RELATÓRIO N° 9/02

ADMISSIBILIDADE

CASO 11.856

AUCAN HUILCAMAN E OUTROS

CHILE*

27 de fevereiro de 2002

 

 

I.          RESUMO

 

1.          Em 18 de setembro de 1996 o senhor Aucan Huilcaman Paillama e outros nove integrantes da organização mapuche Aukiñ Wallmapu Ngulam (Conselho de Todas as Terras)[1], representados pelo advogado Roberto Celedón Fernández (doravante denominados  conjuntamente “os peticionários”), apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (“a CIDH” ou “a Comissão Interamericana”) uma comunicação na  qual denunciam que a República do Chile (“o Estado”) é responsável por violações de direitos humanos em detrimento de mais de uma centena de pessoas pertencentes a mencionada etnia indígena.  Alegam que foram vítimas de uma “injusta perseguição judicial” que se teve início em junho de 1992 e terminou  em março de 1996, como castigo por “fazerem valer de forma pacífica os direitos históricos relativos a sua existência e cultura”.  Os peticionários referem-se  aos atos organizados e levados a cabo por integrantes do Conselho de Todas as Terras durante o mês de abril de 1992, como protesto pelo  quinto centenaáio da chegada dos  espanhois ao continente americano.  Estes atos incluiram a criação de um “primeiro tribunal mapuche” e o chamado “processo de recuperação de terras”, em virtude do qual ocuparam vários terrenos vizinhos as suas comunidades. 

 

2.          Como resposta, o Poder Judicial chileno nomeou um Ministro Visitante que tramitou diversas denúncias criminais apresentadas pelo  Intendente da  IX Região deste país contra mais de uma centena de mapuches e contra a organização Conselho de Todas as Terras.  Os processos foram tramitados em face da invasão e usurpação de terrenos e foi determinado que o Conselho de Todas as Terras havia convertido-se em uma associação delitiva.  A sentença de primeira instância proferida em 11 de março de 1993, que condenou 141 pessoas da  etnia mapuche, foi confirmada por acordão de 6 de setembro de 1994 da Corte de Apelações de Temuco.  Por último, a Corte Suprema de Chile indeferiu em 27 de março de 1996 o recurso de revisão apresentado pelos advogados das supostas vítimas. 

 

3.          Os peticionários alegam graves irregularidades processuais, como o caso dos mapuches que foram condenados por usurpação sem terem sido acusados por este delito, e o caso de um integrante desta etnia que foi condenado na sentença de segunda instância, apesar de não constar do processo nem ser mencionado na  sentença de primeira instância.  Outras pessoas foram processadas mas seus nombres não aparecem na sentença condenatória, tornando sua situação indefinida.

4.          Os peticionários alegam que os fatos denunciados configuram a violação de várias disposições da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Convenção Americana”): direito a liberdade pessoal (artigo 7); garantias judiciais (artigo 8); liberdade de associação (artigo 16); e igualdade perante a lei (artigo 24). Alegam também que foram cumpridos todos os requisitos de admissibilidade previstos neste instrumento internacional.  A sua vez, o Estado chileno não nega os fatos denunciados, mas alega que não lhe são imputáveis e solicita que a Comissão Interamericana assim o declare.  O Estado solicita ademais que a CIDH considere que a criação da  Corporação Nacional de Desenvolvimento  Indígena e a aprovação e vigência da Lei Indígena Nº 19.253 constituem medidas para garantir o respeito dos direitos humanos das supostas vítimas.

 

5.          Sem prejulgar o mérito do assunto, a CIDH conclui neste relatório que o caso é admissível, pois reúne os requisitos previstos nos artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.  Portanto, a Comissão Interamericana decide notificar a decisão as partes e continuar com a análise de mérito relativo a suposta violação dos artigos 1(1), 7, 8, 10, 16, 24 e 25 da  Convenção Americana.

 

          II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO INTERAMERICANA

 

6.          A petição inicial foi recebida em 23 de setembro de 1996.  Em 8 de novembro do mesmo ano a CIDH solicitou aos peticionários informação adicional sobre as violações alegadas e a identificação das vítimas.  Esta informação foi remetida em comunicações de 18 de março e 18 de outubro de 1997.

 

          7.          Em 22 de dezembro de 1997, de acordo com o Regulamento então vigente, a Comissão Interamericana deu o  número 11.856 à petição e  transmitiu as partes pertinentes da petição ao Estado chileno,  solicitando-lhe informação dentro do prazo de 90 dias.  A pedido do Estado, a CIDH concedeu uma prorrogação de 60 dias em 1° de abril de 1998.

 

          8.          O Estado chileno apresentou sua resposta em 5 de junho de 1998, que foi objeto das observações dos peticionários na comunicação de 30 de julho de 1998.  A Comissão Interamericana trasmitiu esta comunicação ao Estado chileno em 21 de agosto de 1998. 

 

9.          Em 6 de outubro de 1998 foi celebrada uma audiência sobre o presente assunto na  sede da  Comissão Interamericana.  Na  ocasião foi elaborado um documento denominado “Proposta da  CIDH de solução amistosa”, assinado pelas partes e os representantes da  Comissão Interamericana.  Novamente a pedido do Estado, a CIDH outorgou uma prorrogação de 30 dias em 18 de novembro de 1998.

 

          10.          Em 3 de março de 1999 foi celebrada uma audiência sobre o presente assunto na  sede da  Comissão Interamericana.  Em 16 de abril do mesmo ano o Estado chileno solicitou um novo prazo adicional para reunir a informação requerida pela  CIDH.  A prorrogação foi concedia  em 20 de maio de 1999 por mais 45 dias.

 

11.          Em 1° de março de 2001 foi realizada outra audiência sobre este assunto na  sede da  CIDH, ocasião na qual foi assinado um “Acordo de avançe de solução amistosa”.  Neste acordo as partes comprometeram-se a concretar a solução amistosa do assunto num  prazo de 90 dias a partir da data mencionada, e apresentar um “relatório conjunto preliminar” à CIDH durante o 111° período ordinário de sessões que seria celebrado em Santiago do Chile em abril de 2001.

 

          12.          Em 8 de março de 2001 a Comissão Interamericana recebeu uma comunicação do Diretor de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores do Chile, na qual solicitava uma emenda do texto do acordo de avanço acima referido.  A CIDH consultou os peticionários na mesma data, e estes entenderam que não haveria inconveniente em modificá-lo.[2]

 

          13.          Em 5 de abril de 2001 os peticionários entregaram a CIDH em Santiago do Chile um relatório em que lamentan a impossibilidade de constituir a comissão interministerial para a solução amistosa do assunto, mas reiteram sua vontade e disposição de concluir o trâmite por esta via.  O Estado não apresentou informação alguma sobre o  assunto nesta oportunidade.

 

          14.          Em 31 de maio de 2001 o Estado chileno apresentou uma proposta de solução amistosa que inclui provisões acerca de terras, eliminação de antecedentes penais, e reparação simbólica.  A Comissão Interamericana transmitiu esta proposta aos peticionários em 1° de junho de 2001.

 

          15.          Em 14 de agosto de 2001 os peticionários solicitaram uma audiência, que a CIDH concedeu com a finalidade de impulsionar a solução amistosa do assunto.  Entretanto,  antes de realizada a audiência, em 9 de outubro de 2001, o Estado chileno remeteu uma comunicação na qual manifestou que não havia recebido observação alguma dos  peticionários com relação a proposta de solução amistosa.  Por esta razão, o Estado afirmou que não enviaria seus representantes à audiência fixada para o dia 15 de novembro de 2001 se não recebesse uma “definição clara” dos  peticionários sobre o documento citado. A CIDH dirigiu-se  a ambas partes em 12 de outubro de 2001 e lhes pediu que se manifestassem antes de 26 de outubro do mesmo ano a respeito do seu interesse em continuar com o procedimento de solução amistosa; caso contrario a audiência seria cancelada e se seguiria com o trâmite do assunto.

         

16.          O Estado chileno respondeu em 26 de outubro de 2001 e manifestou seu interesse em participar da audiência e alcançar uma solução amistosa do assunto.  Na  mesma data, os peticionários remeteram uma nota na qual analisam pontualmente a proposta do Estado de 31 de maio de 2001 e concluem que é insuficiente e inaceitável.  Com base nesta posição, a Comissão Interamericana informou as partes sobre sua decisão de concluir a etapa de solução amistosa, cancelar a audiência convocada para esse efeito, e continuar com o trâmite do assunto.

 

III.          POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE

A.          Os peticionários

 

17.          De acordo com os peticionários, os fatos denunciados caracterizam violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado.  Em particular, informam que na ação Rol N° 24.486 iniciada em 23 de junho de 1992 pelo  Ministro Visitante Antonio Castro Gutiérrez por usurpação de terrenos, associação ilícita e outros o senhor Aucan Huilcaman Paillama foi acusado como autor de uma associação ilícita denominada Conselho de Todas as Terras, usurpação de terras e furto de animais bovinos. Também trazem a  lista de 140 pessoas de origem mapuche que foram acusadas por usurpação, associação ilícita, desacato, furto e lesões.

 

          18.          Alegam os peticionários que a sentença de primeira instância proferida em 11 de março de 1993, a qual condena  141 mapuches, está comprometida por uma série de “vícios processuais insanávesi” que constituem “graves infrações as normas sobre o justo processo”.  Por exemplo, alegam que no parágrafo 17 da  parte resolutiva da  sentença de primeira instância, confirmada por acordão, os senhores  Juan Humberto Traipe Llancapan e Juan Carlos García Catrimán foram condenados por usurpação apesar de que nenhum deles terem sido acusados por tal delito e de terem seus  processos sido arquivados.  Da mesma forma, Nelson R. Catripan Aucapan tinha sido acusado por usurpação, mas a sentença definitiva omite qualquer pronunciamento a respeito dele e deixa um “ vazio jurisdicional”.

 

          19.          Em relação a Ceferino O. Jhuenchiñur Nahuelpi, os peticionários assinalam que este foi acusado por delito de furto de animais bovinos, mas a condenação não contém  pronunciamento algum sobre esta acusação.  Consequentemente, sua “situação processual a respeito deste delito ficou completamente indefinida, com graves consequências para sua vida pessoal, pois em seus antecedentes pessoais ficou registradado a anotação por furto de animais ou abigeato, sem que nenhum órgão jurisdicional tenha decidido sobre sua situação”.[3]  Alegam também que não houve pronunciamento na sentença de primeira instância sobre a acusação por encobrimento do delito de furto de animais ou abigeato formulada contra Berner Alfonso Curin Llanquinao, Víctor Manuel Reimar Cheuque, Ernesto Orosman Cayupán Huenchiumur e Lorenzo del Carmen Reima Muñoz.  

 

20.          Os peticionários argumentam que os vícios processuais mencionados constituem infrações ao direito humano a justiça e “refletem a cegueira e frivolidade com que atuam os órgãos jurisdicionais”.  Afirmam os peticionários:

 

O exame da questão de mérito referente aos supostos delitos que originam a citada causa rol N° 24.486 do Terceiro Julgado do Crime de Temuco, demonstra simplesmente uma administração de justiça torcida, uma aberração jurídica que denuncia um quadro de denegação de justiça contra a  etnía indígena de Chile, o povo mapuche.

A atuação do Sr. Castro constitue uma dolorosa demonstração de falta de imparcialidade e de absoluta subordinação ao poder político regional, que transformou o órgão jurisdicional numa caixa de ressonância da vontade política perseguidora e  preventiva que dominava o intendente da  época, Sr. Joaquín Fernando Chuecas Muñoz.  O juiz negou aos acusados o direito sobre o qual está fundamentado o direito ao justo processo: o direito a ser ouvido com imparcialidade.  Não nos referimos à questão formal de tomar depoimentos dos acusados mas à atitude que nasce do espírito de uma pessoa constituida na  dignidade de administrar justiça: que escuta e atende o favorável e o desfavorável.[4]

 

          21.          As alegações acima resumidas referem-se às supostas violações do artigo 8 da  Convenção Americana.  Os peticionários alegam ademais que o Estado violou o direito protegido pelo  artigo 16 do instrumento internacional citado em detrimento das supostas vítimas neste caso, pois “de forma absolutamente abusiva órgãos de administração de justiça declararam ilícita uma associação mapuche”, o Conselho de Todas as Terras, que concentra as autoridades ancestrais deste povo.  Alegam igualmente que esta medida constitui uma violação do direito de igualdade perante a lei consagrado no  artigo 24 da  Convenção Americana e outras normas internacionais,[5] e viola “o espírito, sentido e conteúdo da nova Lei Indígena N° 19.253“.[6]

 

B.          O Estado

 

22.          Em sua comunicação inicial, o Estado afirma:

 

É importante destacar de maneira inicial que o Governo constitucional do Chile não nega os fatos sobre os quais se fundamenta a comunicação dos representantes do Conselho de Todas as Terras.  Contudo, tal declaração não pode nem deve ser interpretada no sentido de impedir o Estado usar todos os procedimentos legais de que dispõe para restabelecer a ordem pública que foi ameaçada ou rompida.[7]

 

          23.          Em sua resposta, o Estado chileno destaca que depois do restabelecimento da  democracia no Chile, foram impulsionadas iniciativas governamentais que culminaram na  criação da  atual Comissão Nacional de Desenvolvimento  Indígena (CONADI) por Lei 19.253 de 5 de outubro de 1993.[8]  Alega que “o Estado democrático chileno vem dando demonstrações de sua intenção em promover o desenvolvimento dos  indígenas que habitam seu território” mediante outras medidas adicionais à promulgação da lei citada e a criação da  CONADI.[9]

          24.          Com relação às alegações sobre violações da  Convenção Americana, o Estado afirma que todas as supostas vítimas foram detidas “em virtude de órdens emanadas da  autoridade judicial competente e cumpridas por policiais chilenos” e depois “submetidas a processo perante um tribunal competente, independente e imparcial”.  Completa afirmando:

 

Os erros que podem ter ocorridos durante a tramitação do processo, como é possível suceder em qualquer causa submetida ao conhecimento de tribunais compostos por seres humanos que podem errar, nã podem nem dever ser retirados do contexto onde foram produzidos.  Como assinalado pela peticionária, aparentemente houve erros na identificação de alguns dos  processados, mas isto está muito distante muito da situação de uma maquinação destinada a violar deliberadamente os direitos ou garantias judiciais, nem muito menos a uma política discriminatória contra os  indígenas da  etnía mapuche, tal como o apresenta a comunicação.[10]

 

25.          A posição do Estado a respeito da suposta violação do artigo 16 da  Convenção Americana neste assunto consiste em que “os órgãos judiciais chilenos não pretenderam impedir o direito dos  indígenas mapuches em assorciar-se entre si ou com outras pessoas”.  Pelo contrário, sustenta que  a ação do Estado neste caso é legítima e se ajusta aos limites normativos aplicáveis, na  medida em que “está dirigida contra certas ações realizadas por membros da  organização indígena que se encontram em discordância com os princípios estabelecidos na  Constitução Política, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a lei”.

 

26.          Quanto ao artigo 24 deste instrumento internacional, o Estado alega que sua ação “não deve ser interpretada como discriminatória contra uma etnía em particular”  e que “não teve por objeto deixar a margen da  lei a organização Conselho de Todas as Terras, mas sim punir judicialmente a comissão de delitos tipificados pelo  ordenamento jurídico interno”.[11]  Argumenta que “o atual Governo é absolutamente respeituoso da independência do Poder Judicial e não pode invalidar ou deixar sem efeito suas resoluções, principalmente quando elas sejam contrárias a seus interesses ou posições”.

 

27.          Finalmente, o Estado chileno solicita que a Comissão declare “que não lhe são imputáveis nem tem responsabilidade alguma na violação de direitos humanos mencionada na comunicação que originou o Caso N° 11.856“ e que considere que a criação da  CONADI e a vigência da  Lei Indígena constituem “medidas adotadas para garantir o respeito pelos direitos humanos dos  peticionários”.

 

IV.          ANÁLISE

 

A.      Competência ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci da  Comissão Interamericana

 

28.          Os peticionários encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como supostas vítimas a pessoas individuais,  a respeito das quais o Chile comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que o Chile é um Estado parte na Convenção Americana desde  21 de agosto de 1990, data em que foi depositado o instrumento de ratificação respectivo. Portanto a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.

 

29.          A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que a mesma alega violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte deste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis já que a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana encontrava-e em vigor para o Estado na data em que teriam ocorrido os fatos alegados na petição. Finalmente, a Comissão tem competência ratione materiae, porque a petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.

 

 

B.          Outros requisitos de admissibilidade da petição

 

a.          Esgotamento dos recursos internos

 

30.          Os peticionários alegam que a resolução de 27 de março de 1996 da Corte Suprema do Chile, a qual indefere o recurso de revisão interposto pelos representantes das supostas vítimas, esgotou a jurisdição interna deste país.  O Estado não refutou este argumento.  Portanto, a Comissão Interamericana considera que foi cumprido no  presente assunto o requisito previsto no  artigo 46(1)(a) da  Convenção Americana.

 

b.          Prazo de apresentação

 

31.          A petição foi recebida na  CIDH em 23 de setembro de 1996, logo encontra-se dentro do prazo estabelecido na  Convenção Americana.  O Estado chileno tampouco questiona a respeito do prazo.  A Comissão Interamericana entende que foi cumprido  igualmente o requisito do artigo 46(1)(b) deste instrumento internacional.

 

c.          Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

32.          O expediente da  petição não contém nenhuma informação que pudesse ensejar que o presente assunto encontra-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional ou que tenha sido previamente decidido pela  Comissão Interamericana.  Portanto, a CIDH conclui que não são aplicáveis as exceções previstas no artigo 46(1)(c) e no artigo 47(d) da  Convenção Americana.

 

d.          Caracterização dos  fatos alegados

33.          A Comissão Interamericana considera que os fatos expostos pelos  peticionários ensejam supostas violações dos  direitos  a liberdade pessoal, devido processo, liberdade de associação, e igualdade perante a lei.

 

34.          Embora não tenha sido invocados pelos peticionários, e em aplicação do princípio iuria novit curia, a Comissão Interamericana considera ademais que os fatos descritos poderiam configurar violações dos  direitos a indenização por erro judicial e a proteção judicial.

 

          35.          Sendo assim, a CIDH considera que os fatos alegados, caso sejam provados verdadeiros, caracterizariam violações dos  direitos garantidos nos artigos 7, 8, 10, 16, 24 e 25 da  Convenção Americana, em conjunção com o dever  de garantir e respeitar os direitos previsto no  artigo 1(1) do instrumento internacional citado.

 

V.          CONCLUSÕES

 

36.          A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.  Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.          Declarar admissível o presente caso no que se refere a supostas violações dos  direitos protegidos nos artigos 1(1), 7, 8, 10, 16, 24 e 25 da  Convenção Americana.

 

1.          Notificar as partes desta decisão.

 

2.          Continuar com a análise sobre o mérito da questão, e

 

3.          Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual, a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 27 de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert .


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* O Membro da Comissão José Zalaquett Daher, nacional do Chile, não participou no exame ou votação do presente assunto, conforme determina o artigo 17(2)(a) do Regulamento da  CIDH.

[1] O senhor Huilcaman Paillama assinou a comunicação como encarregado de relações internacionais da  comunidade de Collinke, Comuna de Lumaco.  Os demais integrantes da comunicação apresentada a CIDH são Juana Santander Quilan, Fernando Pérez Huilcaleo, Carlos Catripán Curin, Alejo Chañapi Llancafilu, Manuel Antilao Marileo, Jorge Pichiñal Painecura, Juan H. Traipe Llancapan, José Luis Huilcaman H. e Francisco Antileo Pitriguan.

[2] O parágrafo 3° cuja eliminação solicitou o Estado, afirma: “o Governo manifesta sua posição no  sentido de que as aberrações judiciais cometidas neste caso no Chile constituem exclusivamente erros deste órgão do Estado e não um conflicto entre o Governo e a comunidade mapuche”.  Os senhores Aucan Huilcaman Paillama e Roberto Celedón Fernández estiveram de acordo em não eliminar este texto do documento, ainda que lamentassem que a interpretação incorreta do mesmo e manifestaram que “ter uma apreciação moral e jurídica compartida acerca dos  fatos, assim como o valor de chamar as coisas por seu nome facilita os processos de diálogo, de negociação e acordo”.

[3] Comunicação dos  peticionários de 18 de setembro de 1996, pág. 13.

[4] Comunicação dos  peticionários de 18 de setembro de 1996, pág. 14.

[5] Os peticionários invocam o seguinte princípio:

Todos os indivíduos e grupos tem direito a ser diferentes, a considerar-se e ser considerados como tais.  Entretanto, a diversidade das formas de vida e o direito à diferença não podem em nenhum caso servir de pretexto aos preconceitos raciais; não podem legitimar nenhuma prática discriminatória nem de direito nem de fato …

Art. 1(2) da  Declaração sobre raças e preconceitos raciais aprovada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em 27 de novembro de 1978

[6] O artigo 1° da  Lei Indígena mencionada pelos peticionários dispõe:

O Estado reconhece que os indígenas do Chile são os descendentes das populações humanas que existen no  território nacional desde os tempos pré-colombo, que conservam manifestações étnicas e culturais próprias, sendo para eles a terra o fundamento principal de sua existência e cultura.

[7] Comunicação do Estado de 5 de junho de 1998, pág. 2.

[8] O Estado chileno indica:

A Lei Indígena estabelece, entre outras, normas destinadas a garantir o reconhecimento das principais etnías que habitam o território nacional.  Contém normas relativas ao reconhecimento da qualidade indígena, de sua cultura e das comunidades indígenas.  Especial menção tem o capítulo concernente ao reconhecimento, proteção e desenvolviemento das terras indígenas.

Idem.

[9] As medidas concretas mencionadas pelo  Estado são:

- A criação do Mérito de Desenvolvimento Indígena, destinado a financiar programas especiais de desenvolvimento das pessoas e comunidades indígenas.

- O estabelecimento de Áreas de Desenvolvimento Indígena, que são espaços territoriais nos quais o  Estado centraliza sua ação de benefício ao desenvolvimento.

- Reconhecimento e respeito das culturas e idiomas indígenas e sua incorporação ao sistema de educação formal.

- Criação do Mérito para Terras e Águas Indígenas, destinado para a aquisição de terras por pessoas ou comunidades indígenas e o financiamento da constituição, regularização ou compra de direitos de águas ou de obras destinadas a obter este recurso.

Idem, pág. 3.

[10] Idem, pág. 4.

[11] O Estado descreve tais fatos:

As usurpações de terras que mencionou o  Conselho de Todas as Terras e que membros e dirigentes dessa organização levaram a cabo, naturalmente gerou na  IX Região, em particular, e no  resto do país comoção e razoável preocupação por parte das autoridades encarregadas de velar pela  manutenção da ordem pública, A este respeito, é importante recordar que durante o processo de Reforma Agrária, na  década dos  anos ’70, houve casos similares de usurpação de terras o “tomadas” que deram lugar a uma escalada de violência que culminou no Golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.

Idem, pág. 6.