RELATÓRIO Nº 6/02  
ADMISSIBILIDADE

PETIÇÃO 12.071

120 CIDADÃOS CUBANOS E

8 CIDADÃOS HAITIANOS DETIDOS

NAS BAHAMAS

3 de abril de 2002

 

 

I.            RESUMO

 

            1.            O presente Relatório refere-se a uma petição que foi apresentada em 13 de agosto de 1998, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada  "a Comissão ") pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Open Society Institute (doravante denominado "os Peticionários) em  nome de 120 cidadãos cubanos e 8 cidadãos haitianos (doravante denominados "as vítimas"), os quais foram detidos pelo Commonwealth de Bahamas (doravante denominada "Bahamas" ou "o Estado") no Centro de Detenção Carmichael Road, Nassau, Bahamas. Os Peticionários alegam que o Estado violou os direitos das vítimas garantidos pelas disposições da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada "a Declaração Americana" ou "a Declaração).

 

2.            Os Peticionários assinalam que muitas das vítimas, os quais tem  legítimo direito a reivindicar a condição de refugiados em Bahamas, não puderam fazê-lo porque o Estado não conta com processos disponíveis por meio dos quais as as vítimas possam reivindicar perante o Estado seu direito à condição de refugiados. Os Peticionários sustentam que as vítimas deveriam ficar isentas de esgotar os recursos internos, e alegam que na legislação interna de Bahamas não existe o devido processo legal, já que lhes foi negado o acesso aos recursos internos em Bahamas. Segundo os Peticionários, o Estado não conta com procedimentos internos vigentes para que os solicitantes de asilo político possam reivindicar seus direitos ou buscar sua liberdade enquanto esperam que se reconheça a sua condição de refugiados.

 

3.            Os Peticionários alegam que o fato de que o Estado não possibilita às  vítimas a interposição de processos para reivindicar sua condição de refugiados, e  tendo em vista que a detenção arbitrária e o tratamento dado às vítimas durante sua detenção, constituem violações do artigo I (direito à vida, liberdade, segurança e a integridade da pessoa), o artigo II (direito de igualdade perante a lei), o artigo V (direito à proteção da honra, a reputação pessoal e a vida privada e familiar), o artigo VI (direito à constituição e a proteção da família), o artigo VII (direito de proteção à maternidade e á infância), o artigo XVII (direito de reconhecimento da pessoalidade jurídica e dos direitos civis), o artigo XVIII (direito a um juizo justo e a proteção judicial), o artigo XXV (direito de protecção contra a detenção arbitrária) e o artigo XXVII (direito de asilo) da Declaração Americana. Adicionalmente, os Peticionários afirmam que Bahamas violou o artigo 33 da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967.  Tendo em vista o exposto os Peticionários solicitaram que a Comissão ordenasse a adoção de medidas cautelares de conformidade com o  artigo 29 de seu Regulamento anterior [1] contra o Estado para evitar que as vítimas sofressem dano irreparável.

 

4.            Com relação à admissibilidade da petição, o Estado argumenta que os recursos internos de Bahamas não foram invocados nem esgotados segundo o exigido pelas disposições do artigo 37 do antigo Regulamento da Comissão.

 

5.            A Comissão decide declarar admissíveis os artigos I, I, II, V, VI, VII, XVII, XVIII, XXV y XXVII da Declaração de conformidade com os artigos 31, 32, 33, 34, e 37 de seu Regulamento.

 

            II.            TRÂMITES PERANTE A COMISSÃO

 

6.            Os Peticionários apresentaram a petição perante a Comissão em 13 de agosto de 1998, e posteriores comunicações, que foram acumuladas para serem referidas juntamente como "a petição" para fins do presente Relatório.  Em sua petição de 13 de agosto de 1998, os Peticionários solicitaram que a Comissão ordenasse a adoção de medidas cautelares contra o Estado de acordo com o  antigo artigo 29 de seu Regulamento [2] para evitar dano irreparável às vítimas. Ademais, os Peticionários procuraram ajuda da Comissão solicitando-lhe o seguinte:

 

a.       A Comissão deveria solicitar que o Estado suspendesse  temporariamente todas as deportações de cubanos para Cuba;

 

b.      A Comissão deveria insistir para que o Estado adotasse  procedimentos escritos e estabelecidos para a determinação da condição de refugiado, que cumprissem com as normas internacionais; e

 

c.      A Comissão também deveria determinar um prazo dentro do qual fosem cumpridas as etapas mencionadas, de modo que fossem evitadas as detenções desnecessariamente prolongadas no centro   Carmichael, tendo em vista que suas condições são claramente inadequadas para uma detenção prolongada.

 

7.            Na comunicação datada de 14 de agosto de 1998, os Peticionários informaram à Comissão, entre outras coisas, que "The Nassau Guardian," um jornal de Bahamas, informou em um dos seus artigos que o Estado tinha devolvido 65 cubanos a Cuba.

 

8.            Em 14 de agosto de 1998, a Comissão remeteu uma comunicação ao Estado em que lhe informava que tinha recebido informação com relação as vítimas sobre as reclamações formuladas na petição.  A Comissão indicou ao Estado que do exposto na informação submetida a sua consideração, e a fim de evitar danos irreparáveis às vítimas, ordenava a adoção de medidas cautelares de conformidade com o artigo 29 de seu Regulamento.  Ao ordenar ao Estado a adoção de medidas cautelares, a Comissão solicitou a suspensão da deportação dos cidadãos cubanos de Bahamas para Cuba, até que tivesse a oportunidade de investigar as reclamações formuladas na petição.  Adicionalmente, a Comissão solicitou ao Estado que lhe proporcionasse informação relativa à condição dos cidadãos cubanos, e as alegações feitas na petição.  A Comissão também remeteu uma comunicação aos Peticionários na qual informava sobre as medidas cautelares requeridas e sua solictação de informação enviada ao Estado.

 

9.            Em 11 de setembro de 1998, a Comissão reitereu ao Estado de  Bahamas sua solicitação de informação com relação as medidas cautelares requeridas e a condição das vítimas.

 

10.            Os Peticionários enviaram uma comunicação escrita à Comissão em 30 de setembro de 1998, informando-lhe, entre outras coisas, que em 18 de agosto de 1998, o Estado repatriou 47 cubanos que haviam permanecido detidos no Centro de Detenção Carmichael Road, e que este número se somava aos 65 cubanos que foram repatriados em 11 de agosto de 1998. Os Peticionários pontuam que Bahamas levou  a cabo estas repatriações não obstante o fato de que a Comissão ordenara a adoção de medidas cautelares para evitar um dano irreparável às vítimas, e apesar de seu pedido de informação com respeito à condição das vítimas.  Os Peticionários alegaram que o Estado ignorou as petições da Comissão. Os Peticionários informaram que dos primeiros 120 cubanos, 72 deles ainda permaneciam no Centro de Detenção Carmichael Road.  Os Peticionários afirmaram que o Estado não  demostrou que tinha iniciado alguma gestão para outorgar a estas pessoas as devidas garantias procesuais a fim de determinar sua condição de refugiados, e reiteraram sua solicitação de medidas cautelares.  Além disso, os Peticionários pediram que a Comissão dirigisse-se ao Estado para:

 

(i)    Solicitar que Bahamas suspendesse temporariamente as deportações.

 

(ii)     Reiterar seu pedido de informação sobre a condição dos 120 cidadãos cubanos detidos no Centro de Detenção Carmichael, em particular, Alexis Pérez Ricardo, Héctor Jurto Sánchez, Manuel Ramón Reyes Lamela  Lázaro da  Riva Suárez.

 

(iii)     Solicitar a Bahamas uma lista dos nomes dos 120 cubanos que foram detidos no Centro de Detenção Carmichael em 13 de agosto de 1998, inclusive a informação sobre se algum deles encontra-se ainda no  Centro ou, em caso negativo, a data e modalidade de suas repatriações.

 

(iv)    Solicitar ao Estado que proporcione à Comissão uma cópia das leis administrativas e/ou a jurisprudência pertinentes, os procedimentos e os regulamentos vigentes para a determinação da condição de refugiado e uma cópia do Tratado e o Protocolo entre Bahamas e Cuba com respeito a repatriação agilizada dos cidadãos cubanos.

 

(v)     Determinar um prazo para que o Estado cumpra com as petições formuladas pela Comissão nos incisos (I) a (iv) antes mencionados.

 

11.            Na comunicação datada de 15 de outubro de 1998, a Comissão dirigiu um comunicação escrita ao Estado fazendo referência às comunicações que esta lhe havia remetido em 14 de agosto e em 11 de setembro de 1998, sobre a ordem de adoção de medidas cautelares e sobre seu pedido de informação sobre a condição das vítimas.  A Comissão também informou ao Estado que não tinha recebido resposta de Bahamas com respeito a estas comunicações. Ademais, a Comissão solicitou que o Estado lhe proporcionasse, no prazo de uma semana, informação sobre o seguinte:

 

a.       Informação relativa aos 120 cidadãos cubanos detidos em Bahamas, e em particular, informação sobre Alexis Pérez Ricardo, Héctor Jurto Sánchez, Manuel Ramón, Reyes Lamela e Lázaro da  Riva Suárez.

 

b.      Uma lista dos nomes dos 120 cubanos que foram detidos no Centro de Detenção Carmichael em 13 de agosto de 1998, ademais da informação sobre se algum deles encontra-se aind no Centro ou, em caso negativo, a data e a modalidade de suas repatriações.

  c.     Uma cópia das leis administrativas e/ou a jurisprudência pertinentes, os procedimentos e os regulamentos vigentes para a determinação da condição de refugiado e uma cópia do Tratado e o Protocolo entre Bahamas e Cuba com respeito a repatriação agilizada dos cidadãos cubanos .

 

12.            Em 23 de outubro de 1998, o Estado respondeu as petições de informação da Comissão relacionadas com os 120 cidadãos cubanos que foram  detidos no Centro de Detenção Carmichael Road, e proporcionou também uma lista de seus nomes, condição, localização e, em particular, dados referentes a Alexis Pérez Ricardo, Héctor Jurto Sánchez, Manual Ramón Reyes Lamela y Lázaro Da  Riva Sánchez, e uma cópia do Tratado e do Protocolo entre Bahamas e Cuba.

 

13.            Em 26 de outubro de 1998, os Peticionários dirigiram uma  comunicação escrita à Comissão na qual lhe informava que apesar do claro mandato da Comissão para a adoção de medidas cautelares em 14 de agosto de 1998, contra Bahamas, o Estado repatriou 47 cubanos que haviam sido detidos no Centro de Detenção Carmichael Road. Os Peticionários alegaram que as vítimas repatriadas eram pessoas que tinham sido entrevistadas por seus advogados e tinham apresentado demandas aparentes com relação à condição de refugiados. Ademais, os Peticionários indicaram que o Estado tinha repatriado  89 vítimas das Bahamas para Cuba em 22 de outubro de 1998, o que desatendeu por completo a adoção de medidas cautelares requeridas pela Comissão ao Estado para deter futuras deportações. Os Peticionários também solicitaram à Comissão:

 

1. Recordasse ao Governo de Bahamas sua obrigação de suspender as deportações dos cubanos de conformidade com a ordem de adoção de medidas cautelares.

 

2. Reiterasse seu pedido de informação as autoridades das Bahamas com respeito à condição das pessoas detidas no Centro de Detenção Carmichael Road, entre elas Alexis Pérez Ricardo, Héctor Sánchez, Manuel Ramón Reyes Lamela, e Lázaro da  Riva Suárez, expressamente mencionados na solicitalção de medidas cautelares.

 

3.                Solicitasse ao Governo das Bahamas uma cópia das leis administrativas e/ou a jurisprudência que resultem pertinentes, os procedimentos e os regulamentos vigentes para a determinação da condição de refugiado e uma cópia do Tratado e o Protocolo entre Bahamas e Cuba com respeito a repatriação agilizada dos cidadãos cubanos, e determinasse um prazo para que o Estado cumprisse as etapas mencionadas.

 

14.            Em 10 de dezembro de 1998, os Peticionários apresentaram informação adicional e outros argumentos relacionados com a admissibilidade da petição, incluindo o esgotamento dos recursos internos e as supostas violações da Declaração Americana, inclusive as fontes de apoio para justificar seus argumentos.

 

15.            Em 16 de dezembro de 1998, a Comissão abriu o caso e remitiu as partes pertinentes da petição ao Estado de conformidade com o artigo 34 de seu antigo Regulamento.[3] A Comissão também solicitou ao Estado que lhe  proporcionasse informação a respeito do esgotamento dos recursos internos segundo estabelecido no artigo 37 de seu antigo Regulamento, e as alegações formuladas na petição no prazo de 90 dias.

 

16.            Em 31 de março de 1999, os Peticionários remeteram comunicação escrita à Comissão na qual indicam que, tendo em vista que o Estado não havia proporcionado a informação solicitada pela Comissão no término de 90 dias, a Comissão deveria aplicar o artigo 42 do antigo Regulamento da Comissão[4] e presumir a veracidade dos fatos tal como foram expostos na petição.  Os Peticionários também solicitaram uma audiência perante a Comissão durante o 104° período ordinário de sessões, que seria celebrado de setembro a outubro de 1999. A Comissão enviou as partes pertinentes da comunicação dos Peticionários ao Estado, para que este formulasse seus comentários e observações, caso houvesse alguma, no prazo de 30 dias.

 

17.            O Estado solicitou à Comissão uma prorrogação de 30 dias para responder a petição de 7 de abril de 1999, a qual foi concedida em 2 de abril de 1999.  A Comissão também informou aos Peticionários que tinha concedido ao Estado, a pedido da parte, uma prorrogação de 30 dias para responder a petição.

 

          18.            Em 26 de julio de 1999, o Estado remeteu sua resposta relativa ao esgotamento dos recursos internos segundo o exigido pelo artigo 37 do antigo Regulamento da Comissão, mas não se pronunciou sobre o mérito da petição.  A Comissão remeteu as partes pertinentes da resposta do Estado aos Peticionários em 23 de agosto de 1999, e solicitou aos mesmos que submetessem à consideração da Comissão suas observações ou comentários, caso houvesse algum, no prazo de 30 dias a partir da recepção de sua comunicação. Em 23 de agosto de 1999, os Peticionários reiteraram à Comissão sua solicitação de audiência durante o 104° período ordinário de sessões da Comissão.

 

19.            Em 30 de agosto de 1999, a Comissão dirigiu-se por escrito tanto ao Estado como aos Peticionários informando-lhes que lhes era concedida uma audiência e, para tal, deveriam apresentar-se no dia 1 de outubro de 1999 durante o 104° período ordinário de sessões da Comissão.

 

20.            A audiência foi celebrada perante a Comissão em 30 de agosto de 1999, e tanto os Peticionários [5] como o Estado estiveram representados[6]. Na audiência, os Peticionários abordaram o tema do esgotamento dos recursos internos de Bahamas e os méritos da petição.  O Estado abordou o tema do esgotamento dos recursos internos e negou as alegações formuladas na petição.

 

21.            Em 24 de agosto de 2000, os Peticionários solicitaram uma audiência à  Comissão durante o 108° período ordinário de sessões, argumentando que o Estado não havia proporcionado à Comissão a informação pertinente e a situação enfrentada pelos refugiados continuava sendo preocupante. Em 12 de setembro de 2000, a Comissão informou ambas partes que tinha concedido uma audiência sobre a admissibilidade e o mérito da petição a ser celebrada durante o 108° período ordinário de sessões, em 12 de otubro de 2000.

 

22.            Em 20 de setembro de 2000, o Estado remeteu sua resposta sobre o mérito da petição e outra documentação relativa ao procedimento de avaliação das reclamações e condição dos refugiados.  Em 21 de setembro de 2000, a Comissão remeteu aos Peticionários as partes pertinentes da resposta do Estado e a documentação pertinente relativa aos trâmites do Estado para a avaliação das reclamações das pessoas que reivindicavam a condição de refugiado, e solicitou   que o Estado apresentasse suas observações e comentários, se caso houvesse algum, no prazo de 30 dias.

 

23.            Em 11 de outubro de 2000, Bahamas enviou uma comunicação à Comissão informando-lhe que não enviaria representantes para a audiência programada para o dia 12 de outubro de 2000.  O Estado também solicitou que a Comissão lhe enviasse a resposta dos Peticionários a sua resposta sobre o mérito da petição. 

 

24.            Em 12 de outubro de 2000, foi celebrada uma audiência perante a Comissão, na qual participaram os os Peticionários. O Estado não participou da audiência.  Os Peticionários apresentaram sua resposta à resposta do Estado sobre o mérito da petição.  Na audiência, a Comissão ofereceu os seus bons ofícios para facilitar negociações que levassem a uma solução amistosa entre as partes. A Comissão remeteu a resposta dos Peticionários à resposta do Estado à petição, em 24 de outubro de 2000, e solicitou que o Estado proporcionasse suas observações ou comentários, se caso houvesse algum, no prazo de 30 dias a partir da recepção da mesma.

 

25.            Em 20 de novembro de 2000, a Comissão dirigiu-se por escrito tanto ao Estado como aos Peticionários informando-lhes que desejava colocar-se à disposição das partes a fim de chegar a uma solução amistosa do caso baseada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.         

 

26.            Os Peticionários dirigiram-se por escrito à Comissão em 19 de dezembro de 2000, informando-lhe que desejavam aceitar o oferecimento da Comissão para iniciar negociações tendentes a uma solução amistosa entre as partes. As partes pertinentes da comunicação dos Peticionários relativas a sua vontade de iniciar negociações para chegar a uma solução amistosa com o Estado foram remetidas a Bahamas.

 

27.            Em  13 de junho de 2001, os Peticionários informaram a Comissão que como o Estado não parecia estar interessado em levar adiante negociações para alcançar uma solução amistosa no caso, solicitavam que a Comissão admitisse a  petição e declarasse que Bahamas tinha violado os artigos da Declaração Americana, a saber: artigo I (direito à vida,  liberdade, segurança e integridade da pessoa),  artigo II (direito de igualdade perante a lei), artigo V (direito à proteção da honra, a reputação pessoal e a vida privada e familiar), artigo VI (direito à constituição e  proteção da família), artigo VII (direito de proteção à maternidade e a infância), o artigo XVII (direito de reconhecimento da pessoalidade jurídica e os direitos civis), artigo XVIII (direito a um juizo justo e proteção judicial), artigo XXV (direito de proteção contra a detenção arbitrária) e artigo XXVII (direito de asilo).

 

III.            POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE DA PETIÇÃO

 

1.            Posição dos Peticionários

           

a.            Demandas dos Peticionários[7]

 

            28.            Os Peticionários indicam que Bahamas é uma pequena ilha de aproximadamente 260.000 cidadãos, e que com o decorrer dos anos, devido a sua localização geográfica, experimentou uma crescente chegada de centenas de solicitantes de asilo político procedentes de diversos países, principalmente de Haití e Cuba.  Os Peticionários alegam que a maioria destes solicitantes de asilo político são interceptados por mar, seja pelo Serviço de Guarda Costeira dos Estados Unidos, algumas vezes em águas norte-americanas, seja pelo Serviço de Guarda Costeira de Bahamas, e posteriomente enviados a Nassau, onde são detidos arbitrariamente no Centro de Detenção Carmichael Road.

 

            29.            Os Peticionários argumentam que durante a segunda semana de julho de 1998, a CEJIL realizou uma missão para indagar sobre os fatos nas Bahamas e conhecer mais de perto a situação crítica destes solicitantes de asilo político. Os Peticionários assinalam que no momento de sua visita, havia aproximadamente 300 pessoas detidas no Centro de Detenção Carmichael Road, e que dessas 300 pessoas, cerca de 120 eram cubanos, 100 eram haitianos e 80 eram de várias outras nacionalidades da África, América do Norte, América Central e América do Sul. Os Peticionários informam que puderam obter informação sobre 38 cubanos e 8 haitianos através de entrevistas orais ou questionário escrito. Os Peticionários alegam que todos os cubanos entrevistados mencionaram sua oposição ao regime de Fidel Castro e/ou seu desejo de liberdade como razões para abandonar seu país. Os Peticionários identificaram 38 cubanos conforme segue:

 

1.

Manuel Ramón Reyes Lamela

20.

Félix Infante García

2.

Héctor Jurjo Sánchez

21.

Manuel Vázquez López

3.

Alexis Pérez Ricardo[8]

22.

Ayle Machado Machado

4.

Julio Oscar Bacallao Cristin

23.

Iran Machado Machado

5.

Benedicto Graz Cuenca [9]

24.

Cesar León Ramos

6.

Irel Broche Noa

25.

Juan Manuel Ramos Rodríguez

7.

Misnel Concepção Portal

26.

Lázaro daRiva Suárez

8.

Osbel Valle Hernández

27.

Juan F. Osatorres Aviles

9.

Misael Santana Escobar

28.

Armando Veliz Ramos

10.

Luis Bu Jiménez [10]

29.

Fidel Pastor Narango Guevara

11.

Julián Noa González

30.

Pedro Antonio Comos Rodríguez

12.

Alfredo Pinero Benavides [11]

31.

Yosvany Cartay Feria

13.

Helmer Rodríguez Sánchez

32.

Orlando Cartay Feria

14.

Osmaidy García Tamayo

33.

Geraldo Miguel Sales

15.

Jesús Cabrera Mas

34.

Jorge L. Sotolongo Cordovas

16.

Jesús Pérez Torna

35.

Orlando J. Castro Rodon

17.

Ricardo Garrido Hortas

36.

Juan Usatorres

18.

Osvaldo Raimundo de León Alpizar

37.

Amilkar López

19.

Demetrio O. Rivero Cuetaja

38.

Junior Lopez Reyes

 

 

30.            Os Peticionários sustentam que muitas das vítimas que foram entrevistadas têm direito legítimo a reivindicar sua condição  de refugiados nas  Bahamas, mas não puderam exercê-lo no presente caso.  Os Peticionários argumentam que o Estado não possibilitou a execução  de processos por meio dos quais as vítimas pudessem apresentar perante o Estado uma reivindicação  de sua condição  de refugiados. Os Peticionários  entrevistaram 38 vítimas e 18 [12] dos 38 cubanos fizeram referências específicas quanto a persecução  política como razão para escapar de Cuba. Eles tinham reclamações sólidas e bem fundamentadas para reivindicar a condição  de refugiados pois temiam ser torturados ou assassinados se eram obrigados a regressar a Cuba, em razão de seu trabalho de defesa dos direitos humanos e sua militância num partido de oposição. Os Peticionários informam que muitas das vítimas que foram entrevistadas viajavam com  membros de sua família, inclusive crianças pequenas.

 

31.            Os Peticionários indicam que os 8 cidadãos haitianos que foram  entrevistados eram provenientes de zonas rurais de Haití, onde as entidades governamentais como as forças policiais e os ]sistemas judiciais, e outra infraestructura necessária, deixaram de  existir ou existem somente para casos específicos. Os Peticionários também sustentam que os 8 cidadãos haitianos mencionaram a falta de proteção  e intervenção  por parte do governo como a razão de sua saída do Haiti. Os nomes dos 8 cidadãos haitianos entrevistados são:

 

1.            Jean Eli

2.            Girard Jean-Jacques

3.            Joseph Timothe

4.            Walner Florestal

5.            Serandieu Massillon

6.            Abadi George

7.            Natusha Joseph

8.            San Voir Jean-Baptise

 

32.            Os Peticionários argumentam que o fato de que o Estado não disponibilizou processos para que as vítimas pudessem reivindicar seu direito a condição  de refugiados, somada a detenção  arbitrária e o tratamento  que receberam as vítimas durante sua detenção, constituem violações do artigo I (direito à vida,  liberdade, segurança e integridade da pessoa),  artigo II (direito de igualdade perante a lei), artigo V (direito à proteção da honra, a reputação pessoal e a vida privada e familiar), artigo VI (direito à constituição e  proteção da família), artigo VII (direito de proteção à maternidade e a infância), o artigo XVII (direito de reconhecimento da pessoalidade jurídica e os direitos civis), artigo XVIII (direito a um juizo justo e proteção judicial), artigo XXV (direito de proteção contra a detenção arbitrária) e artigo XXVII (direito de asilo) da Declaração  Americana.

 

33.            Adicionalmente, os Peticionários alegam que as Bahamas também violaram o artigo 33 da  Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967 porque se produziria um dano irreparável se as vítimas forem  obrigadas a regressr a Cuba onde estariam em risco de vida, liberdade e/ou segurança pessoal devido a sua opinião política ou participação  em algum grupo social. O retorno involuntário infringiria o princípio de proibição  de expulsão e de devolução  consagrado nestes instrumentos.

 

            34.            Sobre o tema de admissibilidade da petição, os Peticionários citam o artigo 37(1)(a) do Regulamento anterior da  Comissão, que corresponde ao atual artigo 31(2)(a) [13], e sustentam que a exoneração  da  norma sobre o esgotamento dos recursos internos deveria ser aplicada a este caso segundo o estabelecido no Regulamento. Os Peticionários argumentam que na legislação  interna das Bahamas não existe o devido processo legal, já que as vítimas não tiveram acesso aos recursos internos. Segundo os Peticionários, o Estado não tem procedimentos internos vigentes por meio dos quais os solicitantes de asilo político possam reivindicar seus direitos ou buscar a sua liberação enquanto suas reclamações para reivindicar a condição de refugiado estão pendentes.  Os Peticionários concluem pedindo a Comissão que admita o caso e aprove um relatório sobre o mérito da petição.

 

 

2.            A Posição do Estado [14]

 

35.            Com respeito à admissibilidade da petição, o Estado alega que os recursos internos das Bahamas não foram invocados nem esgotados segundo o estabelecido pelas disposições do artigo 37 do antigo Regulamento da Comissão.

 

36.            O Estado indicou que o Commonwealth das Bahamas é um arquipélago composto de várias centenas de ilhas que se extendem por milhas de oceano entre a península norte-americana da Flórida e as ilhas de Cuba e La Española. O Estado informa "que dada sua localização geográfica em referência ao continente norte-americano, Las Bahamas têm um temor legítimo de que um grande número de  imigrantes ilegais utilizem as Bahamas como uma porta de entrada ao continente. Da mesma forma, o Estado sustenta que o Governo das Bahamas é particularmente sensível ao grande número de pessoas sem documentação dentro de suas águas territoriais". O Estado indica que a entrada para as Bahamas está regida pela  Lei de Imigração , capítulo 179 do texto legal Revisado e Atualizado da Lei das Bahamas de 1987. O Estado informa que a seção  47 desta Lei estipula:

 

Quando qualquer funcionário das Forças de Defesa ou qualquer funcionário de alfândega ou oficial de policía tenha fundamentos razoáveis para acreditar que uma pessoa a bordo de qualquer embarcação  que se encontre nas águas territoriais das Bahamas desembarca ou se prepara para desembarcar nas Bahamas em contravenção as disposições desta Lei, pode abordar esta embarcação  e exercer as faculdades das que está investido um funcionário de imigração  de conformidade com a seção  8.

 

A seção 8 da Lei de Imigração estabelece:

 

(1) Para efeito de exercer suas atribuções e cumprir com suas funções no  marco da presente Lei, todo funcionário de imigração pode:

 

(a)     abordar qualquer barco dentro das águas territoriais das Bahamas ou qualquer aeronave que tenha aterrizado nas Bahamas;

 

(b)     sem que seja necessário interpor uma ordem de busca, registrar o barco ou aeronave ou qualquer coisa que esteja em seu interior, ou qualquer veículo que houver desembarcado nas Bahamas;

 

(c)     interrogar a qualquer pessoa que se presuma razoavelmente que não é cidadão das Bahamas ou que é um residente permanente que:

 

(i) deseja ingressar ou sair das Bahamas,

(ii) estando nas Bahamas, seja suspeito de forma razoável de ter ingressado sem permissão, em  contravenção a  seção  18;

 

(2) Qualquer funcionário de imigração  pode citar, por escrito para efeitos de um interrogatório, qualquer pessoa a respeito da qual possa exercer seu direito de interrogatório em virtude do parágrafo  (c) da  subseção  (1) desta seção, e pode requerer que qualquer  pessoa presente e qualquer documento sob sua custódia ou poder ou controle, a respeito de qualquer assunto sobre o qual possa ser interrogado...".

 

37.            O Estado refuta as alegações dos Peticionários formulados na petição. O Estado nega ter violado suas obrigações internacionais com relação as vítimas. As Bahamas sustentam, entre outros, que formam parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e seu Protocolo de 1967, e en consequência, aplicam os procedimentos e normas em cumprimento desta convenção  internacional. O Estado argumenta que seus procedimentos estão em  conformidade com suas obrigações estabelecidas na Convenção de 1951. O Estado afirma que, a fim de satisfazer as obrigações exigidas pelo tratado, busca a orientação  dos funcionários do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Em resposta à petição, as Bahamas declarou:

 

Desejamos assinalar que as quatro pessoas sobre as quais  versa a investigação não se encontravam no Centro em 14 de agosto de 1998. Elas foram repatriadas em 11 de agosto de 1998, depois de ter-se decidido que seus casos não cumpriam com os requerimentos da Convenção de 1951 para sua consideração como refugiados políticos. Em anexo está uma lista com os nomes dos cidadãos cubanos que foram repatriados em 11 de agosto de 1998.  Houve duas repatriações posteriores, ocorridas nos dias 18 de agosto de 1998 e  20 de outubro de 1998.  Nessas ocasiões, 49 e 66 pessoas, respectivamente, foram repatriadas.  Também em anexo encontram-se as listas com os nomes das pessoas repatriadas nessas datas.  Todas as repatriações foram realizadas por via aérea a custa do governo das Bahamas.

 

38.            Com respeito à solicitação da Comissão para que o Estado proporcionara uma cópia das leis administrativas e/ou a jurisprudência que resultem pertinentes, os procedimentos e os regulamentos vigentes para a determinação da condição de refugiado e uma cópia do Tratado e o Protocolo entre Bahamas e Cuba com respeito a repatriação agilizada dos cidadãos cubanos, as Bahamas enviou à Comissão a informação solicitada e pontuou:

 

Ainda não foram implementadas leis relativas à determinação  da condição  de refugiado.

 

Em seu lugar, existe um procedimento administrativo. Os funcionários das Bahamas, juntamente com os funcionários do ACNUR, realizam entrevistas individuais. As pessoas que cumprem com os requisitos estipulados pela Convenção são recomendadas ao Executivo para uma consideração  favorável.  Em nenhuma ocasião o Executivo deixou de atuar favoravelmente com relação a uma recomendação. Desde que tornou-se parte da Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1967, as Bahamas outorgaram a condição de refugiados a 78 cidadãos cubanos.  As Bahamas cumprem com suas obrigações de conformidade com a Convenção de que é parte.  Segundo o solicitado, anexamos ao presente uma cópia do Acordo de Repatriação com o governo de Cuba e seu Protocolo.

 

O Ministério deseja referir-se ao parágrafo 1 da página 2 da carta de 14 de agosto de 1998, que indica que o "Peticionário alega que alguns dos cidadãos cubanos têm direito legítimo de reivindicar sua condição de refugiados mas não podem efetivar  essas reivindicações, tendo em vista que governo de sua Excelência não dispõe de processos através dos quais os cubanos possam reivindicar sua condição de refugiados". Embora o Ministério não tenha examinado a petição, esta alegação pode constituir uma exceção  grave, já que todos os supostos refugiados estão sujetos a extensas entrevistas.

 

IV.            ANÁLISE DA  ADMISSIBILIDADE

           

A.            Competência da Comissão

 

39.            Nessa petição, os Peticionários alegam violações do artigo I (direito à vida,  liberdade, segurança e integridade da pessoa),  artigo II (direito de igualdade perante a lei), artigo V (direito à proteção da honra, a reputação pessoal e a vida privada e familiar), artigo VI (direito à constituição e  proteção da família), artigo VII (direito de proteção à maternidade e a infância), o artigo XVII (direito de reconhecimento da pessoalidade jurídica e os direitos civis), artigo XVIII (direito a um juizo justo e proteção judicial), artigo XXV (direito de proteção contra a detenção arbitrária) e artigo XXVII (direito de asilo) da Declaração  Americana. Adicionalmente, os Peticionários alegam que as Bahamas também violaram o artigo 33 da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967. O artigo 23 do Regulamento da Comissão estabelece que:

 

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização pode apresentar à Comissão petições em seu próprio nome ou no de terceiras pessoas, sobre presumidas violações dos direitos humanos reconhecidos, conforme o caso, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no Protocolo Adicional à Convenção sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em conformidade com as respectivas disposições e com as do Estatuto da Comissão e do presente Regulamento. O peticionário poderá designar, na própria petição ou em outro instrumento por escrito, um advogado ou outra pessoa para representá-lo perante a Comissão.

 

40.            No presente caso a petição foi apresentada em nome das vítimas, os cidadãos cubanos e haitianos dos Estados Membros da OEA, pelos Peticionários, as entidades não governamentais legalmente reconhecidas em um ou mais Estados Membros da OEA segundo o disposto no artigo 23 do Regulamento da Comissão.

 

41.            A Declaração converteu-se na fonte de normas jurídicas que aplica a Comissão[15], quando as Bahamas tornaram-se Estado membro da Organização  dos Estados Americanos em 1982. Ademais, de acordo com a Carta da Organização  dos Estados Americanos, o artigo 20 do Estatuto da Comissão[16] e o Regulamento da Comissão, a Comissão tem autoridade para considerar as supostas violações da Declaração formuladas pelos Peticionários contra o Estado, que estejam relacionadas com atos ou omissões que ocorreram depois de que o Estado se uniu à Organização dos Estados Americanos. Consequentemente, a Comissão tem competência ratione temporis, ratione materiae e ratione pessoae para considerar as violações da Declaração alegadas neste caso.  Sendo assim, a Comissão declara que tem competência para atender as reclamações dos Peticionários relativas às supostas violações da Declaração Americana.

 

            42.            Com relação às reclamações dos Peticionários referentes ao artigo 33 da  Convenção  das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967, a Comissão refere-se à Opinião Consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual estabeleceu que:

 

A necessidade de que o sistema regional seja complementado pelo universal encontra sua expressão na prática da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e está plenamente de acordo com o objetivo e propósito da Convenção, a Declaração Americana e o  Estatuto da Comissão.

 

43.            Guardando conformidade com a jurisprudência internacional sobre direitos humanos, inclusive a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Comissão reportar-se-á a estes instrumentos internacionais de direitos humanos para facilitar sua interpretação do artigo XXVII da Declaração Americana, que se refere ao direito de solicitar e receber asilo. Da mesma forma a Comissão reportar-se-á, no assunto em exame,  ao artigo 33 do Tratado e o Protocolo na etapa sobre o mérito.

 

B.            OUTROS FUNDAMENTOS DE ADMISSIBILIDADE

 

a.            Esgotamento dos recursos internos e apresentação  da  petição  no prazo

  

            44.            A controvérsia que esta petição plantea refere-se à hipótese de os Peticionários terem interposto e esgotado os recursos internos das Bahamas ou se deveriam ter aplicado a exceção da norma de esgotamento dos recursos internos. A questão sobre o esgotamento dos recursos internos está regida pelo artigo 31 do Regulamento da Comissão. Este artigo assinala: "Com a finalidade de decidir sobre a admissibilidade do assunto a Comissão verificará se foram interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, conforme os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos". O artigo 31(2) dispõe que o parágrafo precedente não será aplicado quando:

 

a. não exista na legislação interna do Estado de que se trate o devido processo legal para a proteção do direito ou dos direitos que se alegue tenham sido violados;

b. não se tenha permitido ao suposto lesado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou haja ele sido impedido de esgotá-los;

c. haja atraso injustificado na decisão sobre os mencionados recursos.

45.            Os Peticionários sustentam que o Estado não dispõe de procedimentos vigentes nas Bahamas para que uma pessoa solicite e receba asilo naquele Estado de conformidade com os citados artigos da Declaração Americana. Os Peticionários alegam que devido esta impossibilidade de aceder aos procedimentos, as vítimas não podem invocar e esgotar os recursos internos segundo o estabelecido pelo Regulamento da Comissão, mencionado anteriormente. Além disso, os Peticionários indicaram que muitas das vítimas foram repatriadas antes que suas reclamações para reivindicar sua condição de refugiados pudessem ser adequadamente determinadas pelo Estado. Adicionalmente, os Peticionários afirmam que, neste caso, deveria ter-se aplicado a exceção do requisito de esgotamento dos recursos internos previsto pelo artigo 31(2)(a), já que as Bahamas não oferece o devido processo para resguardar a proteção dos direitos supostamente violados.

 

46.            O Estado argumenta que os Peticionários não invocaram nem esgotaram os recursos internos. O Estado afirma que apesar de que "não tenham sido adotadas leis referentes à determinação  da condição de refugiado, existe efetivamente um procedimento administrativo através do qual os Peticionários das Bahamas, juntamente com os funcionários do ACNUR, realizam extensas entrevistas com as pessoas, e aquelas que cumprem com os requisitos da  Convenção  de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e seu Protocolo de 1967 são recomendadas ao Executivo para que este considere favoravelmente seus casos". Adicionalmente, o  Estado afirma que "em nenhuma ocasião o Executivo deixou de atuar favoravelmente com relação a uma recomendação desde que se tornou parte da  Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1967", e que as Bahamas cumprem com suas obrigações de conformidade com a Convenção da que é parte".

 

47.            Está perfeitamente estabelecido que os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos e o artigo 31(1) do Regulamento da  Comissão, indicam que existe uma norma de esgotamento prévio dos recursos internos. Esta norma vem sendo aplicada pelos organismos internacionais com capacidade de decisão em matéria de direitos humanos, entre os quais está a incluída a Comissão, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, e o Sistema Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos, tanto a antiga Comissão Européia  como a Corte Européia de Direitos Humanos. De acordo com esta norma, o Estado tem a oportunidade de abordar e remediar a injustiça cometida contra a parte que apresenta a reclamação. Não obstante, existe exceções a esta norma universal de esgotamento prévio dos recursos internos segundo estabelece o artigo 31(2)(a) do Regulamento da Comissão e no qual se baseiam os Peticionários.  Os Peticionários argumentam que a Comissão deveria isentá-los do requisito de esgotamento dos recursos internos das Bahamas, visto que na legislação interna do Estado em questão não existe o devido processo legal para a proteção dos direitos que supostamente foram violados.

 

48.            As Bahamas não são parte da  Convenção  Americana, mas para efeitos de análise, a Comissão faz referência ao Caso Velásquez Rodríguez[17], no qual a Corte Interamericana interpretou o artigo 46 da Convenção Americana sobre o tema do esgotamento dos recursos internos, cujas disposições são similares ao artigo 31 do Regulamento da Comissão.  No caso Velásquez, a Corte Interamericana assinalou que, para poder aplicar a regra do prévio esgotamento dos recursos internos, deve ser possível o acesso aos recursos internos do Estado, os quais deverão ser adequados e efetivos a fim de serem esgotados. A Corte também  opinou que, uma vez que a parte alega o não esgotamento com fundamento de que o Estado não facilita os meios para aceder ao devido processo legal, o ônus da  prova recai sobre "o Estado que alega o não esgotamento, o qual tem a seu cargo a indicação dos recursos internos que devem ser esgotados e de sua efetividade"[18].

 

49.            A Comissão declara que na resposta do Estado à petição e em  resposta ao pedido de informação sobre suas leis relativas aos refugiados formulada pela Comissão, este admitiu que "ainda não tornaram efetivas as leis relativas à determinação  da  condição de refugiado". Contudo, o Estado alega que existem procedimentos administrativos vigentes nas Bahamas e que as pessoas que reivindicam sua condição de refugiados estão sujeitas a estes procedimentos. Ademais, o Estado sustenta que o processo de determinação da condição de refugiado é realizado de conformidade com suas obrigações internacionais no contexto da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967, juntamente com os funcionários do ACNUR, e que foi concedida a condição  de refugiados às 78 pessoas desde que este tornou-se parte da Convenção e seu Protocolo.

 

50.            Cabe ressaltar que o artigo 31(2) do Regulamento da Comissão contempla uma excepção ao requisito de esgotamento dos recursos internos de conformidade com o artigo 31(1) do Regulamento quando "não exista na legislação  interna do Estado em questão o devido processo legal para a proteção dos direito alegadamente violados". A Comissão observa que o Estado reconheceu que as Bahamas não conta com leis vigentes relativas à determinação  da  condição  de refugiado, e que, pelo contrario, esta condição é determinada através de um processo administrativo, seguido de uma recomendação ao Executivo para uma consideração favorável do caso. A Comissão considera que existe uma estreita  relação  entre o tema do esgotamento dos recursos internos e as violações alegadas sobre o mérito da  petição  com respeito à impossibilidade das vítimas para aceder à processos que lhes permitam reivindicar sua condição de refugiados.  Por conseguinte, a Comissão decide unir o tema do esgotamento dos recursos internos e da apresentação  da  petição no prazo na etapa de mérito do caso.

 

c.            Duplição de Procedimentos

 

51.            A presente petição  cumpre com o  requisito estipulado no artigo 33 do Regulamento da Comissão, visto que a informação  contida no expediente não revela que o objeto da petição esteja pendente de resolução no contexto de outro  procedimento perante nenhuma organização  governamental  internacional da qual o Estado em questão seja membro; nem trata-se de duplicação fundamental de nenhuma petição pendente, ou já examinada e solucionada pela Comissão ou por outra organização  governamental internacional da que o estado em questão seja membro, de conformidade com o artigo 33 (1) e (2) do Regulamento da Comissão.

 

d.            Demanda aparente

 

52.            Os Peticionários alegaram que eoEstado violou os direitos das vítimas de conformidade com os artigos I, II, V, VI, VII, XVII, XVIII, XXV, e XXVII da  Declaração Americana. Adicionalmente, os Peticionários apresentaram alegações documentadas que, se provadas, tendem  a estabelecer que as supostas violações podem ser fundadas. A Comissão, portanto, conclui, sem prejulgar o mérito do caso, que não existe nenhum impedimento legal  sobre a petição  para sua consideração pela Comissão, de acordo com o artigo 34 de seu Regulamento[19]. Da mesma foram, a Comissão considerará as reclamações dos Peticionários relativas ao artigo 33 (proibição  de expulsão e de devolução ) da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967 na etapa sobre o mérito da petição .

 

53.            Conforme a análise precedente, e sem prejulgar o mérito desta petição, a Comissão decide declarar admissível a petiçaõ com relação aos artigos I, II, V, VI, VII, XVII, XVIII, XXV, e XXVII da Declaração  Americana, de conformidade com o artigo 34 de seu Regulamento.

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.            Declarar admisível a petição em relação as supostas violações dos artigos I, II, , V, VI, VII, XVII, XVIII, XXV, e XXVII da Declaração  Americana.

 

2.            Juntar a questão do esgotamento dos recursos internos e a apresentação  da petição no prazo para a etapa do mérito do caso.

 

3.            Remeter este Relatório ao Estado do Commonwealth das Bahamas e ao Peticionário.

 

Aprovado e assinado na cidade de Washington, D.C., no dia 3 do mês de abril de 2002. (Assinatura): Juan E. Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo e Clare K. Roberts, Membros da Comissão.

 

 

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[1] O artigo 29 é atualmente o artigo  25 do Novo Regulamento da Comissão

[2] O artigo 29 é atualmente o artigo  25 do Novo Regulamento da Comissão

[3] O artigo 34 foi reformulado e atualmente é o artigo 31 do Novo Regulamento da Comissão.

[4] O artigo  42 é atualmente o artigo 39 do Novo Regulamento da Comissão.

[5] O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Open Society.

[6] Keva Bain Esq., Advogado do Escritório do Procurador Geral, e a senhora Edda Dumont Adolph, Primeira Secretária /Agregada Jurídica da Embaixada das Bahamas.

[7] As reclamações e alegações dos peticionários sobre os méritos do caso  estão resumidas mais adiante, e se fará referência aos mesmos no relatório sobre o mérito da petição.

[8] Viajou com sua esposa Maritza Morejohn Aday e suas duas filhas  Middrey Dizs Morejon (17) e Yusleidy Dias Morejon (15).

[9] Viajou com seus quatro irmãos  Ameltran López, Yuneon López, Gerardo Miguel Solís e Elmer Rodríguez (5).

[10] Viajou com seu pai Luis Bu Escobar, sua esposa Lourdes Peláez Montenegro e seu filho Yoeney Machado Peláez (12).

[11] Viajou com sua esposa Maria F. Cabrales Santos, sua filha Lisset Pérez Cabrales (16), e seu filho Yunielky's de León, sua filha Marilys Gómez e seus parentes por afinidade (sogra e sogro, cunhado e cunhada).

[12] Manuel Ramón Reyes Lamela, Héctor Jurjo Sánchez, Alexis Pérez Ricardo, Benedicto Graz Cuenca, Irel Broche Noa, Misnel Concepción Portal, Osbel Valle Hernández, Misael Santan Escobar, Luis Bu Jimenes, Julián Noa González, Alfredo Pinero Benavides, Helmer Rodríguez Sánchez, Osmaidy García Tamayo, Jesús Cabrera Mas, Jesús Pérez Torna, Ricardo Garrido Hortas, Osvaldo Raimundo de León Alpizar e Juan Manuel Ramos Rodríguez.

[13] O artigo  31(1) do Regulamento da Comissão estabelece que: "Com a finalidade de decidir sobre a admissibilidade do assunto a Comissão verificará se foram interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, conforme os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos. O artigo 31(2) estabelece que as disposições do parágrafo precedente não serão aplicadas quando:a. não exista na legislação interna do Estado de que se trate o devido processo legal para a proteção do direito ou dos direitos que se alegue tenham sido violados; b. não se tenha permitido ao suposto lesado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou haja ele sido impedido de esgotá-los; c. haja atraso injustificado na decisão sobre os mencionados recursos.

[14] Os argumentos do Estado sobre os méritos do caso estão resumidos mais adiante, e se fará referência aos mesmos no relatório sobre o mérito da petição.

[15] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinão Consultiva OC-10/89 (Interpretação da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem em conjunção com o artigo  64 da Convención Americana sobre Direitos Humanos), 14 de julho de 1989.

[16] O artigo  20 do Estatuto da Comissão estabelece o seguinte:

Com relação aos Estados membros da Organização que não são Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão terá, além das atribuições assinaladas no artigo 18, as seguintes:

a) dispensar especial atenção à tarefa da observância dos direitos humanos mencionados nos artigos I, II, III, IV, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem;

b) examinar as comunicações que lhe forem dirigidas e qualquer informação disponível; dirigir-se ao Governo de qualquer dos Estados membros não Partes da Convenção a fim de obter as informações que considerar pertinentes; e formular-lhes recomendações, quando julgar apropriado, a fim de tornar mais efetiva a observância dos direitos humanos fundamentais; e

c) verificar, como medida prévia ao exercício da atribuição da alínea b, anterior, se os processos e recursos internos de cada Estado membro não Parte da Convenção foram devidamente aplicados e esgotados.

 

[17] Sentença de 29 de julho de 1988, páginas 112-113, parágraos  56-67 que cita (Caso Velásquez Rodríguez Exceções Preliminares, supra 23, pár. 88), Serie C: Decisões e Sentenças N.4.

[18] Id. Supra pár. 59-60

[19] O artigo 34 do Regulamento da Comissão assinala que a Comissão declarará inadmissível qualquer petição ou caso quando: a) não expuserem fatos que caracterizem uma violação dos direitos a que se refere artigo 27 do presente Regulamento; b) forem manifestamente infundados ou improcedentes, segundo se verifique da exposição do próprio peticionário ou do Estado; c) a inadmissibilidade ou a improcedência resultem de uma informação ou prova superveniente apresentada à Comissão.

O artigo  27 do Regulamento da Comissão estabelece que: " A Comissão somente tomará em consideração as petições sobre presumidas violações de direitos humanos definidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos aplicáveis, com relação aos Estados membros da Organização, quando preencherem os requisitos estabelecidos nos mencionados instrumentos, no Estatuto e neste Regulamento.