação
por parte do Estado do Chile (doravante denominado “o Estado” ou “o
Estado chileno”) dos artigos
1(1), 2, 11 e 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”) em
detrimento de Cristián Daniel Sahli Vera, Claudio Salvador Fabrizzio Basso
Miranda e Javier Andrés Garate Neidhardt. 2.
Os
peticionários alegam que o Estado é responsável pela violação
do direito a objeção de
consciência afetando diretamente sua liberdade de consciência e religião,
a vida privada das supostas vítimas, descumprindo ademais com a obrigação
de respeitar e garantir os direitos estabelecidos na Convenção.
O Estado não questiona o cumprimento dos requisitos
de admissibilidade, mas considera que não houve violação dos artigos
1(1), 2, 11 e 12 da Convenção, posto que as supostas vítimas não foram
chamadas por nenhum tribunal, nem se lhes foi imposta nenhum pena por não
cumprir com o serviço militar obrigatório.
O Estado considera também que a obrigação de cumprir com o serviço
militar é uma limitação aos direitos das pessoas, autorizado pela mesma
Convenção Americana. 3.
Após
analisar as posições das partes, a Comissão concluiu que é
competente para conhecer a petição apresentada pelos peticionários
e que o caso é admissível, a luz dos artigos
46 e 47 da Convenção Americana. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO 4.
A
petição original foi receida na Comissão
em de outubro de 1999 e transmitida ao governo em 14 de outubro
de 1999, com um prazo de 90 dias para apresentar observações.
Em 25 de abril de 2000 a Comissão dirigiu-se ao Estado, reiterando a
solicitação de informação e outorgando um prazo de 30 dias para enviar
suas observações. 5.
Em
5 de junho de 2000 o Estado solicitou uma prorrogação de 60 dias para
responder a petição. Em 7 de
junho de 2000 a Comissão informou ao Estado que havia cumprido o prazo máximo
estabelecido no artigo 34(6) do
Regulamento da Comissão. Consequentemente,
a CIDH solicitou ao Estado que apresentara suas observações dentro da
maior brevedade possível. Em
11 de julho de 2000 o Estado remeteu suas observações, as quais foram
transmitidas aos peticionários, outorgando-lhes um prazo de 30 dias para
responder. 6.
Em
10 de outubro de 2000, durante o 108° período ordinário de sessões, a
Comissão convocou as partes para uma audiência para discutir a
admissibilidade do presente caso. 7.
Em
7 de dezembro de 2000 a Comissão recebeu a comunicação dos peticionários,
com suas observações a resposta do Estado.
Nesta comunicação os peticionários incorporaram como co-peticionário
o Serviço de Paz e Justiça (SERPAJ). Em 13 de dezembro de 2000 a Comissão
transmitiu as partes pertinentes desta comunicação ao Estado, com um prazo
de 30 dias para enviar seus comentários.
Em 18 de janeiro de 2001 a Comissão recebeu um pedido do Estado de
prorrogação de 30 dias para responder as observações dos peticionários,
a qual foi concedida em 2 de fevereiro de 2001. 8.
Em
23 de maio de 2001 a Comissão recebeu as observações do Estado e as
transmitiu aos peticionários em 25 de maio de 2001, com um prazo de um mês
para apresentar observações. A
resposta dos peticionários foi recebida em 25 de junho de 2001 e
transmitida ao Estado em 17 de junho do mesmo ano, com um prazo de um mês
para apresentar observações. Em
31 de agosto de 2001 a Comissão recebeu uma última comunicação dos peticionários.
III.
POSIÇÕES DAS PARTES A.
Posição dos peticionários 9.
Os
peticionários alegam que, de conformidade com a legislação vigente no
Estado chileno, as
supostas vítimas ao completarem18 anos tinham a obrigação de cumprir com
o serviço militar obrigatório. Os
peticionários infomram que no mês de dezembro de 1998, antes da elaboração
pelo Estado da lista dos cidadãos que devem cumprir com o serviço militar,
a qual é publicada no mês de março de cada ano, as supostas vítimas
apresentaram pedidos individuais perante o escritório das Partes do
Departamento de Recrutamento da Direção Geral de Mobilização do Estado
do Chile, nos quais manifestavam sua objeção de consciência contra o
serviço militar obrigatório e a sua participação neste serviço militar. 10.
Os peticionaron alegam que as supostas vítimas nunca receberam a
resposta aos pedidos apresentados e que, apesar desta manifestação de objeção
de consciência, seus nomes foram incluídos no chamamento ordinário e
obrigatório para o serviço militar. Os três jovens foram citados a apresentarem-se nos dias 18 e
19 de março de 1998 as 8.00 hs., para dar curso regular ao cumprimento
dessa obrigação. 11.
Em relação ao requisito de esgotamento dos recursos
da jurisdição interna, os peticionários assinalam que as supostas vítimas
interpuseram um recurso de proteção perante a Corte de Apelações de
Santiago, a favor de seu direito de liberdade de consciência contido no artigo
19(6) da Constituição Política da República do Chile.
Em 22 de março de 1999, a Corte de Apelações de Santiago declarou
a inadmissibilidade do recurso de proteção. As supostas vítimas
interpuseram um recurso de revisão contra esta decisão que foi indeferido
pela Corte de Apelações de Santiago em 29 de março de 1999. 12.
Os peticionários argumentam que estes fatos configuram uma violação
da liberdade de consciência dos jovens Sahli, Basso e Garante, visto que
foram objeto de medidas restritivas atentatórias de suas crenças no que se
refere a forma de levar adiante seu plano de vida.
Os peticionários consideram, ademais, que está configurada uma
invasão arbitrária na vida privada das supostas vítimas, posto que “o direito a
privacidade, constitui um espaço de autonomia moral dentro do qual cada
individuo pode desenvolver, sem ser objeto de ingerências arbitrárias,
todas aquelas questões que sejam uma manifestação de tal poder de decisção
e que representem sua identidade pessoal”.[2] 13.
Os peticionários assinalam que a inexistênia de normas que amparam
a situação das supostas vítimas configura uma violação do artigo 2 da
Convenção Americana. Por último,
alegam que a falta de uma causa de justificação que permita fazer exceções
ao serviço militar aqueles que objetam por consciência importa numa violação
por parte do Estado do dever de garantir os direitos estabelecidos na Convenção,
em particular, o dever de outorgar uma efetiva proteção ao direito a
liberdade de consciência. B.
Posição do Estado 14.
O Estado não fez nenhuma objeção ao cumprimento do requisito de
esgotamento dos recursos internos. Com respeito aos outros requisitos de
admissibilidade desta petição, o Estado considera que ela é
manifestadamente infundada e improcedente e, portanto, deve ser rejeitada por não caracterizar violações
da Convenção Americana. 15.
O Estado aceita que a legislação interna chilena não disponha de
nenhuma garantia para aquelas pessoas que consideram que não podem cumprir
com o serviço militar obrigatório por objeção de consciência.
Durante a audiência realizada para discutir a admissibilidade do
caso, o Estado esclareceu que não é possível aceitar a objeção de
consciência no Chile sem uma reforma constitucional, a qual requer um
processo complexo. Por outro
lado, o Estado manifestou que se encontra em trâmite um projeto de reforma
do sistema de serviço militar, que em princípio seria voluntário e
somente seria feito um sorteio se não alcançar o número mínimo necessário
de pessoas com o sistema voluntário. Este processo incluiria todos por
igual. 16.
Quanto a situação específica dos jovens Sahli, Basso e Garate, o
Estado alega que nenhum dos denunciantes até o presente “recebeu alguma
citação das Forças Armadas, de um Tribunal militar ou civil, ou sofrreu
alguma ameaça, coação, perseguição, processamento, privação de
liberdade e sanção civil,
administrativa ou penal pelo fato que motiva a denúncia em questão”.
Logo, o Estado considera que a queixa é infundada e injustificada e,
consequentemente, deve ser rejeitada por não caracterizar violações da
Convenção Americana. 17.
O Estado considera que a Convenção Americana contempla limites a
liberdade de consciência por determinadas razões como, por exemplo, a
segurança, conforme o estabelecido pelo artigo 32(2) da Convenção.
Afirma o Estado que no caso do serviço militar, este não obriga as
pessoas a fazer nada contra as suas crenças mais íntimas, “tendo em
vista que não é mais que uma preparação ou treinamento militar durante
um prazo previamente determinado”. 18.
Com relação ao direito a vida privada, o Estado considera que não
existe violação deste direito, porquanto o serviço militar não é uma
exigência arbitrária ou abusiva na vida privada, mas que está regulada pela lei e incorporada ao
acervo cultural dos jovens que devem cumpri-lo. IV. ANÁLISE SOBRE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE A.
Competência a.
Competencia ratione
pessoae, ratione loci, ratione temporis e ratione materiae da Comissão 19.
Os peticionários encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção
Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala
como supostas vítimas a pessoas individuais,
a respeito das quais o Chile comprometeu-se a respeitar e garantir os
direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a
Comissão assinala que o Chile é um Estado parte na Convenção Americana
desde 21 de agosto de 1990,
data em que foi depositado o instrumento de ratificação respectivo.
Portanto a Comissão tem competência ratione
pessoae para examinar a petição.
20.
A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que a mesma alega
violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam
ocorrido dentro do território de um Estado parte deste tratado.
21.
A CIDH tem competência ratione temporis já que a obrigação de respeitar e garantir os
direitos protegidos na Convenção Americana encontrava-e em vigor para o
Estado na data em que teriam ocorrido os fatos alegados na petição.
22.
Finalmente a Comissão tem competência ratione
materiae, porque a petição denuncia violações a direitos humanos
protegidos pela Convenção Americana. B.
Requisitos de Admissibilidade a.
Esgotamento dos recursos
internos 23. O artigo 46(1) da Convenção Americana estabelece como requisito de admissibilidade de uma petição o prévio esgotamento dos recursos disponíveis na jurisdição interna do Estado. Entretanto, o Estado não apresentou objeções preliminares com respeito a falta de esgotamento dos recursos internos. Consequentemente, a Comissão considera que o Estado chileno não invocou nesta petição a falta de esgotamento dos recursos internos nas primeiras etapas do procedimento. 24. A Corte Interamericana determinou reiteradamente que “a exceção de não-esgotamento dos recursos internos, para ser oportuna, deve ser formulada nas primeiras etapas do procedimento, caso contrário se presume a renúncia tácita por parte do Estado interessado”.[3] 25.
Sendo
assim, a Comissão
considera que o Estado chileno renunciou ao seu direito de interpor a exceção
de falta de esgotamento dos recursos internos, visto que não a apresentou
na primeira oportunidade processual que teve, isto é, em sua
resposta à petição que deu início ao trâmite. b.
Prazo de apresentação da petição 26.
Na
petição sob estudo, a CIDH determinou a renúncia tácita do Estado
chileno a seu direito de interpor a exceção
de falta de esgotamento dos recursos
internos, motivo pelo qual não é aplicável o requisito do artigo 46(1)(b)
da Convenção Americana.
Contudo, os requisitos convencionais de esgotamento de
recursos internos e de apresentação dentro do prazo de seis meses
da sentença que esgota a
jurisdicção interna são independentes.
Desta forma, a Comissão Interamericana deve determinar se a petição
sob estudo foi apresentada dentro de um prazo razoável.
27.
Neste
sentido, a CIDH observa que a petição original foi
recebida em 6 de outubro de 1999. A
decisão da Corte de Apelações de Santiago, que confirma a
inadmissibilidade do recurso de proteção é datada de 29 de março de
1999. Em virtude das circunstâncias
particulares da petição sob análise, a CIDH considera que esta foi
apresentada dentro de um prazo razoável. c.
Duplicação de procedimentos e coisa julgada 28.
Não surge do expediente que a matéria da petição encontre-se pendente de outro procedimento de
acordo internacional, nem que
reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão
internacional. Portanto, cabe dar por cumpridos os requisitos estabelecidos
nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção.
d.
Caracterização dos fatos
alegados 29.
O
Estado solicitou a Comissão que declare inadmissível a denúncia, visto
que nesta não existem fatos que caracterizem uma violação a Convenção
Americana. Quanto a falta de citação, ameaças, coação, perseguição
ou privação da liberdade, o Estado implica que não existiu dano algum
para as supostas vítimas. 30.
Os
peticionários alegam que a falta de citação por parte das autoridades não
exclui a existência de um dano. Argumentam
que a violação da Convenção está configurada pela falta
de reconhecimento da objeção de consciência em si mesma e não pelas possíveis consequências de descumprir com uma lei.
Assinalam ademais que a gravidade da situação de quem não cumpre
com o serviço militar fica demonstrada pela existência de leis de anistia
para aqueles que não cumprem com esta obrigação legal. 31.
A
Comissão considera que não corresponde nesta etapa do procedimento
estabelecer se há ou não uma violação da Convenção Americana. Para
efeito de análise de admissibilidade, a CIDH deve decidir se os fatos
expostos caracterizam uma violação, como estipula o artigo 47(b) da Convenção
Americana, e se a petição é “manifestadamente infundada” ou seja
“evidente sua total improcedência”, segundo o inciso (c) do mesmo
artigo. 32.
O
padrão de apreciação destes extremos é diferente daquele requerido para
decidir sobre os méritos de uma denúncia.
A CIDH deve realizar uma avaliação prima
facie para examinar se a denúncia fundamenta a aparente ou potencial
violação de um direito garantido pela Convenção
e não para estabelecer a existência de uma violação. Tal exame consta de
uma análise sumária que não implica um prejulgamento ou uma antecipação
da opinião sobre o mérito da questão. O próprio Regulamento da Comissão,
ao estabelecer duas claras etapas de admissibilidade e mérito, reflete esta
distinção entre a avaliação que deve realizar a Comissão a fim de
declarar uma petição admissível e aquela requerida para estabelecer uma
violação. 33.
Com
respeito a presente petição, a Comissão considera que os argumentos
apresentados pelo Estado requerem uma análise de mérito do assunto, para
ser resolvidos. A CIDH não encontra, consequentemente, que a petição seja
“manifestadamente infundada” ou que seja “evidente sua improcedência”.
Pelo contrário, a CIDH considera que, prima
facie, os peticionários cumpriram com o estipulado no
artigo 47(b) e (c). 34.
Desta forma, a Comissão considera que as alegações dos peticionários
sobre supostas violações ao direito a liberdade de consciência e religião
e a vida privada, bem como a falta de adequação da legislação interna
aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado,
poderiam caracterizar violações dos direitos das supostas vítimas,
consagrados nos artigos 1(1), 2, 11 e 12 da Convenção Americana. V.
CONCLUSÕES 35.
A
Comissão conclui que tem competência para examinar o caso apresentado
pelos peticionários sobre a suposta violação por parte do Estado do
direito a liberdade de consciência e religião e a vida privada, bem como
da obrigação de tomar todas as medidas legislativas ou de outro caráter
necessárias para fazer efetivos este direitos e a obrigação de respeitar
e garantir o livre e pleno exercício dos direitos
das pessoas que se encontram sob sua jurisdição. 36.
Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente,
e sem prejulgar o mérito da questão,
A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1.
Declarar admissível a petição sob estudo em relação aos artigos
1(1), 2, 11 e 12 da Convenção Americana. 2.
Notificar o Estado e o peticionário desta decisão. 3.
Iniciar o trâmite sobre o mérito da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual, a ser apresentado
à Assembléia Geral da OEA. Dado
e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 9 dias do mês de outubro de 2002. (Assinado):
Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidente;
Membros da Comissão Robert K.
Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert e Susana Villarán.
[ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ] [1]
O
Membro da Comissão José Zalaquett Daher, nacional do Chile, não
participou no exame ou votação do presente assunto, conforme determina
o artigo 17(2)(a) do Regulamento da
CIDH. [2]
Comunicação
dos peticionários
de 6 de outubro de 1999, pág. 11. [3]
Ver
Corte IDH, Caso da
Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni, Nicarágua, Sentença
sobre exceções preliminares de 1º de fevereiro de 2000, Pár. 53.
Na
mesma sentença, a Corte Interamericana determinou que “para
opor-se validamente a admissibilidade da
denúncia… o Estado deveria invocar de maneira expressa e
oportuna a regra de não esgotamento dos
recursos internos” (ênfase do
original). Ídem, Pár. 54.
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