|
RELATÓRIO
Nº 7/02 ADMISSIBILIDADE CASO
11.661 MANICKAVASAGAM
SURESH CANADÁ 27
de fevereiro de 2002 I.
RESUMO 1.
O presente relatório refere-se exclusivamente a admissibilidade da
petição dos autos. O Sr.
Suresh chegou ao Canadá proveniente de Sri Lanka em 1990 e lhe foi
concedido a qualidade de refugiado. Em
1991 solicitou que lhe fosse reconhecida a condição de imigrante
permanente (residência permanente), mas foi detido em 1995, antes de que
fosse ourtorgada essa qualidade, e o Estado iniciou procedimentos para
deportá-lo a Sri Lanka, baseados no fato de que era membro e encarregado da
arrecadação de méritos de uma suposta organização terrorista,
Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE).
Alega que se fosse deportado, correria perigo de ser torturado.
O caso foi apelado perante a Corte Suprema do Canadá que, em 11 de
janeiro de 2002, declarou que a deportação de uma pessoa exposta a sofrer
torturas em geral é inconstitucional, e que foi negado ao Sr. Suresh o
devido processo durante o processo de deportação. A Corte Suprema reenviou
o caso ao tribunal inferior para uma nova audiência sobre a questão da
deportação. 2.
O Sr. Suresh argumenta também que foi vítima de detenção arbitrária,
já que o mantiveram preso durante de dois anos e cinco meses porque se
tratava de um estrangeiro sem residência permanente no Canadá.
Afirma que não teve acesso a um procedimento judicial rápido e
simples para impugnar a legalidade da detenção, e que este tratamento o
privou do direito a um tratamento igualitário aos dos cidadãos canadenses
no que se refere ao gozo de sua liberdade.
Neste relatório, a Comissão declara admissível a petição
exclusivamente em relação aos temas da suposta detenção arbitrária do
Sr. Suresh, seu acesso a um procedimento simples e breve
perante os tribunais para fazer efetivo o respeito de seus direitos legais,
e o suposto direito a igualdade aos cidadãos canadenses quanto ao gozo de
sua liberdade [artigos II (direito à igualdade), XVIII (direito de justiça)
e XXV (direito de proteção contra a detenção arbitrária) da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem]. O Estado
assume a posição de que a detenção forma parte do processo de instrução
de deportação, e que a demora foi causada em parte pelo próprio peticionário.
Os tribunais canadenses confirmaram a constitucionalidade do processo
de instrução da deportação e a concomitante detenção, e o fato de que
este processo era substitutivo de um recurso de habeas corpus.
A Comissão Interamericana notificará as partes da presente decisão
de admissibilidade do caso e seguirá considerando, em seus aspectos
substanciais, as supostas violações dos artigos II, XVIII e XXV da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO 3.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada
"a Comissão Interamericana" ou "a CIDH") recebeu uma
petição datada de 26 de julho
de 1996, apresentada por Barbara Jackman, de Jackman and Associates, escritório
jurídico em Toronto, Canadá (doravante denominada "os peticionários"),
em que alega que o governo do Canadá (doravante denominado "Canadá" ou "o Estado") incorreu em
responsabilidade internacional ao denegar ao Sr. Manickavasagam Suresh,
refugiado no Canadá proveniente de Sri Lanka, determinados direitos humanos
fundamentais. O Sr. Suresh, de
origem tamil, foi privado de sua liberdade a partir de 18 de outubro de
1995, baseada na sua suposta associação com uma entidade legal, e não na
realização de nenhum ato supostamente ilegal. 4.
Os peticionários admitem que os estrangeiros não tem todos os
direitos próprios dos cidadãos,
como o direito de penetrar e permanecer no país, o direito de votar e o
direito de participar do governo. Sustentam,
porém, que o direito ao devido processo e o direito a interpor o recurso de
habeas corpus são direitos humanos fundamentais dos quais são titulares
todas as pessoas, seja qual for sua nacionalidade, para a determinação da
legalidade de sua detenção. Defendem que o Canadá viola esses direitos por razões de
cidadania, faltando assim com sua obrigação de oferecer igual proteção
perante a lei. Ademais
sustentam que o Canadá procede `a detenção de pessoas baseando-se
meramente em uma “suposta associação " a organizações
terroristas, motivo pelo qual viola também a liberdade de associação
dessas pessoas. 5.
Os peticionários alegam que o
Canadá incorreu na violação dos artigos 1, 2, 17, 18, 22, 24 e 25 da
Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem (doravante denominada
"a Declaração Americana"); a saber: o direito a vida, a
liberdade e a segurança (artigo I); o direito de igualdade perante a lei
(artigo II); o direito de reconhecimento da personalidade jurídica e dos direitos
civis (artigo XVII); o direito
de justiça (artigo XVIII); o direito de associação (artigo XXII); o
direito de petição (artigo XXIV), e o direito de proteção contra a detenção
arbitrária (artigo XXV). 6.
Em 15 de agosto de 1996, a Comissão remeteu o texto da petição ao
governo do Canadá e lhe solicitou que enviasse seus comentários sobre a
mesma dentro de um prazo de 45 dias. Foi
fixada uma audiência sobre esta petição para 8 de outubro de 1996 as 3:30
p.m., audiência que foi posteriormente cancelada a o pedido do Estado.
Como o Estado não respondeu a solicitação de informação
formulada pela Comissão, esta, em 27 de feveiro de 1997 reiterou seu pedido
de 15 de agosto do ano anterior, e intimou ao Estado a responder dentro de
um prazo de 30 dias. Em 26 de março de 1997 a Comissão voltou a intimar ao
Estado para apresentar sua resposta. Em
22 de abril de 1997 o Estado solicitou uma prorrogação até o dia 30 de
junho de 1997 para cumprir com a informação solicitada, manifestando que
"os temas formulados neste caso requerem contínuas consultas com vários
departamentos do governo". Em
25 de abril de 1997 a Comissão concedeu a prorrogação pedida pelo Estado
até 30 de junho de 1997. Em 31
de julho de 1997, o Estado apresentou uma comunicação sobre a
admissibilidade da petição. Em 6 de agosto de 1997 a resposta do Estado foi remetida aos
peticionários, os quais foram intimados a enviar suas observações dentro
de um prazo de 30 dias a partir da data de recepção.
Em 23 de outubro de 1997, os peticionários solicitaram uma prorrogação
até 15 de novembro para apresentar suas observações, a qual foi
autorizada através de uma comunicação datadada de 5 de novembro de 1997.
Em 10 de dezembro de 1997 os peticionários apresentaram suas observações,
que foram transmitidas ao Estado
em 17 de dezembro. 7.
Em 8 de janeiro de 1998 o Sr. Suresh foi
notificado que seria deportado a Sri Lanka.
Em 10 de janeiro de 1998, os peticionários informaram a Comissão
sobre a iminente possibilidade dessa deportação.
Os peticionários interpuseram os recursos judiciais apropriados no
âmbito nacional e assinalaram que o recurso apresentado perante a Comissão
resultaria ilusório se o Sr. Suresh fosse deportado a Sri Lanka. Em 16 de
janeiro de 1998 a Corte Federal canadense rejeitou a aplicação da suspensão
da ordem de deportação, baseando-se na comprovação de que o Sr. Suresh
representava um perigo para a segurança do
Canadá, e o juiz não entendeu
que o Sr. Suresh fosse sofrer prejuízos irreparáveis "a luz das
certeza dada pelo Alto Comissariado de Sri Lanka, que é o funcionário de
maior hierarquia de Sri Lanka no Canadá", de que o Sr. Suresh "não
seria torturado nem executado se regresasse ao Sri Lanka”.
Posteriormente a esta decisão os peticionários solicitaram a Comissão
a adoção de medidas cautelares. 8.
Em 16 de janeiro de 1998, a Comissão concedeu a solicitação de
medidas cautelares e pediu ao Estado a suspensão da deportação do Sr.
Suresh do Canadá, que estava pendente, até que este orgão tivesse a
possibilidade de investigar as denúncias formuladas na petição, conforme
o artigo 29.2 de seu Regulamento. Foi
celebrada uma audiência com respeito a petição em 23 de fevereiro de 1998
às 10:00 a.m., durante o 98º período ordinário de sessões da Comissão. 9.
Em 7 de agosto de 1998 o
Canadá informou a Comissão o estado dos diversos
procedimentos instituídos pelo Sr. Suresh e lhe solicitou que revogasse as
medidas cautelares que tinha adotado tendentes a suspender a deportação do
Sr. Suresh, argumentando que havia desistido
de seu pedido de consideração da questão.
Em 23 de março de 1998 o Sr. Suresh foi liberado da detenção a que
estava submetido, juntamente com o cumprimento de diversas condições
acordadas, expostas numa sentença decretada em 19 de março pela Corte
Federal canadense. O Canadá
sustenta que a única questão pendente
no caso era a detenção do Sr. Suresh conforme a Lei
de Imigração, e a revisão
da detenção, questão esta última que, segundo assinalado, continua sendo
objeto de uma ação interposta perante a Corte Federal canadense que
impugnava a Seção 40.1 da Lei.
Consequentemente, como havia recursos internos pendentes, a Comissão
deveria declarar inadmissível a petição por falta de esgotamento dos recursos
desse gênero. Em 12 de agosto de 1998 a informação adicional apresentada
pelo Canadá foi transmitida aos peticionários, os quais foram inimados a
formular observações dentro de um prazo de 30 dias.
Em 7 de outubro de 1998 os peticionários apresentaram suas observações. 10.
O Sr. Suresh solicitou a Corte Federal a revisão judicial do assunto,
alegando que a conclusão do Ministro de que o Sr. Suresh representava um
perigo para a segurança de Canadá não era razoável; que os procedimentos
previstos na Lei de Imigração não
eram justos, e que a Lei violava as Seções 7 e 2 da Carta
Canadense de Direitos e Liberdades (doravante denominada "Carta
Canadense"). O juiz rejeitou a solicitação em todos seus termos, e a
Corte Federal de Apelações confirmou essa sentença. Os peticionários
apelaram perante a Corte Suprema de Canadá. 11. Em 11 de janeiro de 2002, a Corte Suprema de Canadá declarou que o Sr. Suresh tinah direito a uma nova audiência de deportação, e que a legislação impugnada era constitucional. Concluiu que o Sr. Suresh tinha comprovado prima facie que corria perigo de ser torturado se fosse deportado a Sri Lanka. A Corte sustenta que uma vez que foi concluido prima facie, que o interessado tinha direito a promover provas e apresentar reclamações, e que os procedimentos adotados no caso de Suresh não cumpriam com as normas constitucionais pertinentes. De fato, o Sr. Suresh não tinha gozado da oportunidade de responder oralmente ou por escrito às exposições e provas documentais submetidas pelo Ministro. 12.
A questão sobre se o Sr.
Suresh poderia ser deportado de volta a Sri Lanka e se corria o risco de ser
torturado não está sob consideração da Comissão, já que em virtude da
resolução da Corte Suprema canadense de que o Sr. Suresh tem direito a uma
nova audiência de deportação, resulta claro que não foram esgotados os
recursos internos em relação ao tema.
A questão posta ao exame da Comissão consiste simplesmente em
estabelecer se o Sr. Suresh tem o direito a que seja determinado sem demora
a legalidade de sua detenção através de um procedimento simples e breve
perante uma corte (artigo XVIII) e se sua detenção durante dois anos e
cinco meses como estrangeiro não residente viola (os artigos II e XXVI ) da
Declaração Americana. A Lei
de Imigração canadense estabelece um mecanismo de expulsão do Canadá
de pessoas que não sejam cidadãos ou residentes permanentes, por razões
de segurança nacional. III.
POSIÇÃO DAS PARTES A.
Os peticionários 13
Com a finalidade de pronunciar-se sobre a admissibilidade da petição
é importante compreender o contexto fático, e os fatos referentes aos
procedimentos de revisão da deportação a luz das exposições das partes.
O Sr. Manickavasagam Suresh é um cidadão de Sri Lanka de origem
tamil. Ele nasceu em 1955 e
ingressou no Canadá em outubro de 1990.
Foi reconhecido como refugiado conforme a Convenção em abril de
1991, e no início do verão boreal de 1991 solicitou o reconhecimento de
sua condição de imigrante permanente.
Como consequência de sua situação de refugiado, o Sr. Suresh está
protegido pelo princípio de non
refoulement, que significa que não pode ser devolvido "a um país
em que [sua] vida ou sua liberdade corra perigo por razões de raça, religião,
nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política".
O Sr. Suresh não está casado nem tem dependentes, e seus parentes mais próximos vivem na
Inglaterra. 14.
A solicitação do Sr. Suresh para que lhje seja concedida a
qualidade de imigrante
permanente não foi tramitada inteiramente porque em 1995 o Advogado Geral
do Canadá e o Ministro de Cidadania e Imigração desse país iniciaram
procedimentos tendentes a sua deportação a Sri Lanka por razões de
segurança. O primeiro passo do
procedimento foi uma certificação, conforme a Seção 40.1 da Lei
de Imigração, que dispõe que o Sr. Suresh tornara-se inadmissível
para o Canadá por razões de segurança.
O Advogado Geral e o Ministro apresentaram o certificado perante a
Corte Federal do Canadá em 17 de outubro de 1995, e o Sr. Suresh foi detido
no dia seguinte. 15. O certificado baseiou-se na opinião do Serviço Canadense de Inteligência e Segurança (CSIS, em suas siglas em inglês), de que o Sr. Suresh era membro da organização Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE). Os peticionários alegam que o CSIS considera a LTTE como uma organização terrorista que opera no Canadá sob os auspícios de uma organização de fachada, o Movimiento Mundial Tamil (MMT), a fim de arrecadar méritos, realizar propaganda e adquirir material. O Sr. Suresh foi coordenador do MMT no Canadá. A minoria tamil rebelou-se contra o governo democraticamente eleito de Sri Lanka, aduzindo violação de seus direitos lingüísticos, culturais e políticos básicos. O advogado do Ministro, na audiência sobre a razoabilidade da emissão do certificado admitiu que não se havia alegado que o Sr. Suresh tinha incorrido em atos penalmente repreensíveis ou realizado atividades delitivas, no Canadá ou no Sri Lanka. O Sr. Suresh foi detido em 18 de outubro de 1995 e liberado em 23 de março de 1998, depois de 29 meses. 16.
Os peticionários argumentam que o Sr. Suresh permaneceu detido em
violação dos artigos I, II,
XVII, XVIII, XXII, XXIV e XXV da Declaração Americana, e que: a.
Foi detido por autoridades de imigração canadenses em virtude de
uma norma legal que prevê uma detenção preventiva por tempo indefinido,
sem revisão judicial do assunto. b.
Foi detido com base na sua vinculação com uma organização, e não
a respeito de uma suposta conduta ilícita de sua parte. c.
Não teve a possibilidade de interper o recurso de habeas corpus, por
não ser cidadão canadense e estar detido no contexto da Lei
de Imigração, embora este recurso esteja constitucionalmente previsto
na Seção 10 da Carta Canadense
de Direitos e Liberdades. d.
Não teve acesso a um recurso efetivo para questionar sua detenção. B.
O
Estado 17.
A posição do Estado é a de que a petição do Sr. Suresh era
manifestadamente inadmissível, já que o peticionário não esgotou os
recursos internos disponíveis, e que o expediente não revela em parte
alguma a violação de nenhum artigo da Declaração Americana.
O Estado sustenta que o Sr. Suresh foi detido em virtude de normas
legais básicas que haviam sido declaradas [pelos tribunais
canadenses] não violatórias dos direitos
a liberdade e a de não ser objeto de detenção arbitrária, previstos na
Constituição canadense. 18.
Na época da primeira resposta do governo canadense, em 31 de julho
de 1997, o Sr. Suresh continuava levando adiante o procedimento de
esgotamento dos recursos
internos, impugnando a validez de sua detenção nos dois procediemntos
interpostos perante a Corte Federal do Canadá.
Como assinalado anteriormente, o primeiro consistia em um questionamento
da razoabilidade do certificado que autorizava sua detenção, e o segundo
em uma ação de questionamento da constitucionalidade de sua detenção
baseada numa disposição legal
que infringia seus direitos constitucionais a liberdade de expressão, a
liberdade de associação e a igualdade. 19.
O Estado argumenta que o Sr. Suresh foi detido por razões de imigração
e que a Seção 19 da Lei de Imigração
menciona categorias de estrangeiros não admissíveis por estarem implicados
em atividades de espionagem, subversãon de governos democráticos ou
terrorismo. A Lei
permite a detenção de estrangeiros no contexto da imigração, para
alcançar duas finalidades: garantir
a deportação efetiva de pessoas não admissíveis que possam resistir a mesma e proteger a sociedade canadense frente a
pessoas consideradas perigosas. 20.
Após o esgotamento dos recursos
internos por parte do Sr. Suresh, o Estado assinalou que a única questão
que seria pertinente por à consideração da Comissão consiste na detenção
do Sr. Suresh, e dado o fato de ter sido liberado, a consequente irrelevância
da questão.
IV.
ANÁLISE SOBRE A ADMISSIBILIDADE A.
Competência da Comissão ratione pessoae, ratione loci, ratione temporis
e ratione
materiae 21.
O peticionário alega que o Canadáviolou os direitos do Sr. Suresh
previstos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
A Declaração converteu-se em fonte de direito a ser aplicada pela
Comissão em relação ao Canadá quando este país tornou-se um Estado
membro da Organização dos Estados Americanos.
O Canadá depositou seu instrumento de ratificação da Carta da OEA
em 8 de janeiro de 1990. O artigo 20 do Estatuto da Comissão e o Regulamento da mesma
autorizam a Comissão a examinar as supostas violações da Declaração
formuladas pelos peticionários
contra o Estado, que guardem relação com atos ou omissões ocorridos
posteriormente ao ingresso do Estado na Organização dos Estados
Americanos.
1.
Ratione pessoae
22.
A suposta vítima é uma pessoa natural, e a petição foi
apresentada por Barbara Jackman, advogada autorizada para formular petições
perante a Comissão conforme o artigo 28 do seu Regulamento.
Logo, a Comissão tem competência ratione
pessoae para examinar a petição.
2.
Ratione loci
23.
A Comissão é competente ratione
loci para tomar conhecimento da petição, já que
nela são aduzidas violações de direitos protegidos pela Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, perpetradas dentro do território
de um Estado sujeito à jurisdição da Comissão em virtude desse
instrumento.
3.
Ratione temporis
24.
A Comissão é competente ratione
temporis pelo fato de que a obrigação de respeitar e garantir os
direitos internacionalmente protegidos ja estava em vigor para o Estado na
data dos fatos aduzidos na petição
conforme a Declaração
Americana.
4.
Ratione
materiae 25.
Finalmente, a Comissão possui competência ratione
materiae, já que a petição aduz violações de direitos humanos
protegidos pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Tanto o peticionário como o Estado concordam que a única
questão a ser analisada pela Comissão refere-se à detenção do Sr.
Suresh e a falta de recursos disponíveis de que dispunha esta pessoa para
impugnar a legalidade de sua detenção perante uma autoridade competente do
Estado mediante um procedimento curto e simples.
A questão mais ampla consiste em estabelecer se o Direito
Internacional dos Direitos Humanos obriga os Estados a outorgar, não
somente os cidadãos, mas também a estrangeiros, o direito de habeas corpus
para determinar a legalidade de sua detenção nos procedimentos referentes
a seu estado.
B.
Outros requisitos de admissibilidade de uma petição
1.
Esgotamento dos recursos internos
26.
Com respeito à detenção, cujas partes concordam que é o único
tema em controvérsia, o Sr. Suresh interpôs uma ação perante a Corte
Federal, alegando que as disposições da Seção 40.1 da Lei
de Imigração violam a Carta
de Direitos e Liberdades. Em
Ahani contra Canada (1996), as
cortes canadenses já determinaram que as disposições sobre detenção da
Seção 40.1 são constitucionalmente válidas.
A Divisão do Contencioso da Corte Federal decretou sentença segundo
a qual não existe violação dos princípios de justiça básicos previstos
na Seção 7 da Carta em relação
com o processo e a detenção, nem nenhuma infração do direito a não ser
objeto de detenção arbitrária conforme a Seção 9 da Carta.
Esta sentença foi confirmada pela Corte
Federal de Apelações, e a Corte Suprema do Canadá denegou a ação
respectiva. A única opção do
Sr. Suresh foi levar adiante sua impugnação das disposições sobre detenção
baseando-se exclusivamente na discriminação e infração dos direitos
de expressão e associação, pois as cortes canadenses já tinham
pronunciado-se sobre a questão da detenção arbitrária e a falta de um
processo justo. Em 1999 a Corte
Federal indeferiu a ação do Sr. Suresh em todos seus termos.
A Corte concluiu que as atividades de Suresh como arrecadador de méritos
não podiam ser consideradas modalidades de “expressão” conforme a Seção
2(b) da Carta, já que foram realizadas a serviço de uma organização
violenta. Também concluiu que
suas atividades não estavam protegidas conforme a Seção
2(b), já que a associação em questão foi criada para cometer atos de
violência. O Sr. Suresh apelou
perante a Corte Federal de Apelações, que também indeferiu seu recurso.[1]
O Estado reconhece que o peticionário não dispõe de outros
recursos internos relativos à detenção que possam se esgotados.
2.
Prazo de apresentação
27.
O artigo 32 do Regulamento da Comissão assinala que a petição deve
ser apresentada dentro de um prazo de seis meses a partir da data em que o
peticionário foi notificado da resolução final que esgotou os recursos
internos ou, se o requisito do esgotamento não é pertinente, devido a
alguma das exceções estipuladas no artigo 31 do Regulamento da Comissão,
deve ser apresentada dentro de um prazo razoável.
28.
O peticionário remeteu sua denúncia a Comissão em 26 de julho de
1996, muito antes do esgotamento dos recursos internos.
O peticionário vinha residindo no Canadá desde outubro
de 1990, mas a ordem de detenção foi decretada cinco anos depois, e ele
foi detido em 18 de outubro de 1995. Como
a questão refere-se a falta de um recurso judicial simples e breve para
impugnar a suposta detenção arbitrária, o fato de que o caso foi iniciado
em julho de 1996, depois de que
o Sr. Suresh permaneceu nove meses em detenção, constitui um prazo razoável
de espera para a apresentação da petição.
Como esta petição foi apresentada nove meses depois do início da
detenção do Sr. Suresh, a Comissão a considera compatível com o o
disposto no artigo 32 do Regulamento da Comissão.
3.
Duplicação de procedimentos e res
judicata
29.
A Comissão entende que a questão central da petição não está
pendente de resolução perante nenhum outro organismo internacional, nem
reproduz uma petição já examinada por este nem nenhum outro organismo
internacional. Logo, foram
cumpridos os requisitos estabelecidos no artigo 33 do Regulamento da Comissão.
4.
Caracterização dos fatos alegados
30.
A Comissão considera que a denúncia do peticionário
refere-se a fatos que, se provados verdadeiros, tendem a configurar
uma violação dos direitos garantidos pelos artigos
II, XVIII e XXV da Declaração Americana, motivo pelao qual a CIDH entende
que foram cumpridos os requisitos do artigo 47(b) da Convenção.
V.
CONCLUSÃO
31.
Conforme as considerações de fato e de direito acima expostas, a
Comissão conclui que o caso de autos cumpre com os requisitos de
admissibilidade estipulados nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana e,
sem prejulgar o mérito do assunto, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE:
1. Declarar admissível este caso em relação aos artigos II, XVIII e
XXV da Declaração Americana.
2.
Remeter o presente relatório ao peticionário e ao Estado. 3.
Prosseguir com a análise de mérito do assunto. 4.
Publicar o presente relatório e incluí-lo no Relatório
Anual da Comissão à Assembléia
Geral da OEA. Dado
e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 27 dias do mês de fevereiro de 2002.
(Assinado): Juan Méndez,
Presidente; Marta Altolaguirre, Primera Vice-presidenta; José Zalaquett
Daher, Segundo Vice-presidente; Membros da Comissão:
Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo e Clare K. Roberts.
|