RELATÓRIO Nº 42/02

ADMISSIBILIDADE

PETIÇÃO 11.995

MARIELA MORALES CARO E OUTROS (MASSACRE DE “LA ROCHELA”)

COLÔMBIA

9 de outubro de 2002

 

 

I.          RESUMO

 

1.                 Em 8 de outubro de 1997, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada  “a Comissão” ou “a CIDH”) recebeu uma petição apresentada pela  Corporação Colectiva de Advogados “José Alvear Restrepo” (doravante denominada “os peticionários”) a qual alega que em 18 de janeiro de 1989 um grupo paramilitar, em coordenação com membros do Exército, matou Mariela Morales Caro, Pablo Antonio Beltrán Palomino, Virgilio Hernández Serrano, Carlos Fernando Castillo Zapata, Luis Orlando Hernández Muñoz, Yul Germán Monroy Ramírez, Gabriel Enrique Vesga (ou Vega) Fonseca, Benhur Iván Gusca Castro, Orlando Morales Cárdenas, César Augusto Morales Cepeda, Arnulfo Mejía Duarte e Samuel Vargas Páez, e atentou contra a vida de Arturo Salgado, Wilson Montilla e Manuel Libardo Diaz Navas, enquanto cumpriam uma diligência probatória na condição de funcionários do Poder Judicial, no corregimento de “La Rochela”, localizado em Bajo Simacota, estado de Santander, República da Colômbia (doravante denominada “o Estado” ou “o Estado colombiano”).

 

2.                 Os peticionários alegaram que o Estado é responsável pela violação dos  direitos a vida e a integridade pessoal e a proteção judicial das vítimas, consagrados nos artigos 4, 5, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana” ou “a Convenção”), bem como descumprimento da obrigação genérica de respeitar e garantir os direitos estabelecidos neste tratado.  Quanto a admissibilidade da petição, consideram que é aplicável a exceção ao requisito do esgotamento dos recursos internos por atraso judicial, prevista no artigo 46(2)(c) da  Convenção Americana.

 

3.                 O Estado, por sua parte, alegou que a morte das vítimas tinha sido devidamente investigada na jurisdição interna e que se havia administrado justiça de maneira adequada na primeira etapa do procedimento.  Também assinalou que parte da investigação permanece aberta devido à complexidade do assunto, razão pela qual os recursos internos ainda não foram esgotados.

 

4.                 Com base na análise  das posições das partes, a Comissão conclui que é competente para decidir sobre a petição apresentada pelos peticionários e que esta é admissível, a luz dos  artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.

 

 

II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

5.                 Em 3 de novembro de 1997, a CIDH solicitou informação adicional aos peticionários, a qual foi apresentada em 2 de março de 1998.  Em 1° de abril de 1998, a Comissão deu trâmite à petição sob o número 11.995, conforme as normas do Regulamento vigente até 30 de abril de 2001, e transmitiu as partes pertinentes da denúncia ao Estado colombiano com um prazo de 90 dias para apresentar informação.  Em face do prolongado silêncio  do Estado, a CIDH reiterou sua solicitação de informação em 19 de dezembro de 2000.  Em 25 de janeiro de 2001 o Estado pediu prazo adicional para cumprir com a solicitação da CIDH.  Em 26 de fevereiro de 2001, durante seu 110º período ordinário de sessões, a Comissão celebrou uma audiência sobre o assunto, com a participação de ambas partes.

 

6.                 Em 5 de março de 2001, o Estado finalmente apresentou sua resposta escrita à petição original, a qual foi enviada aos peticionários.  Em 14 de fevereiro de 2002 os peticionários apresentaram cópias de documentos oficiais como parte do suporte probatório de sua petição.  Em 22 de março de 2002 a CIDH enviou ao Estado a lista de documentos oficiais apresentados pelos peticionários e lhe consultou sobre a necessidade e conveniência de enviar-lhe as cópias de resoluções emitidas por suas próprias entidades.  Em 1° de abril de 2002 o Estado confirmou seu interesse em receber os mencionados anexos, os quais  foram  remetidos imediatamente.

 

III.               POSIÇÕES DAS PARTES

 

A.                Posição do peticionário

 

7.                 Segundo surge da informação aportada pelos peticionários, até  o fim da  década de oitenta ocorreram uma série de atos de violência brutal na zona de Magdalena Medio, perpetradas pelas organizações de justiça privada que atuavam com a cumplicidade de membros do Exército.[1]  Entre estes atos de violência, destaca-se o brutal massacre de 19 comerciantes que se deslocavam da cidade de Cúcuta, estado do Norte de Santander à  cidade de Medellín, estado de Antioquia, em outubro de 1987.[2]  Tendo em vita os fatos ocorridos, os juizes 4to e 16 de Instrução Criminal do Distrito Judicial de San Gil Santander --Mariela Morales Caro e Pablo Antonio Beltrán Palomino—decidiram criar uma comissão judicial junto a seus respectivos secretários --Virgilio Hernández Serrano e Carlos Fernando Castillo Zapata—e oito investigadores do Corpo Técnico da  Policía Judicial --Luis Orlando Hernández Muñoz, Yul Germán Monroy Ramírez, Gabriel Enrique Vesga (ou Vega) Fonseca, Benhur Iván Guasca Castro, Orlando Morales Cárdenas, César Augusto Morales Cepeda, Wilson Montilla e Manuel Libardo Diaz Navas—e deslocar-se à zona em dois veículos, com seus condutores, Arnulfo Mejía Duarte e Samuel Vargas Páez.

 

8.                 Com base na  informação aportada pelos  peticionários depreende-se que em  18 de janeiro de 1989, os funcionários do Poder Judicial dirigiram-se ao corregimento de “La Rochela”, no bairro de Simacota, estado de Santander, com a finalidade de entrevistar uma série de testemunhas.  Alegam que ao chegar a ponte sobre o Río Opón foram interceptados por um grupo de aproximadamente 15 homens armados e uniformados, que se passavam por membros da Frente XXXIII das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).  O comandante “Ernesto” os interrogou sobre os motivos da presença deles na zona, e ofereceu colaboração quanto ao esclarecimento do crime dos 19 comerciantes.  Aparentemente uma hora depois, quando já se encontravam na Rochela, foram interceptados por um segundo grupo de aproximadamente 40 homens armados que se identificaram novamente como membros das FARC, e depois por um terceiro grupo de cerca de oito membros, comandados por Alonso de Jesús Baquero Agudelo, ou “Vladimir”.  Vladimir se apresentou como comandante guerrilheiro, embora fosse um dos líderes do grupo paramilitar ou de justiça privada responsável pelo  massacre dos  19 Comerciantes.

 

9.                 Vladimir ofereceu-se para  levar aos funcionários do Poder Judicial ao lugar dos fatos e os alertou com relação ao aparecimento de membros do Exército que poderiam pôr suas vidas em perigo ou frustrar a investigação.  Vladimir então os persuadiu para colaborar numa simulação que envolvia sua imobilização como se tivessem sido detidos pela guerrilla caso viessem a enfrentar a força pública.  Dessa forma, os homens armados ataram os pés e mãos das vítimas e as fizeram subir nos seus própriso veículos.  Uma vez indefesas e sob controle do grupo armado, as vítimas foram levadas a um local conhecido como “La Laguna” onde receberam disparos de armas de fogo.  Finalmente, os veículos foram pintados com insígnias que sugeriam o envolvimento de grupos armados dissidentes.

 

10.             Milagrosamente, três das vítimas –Arturo Salgado, Wilson Montilla e Manuel Libardo Diaz Navas— conseguiram sobreviver ao ataque e depois de fingirem ter falecido, conseguiram escapar do lugar.  Da informação aportada surge que os sobreviventes solicitaram  auxílio nas instalações de uma base militar, onde foram ignorados e finalmente foram resgatados por um jornalista da zona.

 

11.             Os peticionários alegam que o chamado “massacre de ‘La Rochela’”, longe de ser obra das FARC, foi planejado e executado por membros das autodefesas camponesas  de Magdalena Medio em coordenação com membros do Exército com a finalidade de deter a investigação do  massacre dos  19 Comerciantes, na qual também estavam envolvidos.  A informação aportada pelos peticionários sugere –entre outros elementos— que certos oficiais do Exército demostraram interesse em impedir o trabalho dos  funcionários do Poder Judicial, que as autodefesas foram proporcionadas com informação sobre o itinerário usado pelos funcionários do Poder Judicial, e que contavam com a certeza de que o Exército não proporcionaria escolta alguma as vítimas apesar do fato destas estarem visitando uma zona de alto risco.[3]

 

12.             Com relação à investigação dos fatos por parte das autoridades judiciais, os peticionários assinalam que em 29 de junho de 1990 o Juiz Segundo da Ordem Pública de Pasto condenou Alonso de Jesús Baquero Agudelo (Vladimir), Julián Jaimes ou Julio Rivera Jaimes, Héctor Rivera Jaimes e Ricardo Antonio Ríos Avendaño a 30 anos de prisãon por homicídio agravado com fins terroristas, fabricação e tráfico de armas e munições de uso privativo das Forças Armadas, disparo de armas de fogo e uso de explosivos.  Da mesma  forma, Norberto de Jesús Martínez Sierra, Rafael Pombo e Anselmo Martínez foram  condenados a 13 anos e quatro meses de prisão como autores do delito de formação de quadrilha agravado com fins terroristas.  Jesús Emilio Jácome Vergara e Germán Vergara García foram condenados a dez anos de prisão como autores de formação de quadrilha com fins terroristas.  Quanto aos membros do Exército implicados, a informação proporcionada  indica que o Juiz Segundo da Ordem Pública de Pasto condenou ao Sargento Otoniel Hernández e o Tenente Andrade a cinco anos de prisão pelo  delito de ações terroristas na  mesma sentença de 29 de junho de 1990.  Dentro deste processo foram absolvidas 17 das pessoas inicialmente acusadas.

 

13.             Os peticionários assinalam que, em segunda instância, o Tribunal Superior da Ordem Pública reduziu ou revogou algumas das sentenças impostas.  Mais especificamente, a sentença condenatória contra o Sargento Otoniel Hernández Arciniegas foi reduzida a um ano de detenção pelo delito de obstrução de justiça; a investigação sobre o envolvimento do Tenente Luis Enrique Andrade foi remetida a justiça penal militar.  Do mesmo modo, foi revogada a sentença decretada contra Norberto de Jesús Martínez Sierra, Rafael Pombo e Anselmo Martínez, e declarada a nulidade de todo a atuaçãos neste processo.  O Tribunal de Ordem Pública dispôs a continuação da  investigação a fim de identificar e processar outros partícipes.

 

14.             Os peticionários indicam que depois de assumir a investigação em 28 de julho de 1996, a Unidade Nacional de Direitos Humanos da  Promotoria recorreu a uma declaração livre e voluntária prestada por Alonso de Jesús Baquero Agudelo, ou Vladimir, que revelava detalhes tanto sobre o massacre dos  19 Comerciantes como também dos funcionários do Poder Judicial que tentaram esclarecê-lo, a custa de sua própria vida; os vínculos dos  autores materiais de ambos massacres com membros do Exército que mantiveram por anos o controle da região, [4] e as motivações, relacionadas com a intenção de impedir o esclarecimento da morte dos  19 Comerciantes.  Os peticionários alegam que, apesar de contar com os elementos necessários para identificar e julgar os membros do Exército implicados no assunto –incluindo oficiais de alta patente— a investigação não avançou de forma efetiva.[5]

 

15.             Com base nestas alegações, os peticionários solicitam a Comissão que declare o Estado responsável pela violação dos  direitos a vida, a integridade pessoal e o direito a  proteção judicial das vítimas, em conjunção com a obrigação genérica de respeitar e assegurar o gozo dos  direitos protegidos na  Convenção Americana, consagrados nos artigos 4, 5, 8 e 25 do tratado.  Em vista do prolongado silêncio do Estado durante o procedimento perante a CIDH (ver supra parágrafo 5), solicitam que seja aplicada a presunção prevista no artigo 39 do Regulamento da Comissão.  Esta norma estabelece textualmente que “Presumir-se-ão verdadeiros os fatos relatados na petição, cujas partes pertinentes hajam sido transmitidas ao Estado de que se trate, se este, no prazo máximo fixado pela Comissão de conformidade com o artigo 38 do presente Regulamento, não proporcionar a informação respectiva, desde que, de outros elementos de convicção, não resulte conclusão diversa”.[6]

 

16.             Com relação ao cumprimento dos requisitos de admissibilidade contemplados no artigo 46(1)(a) da  Convenção Americana, os peticionários alegam que a exceção ao requisito do prévio esgotamento dos  recursos internos prevista no artigo 46(2)(c) é aplicável, em vista do atraso injustificado na  investigação.[7] Alegam que existen autores materiais e intelectuais do  massacre que não foram devidamente investigados e julgados, que o processo manteve-se inativo por seis anos e que não avançou de forma efetiva.

 

B.                 Posição do Estado

 

17.             Em sua comunicação de 5 de março de 2001, o Estado alega que os fatos matéria do presente assunto foram devidamente esclarecidos pelas autoridades judiciais.  Assinala que embora a investigação judicial pelo  assassinato das vítimas continua e extendeu-se por mais de doze anos, isto não deve ser considerado pela CIDH como um atraso injustificado visto que a investigação foi realizada de maneria profunda e decidida com o objetivo de esclarecer o caso em sua totalidade.[8]  Alega que o presente assunto não pode ser considerado conforme os mesmos parâmetros que outros casos dado que esteve sujeito a uma série de circunstâncias especiais.[9]

 

18.             O Estado indica que os Julgados 14 e 15 de Instrução Criminal de Barrancabermeja realizaram as diligências respectivas a autópsia de cadáveres em 18 de janeiro de 1989 e remetiram estas diligências à Unidade Investigativa especialmente criada para esclarecer o massacre.  Posteriormente, a investigação foi remetida ao Primeiro Julgado  de Ordem Pública de Pasto, o qual em 29 de julho de 1990 condenou a Alonso de Jesús Baquero Agudelo (ou Vladimir), Julián Jaimes ou Julio Rivera, Héctor Rivera Jaimes e Ricardo Ríos Avendaño a 30 anos de prisão pelos  delitos de formação de quadrilha, disparo de armas de fogo, emprego de explosivos contra veículos e homicídio agravado com fins terroristas. Na mesma decisão foram condenados Norberto de Jesús Martínez Sierra, Rafael Pombo e Anselmo Martínez, declarados réus ausentes, a uma pena de dez anos e quatro meses de prisão pelo  delito de formação de quadrilha agravado.  Também foram condenados os senhores Jesús Emilio Jácome Vergara e Germán Vergara García a pena principal de dez anos de prisão como responsáveis pelo delito de formação de quadrilha. Na mesma sentença foram condenados o Sargento Primeiro do Exército Otoniel Hernández Arciniegas e o Tenente do Exército Luis Enrique Andrade Ortiz a uma pena de cinco anos de prisão por serem  responsáveis pelo delito de auxílio a atividades terroristas.

 

19.             Em segunda instância, o Tribunal Superior de Ordem Pública modificou[10] e revogou algumas das sentenças impostas.  A sentença condenatória contra o Sargento Otoniel Hernández Arciniegas foi reduzida a um ano de detenção pelo delito de obstrução a justiça; a investigação sobre o envolvimento do Tenente Luis Enrique Andrade foi remetida a justiça penal militar.  Também foi revogada a sentença decretada contra Norberto de Jesús Martínez Sierra, Rafael Pombo e Anselmo Martínez e declarada a nulidade de todos os procedimentos neste processo.  Posteriormente, o Tribunal Superior de Ordem Pública remeteu o processo à consderação da Corte Suprema de Justiça e esta o declarou deserto.  O Estado informou que por decisão interna do Exército Nacional, o Tenente Luis Enrique Andrade e o Sargento Otoniel Hernández foram desvinculados do serviço.

 

20.             Em 18 de fevereiro de 1992, o expediente foi remetido à Direção de Ordem Pública de Cali e em 12 de abril de 1996, o Julgado Regional de Cali ordenou que se continuara com a investigação, em cumprimento da  sentença do Tribunal Superior.  Em 28 de julho de 1996 a investigação foi assumida pela  Unidade Nacional de Direitos Humanos da  Promotoria Geral da Nação.  Em 12 de setembro de 1997 a Unidade Nacional de Direitos Humanos emitiu uma parecer acusatório contra o Major Oscar de Jesús Echandia Sánchez como suposto responsável pelos delitos de homicídio agravado com fins terroristas e tentativa de homicídio agravado em detrimento das vítimas.  Contudo, em 18 de fevereiro de 1998 a Direção Regional de Promotorias precluiu a instrução contra ele.  Em 30 de novembro de 1997 a Promotoria Regional Delegada perante a Corte Suprema de Justiça emitiu uma resolução que pedia a detenção do congressista Tiberio Villarreal Ramos, indicado como um dos  autores intelectuais do massacre.

 

21.             Segundo surge da  informação proporcionada pelo Estado, em 7 de janeiro de 1999 a então Unidade de Terrorismo da  Direção Regional de Promotorias de Bogotá emitiu um parecer acusatório contra os senhores Nelson Lesmes Leguizamón e Marcelino Panesso Ocampo, como supostos autores intelectuais do homicídio de 13 das vítimas, e tentativa de homicídio contra as três vítimas sobreviventes. Em 15 de outubro de 1999, a Unidade de Promotorias Delegadas perante o Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá resolveu  confirmar a acusação contra  Nelson Lesmes Leguizamón, que faleceu posteriormente.  Em 1° de fevereiro de 2000, a investigação foi remetida aos Julgados Penais do Circuito Especializados de Bucaramanga para iniciar a etapa do julgamento contra Marcelino Panesso.  Em 28 de dezembro de 2000, a Promotoria Geral da Nação dispôs que a investigação contra o resto dos acusados foi conhecida por um promotor especializado do Corpo Técnico de Investigação (CTI) Nacional.[11]

 

22.             Em face da  dinâmica do processo, o Estado alega que nas primeiras etapas foi administrada justiça de maneira pronta e legítima.  Indica que a investigação continua, com a incorporação dos elementos contidos nas declarações de Alonso de Jesús Baquero Agudelo, ou Vladimir, e que,  portanto a razoabilidade do prazo deve ser ponderada adotando como referência o aparecimento das provas que permitiram a continuação da investigação.  Ao mesmo tempo, o Estado sugere que, tendo em vista que a declaração prestada por Baquero Agudelo foi compensada com benefícios processuais relativos ao cumprimento de sua pena (ver supra, parágrafo  18) suas afirmações são questionáveis.  Alega que este fator atrasou a efetiva conclusão do processo.  Ressalta que a investigação em questão envolve o desmonte de uma organização delitiva das autodefesas e as dificuldades que isto acarreta.  Também assinala que a atividade na área civil do processo foi escassa e que este fator não contribuiu para o esclarecimento do assunto.

 

23.             Com relação à atividade da  jurisdição disciplinária, o Estado indica que em 6 de fevereiro de 1991 a Procuradoria Delegada para as Forças Militares iniciou uma investigação formal e formulou cargos contra Major Oscar Robayo Valencia, o Tenente Luis Enrique Andrade Ortiz e o Sargento Otoniel Hernández Arciniegas.  Entretanto, em 7 de junho de 1994 declarou a prescrição da  ação disciplinária. O Estado indicou que os familiares de várias das vítimas haviam iniciado processos perante a jurisdição contencioso administrativa, que o Estado tinha condenado a pagar uma indenização compensatória e que esta tinha sido devidamente cancelada.[12]

 

24.             O Estado conclui, na sua comunicação de 5 de março de 2001, que por estas razões a petição não satisfaz o requisito sobre  o prévio esgotamento dos  recursos da  jurisdição interna previsto no artigo 46(1)(a) da  Convenção Americana.  O Estado considera que a dinâmica processual do caso justifica a extensão do tempo da  investigação.

 

IV.          ANÁLISE SOBRE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE

 

A.          Competência

 

25.             Os peticionários encontram-se facultados, em princípio, pelo  artigo 44 da  Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como supostas vítimas pessoas individuais, a respeito das quais o Estado colombiano  comprometeu-a respeitar e garantir os direitos consagrados na  Convenção Americana. No que se refere ao  Estado, a Comissão assinala que a Colômbia é um Estado parte na Convenção Americana desde 31 de julho de 1973, data em que depositou seu  instrumento de ratificação. Portanto, a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.

 

26.             A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que esta alega  violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam  tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis porque a a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que ocorreram os fatos alegados na  petição. Finalmente, a Comissão tem competência ratione materiae, porque a  petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela  Convenção Americana.

 

B.         Requisitos de Admissibilidade

 

a.         Esgotamento dos  recursos internos e prazo de apresentação da petição

 

27.             O Estado alega que a petição não satisfaz o requisito sobre o prévio esgotamento dos  recursos da  jurisdição interna previsto no artigo 46(1)(a) da  Convenção Americana.  Esta afirmação aparece em sua comunicação de 5 de março de 2001, apresentada aproximadamente tres anos depois da início do trâmite do presente assunto, em 1° de abril de 1998.  Os peticionários, por sua parte, alegam que é aplicável ao caso a exceção do prévio esgotamento dos  recursos internos prevista no artigo 46(2)(c) devido ao atraso  injustificado na  investigação e aos indícios de impunidade que rodeiam a investigação do presente assunto.  Neste sentido, o Estado alega que o tempo invertido no esclarecimento das violações denunciadas é razoável em vista da  complecidade da causa e a dinâmica probatória.

 

28.             O artigo 46(1)(a) da  Convenção Americana exige o esgotamento dos  recursos disponíveis da jurisdição interna, conforme os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos.  Neste sentido, a jurisprudência da  Corte Interamericana de Direitos Humanos indica que a regra do prévio esgotamento dos  recursos internos está concebida em benefício do Estado e,  portanto, este pode renunciar a sua interposição de maneira expressa ou tácita.  Para que não se presuma que o Estado tenha renunciado tácitamente a sua interposição, esta deve ser formulada nas primeiras etapas do procedimento perante a Comissão de forma expressa e oportuna.[13]  Segundo a jurisprudência da Corte Interamericana, a mera apresentação de informação sobre o avanço dos  processos judiciais internos não é equivalente à interposição expressa do requisito do prévio esgotamento dos  recursos internos.[14]

 

29.             No presente caso, a Comissão observa que o Estado não questionou a falta de esgotamento dos  recursos internos na  primeira oportunidade processual disponível, mas alegou somente  o descumprimento do artigo 46(1)(a) de forma expressa em suma comunicação de 5 de março de 2001.  Em face da jurisprudência mencionada, e a invocação tardia da  falta de esgotamento dos  recursos internos como causa de inadmissibilidade, cabe, processualmente, considerar que o Estado renunciou de forma tácita a sua interposição.

 

30.             Sem prejuízo da aplicação das regras da renúncia tácita, e dadas as características do presente caso, a CIDH se permite formular uma série de considerações com relação às alegações das partes e referentes ao artigo 46(2) da Convenção, a luz do princípio de que o Estado que reclama a aplicação do requisito sob análise deve identificar os recursos internos a serem esgotados e provar sua efetividade.[15]

 

31.             A informação apresentada pelas partes indica que embora tenham sido decretadas uma série de condenações judiciais em 29 de julho de 1990, várias delas foram  reduzidas, revogadas e no caso de um dos  condenados, sua causa foi remetida à jurisdição penal militar.  Apesar de que, em 1992, o Tribunal de Ordem Pública dispôs sobre a continuação da investigação a fim de identificar e processar outros partícipes, a causa permaneceu virtualmente inativa até 1997, quando foi trasladada à Unidade Nacional de Direitos Humanos.  A Comissão observa que apesar dos  avanços na colheita de provas e a abertura da etapa de julgamento contra os civis, não foram produzidos maiores avanços no julgamento dos agentes do Estado supostamente envolvidos no massacre.

 

32.             Segundo indicado supra, a investigação referente a suposta participação de um membro do Exército –concretamente o Tenente Luis Enrique Andrade— foi remetida à justiça penal militar.  A este respeito, cabe ressaltar que a Comissão pronunciou-se de forma reiterada no sentido de que a jurisdição militar não constitui um foro apropriado e portanto não oferece um recurso adequado para investigar, julgar e punir violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana supostamente cometidas por membros da força pública, com sua colaboração ou aquiescência.[16]  O Estado assinalou também que a atividade da parte civil no processo tinha sido escassa e que este elemento não havia contribuido para o pronto esclarecimento dos  fatos, o que seria outra razão para considerar o prazo transcorrido como razoável. A CIDH entendeu em casos similares que, sempre que se investiga o cometimento de um delito de ação penal pública incondicionada, o Estado tem a obrigação de promover o processo penal até as suas últimas consequências.[17]  Logo, não se pode exigir das vítimas ou seus familiares que assumam a tarefa de esgotar os recursos internos quando esta obrigação corresponde ao Estado.

 

33.             A Comissão considera que, como regra geral, uma investigação penal deve ser realizada prontamente para proteger os interesses das vítimas, preservar a prova e salvaguardar os direitos de toda pessoa que no contexto da investigação seja considerada suspeita.  Segundo assinalado pela Corte Interamericana, embora toda investigação penal deva cumprir com uma série de requisitos legais, a regra do prévio esgotamento dos  recursos internos não deve conduzir a que a atuação internacional em auxílio das vítimas se detenha ou  demore até a inutilidade.  No presente caso, a Comissão considera que o funcionamento dos  recursos judiciais invocados pelo  Estado deve ser considerado nos termos das exceções ao requisito do esgotamento dos recursos internos previstos nos artigos 46(2)(a) e (c) da  Convenção Americana.

 

34.             Por último, a CIDH deseja ressaltar que suas apreciações com relação ao atraso judicial, e a falta de efetividade e recursos adequados empregados na investigação baseiam-se na noção trazida pelo próprio Estado de que o esclarecimento do ”Massacre da  ‘Rochela’” possui um significado especial, de certa forma diferente de outros assuntos pendentes tanto perante a CIDH como perante os tribunais internos.  Com efeito, o poderoso simbolismo do assassianto de funcionários do Poder Judicial em cumprimento de seu dever não escapa a CIDH e a leva a enfatizar que, longe de justificar mais de uma década de descontinuadas tentativas de trazer os responsáveis à justiça –particulares e agentes do Estado— clama pela  efetividade necessária para restaurar a confiança na máquina da justiça dos  próprios membros do poder judicial e da  sociedade em seu conjunto.

 

35.             Dadas as características do presente caso, a Comissão considera que são aplicáveis as exceções previstas no artigo 46(2)(a) e (c) da Convenção Americana, motivo pelo qual o requisito previsto em matéria de esgotamento de recursos internos não é exigível no presente assunto.  Tampouco é exigível o cumprimento do prazo de seis meses previsto no artigo 46(1)(b) da  Convenção, toda vez que a petição for apresentada dentro do prazo razoável mencionado no artigo 32(2) de seu Regulamento para os casos nos quais não tenha sido decretada sentença transitada em julgado anteriormente à apresentação da petição.

 

b.          Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

36.             Não surge do expediente que a matéria da  petição encontre-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional.  Portanto, cabe dar por cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da  Convenção.  

 

c.          Caracterização dos  fatos alegados

 

37.             A Comissão considera que as alegações dos  peticionários relativas a suposta violação do direito a vida, a integridade pessoal e a proteção judicial devida as vítimas e seus familiares poderiam caracterizar uma violação dos  direitos garantidos nos artigos 4, 5, 8 e 25, em conjunção com o artigo 1(1), da Convenção Americana, visto que os  elementos que indicam que a investigação da causa estaria incompleta e os responsáveis pelo crime foram apenas parcialmente julgados.

 

V.                CONCLUSÕES

 

38.             A Comissão conclui que é a petição é admissível e é competente para examinar a petição apresentada pelos peticionários sobre a suposta violação do direito dos  artigos 4, 5, 8 e 25 em conjunção com o artigo 1(1) da  Convenção, conforme os requisitos estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.

 

39.             Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos e sem prejulgar o mérito da questão,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.          Declarar admissível o presente caso em relação a suposta violação dos artigos 4, 5, 8, 25 e 1(1) da  Convenção Americana.

 

2.           Notificar o Estado e o peticionário desta decisão.

 

3.           Iniciar o trâmite sobre o mérito da questão.

 

4.           Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual, a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

          Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 9 dias do mês de outubro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primer Vice-presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert e Susana Villarán.

 


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[1] Resolução 011 INT de 12 de setembro de 1997, Radicado 101, Promotoria Regional Delegada, Unidade Nacional de Direitos Humanos, Promotoria Geral da  Nação.

[2]  A CIDH examinou este assunto e o declarou admissível no seu Relatório 112/99, publicado no Relatório Anual da  CIDH 1999.  O chamado “caso dos  19 Comerciantes” foi matéria de um relatório confidencial sobre mérito conforme o artigo 50 da  Convenção Americana e eventualmente remetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em janeiro de 2001, onde se encontra pendente de decisão sobre o mérito.  Ver Corte I.D.H, Caso dos  19 Comerciantes, Exceções Preliminares, Sentença de 12 de junho de 2002.

 

[3] Resolução 011 INT de 12 de setembro de 1997, Radicado 101, Promotoria Regional Delegada, Unidade Nacional de Direitos Humanos, Promotoria Geral da  Nação.

[4] As resoluções judiciais aportadas ao presente expediente fazem referência à participação dos  Generais Faruk Yanine Diaz e Carlos Gil Colorado, o Coronel Fajardo Cifuentes e o Major Oscar de Jesús Echandia Sánchez, entre outros.

[5] Comunicação dos  peticionários de 2 de março de 1998.

[6] Na ocasião do traslado da petição ao Estado, era aplicável o Regulamento vigente até 30 de abril de 2001 que, no seu artigo 42 estabelecia “presumir-se-ão verdadeiros os fatos relatados na  petição e cujas partes pertinentes hajam sido transmitidas ao Governo do Estado aludido se, no prazo máximo fixado pela Comissão de conformidade com o artigo 34, parágrafo 5, este  Governo não proprocionar a informação correspondente, sempre e quando outros elementos de convicção não ensejarem uma conclusão diversa”. Documentos Básicos em matéria de Direitos Humanos no  Sistema Interamericano (Atualizado até amio de 1999) OEA/Ser.L/V/II.97 Doc. 31 rev.5.

[7] Denúncia apresentada pelos  peticionários em 8 de outubro de 1997.

[8] Nota EE. 0485 da  Direção Geral de Assuntos Especiais do Ministério de Relações Exteriores da  República da Colômbia, de 5 de março de 2001.

[9] Ibid.

[10] Alonso de Jesús Baquero Agudelo e Julián Jaimes foram condenados como responsáveis pelo delito de formação de quadrilha, sequestro, homicídio, tentativa de homicídio, posse e conservação de armas de uso privativo das forças militares e de policía e conservação de roupas de uso oficial e furto. Héctor Rivera Jaimes e Ricardo Ríos Avendaño foram condenados a pena principal de 14 anos e oito meses de prisão pelo  delito de formação de quadrilha.

[11] Ibid.

[12] Informação aportada pelo  Estado na  audiência celebrada no marco de 112º período de sessões.

[13] Corte I.D.H., Caso Castillo Páez, Exceções Preliminares. Sentença de 30 de janeiro de 1996, pár. 40; Caso Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, parágrafo 40; Caso Castillo Petruzzi, Exceções Preliminares, Sentença de 4 de setembro de 1998, parágrafo 56; Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingi, Sentença de 1° de fevereiro de 2000, parágrafo 54.

[14] Corte I.D.H., Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingi, Sentença de 1° de fevereiro de 2000, parágrafos 55 e 56.

[15] Corte I.D.H., Caso Castillo Páez, Exceções Preliminares, Sentença de 30 de janeiro de 1996, pár. 40; Caso Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, parágrafo 40; Caso Cantoral Benavides, Exceções Preliminares, Sentença de 3 de setembro de 1998, parágrafo 31; Caso Durand e Ugarte, Exceções Preliminares, Sentença de 28 de maio de 1999, parágrafo 33

[16] CIDH Terceiro Relatório sobre a Situação dos  Direitos Humanos em Colômbia (1999), pág. 175; Segundo Relatório sobre a Situação dos  Direitos Humanos em Colômbia (1993), pág. 246; Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos em Brasil (1997), páginas 40-42.  A Corte Interamericana confirmou recentemente que a justiça militar somente constitui um âmbito adequado para julgar militares pela comissão de delitos ou faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios da ordem militar.  Corte I.D.H., Caso Durand e Ugarte, Sentença de 16 de agosto de 2000, parágrafo 117.

[17] Relatório N° 62/00, Caso 11.727, Relatório Anual da  CIDH, parágrafo 24.