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RELATÓRIO
Nº 40/02 ADMISSIBILIDADE* PETIÇÃO
12.167 ARGÜELLES
E OUTROS ARGENTINA
9
de outubro de 2002 I.
RESUMO
1.
O presente relatório refere-se à admissibilidade da petição
12.167. A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão
Interamericana”, “Comissão” ou “CIDH”) abreu o presente caso após
receber uma série de denúncias apresentadas entre 5 de junho e 28 de
outubro de 1998, em nome de 21 pessoas: Hugo Oscar Argüelles, Miguel Ángel
Maluf, Miguel Ramón Taranto, Ambrosio Marcial, Miguel Oscar Cardozo, Julio
César Allendes, Luis José López Mattheus, Enrique Jesús Aracena, Félix
Oscar Morón, Ricardo Omar Candurra, Carlos Julio Arancibia, José Eduardo
Di Rosa, Enrique Luján Pontecorvo, Aníbal Ramón Machín, Carlos Alberto
Galluzzi, Gerardo Feliz Giordano, Nicolás Tomasek, José Arnaldo Mercau,
Alberto Jorge Pérez, Horacio Eugenio Oscar Muñoz e Juan Italo Obolo.
Dada a estreita semelhança entre as alegações de fato e de direito
apresentadas, as denúncias respectivas foram acumuladas em um único
expediente, que corresponde ao número 12.167 (doravante denominado “a
petição”). As seguintes pessoas atuaram como peticionários em
representação de uma ou mais das supostas vítimas nos procedimentos
perante a Comissão: Hugo Oscar Argüelles; advogados Ruth Irene Friz
(posteriormente falecida), Alberto Antonio De Vita e Ángel Mauricio Cueto;
advogado Eduardo Barcesat, e advogado Juan Carlos Vega (doravante
denominados “os peticionários”).
2.
As supostas vítimas foram processadas por defraudação militar e
delitos conexos em procedimentos iniciados em setembro de 1980.
Os delitos em questão referiam-se à administração de méritos
militares ao longo de vários anos, e foram cometidos em diversas dependências
e instalações das Forças Armadas. Estes
procedimentos terminaram em abril de 1998 com o indeferimento pela Corte
Suprema do “recurso de fato” interposto contra suas condenações.
Os peticionários alegam que as supostas vítimas foram privadas
arbitrária e ilegalmente de sua liberdade, posto que foram mantidas
em prisão preventiva por períodos de mais de sete ou oito anos e
submetidas a detenção sem comunicação por períodos de vários dias
entre a data inicial de sua detenção e a de suas declarações.
Argumentam que as supostas vítimas não foram julgadas dentro de um
prazo razoável e sofreram múltiplas violações de seu direito a proteção
e as garantias judiciais, incluidas a falta de adequada assistência jurídica
e a sistemática transgressão do princípio de igualdade processual das
partes entre a promotoria e a defesa. Defendem
que o regime de justiça militar aplicado era incompatível com os
requisitos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada “Convenção Americana”), e afirmam que foram cometidas violações
conexas do direito de apelar de uma condenação perante um tribunal
superior. Os peticionários
indicam que as atuações as que foram submetidas as supostas vítimas
implicaram violação dos direitos
a liberdade pessoal (artigo 7); proteção e garantias judiciais (artigos 25
e 8), igual proteção da lei (artigo 24); a receber o benefício a uma pena
mais leve disposta por lei posterior ao cometimento do delito (artigo 9), e
de serem indenizados em caso de terem sido condenados por sentença
transitada em julgado por erro judicial (artigo 10), reconhecidos na Convenção
Americana.
3.
O Estado argumenta que as supostas vítimas, integrantes das Forças
Armadas na época do cometimento dos delitos
pelos quais foram processadas, foram julgadas conforme o direito
estabelecido pelo sistema de justiça militar, que protege valores específicos
e necessariamente possui características especiais.
O Estado destaca que os procedimentos em questão eram complexos,
pois referiam-se a numerosos acusados e a diversos lugares; que o expediente
do caso era volumoso, e que implicou uma investigação sumamente técnica
sobre questões contábeis e fraudes. Em
suma, o Estado considera inadmissível a petição, em primeiro lugar,
porque as principais alegações formuladas foram consideradas pelas
autoridades militares e judiciais competentes e declaradas infundadas.
Em segundo lugar, o Estado sustenta que as supostas vítimas nunca
interpuseram os recursos judiciais tendentes a obter a indenização que
agora reclamam perante a Comissão. Em terceiro lugar, o Estado alega que, em
todo caso, os peticionários não aduziram a nenhum fato que caracterizasse
uma violação da Convenção. 4.
Como assinalado mais adiante, o exame do caso levou a Comissão a
concluir que é competente para conhecer as denúncias dos peticionários no
que se refere as supostas violações dos artigos 1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25 da
Convenção Americana e, na medida pertinente, dos artigos
I, XXV e XXVI da Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem (doravante denominada “a Declaração Americana”), e
que o caso é admissível conforme o disposto pelos artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. A Comissão
concluiu que as denúncias referentes ao artigo 9 da Convenção Americana são
inadmissíveis. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
5.
As comunicações principais que servem de base à petição 12.167
foram recebidas segundo os seguintes detalhes (algumas supostas vítimas
mencionam mais de uma vez): (1)
5 de junho de 1998, Hugo Oscar Argüelles; (2) 10 de setembro de 1998,
Miguel Ángel Maluf; (3) 11 de setembro de 1998, Hugo Oscar Argüelles,
Miguel Ramón Taranto, Ambrosio Marcial e Miguel Oscar Cardozo; (4) 11 de
setembro de 1998, Julio Cesar Allende e Luis José López Mattheus; (5) 11
de setembro de 1998, Enrique Jesús Aracena e Félix Oscar Morón; (6) 11 de
setembro de 1998, Nicolás Tomasek; (7) 11 de setembro de 1998, Juan Italo
Obolo e Alberto Jorge Pérez; (8) 11 de setembro de 1998, Gerardo Félix
Giordano, Enrique Jesús Aracena, José Arnaldo Mercau, Carlos Julio
Arancibia, Félix Oscar Morón, Miguel Oscar Cardozo, Luis José López
Mattheus, Julio Cesar Allende, Ambrosio Marcial, Alberto Jorge Pérez,
Horacio Eugenio Oscar Muñoz e Juan Italo Obolo; (9) 15 de setembro de 1998,
Carlos Alberto Galluzzi; (10) 28 de outubro de 1998, Ricardo Omar Candurra, Carlos Julio Arancibia, José
Eduardo di Rosa, Enrique Lujan Pontecorvo e Aníbal Ramón Machin.
Em 1º de dezembro de 1998, foi apresentada uma comunicação adicional em nome
de 15 das pessoas já nomeadas. 6.
A seguir está o resumo das principais etapas do procedimento.
Em 7 de junho de 1999, a
Comissão transmitiu ao Estado as partes pertinentes da petição 12.167,
solicitando que apresentasse uma contestação dentro de 90
dias. Por nota dessa mesma data
se informou aos respectivos
peticionários que se havia iniciado o trâmite da petição. 7.
Por nota de 7 de setembro de 1999, o Estado solicitou uma prorrogação
do prazo de que dispunha para apresentar sua resposta.
Em 13 de setembro 1999, a Comissão concedeu ao Estado mais 60 dias,
e informou aos peticionários sobre a medida adotada.
Em 11 de novembro de 1999, o Estado solicitou uma prorrogação
adicional, a qual foi concedida por mais 30 dias e os peticionários foram
informados desta medida. 8.
O Estado apresentou sua resposta em 28 de dezembro de 1999.
A mesma foi transmitida aos peticionários em 5 de janeiro de 2000, e
se lhes solicitou que apresentassem suas observações dentro de um prazo de
60 dias. Diversos peticionários
apresentaram suas observações nos dias 7 de fevereiro, 22 de feveiro, 3 de
março, 6 de março, 8 de março e 1º de maio de 2000.
Estas observações foram transmitidas ao Estado em 24 de maio de
2000, solicitando-lhe a apresentação de observações dentro de um prazo
de 60 dias. Em 5 de junho de
2000, foi recebida informação adicional dos peticionários,
a qual foi transmitida ao Estado em 9 de junho de 2000.
Por nota de 7 de julho de 2000, a Comissão esclareceu as que as
observações formuladas com caráter de resposta a ambas comunicações
deviam ser apresentadas dentro
de um prazo de 60 dias contados a partir de 9 de junho de 2000. Em 11 de
agosto de 2000, o Estado solicitou uma prorrogação do prazo para a
apresentação de sua resposta. Em
15 de agosto de 2000, a Comissão outorgou-lhe mais 30 dias e informou o
disposto aos peticionários. 9.
O Estado apresentou suas observações em 19 de setembro de 2000, e
em 27 de outubro de 2000, a Comissão as transmitiu aos peticionários,
aos quais foi solicitado que apresentassem suas observações dentro de um
prazo de 60 dias. 10.
Os peticionários apresentaram observações no dias 31 de outubro e
10 de novembro, e duas comunicações forma recebidas em 29 de novembro de
2000. Estas comunicações
foram transmitidas ao Estado em 27 de dezembro de 2000, solicitando-lhe que
apresentasse suas observações dentro de um prazo de 60 dias.
Em resposta à solicitação de prorrogação formulada pelo Estado
em 27 de fevereiro de 2001, a Comissão estabeleceu um novo prazo, que
expirava em 5 de abril de 2001, e notificou os peticionários.
Em 18 de abril de 2001 o Estado apresentou suas observações, que
foram dadas a conhecer aos peticionários em 17 de maio de 2001. 11.
Em 16 de junho e 10 de julho de 2001, os peticionários apresentaram
comunicações adicionais, as quais foram transmitidas em 10 de setembro de
2001 ao Estado, solicitando-lhe que apresentasse suas observações dentro
de prazo de um mês. Em 2 de outubro de 2001, foram recebidas observações
adicionais do Estado, as que foram transmitidas aos peticionários, com carácter
informativo, em 12 de outubro de 2001. 12.
Cabe assinalar que diversos peticionários solicitaram audiências
perante a Comissão, primeiro na ocasião da da apresentação da petição
e em três ocasiões posteriores. Em
cada um desses casos, os peticionários foram informados que a Comissão não
estava em condições de aceder ao solicitado devido ao grande número de
audiências já previstas. III.
POSIÇÕES DAS PARTES
Introdução
13.
As questões de fato e de direito que são objeto da petição surgem
de atuações penais iniciadas contra um grupo de 32 acusados, incluindo as
21 supostas vítimas, em 9 de setembro de 1980.
O expediente respectivo estava entitulado “Galluzzi, Carlos Alberto
e outros s/ defraudação militar s/ art. 445 bis do Código de Justiça
Militar –causa Nº 56”. Os acusados integravam as Forças Armadas, especificamente a
Força Aérea. O caso foi
investigado primeiro pelo Julgado de Instrução Militar Nº 12, e a partir
de dezembro de 1980 pelo Julgado de Instrução Militar Nº 1.
A partir de 4 de outubro de 1982, o Conselho Supremo das Forças
Armadas tomou conhecimento do caso, decretando a sentença em 5 de junho de
1989. 14.
Tanto a acusação como a defesa apelaram desta sentença, e as atuações
foram postas à consideração da Câmara Nacional de Apelações Criminal e
Correcional Federal da Capital Federal em 14 de junho de 1989.
Em 23 de abril de 1990, esta Cãmara decretou uma ordem que acolhia
determinadas queixas formuladas. Em
5 de dezembro de 1990, a Câmara declarou a prescrição de dois dos três
delitos, e a promotoria interpôs um recurso extraordinário junto a Corte
Suprema, que revogou a sentença de prescrição em 30 de julho de 1991.
Em 16 de setembro de 1993, a Câmara Nacional de Apelações
Criminal e Correcional Federal da Capital Federal declarou-se
incompetente para continuar conhecendo o assunto, indicando que o órgão
competente era a Câmara Nacional de Cassação Penal.
Esta última declinou também de sua competência.
O conflito de competência foi resolvido pela Corte
Suprema, que decidiu que o caso era de competencia da Câmara Nacional de
Cassação Penal, a que proferiu a sentença em 20 de março de 1995 (parte
resolutiva) e em 3 de abril 1995 (parte considerativa).
Em 3 de abril de 1995, a Câmara indeferiu o recurso extraordinário
interposto pelos acusados. Em
agosto de 1995, os acusados interpuseram um “recurso de fato”, e os
procedimentos culminaram com o desprovimento do mesmo pela Corte Suprema da
Nação em 28 de abril de 1998.
15.
Embora existam certas diferenças na situação das supostas vítimas,
os prejuízos surgem das atuações penais a que foram submetidos
coletivamente. O presente relatório de admissibilidade refere-se,
consequentemente, as posições das partes em relação com o grupo.
A.
Os peticionários
16.
Para efeito do presente relatório sobre admissibilidade, as alegações
dos peticionários podem ser resumidas do modo que se segue.
Os peticionários alegam que o Estado argentino é responsável por
omissão de respeitar e garantir os direitos das supostas vítimas,
previstos na Convenção Americana (artigo 1); que violou seu direito à
integridade física e a não ser submetido a torturas (artigo 5); que os
privou arbitrária e ilegalmente de sua liberdade, omitendo julgá-los ou
liberá-los dentro de um prazo razoável, e que omitiu apresentá-los
prontamente perante um juiz para determinar a legalidade da detenção
(artigo 7); que violou seu direito a ser ouvido com a devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, que violou seu direito à presunção de inocência
durante o proceso, que omitiu notificá-los de forma pronta e adequada as
acusações formuladas contra eles; que lhes denegou meios adequados para
sua defesa, que os privou do acesso a assistência de um assesor legal
qualificado; que os obrigou a declarar contra seus próprios interesses em
suas declarações iniciais, e que os privou de um recurso válido (artigo
8); que violou seu direito ao benefício da aplicação de uma norma
processual mais benévola sancionada depois do cometimento dos delitos
(artigo 9); que omitiu indenizá-los por terem sido condenados por sentença
transitado em julgado de erro judicial (artigo 10); que lhes negou a igual
proteção da lei (artigo 24); e que os privou de seu direito à proteção
judicial (artigo 25).
17.
Os principais prejuízos formulados pelos peticionários referem-se
à longa duração das atuações penais. Em primeiro lugar, com respeito
aos prejuízos referentes aos artigos 7 os peticionários assianlam que as
supostas vítimas foram mantidas na prisão preventiva por períodos de mais
de sete ou oito anos e meio estando pendentes as atuações, com o qual, rebaixaram
os límites aplicáveis conforme o direito nacional e internacional.
18.
Os peticionários assinalam que as supostas vítimas foram mantidas
na prisão preventiva por um prazo duas vezes maior que o das penas de prisão
posteriormente decretadas. De
acordo com a informação proporcionada, 14 dos acusados
foram sentenciados a penas de
prisão compreendidas entre dois anos e
quatro anos e meio. Outros dois
foram sentenciados a cinco anos de prisão, um a seis anos e um a sete anos.
Al[em disso os peticionários sustentam que os autos de detenção
preventiva careciam dos necessários fundamentos de direito e de fato desde
o início dos procedimentos. 19.
Os peticionários alegam que os acusados foram mantidos
sem comunicação quando foram detidos, o que carecia de adequado fundamento
segundo as regras nacionais do devido processo, e em todo caso essa situação
manteve-se por um período injustificadamente prolongado.
A informação apresentada leva a pensar que a maior parte dos
peticionários foram mantidos sem comunicação por mais de sete dias; a
saber, por períodos de até dez ou doze dias.
Assinalam que as autoridades competentes reconheceram determinadas
violações de direitos cometidas a este respeito, quando o Conselho Supremo
e a Câmara Nacional de Cassação Penal concluiram que o expediente não
dava fundamento ao prolongamento da detenção sem comunicação de
determinados acusados. Não
obstante, nem o Conselho Supremo nem a Câmara aceitaram a manifestação
dos acusados de que isto implicava a nulidade das atuações, limitando-se a
assinalar que havia expirado o prazo de prescrição das atuações que
tinham permitido punir o juiz em questão. 20.
Em segundo lugar, com respeito ao artigo 8, os peticionários alegam
que foi violado o seu direito a serem julgados dentro de um prazo razoável,
assim como uma série de garantias do devido processo.
Em especial, argumentam o
prolongamento das atuações foi em detrimento do direito dos acusados a sua presunção de inocência e influiu
desfavoravelmente sobre suas possibilidades de defenderem-se.
21.
Os peticionários alegam que não foi respeitado o seu direito a uma
adequada defesa legal, porque os acusados careceram de assistência legal
nas etapas iniciais do processo. Assinalam
que os acusados careceram de um advogado nos primeiros dois anos e meio das
atuações. Os peticionários indicam que quando obtiveram assistência,
os defensores em questão não eram advogados.
A este respeito, assinalam que o Código de Justiça Militar prevê o
direito de um acusado a ser assistido para apresentar sua defesa por um
“defensor militar”, que é membro das Forças Armadas da ativa ou da
reserva. 22.
Os peticionários alegam ademais que a Convenção Americana, a
Constituição Argentina e o Código de Procedimentos em Matéria Penal
reconhece o direito de um acusado a não ser obrigado a declarar contra si
mesmo, mas que o Código de Justiça Militar não respeita essa garantia.
Assinalam que, conforme
o disposto no Código de Justiça Militar, o juiz que presidiu a investigação
exortou os acusados a dizer a verdade em suas declarações iniciais e lhes
fez saber que isto seria favoravelmente considerado.
Indicam que isto implica um problema especial, já que o Código de
Justiça Militar não reconhece o direito do acusado de que esteja presente
seu advogado nesta etapa do procedimento, e que representa uma pressão a
fim de obter uma confessão. Os peticionários fazem referência também a outras ameaças,
em grande medida não especificadas, que tinham sofrido os acusados na
oportunidade desas declarações iniciais.
23.
Além disso os peticionários alegam que a designação de peritos
contábeis por parte do tribunal militar foi feita em detrimento
da defesa dos acusados.
Argumentam que os três peritos --todos eles oficiais militares a
cargo de um departamento contável das Forças Armadas—estavam
“intimamente vinculados” com os fatos que estavam sendo investigados e
tinham trabalhado em estreito contacto com, pelo menos, dois dos acusados. Em
consequência os peticionários alegam que os peritos não podiam emitir uma
decisão independente. Assinalam
ademais que conforme o disposto pelo Código
de Justiça Militar os peritos foram designados sem que se notificara os
acusados, e por esta razão eles não tiveram a possibilidade de recusá-los;
os acusados não tiveram possibilidade alguma de nomear seus próprios
peritos; e, os “peritos” não eram contadores públicos certificados.
24.
A petição compreende alegações de caráter bastante genérico no sentido
de que as provas apresentadas contra os acusados eram qualitativa e
quantitativamente insuficientes para justificar suas condenações.
Ademais, os peticionários informam que o tribunal militar decretou
sentença através de uma reunião e voto secretos de seus membros, em violação
aos procedimentos estabelecidos
pelo Código de Justiça Militar.
25.
Como assinalado anteriormente, a sentença impõe a alguns dos acusados,
inter alia, penas pecuniárias e
outras sanções. A este
respeito, os peticionários defendem que estes acusados foram gravemente
prejudicados ao terem sido impostos pagamentos elevados de taxas de juros
pelo período de demora de
atribuível ao Estado. Sustentam
que em virtude do reajuste dos juros
ao longo de dois anos as penas aumentaram cerca de 100%.
Alegam que os prejuízos conexos no sentido de que os parâmetros de
determinação das taxas de juros não foram claros nem justos. 26.
A respeito da competência dos tribunais que atuaram nos
procedimentos, os peticionários formularam duas alegações vinculadas com
os artigos 8 e 25 da Convenção Americana.
Em primeiro lugar, assinalam que o juiz militar designado para a
orientação da investigação inicial padecia de problemas psicológicos na
época, sendo substituído três meses depois de iniciada a investigação,
e mais tarde retirado de suas funções pelas mesmas razões.
Em segundo lugar, alega que a Câmara Nacional de Cassação Penal,
que por disposição da Corte Suprema devia assumir jurisdição na apelação,
não era o tribunal superior pertinente.
Sua principal alegação a esse respeito é que a Câmara Nacional de
Cassação Penal foi estabelecida em 1992, ou seja, depois do cometimento
dos delitos de que se trata,
motivo pelo qual foi violado o direito das supostas vítimas a serem
julgados por cortes preexistentes. Sustentam
ademais que a Corte Suprema rejeitou de forma inapropriada seu recurso de
fato, sem realizar um exame substancial dos prejuízos
formulados. 27.
Os peticionários sustentam que foi violado o direito das supostas vítimas
a igual proteção da lei, previsto no artigo 24 da Convenção Americana,
visto que, tratando-se de membros das Forças Armadas no momento em que se
cometeram os delitos em questão, foram processados através da jurisdição
militar antes de ter acesso ao sistema judicial civil.
Os peticionários insistem em que a jurisdição militar é um
sistema de tribunais administrativos, que não tem caráter judicial, através
do qual o pessoal militar --por exemplo, as supostas vítimas—estavam
obrigadas a passar por uma etapa processual que não é requerida no âmbito
civil. Os peticionários
questionam a compatibilidade do sistema de justiça militar com os
requisitos da Convenção Americana, indicando, por exemplo, que a Câmara
Nacional de Cassação Penal negou-se a examinar questões de fato sobre as
quais se havia pronunciado o Conselho Supremo.
28.
As alegações dos peticionários referentes ao artigo 9 da Convenção
Americana consistem em que as supostas vítimas foram submetidas a mais
severa das normas referentes à prescrição.
Argumentam que a Corte Suprema violou o direito das supostas vítimas
a que lhes fossem aplicada a mais benéfica das duas normas, ao optar
arbitrariamente por aplicar a prescrição prevista no Código de
Procedimentos em Matéria Penal, o que permitiu a continuação dos procedimentos,
em contraposição com a prescrição de dez anos aplicável de acordo com o
Código de Justiça Militar, que tinha dado por prescritos os
aspectos centrais da acusação.
29.
Por último, os peticionários invocaram os direitos das supostas vítimas
conforme o artigo 10 da Convenção Americana a receber indenização por
terem sido condenados por sentença firme atribuível a erro judicial.
A este respeito, insistem no seu direito a serem indenizados pelo tempo
em que estiveram submetidos à detenção preventiva que supera o prazo das
penas de prisão decretadas. 30.
Em função dos argumentos que antecedem, os peticionários alegam
que as atuações contra as supostas vítimas estiveram viciadas de nulidade
desde o início e deveriam ter sido declaradas nulas em virtude de numerosas
violações de seus direitos básicos.
Alegam que a petição apresentada cumpre todos os requisitos de
admissibilidade. Em especial
sustentam que foram esgotados os recursos internos devido a sentença da
Corte Suprema que indeferiu o recurso de fato, e que em cada caso a suposta
vítima interpôs uma petição dentro de um prazo de seis meses contado a
partir da data de notificação dessa sentença.
Com respeito ao fato de que as supostas vítimas não esgotaram os
recursos internos em relação as suas demandas de indenização, os
peticionários sustentam que na realidade promoveram uma ação
administrativa em procura de indenização pelo período em que foram
mantidos em prisão preventiva por um prazo superior ao da sentença
definitiva decretada, e que a ação foi desacolhida.
B.
O Estado 31.
Nas comunicações que apresentou perante a Comissão, o Estado começou
por destacar que o exercício da jurisdição militar nas atuações
penais contra os acusados seguiu plenamente o direito nacional e
internacional. O Estado
assinala que os acusados eram integrantes das Forças Armadas no momento em
que cometeram os delitos pelos quais foram definitivamente condenados, e que
esses delitos estavam plenamente vinculados com o serviço
militar que cumpriam. Ademais o
Estado sustenta que seus tribunais militares foram estabelecidos pelo Poder
Legislativo para que administrem justiça em casos desse gênero, e que não
estão subordinados ao Poder Executivo.
Por conseguinte, o Estado alega que os Conselhos de Guerra, como
aquele que prolatou a sentença de condenação, são tribunais de justiça
cujas sentenças são apeláveis perante a jurisdição federal, respeitando-se
assim as garantias de revisão em segunda instância de uma sentença
condenatória. 32.
O Estado destaca o fato de que a jurisdição militar é um corolário
necessário das características especiais das Forças Armadas como instituição
e dos valores claramente definidos que protegem os códigos
militares. Portanto, os
tribunais militares são competentes e constitucionais para julgar o pessoal
militar por delitos previstos no Código de Justiça Militar. Baseando-se na sua posição sobre a validez da jurisdição
militar no caso de autos, e também sobre a denominada “doutrina da quarta
instância”, o Estado defende que a Comissão somente seria competente
para examinar as reclamações na medida em que os peticionários aduzissem
alguma omissão de cumprimento dos procedimentos estipulados no Código de
Justiça Militar, ou nas atuações que tivessem
violado a Convenção Americana. 33.
Com relação as supostas violações ao direito a liberdade previsto
no artigo 7 da Convenção Americana, o Estado destaca que as
supostas vítimas recuperaram a liberdade há dez anos, motivo pelo qual não
subsistem os motivos que originaram este aspecto da petição e a denúncia
deve ser rejeitada. O Estado
assinala que as denúncias apresentadas perante a Comissão, no sentido de
que as ordens que autorizam a detenção preventiva das supostas vítimas
careciam do devido fundamento, foram apresentadas perante o Conselho Supremo
e a Câmara Nacional de Cassação Penal, e foram consideradas infundadas.
Com respeito a afirmação
dos peticionários de que as
supostas vítimas devem ser indenizadas pelo período
em que foram objeto de detenção, em especial pelo tempo que supera a
sentença de prisão, o Estado argumenta que os peticionários não
interpuseram nem esgotaram os recursos internos tendentes a obter essa
indenização, motivo pelo qual essas reclamações são inadmissíveis
conforme o disposto pelo artigo
46(1) da Convenção Americana. 34.
Quanto às denúncias dos peticionários por sua detenção sem
comunicação, o Estado afirma que a decisão de ampliar esta modalidade de
detenção a algumas das supostas vítimas estava devidamente fundamentada
conforme o disposto no Código de Justiça Militar.
Ainda que não se tenha explicitado o fundamento para algumas das
outras supostas vítimas, o Estado assinala que o Conselho Supremo das Forças
Armadas considerou que se trata de uma infração disciplinária da parte do
juiz designado, mas concluiu que não implica a nulidade das atuações,
conclusão que foi confirmada na apelação pela Câmara Nacional de Cassação
Penal. Da mesma forma, quanto as alegações dos peticionários
referentes as ameaças ou maus
tratos que tinham sofrido as supostas vítimas na oportunidade de suas
declarações iniciais, o Estado assinala que essas acusações foram postas
à consideração das autoridades competentes, que as declararam infundadas. 35.
Em resposta as denúncias de que as supostas vítimas não foram
julgadas dentro de um prazo razoável, o que implicaria uma violação das
garantias do artigo 8, o Estado argumenta que no cálculo de razoabilidade
deve ter-se em conta o número de pessoas envolvidas, o tipo de provas
obtidas e a duração dos fatos
investigados. O Estado indica
que, no caso dos autos, as atuações
referiam-se a 32 acusados, a um expediente principal de mais de 14.000 páginas,
com atuações administrativas e penais paralelas, defraudações cometidas
ao longo de um triênio em
quatorze diferentes unidades da Força Aérea, grandes somas de dinheiro e
uma investigação contável complicada e sumamente técnica.
O Estado sustenta que o principal acusado, o senhor Vicecomodoro
Galluzzi, fugiu do país e apresentou-se às autoridades somente em 1º de
abril de 1982, o que atrasou a investigação.
Ademais insiste que a demora na etapa judicial pode ser atribuída em
grande medida às ações promovidas pelos acusados, que tiveram como efeito
a interrupção das atuações. Também sustenta que como as supostas vítimas
trataram de obter o benefício da prescrição dos delitos, a demora do
julgamento não pode ser imputada ao Estado. 36.
Em resposta as manifestações dos peticionários de que os acusados
não possuiam assistência legal no julgamento, em infração ao artigo 8, o
Estado informa que nas atuações militares não é um requisito que os juízes
e defensores sejam advogados. Ademais, assinala que as Forças Armadas tem
um Corpo de Auditores formado por pessoal militar graduado em Direito antes
de ingressar nas Forças Armadas; e nas atuações militares os acusados estão
facultados para designar como defensores a membros desse grupo, e em muitos
casos o fizeram. O Estado
assinala também que quando esses acusados escolhem um
oficial de comando para que se ocupe de sua defesa é uma prática comum que
esses oficiais sejam assessorados por um membro do Corpo de Auditores em
relação a todos os procedimentos. Adicionalmente
o Estado indica que quando as atuações passaram a etapa de apelação os
acusados foram patrocinados por seus próprios advogados ou por defensores públicos
qualificados. 37.
Em relação à afirmação de que os acusados se viram obrigados a
declarar contra seus próprios interesses, em violação ao artigo
8, o Estado argumenta, em primeiro lugar, que as declarações iniciais dos acusados
lhes foram tomadas antes da entrada em vigor da Convenção Americana para
Argentina, e que tendo em vista que a Declaração Americana não contém um
dispositivo similar, esta afirmação é insustentável. O Estado alega que
as declarações foram devidamente tomadas conforme os requisitos do Código
de Justiça Militar. Segundo o
disposto pelo Código então
vigente, ao tomar essas declarações não se requeria um juramento ou uma
promessa de dizer a verdade, mas que estava permitido exortar o declarante
a ser veraz. Ademais o Estado
agrega que os acusados não foram condenados exclusivamente em virtude de
suas declarações, mas também por outras provas. 38.
Em relação as denúncias referentes ao artigo 8 no sentido de que
as supostas vítimas não estavam em condições de apelar de suas sentenças
perante um tribunal superior, o Estado defende que a Câmara Nacional de
Cassação Penal deu trâmite ao recurso dos acusados
e se pronunciou sobre o mesmo como corte de segunda instância.
Nesse sentido o Estado cita o artigo 7 da Lei 24.050, que estabeleceu
a competência da Câmara Nacional de Cassação Penal e dispõe que uma de
suas câmaras examine os recursos previstos no artigo 445 bis do Código de
Justiça Militar. 39.
Em relação as supostas infrações referentes a igual proteção da
lei conforme o artigo 24 da Convenção Americana, o Estado afirma que não
são todas as diferenças de tratamento que violam este princípio, mas
somente aquelas que carecem de uma justificação objetiva e razoável.
No caso dos autos, as supostas vítimas eram membros das Forças
Armadas, cometeram os delitos pelos quais foram processados em instalações
militares, e em detrimento dos interesses
das Forças Armadas. A aplicação
do Código de Justiça Militar não determina, consequentemente, nenhuma
violação do princípio de igual proteção da lei. 40.
Com respeito as supostas violações do direito a proteção
judicial, estipulado no artigo
25 da Convenção Americana, o Estado argumenta que as atuações foram
realizadas em observância das normas do devido processo previstas no sistema
de justiça militar. O Estado
reitera que este sistema não pode ser comparado aquele do sistema de justiça
civil, como pretendem os peticionários, porque os procedimentos e
interesses de que se trata são necessariamente diferentes. O Estado rejeita toda acusação no sentido de que os
recursos interpostos perante a Câmara Nacional de Cassação Penal ou a
Corte Suprema não foram tramitados adequadamente, assinalando que a Câmara
conheceu de determinadas pretensões dos acusados. 41.
Com respeito a denúncia dos peticionários de que o Conselho Supremo
se recusou a dispor da atuação ou aceitar certas provas pertinentes,
desconhecendo assim mecanismos
essenciais de proteção judicial, o Estado indica que o Conselho Supremo
tinha faculdades discricionárias para estabelecer de forma inapelável
quais as provas pertinentes. O
Estado sustenta ademais que essa discricionariedade não é exclusiva dos tribunais
militares, mas que é uma questão de direito processual penal nacional, e
que as denúncias dos peticionários
a este respeito foram consideradas e indeferidas pelo Conselho Supremo e pela Câmara
Nacional de Cassação Penal. Finalmente,
o Estado assinala que as supostas vítimas não dizem ser inocentes nem
aduzem falta de independência ou imparcialidade de nenhum dos magistrados
e em nenhum dos procedimentos.
42.
Em face da posição antes referida, o Estado alega que a petição
12.167 é inadmissível por três razões principais.
Primeiramente porque as denúncias principais postas a consideração
da Comissão foram formuladas perante as autoridades judiciais nacionais
competentes e decididas pelas mesmas. Consequentemente,
segundo o Estado, as supostas vítimas tentaram conseguir que a Comissão
revisasse as sentenças proferidas pelas cortes nacionais que atuaram dentro
de suas esferas de competência e conforme as normas do devido processo,
motivo pelo qual se está diante de uma pretensão extranha à competência
prevista na Convenção Americana. Em
segundo lugar, quanto ao requisito de esgotamento dos recursos internos para
que a Comissão possa admitir uma petição, o Estado assinala que a petição
somente cumpre esse requisito na medida em que as supostas vítimas tenham impugnado
suas sentenças condenatórias, bem como a constitucionalidade das normas do
Código de Justiça Militar. O
Estado sustenta que toda reclamação de indenização
referente ao artigo 10 da Convenção Americana é inadmissível por
omissão de invocar e esgotar recursos internos segundo o estipulado no artigo 46 da Convenção.
As supostas vítimas não invocaram nem esgotaram os recursos disponíveis
em relação ao alegado prolongamento de sua detenção preventiva, nem
trataram de obter indenização pelo prazo
em que a detenção superou as penas de prisão, o que torna inadmissíveis
estas pretensões. Por último,
o Estado defende que, em todo caso, os peticionários não aduziram fatos
que possam ser caracterizados como violatórios da Convenção Americana. IV.
ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE
A.
Competência da Comissão ratione
pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci 43.
Conforme o disposto no artigo 44 da Convenção Americana, os
peticionários estão legitimados para apresentar uma petição perante a
Comissão. A petição objeto
de estudo indica que as vítimas mencionadas estavam sujeitas à jurisdição
do Estado argentino na data dos fatos aduzidos. A Argentina é um Estado
membro da Organização dos Estados
Americanos desde 1948, quando ratificou a Carta da OEA, e está sujeita à
jurisdição da Comissão com respeito às denúncias individuais, já que
essa competência foi estabelecida por estatuto em 1965 em relação aos
termos da Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem. A Argentina está sujeita à jurisdição da Comissão
sob os termos da Convenção Americana desde que depositou seu instrumento
de ratificação, em 5 de setembro de 1984.
Portanto, a Comissão é competente ratione
pessoae para examinar as denúncias apresentadas. 44.
Com respeito à questão da competência ratione
temporis, a Comissão assinala que as denúncias formuladas guardam relação,
na primeira etapa, com a Declaração Americana, e a partir da ratificação
por parte de Argentina da Convenção Americana, a esta última.
Nenhuma das partes questionou a competência da Comissão a este
respeito.[1]
Quanto as denúncias referentes a primeira etapa, cabe reiterar que
no caso de um Estado que ainda não ratificou a Convenção Americana, os
direitos fundamentais que se compromete a respeitar como parte do tratado da
Carta da OEA são aqueles estipulados na Declaração Americana, que
constitui uma fonte de obrigações internacionais.[2]
O Estatuto e o Regulamento da Comissão estabelecem normas adicionais
referentes ao exercício de sua jurisdição a este respeito.
Essa jurisdição estava em vigor na data dos primeiros fatos
aduzidos pelos peticionários, e a Declaração, assim como a Convenção,
protegem os direitos a liberdade e o devido processo (artigos I, XXV
e XXVI) invocados no caso dos
autos. Uma vez que se fez
efetiva a ratificação por parte da Argentina, a Convenção Americana
converteu-se na primeira fonte de obrigações legais,[3]
e resultam aplicáveis os direitos e obrigações expressamente mencionados
pelos peticionários. Por
conseguinte, a Comissão possui competência ratione
temporis para examinar as denúncias apresentadas pelos peticionários.[4]
45.
Finalmente, a Comissão possui competência ratione
materiae para examinar a substância das denúncias formuladas porque,
se provadas verdadeiras, constituiriam violações de direitos protegidos
pela Convenção Americana e a
Declaração Americana. 46.
Dado que na petição se
aduzem violações de direitos protegidos no marco da Convenção Americana
e da Declaração Americana que teriam tido lugar no território
de um Estado parte, a Comissão conclui que possui competência ratione loci para examinar a mesma. B.
Outros requisitos de admissibilidade da petição
a.
Esgotamento dos recursos
internos 47.
O artigo 46 da Convenção Americana estabelece que a admissibilidade
de um caso está condicionada a "que se tenha interposto e esgotado os
recursos da jurisdição interna, conforme os princípios de Direito
Internacional geralmente reconhecidos".
Este requisito foi estabelecido para garantir ao Estado a
oportunidade de resolver as disputas dentro de seu próprio marco jurídico.
48.
As partes coincidem em que o processamento das supostas vítimas
terminou com o inderimento do recurso de fato por parte da Corte Suprema, em 28 de abril de
1998. Neste sentido as partes
estão de acordo em que foram invocados e esgotados os recursos internos em
relação as denúncias formuladas a respeito do processamento e
constitucionalidade da aplicação do Código de Justiça Militar.
49.
O Estado formulou dois argumentos básicos com respeito aos
requisitos do artigo 46 em diferentes pontos das atuações perante a Comissão.
Em sua resposta inicial, o Estado assinalou, em termos gerais e sem
maiores explicações, que os peticionários omitiram o esgotamento dos recursos internos com respeito a sua prolongada detenção
preventiva. Não obstante,
examinados os procedimentos internos comprova-se que foram invocadas perante
a Câmara Nacional de Cassação Penal denúncias referentes à duração
dos procedimentos, incluindo o
período de detenção preventiva, e que a Câmara as examinou.
Este orgão assinalou que a impugnação relativa a duração dos procedimentos
baseiava-se no direito dos acusados a uma sentença dentro de um prazo razoável que
defina suas posições legais respectivas e pusera fim a restrição de sua
liberdade. Os peticionários
promoveram uma revisão posterior do assunto perante a Corte Suprema, que se
negou a conhecer suas reclamações. Os
acusados questionaram também a solidez dos fundamentos jurídicos das
ordens de detenção preventiva e a legalidade da detenção sem comunicação.
A Comissão considera que isto é suficiente para demostrar que o
Estado estava inteirado das reclamações agora pendentes perante a Comissão
e que foram invocados e esgotados os recursos pertinentes.
50.
O argumento alternativo aduzido pelo Estado
consiste em que os peticionários nunca trataram de obter indenização
perante os tribunais internos por terem sido sentenciados por erro judicial,
nem pelo período em que
estiveram em detenção preventiva por um período superior
ao de suas penas de prisão. Os
peticionários, por sua parte, sustentam que promoveram uma ação
administrativa a fim de colher uma indenização por este último conceito.
Para efeito da presente análise, a Comissão considera que os
peticionários invocaram e esgotaram os recursos internos a fim de conseguir
uma decisão judicial quanto a invalidez das sentenças decretadas contra
eles e quanto a duração de suas detenções preventivas.
Dado que interpuseram uma série de recursos, inclusive perante a
Corte Suprema, e não conseguiram uma decisão favorável, não é evidente,
nem o Estado explicou, quais os recursos
internos disponíveis e efetivos que ficaram por esgotar que pusessem ter
servido de base jurídica necessária para uma eventual sentença de
indenização.[5]
Por conseguinte, a Comissão entende que foram cumpridos os
requisitos do artigo 46. b.
Prazo de apresentação da petição 51.
Conforme o previsto no artigo 46(1)(b) da Convenção, toda petição,
para que possa ser admitida, deve ser apresentada no prazo de
seis meses seguintes à data em que a parte denunciante tenha sido
notificada da sentença definitiva adotada no âmbito
interno. A regra dos
seis meses garante certeza legal e estabilidade uma vez
adotada a decisão. 52.
Como assinalado anteriormente, as comunicações que deram início a
petição 12.167 foram recebidas entre 5 de junho e 28 de outubro de 1998. A
decisão de indeferimento do recurso de fato, que foi a sentença final no
âmbito interno, foi proferida pela Corte
Suprema em 28 de abril de 1998. Logo,
a Comissão considera que a petição foi apresentada no tempo certo. c.
Duplicação de procedimentos e res
judicata 53.
O artigo 46(1)(c) estabelece que a admissão de uma petição está
sujeita ao requisito de que o assunto "não esteja não esteja pendente
de outro processo de solução internacional” e o artigo 47(d) da
Convenção estipula que a Comissão não poderá admitir uma petição
que “for substancialmente reprodução de petição ou comunicação
anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo
internacional". No caso
dos autos as partes não alegaram nem se depreende do expediente a existência
de nenhuma dessas duas circunstâncias de inadmissibilidade
d.
Caracterização dos fatos alegados 54.
O artigo 47(b) da Convenção
Americana declara inadmissível toda petição em
que não expuser fatos que caracterizem violação dos
direitos garantidos pela mesma.
No presente caso,
o Estado alegou em geral que a petição deve ser declarada inadmissível
porque não estabelece uma reclamação que esteja dentro da jurisdição da
Comissão. Para efeitos de
admissibilidade, a Comissão deve decidir se os fatos podem caracterizar uma
violação de direitos, segundo o estipulado no artigo 47(b) da Convenção
Americana, ou se a petição é “manifestadamente infundada”, ou “seja
evidente sua total improcedência”, conforme o disposto no parágrafo (c) desse artigo.
O critério aplicável a avaliação do cumprimento destes requisitos
difere daquele que se aplica a determinação do mérito de uma petição; a
CIDH deve realizar uma avaliação prima
facie para estabelecer se a petição invoca fundamentos de uma aparente
ou potencial violação de um direito garantido pela Convenção, mas não
para determinar a existência de uma violação de direitos.[6]
Esta determinação implica numa análise sucinta que não supõe
prejulgar sobre o mérito do assunto. Ao
estabelecer duas etapas --uma referente a admissibilidade, e outra referente
ao mérito do assunto-- o Regulamento da Comissão reflete esta distinção.[7]
55.
A este respeito, a Comissão conclui, para efeitos da admissibilidade,
que os peticionários formularam denúncias que, se compatíveis com outros
requisitos, e se provadas verdadeiras, poderiam configurar a violação de
direitos protegidos no marco da Convenção Americana em relação aos
artigos 1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25. 56.
O Estado alega que os peticionários não formularam uma denúncia
que esteja dentro da jurisdição da Comissão, conforme a Declaração
Americana, em relação as suas alegações de que os acusados foram
submetidos a pressões para que declarassem contra seus próprios interesses.
O Estado assinala que ainda que o artigo 8 da Convenção Americana
estipule garantias expressas contra a autoincriminação, a Declaração
Americana --que era o instrumento aplicável no momento em que se emitiram
essas declarações-- não contém uma disposição expressa para este
efeito. A questão da
possibilidade ou da medida em que a proteção mais geral do devido processo
e a presunção de inocência prevista na Declaração Americana possam
incluir garantias contra a autoincriminação é uma questão que a Comissão
examinará durante a fase de seus procedimentos referente ao mérito do
assunto.
57.
O Estado alega que como os peticionários foram liberados de sua
detenção há mais de dez anos, suas denúncias referentes ao direito a
liberdade já não existem ou subsistem, e devem ser rejeitadas.
A este respeito a Comissão reitera que o fato de que uma pessoa seja
posteriormente liberada, ou inclusive condenada, não sana a possível
transgressão do preceito da Convenção Americana referente a duração
razoável da detenção antes do julgamento.[8]
58.
Os peticionários alegam que o processamento das supostas vítimas
violou o que descrevem como direito a aplicação da lei mais benéfica,
conforme o mecanismo de proteção estipulado pelo artigo
9 da Convenção Americana. Em
suma sustentam que a judicatura eligiu entre o prazo de prescrição
previsto no Código de Procedimentos em Matéria Penal e aquele do Código
de Justiça Militar e aplicou arbitrariamente o primeiro para efetivar a
continuidade dos procedimentos, sendo que o segundo código teria sido mais benévolo.
A este respeito, o direito estipulado no artigo 9 consiste no benefício
da imposição de uma pena mais leve se esta for estabelecida por uma lei
sancionada posteriormente ao cometimento do delito.
Ainda que se possa supor que as alegações dos peticionários
corresponda à verdade, estas não servem de base para caracterizar uma possível
violação do artigo 9, e suas denúncias a este respeito são,
consequentemente, inadmissíveis. O
Código de Justiça Militar, que
segundo indicam, deveria ter sido aplicado, foi sancionado antes do
cometimento dos delitos em
questão. Na medida que as
denúncias formuladas a este respeito possam guardar relação com as
garantias do devido processo, serão examinadas na etapa
de mérito do assunto.
59.
Finalmente, a Comissão examinará as denúncias dos peticionários
referentes ao artigo 10 da Convenção Americana quando examine
as outras reclamações, referentes ao mérito do assunto.
O artigo 10 reconhece o direito a receber indenização no caso de
condenação por sentença transitada em julgado por erro judicial.
A determinação sobre se este erro pode ter existido, o que no caso
dos autos deve se realizada na fase dos procedimentos
referentes ao mérito do
assunto, é uma condição prévia da possível aplicação do artigo 10. 60.
A Comissão conclui que os peticionários formularam reclamações
referentes as supostas violações de direito a liberdade, a integridade
pessoal, a igual proteção da lei e a proteção e as garantias judiciais
que, se compatíveis com outros requisitos e provada verdadeiras, poderiam
configurar a violação de direitos protegidos nos artigos
1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25 da Convenção Americana.
Na medida em que seja
necessário, a Comissão examinará também, ao analisar o mérito do
assunto, os artigos XI, XV e XXVI da Declaração Americana. V.
CONCLUSÕES
61.
A Comissão conclui que é competente para conhecer o caso dos autos
e que a petição é admissível conforme os artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. 62.
Com base nos argumentos de fato e de direito acima expostos, e sem
prejulgar o mérito do assunto, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE: 1.
Declarar admissível a presente petição no que se refere a supostas
violações dos direitos reconhecidos nos artigos 1, 5, 7, 8, 10, 24 e 25 da
Convenção Americana, e no que for pertinente, nos artigos I, XXV e XXVI da
Declaração Americana. As denúncias referentes ao artigo 9 da Convenção
Americana são inadmissíveis. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Prosseguir com a análise do mérito do assunto. 4.
Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual
à Assembléia Geral da OEA.
Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, na cidade de Washington, D.C. aos 9 dias do mês de outubro de
2002. (Assinado): Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidenta; José
Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Membros da Comissão: Robert K. Goldman,
Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts e Susana Villarán.
[ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ]
*
O
Presidente da Comissão,
Dr. Juan E. Méndez, de nacionalidade argentina, não participou da
discussão e decisão do presente relatório, em acatamento ao disposto
no artigo 19(2) do Regulamento da Comissão.
[1]
Embora o Estado alegue que
as denúncias dos peticionários referentes à proibição de pressões
tendentes a conseguir uma
autoincriminação carecem de fundamento, porque a Convenção Americana
não era aplicável na data das declarações iniciais dos
acusados, e que a Declaração Americana não prevê uma proteção
expressa a este respeito, o que o Estado sustenta é que os peticionários
não aduziram fatos tendentes a tipificar uma violação.
O Estado não argumentou que a Comissão carece de competência ratione temporis com respeito a petição. [2]
Corte IDH, Opinião Consultiva OC-10/89, 14 de julho de 1989, "Interpretação
da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem no
Marco do artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos", Serie. A
Nº 10, parágrafos 43 -
46. [3]
Ídem,
parágrafo 46. [4]
Ver, em geral, CIDH, Relatório Nº 67/01, Caso 11.859 Carvallo Quintana
(Argentina), 14 de junho de 2001, parágrafos 48-49; Relatório Nº
3/02, Caso 11.498, Grande (Argentina), 22 de fevereiro de 2002, parágrafos
32, 34. [5]
A este respeito cabe ressaltar que, conforme a regra do ônus da prova
estabelecida no artigo 31 do Regulamento da Comissão e a jurisprudência
pertinente, que a parte que aduz o não esgotamento dos
recursos internos deve formular alegações específicas, e não
genéricas, referentes as recursos disponíceis, e informar sobre sua
eficácia. As alegações
do Estado com respeito a eficácia de uma ação que
visa uma indenização foram genéricas.
Ver
CIDH, Relatório Nº 72/01, Caso 11.804, Juan Ángel Greco (Argentina),
10 de outubro de 2001, parágrafo 49; Relatório Nº 52/97, Caso 11.218,
Arges Sequeira Mangas (Nicarágua), Relatório Anual da CIDH 1997, parágrafo 95. [6]
CIDH, Relatório Nº 128/01, Herrera e Vargas [“La Nação”] (Costa
Rica), Caso 12.367, 3 de dezembro de 2001, parágrafo 50. [7]
Ídem. [8]
CIDH, Relatório Nº 12/96, Giménez (Argentina), Caso 11.245, 1º de
março de 1996, parágrafo 55. |