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RELATÓRIO
N°
44/02[1] ADMISSIBILIDADE PETIÇÃO 12.057 LUIS
ALFREDO ALMONACID ARELLANO
CHILE I.
RESUMO
1.
Em 15 de setembro de 1998, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma
petição apresentada por Mario Márquez Maldonado e Elvira Del Rosario Gómez
(doravante denominados “os peticionários”), na qual alegam a
responsabilidade da República
do Chile (doravante denominado “o Estado” ou “o Estado chileno”) por
violação ao direito de acesso à justiça, em virtude da decretação, em
25 de março de 1998, do arquivamento definitivo da investigação
pelo assassinato do senhor Luis Alfredo Almonacid Arellano, em aplicação
do Decreto-Lei sobre Anistia 2.191 de 1978. 2.
Os peticionários alegaram que o Estado era responsável pela violação
do direito a proteção judicial e as garantias judiciais, em conjunção
com a obrigação do Estado de respeitar e garantir os direitos humanos
consagrados nos artigos 1(1), 8(1) e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denomianada “a Convenção Americana” ou “a Convenção”).
Com relação a admissibilidade da petição, os peticionários
alegaram que encerrou-se no âmbito interno a possibilidade de aceder à
justiça e que a petição cumpre com os requisitos de forma e de mérito
para a admissibilidade. O
Estado alegou que os governos constitucionais que seguiram o regime militar
não podem ser responsáveis pelos fatos
denunciados; que neste caso se aplica o Decreto-Lei sobre Anistia 2.191 de
1978 e que é impossível derrogar este decreto. Afirma que os governos
constitucionais não editaram nenhuma lei de anistia e não executaram
nenhum ato em violação das obrigações internacionais assumidas por
Chile. O Estado argumentou que a existência da Comissão Nacional de
Verdade e Reconciliação e a implementação de uma política de reparação
para as vítimas,[2]
garantem os direitos
consagrados nos artigos 1(1),
8(1) e 25 da Convenção, motivo pelo qual não foi violado nenhum direito
consagrado na Convenção
Americana. 3.
Após analisar as posições das partes, a Comissão concluiu que é
competente para conhecer o caso apresentado pelos peticionários
e que o caso é admissível, a luz dos artigos
46 e 47 da Convenção Americana. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
4.
Em 15 de setembro de 1998 a Comissão recebeu uma petição
apresentada por Mario Márquez Maldonado e Elvira Del Rosario Gómez, na
qual se denuncia violações aos artigos 1(1), 8(1) e 25 da Convenção. 5.
Em 7 de outubro de 1998 a Comissão transmitiu
as partes pertinentes da denúncia
ao Estado chileno e fixou o prazo de 90 dias para que estas apresentassem
informação relativa aos fatos e ao esgotamento dos recursos
internos. 6.
A resposta do Estado foi recebida em 7 de janeiro de 1999 e
transmitida aos peticionários em 22 de janeiro de 1999.
A Comissão fixou o prazo de 45 dias para que os peticionários
apresentassem suas observações. As
observações dos peticionários foram recebidas
em 20 de março de 1999 e transmitidas ao Estado chileno em 26 de março de
1999. A Comissão fixou o prazo
de 30 dias para que o Estado apresentasse suas observações. 7.
Em 22 de abril de 1999 o Estado solicitou, e a Comissão concedeu,
uma prorrogação de 30 dias para entregar sua resposta.
Em 22 de janeiro 2002 a Comissão reiterou sua solicitação de
informação de 26 de março de 1999 e fixou o prazo de 30 dias para que o
Estado apresentasse suas observações, mas o Estado não respondeu. III.
POSIÇÕES DAS PARTES A.
Posição do peticionário 8.
Os peticionários alegaram que em 16 de setembro de 1973 um grupo de
aproximadamente doze policiais, comandados por Raúl Neveux Cortessi e
Manuel Segundo Castro Osorio, chegaram ao domicílio do senhor Luis Alfredo
Almonacid Arellano, um professor, militante do Partido Comunista do Chile,
Presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT) da cidade
de Rancagua e dirigente do Sindicato Único de Trabalhadores de Educação
(SUTE). O senhor Almonacid
Arellano foi detido na presença de sua família, golpeado, empurrado e
insultado. Quando estava fora
do seu domicílio, o senhor Almonacid Arellano foi empurrado pelos policiais
e perdeu o equilíbrio, sendo que, neste momento, Raúl Neveux Cortessi lhe
disparó um tiro, causando-lhe ferimentos mortais. 9.
Segundo os peticionários, em 19 de setembro de 1973, o Primeiro
Julgado de Rancagua iniciou uma investigação que finalizou com o seu
arquivamento em 8 de abril de 1974. A Corte de Apelações de Rancagua
revogou o arquivamento, mas os autos foram arquivados novamente.
Segundo os peticionários, “deste momento em diante a causa se
transforma num ir e vir de arquivamentos e eventuais revogações dos mesmos
pela Corte, caracterizada por sua independência e constante busca da
verdade durante os 17 anos de regime militar”. 10.
Os peticionários alegaram que em 28 de agosto de 1996 a Corte de
Apelações de Rancagua emitiu uma resolução submetendo Raúl Neveux
Cortessi a um processo pelo homicídio
do senhor Almonacid Arellano. A Corte Suprema, a raíz de um recurso
apresentado pelo Promotor Militar, decidiu que a justiça militar era
competente para decidir o caso. Em
28 de janeiro de 1997, a Justiça Militar aquivou total e definitivamente a
causa em favor de Raúl Neveux Cortessi.
Os peticionários apelaram da decisão.
Em 25 de março de 1998, a Corte Marcial desacolheu a apelação e
confirmou o arquivamento, com base no Decreto-Lei de anistia 2.191 de 1978.
Segundo os peticionários, a sentença da Corte Marcial colocou um
ponto final nas investigações judiciais que estavam sendo tramitadas para
estabelecer as circunstâncias em que foi assassinado o senhor Almonacid e,
portanto, não foram sancionados os autores materiais e/ou intelectuais do
crime. 11.
Os peticionários,
na resposta as observações do
Estado, alegam que o Estado chileno é respons[avel pelas violações da Convenção
levadas a cabo por agentes do Estado, não somente os do Poder Executivo,
mas de todos os Poderes, incluindo o Poder Legislativo e o Poder Judicial. 12.
Os peticionários
alegaram também que, embora a morte do senhor Almonacid Arellano está
inserida num contexto histórico distinto do governo democrático atual, a
responsabilidade do Estado chileno excede épocas históricas e cobre a época
do regime militar e não somente a da democracia, de acordo com o princípio
da continuidade jurídica dos Estados
em direito internacional. 13.
Em consequência,
os peticionários alegaram que foram violados os artigos 1(1), 8(1) e 25 da Convenção.
Explicaram que não foi garantido o direito de aceseo a justiça, que
que foi violada a obrigação de investigar e punir, bem como o direito dos familiares
do senhor Almonacid Arellano a proteção e garantias judiciais contempladas
na Convenção.
Alegaram também que o Decreto-Lei de anistia 2.191 de 1978 é
incompatível com as disposições da Convenção
porque nega o direito de acesso a justiça. B.
Posição do Estado 14.
O Estado
manifestou expressamente que “... não nega os fatos indicados na comunicação
do representante da vítima”
e não interpôs objeções processuais, mas alegou uma série de argumentos
substantivos. 15.
Segundo o
Estado, o caso insere-se dentro de um contexto histórico específico que a
Comissão deve ter em consideração. Explicou
que o Chile passou de um regime militar a um regime constitucional e que
dentro deste processo está o Decreto-Lei de anistia 2.191 de 1978.
Mencionou que através deste processo de democratização, os governos
constitucionais aceitarm implicitamente o sistema jurídico e as leis
estabelecidos por parte do regime militar e que, por esta razão, os
governos constitucionais não puderam revogar o Decreto-Lei de anistia 2.191
de 1978. 16.
Adicionalmente,
o Estado argumentou que, em todo caso, seria impossível para
o governo tratar de modificar este Decreto porque “... as iniciativas
legais relativas a anistias somente podem ter origem no Senado,
... ramo em que o governo não possui maioria porque composto por pessoas não
eleitas por votação popular”. Uma
derrogação do Decreto-Lei de anistia 2.191 de 1978 implicaria na violação
do princípio de irretroatividade da lei penal. 17.
O Estado
alegou por outro lado que o Poder Judicial é independente do Governo e que,
por conseguinte, este último não pode influenciar decisões judiciais. 18.
O Estado
mencionou também que existe uma distinção entre uma lei de anistia
editada por um governo de facto e
outra editada por um governo constitucional, tal como reconheceu a Comissão
Nacional de Verdade e Reconciliação e a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos. No primeiro caso, argmenta o Estado, trata-se de uma forma de
assegurar a impunidade própria do regime de
facto a cujo respeito se edita a lei .
No segundo caso, as leis
foram promulgadas no marco do processo
de reconciliação nacional. Assinala
que, tendo em vista que a anistia foi editada pelo governo
de facto, o regime democrático não
é responsável por estes decretos. 19.
O Estado
mencionou que os governos constitucionais não editaram nenhum lei de
anistia que pudesse ser considerada incompatível com a Convenção
Americana nem executaram, por ação ou omissão, ato algum que seja contrário
as obrigações assumidas por Chile como parte do referido tratado. 20.
Por último,
o Estado alegou que a Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação já
considerou o caso de Luis Alfredo Almonacid Arellano, reconhecendo os fatos,
em particular a sua execução extrajudicial por agentes do Estado e a violação
de seus direitos humanos. O
Estado explicou também que os familiares do senhor Almonacid Arellano já
foram compensados conforme os antecedentes proporcionados pelo Instituto de
Normalização Previdenciária e a Subsecretaria do Interior desde 1992. IV.
ANÁLISE SOBRE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE A.
Competência ratione pessoae,
ratione loci, ratione temporis e ratione materiae da Comissão. 21.
Os peticionários
encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para
apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como supostas vítimas
a pessoas individuais, a
respeito das quais o Chile comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos
consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão
assinala que o Chile é um Estado parte na Convenção Americana desde
21 de agosto de 1990, data em que foi depositado o instrumento de
ratificação respectivo. Portanto a Comissão tem competência ratione
pessoae para examinar a petição. 22.
A Comissão
tem competência ratione loci para
conhecer a petição, visto que a mesma alega violações de direitos
protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território
de um Estado parte deste tratado. 23.
A
CIDH tem competência ratione temporis já que a obrigação de respeitar e garantir os
direitos protegidos na Convenção Americana encontrava-e em vigor para o
Estado na data em que teriam ocorrido os fatos alegados na petição. [3]
Os peticionários não alegam violações da Convenção
Americana pelo assassinato do
senhor Almonacid Arellano que ocorreu antes da ratificação
da Convenção por parte do
Chile. 24.
Finalmente
a Comissão tem competência ratione
materiae, porque a petição denuncia violações a direitos humanos
protegidos pela Convenção Americana. B.
Requisitos de Admissibilidade 1.
Esgotamento dos recursos internos
25.
O artigo
46(1) da Convenção Americana estabelece como requisito de admissibilidade
de uma petição o prévio esgotamento dos recursos disponíveis na jurisdição interna do Estado. 26.
O Estado não
apresentou objeções preliminares relacionadas com a falta de esgotamento
dos recursos internos. Portanto,
a Comissão
Interamericana considera que o Estado chileno não invocou nesta petição a
falta de esgotamento dos recursos internos nas primeiras etapas do
procedimento. 27.
A Corte
Interamericana determinou reiteradamente que “a exceção de não-esgotamento
dos recursos internos, para ser
oportuna, deve ser formulada nas primeiras etapas do procedimento, caso
contrário se presume a renúncia tácita por parte do Estado interessado”.[4]
28.
Sendo assim,
a Comissão considera que o Estado chileno renunciou ao
seu direito de interpor a exceção de falta de esgotamento dos recursos
internos, visto que não a apresentou na primeira oportunidade processual que teve, isto é, em sua
resposta à petição que deu início ao trâmite. 2.
Prazo
de apresentação da petição 29.
Na petição
sob estudo, a CIDH determinou a renúncia tácita do Estado chileno a seu
direito de interpor a exceção
de falta de esgotamento dos recursos
internos, motivo pelo qual não é aplicável o requisito do artigo 46(1)(b)
da Convenção Americana.
Contudo, os requisitos convencionais de esgotamento de
recursos internos e de apresentação dentro do prazo de seis meses
da sentença que esgota a
jurisdicção interna são independentes. Desta forma, a Comissão Interamericana deve determinar se a
petição sob estudo foi apresentada dentro de um prazo razoável.
Neste sentido, a CIDH observa que a petição original de 27 de
agosto de 1998 foi recebida em 15 de setembro de 1998.
A última decisão de um tribunal interno que, na
opinião dos peticionários
caracteriza a denegação de acesso a justiça, é datada de 25 de março de
1998. Por conseguinte, a CIDH considera que a petição foi
apresentada dentro de um prazo razoável. 3.
Duplicação de procedimentos e coisa julgada 30.
Não surge
do expediente que a matéria da petição
encontre-se pendente de outro procedimento de acordo
internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este
ou outro órgão internacional. Portanto, cabe dar por cumpridos os requisitos estabelecidos
nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção.
4.
Caracterização dos fatos alegados 31.
A Comissão
considera que as alegações dos peticionários sobre supostas violações
ao direito a garantias judiciais e a
proteção judicial, no assunto
matéria do presente relatório, poderiam caracterizar violações aos
direitos das vítimas e de seus familiares, consagrados nos artigos
1(1), 8 e 25 da Convenção
Americana.
V.
CONCLUSÕES 32.
A Comissão
conclui que tem competência para examinar o caso apresentado pelos peticionários
sobre a suposta violação ao direito de acesso a justiça e a garantias
judiciais, e a obrigação de respeitar e garantir o livre e pleno exercício
dos direitos das pessoas que se encontram sob sua jurisdição. 33.
Com base
nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar
o mérito da questão, A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, DECIDE:
1.
Declarar admissível o presente caso no que se refere a supostas
violações dos direitos
protegidos nos artigos 1(1), 8, e 25 da Convenção
Americana.
2. Notificar o Estado e o peticionário desta decisão.
3. Iniciar o trâmite sobre o mérito da questão.
4.
Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual, a ser
apresentado à Assembléia Geral da OEA. Dado
e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 9 dias do mês de outubro de 2002. (Assinado):
Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primer Vice-Presidente;
Membros da Comissão Robert K.
Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert e Susana Villarán.
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[1]
O
Membro da Comissão José Zalaquett Daher, nacional do Chile, não
participou no exame ou votação do presente assunto, conforme determina
o artigo 17(2)(a) do Regulamento da
CIDH.
[2]
Segundo o Estado, a Comissão
Nacional de Verdade e Reconciliação propôs uma série de medidas de
reivindicação e reparação pública da dignidade das vítimas, tanto
de carácter simbólico como legais e administrativas, que incluem as áreas
da previdência social, as
prestações de saúde para os familiares, de educação para os filhos,
de moradia, e de bem-estar social, entre outras.
[3]
Chile depositou seu instrumento de ratificação da Convenção em 21 de
agosto 1990.
[4]
Ver
Corte IDH, Caso da Comunidade
Mayagna (Sumo) Awas Tingni, Nicarágua, Sentença sobre exceções
preliminares de 1º de fevereiro de 2000, Pár. 53.
Na
mesma sentença, a Corte Interamericana determinou que “para
opor-se validamente a admissibilidade da
denúncia… o Estado deveria invocar de maneira expressa e
oportuna a regra de não esgotamento dos
recursos internos” (ênfase do
original). Ídem, Pár. 54.
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