Anexo: A

Declaração conjunta das
Relatoras Especiais sobre os direitos da mulher

(8 de março de 2002) A Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências, e as Relatoras Especiais sobre os direitos da mulher da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos se reuniram pela primeira vez em 28 de fevereiro e em 1º de março de 2002 em Montreal, em uma reunião organizada por Rights & Democracy. As Relatoras Especiais formularam a seguinte declaração conjunta:

Recordando que os direitos da mulher são direitos humanos, nós, Relatoras Especiais, reafirmamos nossa adesão às normas internacionais sobre os direitos da mulher que figuram em documentos como os seguintes:

  • a Declaração Universal de Direitos Humanos;

  • o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos;

  • o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;

  • a Declaração sobre a eliminação da discriminação contra a mulher;

  • a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, e seu Protocolo Facultativo;

  • o Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional;

  • a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e seu Protocolo Adicional em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;

  • a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem;

  • a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará);

  • a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos ; e

  • a Declaração e Plano de Ação sobre os direitos humanos aprovados em Grand Baie em 1999.

Afirmamos que esses instrumentos internacionais e regionais permitem uma ampla proteção contra a violência por motivos de sexo e a discriminação contra a mulher. Exortamos a todos os Estados que ainda não o tenham feito ratifiquem os tratados pertinentes e velem pelo cumprimento das normas internacionais.

Destacamos que, por violência contra a mulher, se entende todo ato de violência perpetrado por qualquer pessoa no lar, na família ou na comunidade, bem como os atos perpetrados ou tolerados pelo Estado, inclusive em conflitos armados. A violência contra a mulher é uma manifestação de discriminação baseada no sexo. Reafirmamos que o direito de toda mulher a não ser submetida a atos de violência inclui o direito a não ser objeto desse tipo de discriminação e o direito de gozar de igual proteção perante a lei.

Reconhecemos a diversidade entre as mulheres e o direito que tem as pessoas de uma comunidade bem como outros membros do grupo a desfrutar de sua própria cultura. Reconhecemos as particularidades das distintas regiões quanto à aplicação dos direitos da mulher.  Entretanto, os Estados não devem invocar nenhum costume, tradição ou consideração religiosa para imiscuir-se de suas obrigações com respeito à eliminação da violência e a discriminação contra a mulher. Todas as mulheres tem direito a viver em liberdade e em condições de igualdade e dignidade.

Em todos os países do mundo se cometem atos de violência contra as mulheres e as menores do sexo feminino.  Isto ocorre em situações de paz e de conflito. Contudo, os órgãos estatais e as entidades privadas não estão obrigados a prestar contas. Este clima de impunidade fomenta a constância dessas violações dos direitos. Instamos os Estados a que adotem medidas de imediato para por fim a essa impunidade e fazer comparecer perante a justiça os autores desses atos.

Reiteramos que as normas internacionais de direitos humanos protegem as mulheres da violência e da discriminação por parte de entidades privadas. Os Estados têm o dever de adotar todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação contra a mulher por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa. Os Estados estão obrigados a investigar com a diligência devida para prevenir a violência contra a mulher, julgar e punir aqueles que cometem atos dessa índole, e a tomar medidas para erradicar permanentemente a violência contra a mulher em suas sociedades.

Embora a comunidade internacional e as comunidades regionais tenham elaborado normas para prevenir, punir e erradicar a violência e a discriminação contra a mulher, muitos Estados ainda não adotaram as medidas necessárias para incorporar essas normas na legislação e nas práticas nacionais. Instamos os Estados que adotem as medidas pertinentes para ajustar suas leis e práticas a essas normas.

Destacamos o fato de que as mulheres que são objeto de atos de violência e discriminação não gozam de proteção nem têm acesso a recursos judiciais eficazes. Devem-se adotar estratégias que abarquem as reformas legislativas e, em particular, as reformas do sistema de justiça penal. É necessário capacitar os encarregados da formulação de políticas, a polícia, os juízes e os promotores. Adicionalmente, deve-se proporcionar às vítimas assessoramento jurídico, médico e psicológico, bem como serviços sociais adequados. Os Estados deveriam aproveitar o sistema educativo e as campanhas de sensibilização da sociedade para aplicar as normas internacionais a nível nacional.

Tendo em vista estas preocupações comuns, nos comprometemos a coordenar nossas atividades para desempenhar com maior eficácia nosso trabalho, mediante: a) o intercâmbio de informação, em particular sobre leis e casos, bem como informação relacionada com as missões; b) o intercâmbio de idéias e estratégias sobre a maneira de fazer frente aos novos problemas e a violação dos direitos da mulher; c) a harmonização de nossas recomendações aos Estados; d) a comunicação periódica com as organizações não governamentais regionais e internacionais, as organizações femininas e outros representantes da sociedade civil para quem a promoção e a proteção dos direitos humanos da mulher constituem um objetivo fundamental. Nós comprometemos a intercambiar informação sobre os últimos acontecimentos.

Sra. Marta Altolaguirre
Relatora Especial sobre os Direitos Humanos da Mulher
Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Sra. Radhika Coomaraswamy
Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, suas causas
e consequências, Comissão de Direitos Humanos (Nações Unidas)

Sra. Angela Melo
Relatora Especial sobre os direitos da mulher na África
Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos


ANEXO: B

Nº 04/02

COMUNICADO DE IMPRENSA

A RELATORA ESPECIAL DA CIDH ENCERRA VISITA PARA AVALIAR A SITUAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

NA CIDADE DE JUÁREZ, MÉXICO

          A advogada Marta Altolaguirre, Relatora Especial sobre os Direitos da Mulher da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), encerrou hoje uma visita de dois dias a Cidade de Juárez e ao Distrito Federal de México, a convite do Governo do Presidente Vicente Fox, e em atenção a prévias expressões de preocupação por diversos representantes da sociedade civil.  A visita teve o propósito de avaliar a situação dos direitos da mulher na cidade de Juárez.  Durante esta visita, a Relatora Especial contou com o apoio da advogada Elizabeth Abi-Mershed, Especialista Principal da CIDH.

A advogada Altolaguirre, membro da Comissão, foi nomeada Relatora Especial em 2000, e atualmente integra a mesa diretiva deste órgão como Vice-presidenta.  De acordo com o mandato da Relatoria, suas funções são as de proteger e promover um maior respeito aos direitos da mulher no Hemisfério. Para tal, a Relatoria analisa em que medida as leis e práticas dos Estados membros da OEA cumprem com as obrigações de igualdade perante a lei e não discriminação consagradas nos instrumentos aplicáveis.  Estes instrumentos incluem, em especial, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Convenção Americana”), da qual o México é parte desde 1981, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”), que este Estado ratificou em 1995.

A CIDH é o órgão principal da Organização dos Estados Americanos (OEA), composto de sete membros elegidos a título pessoal pela Assembléia Geral desta organização.  A Comissão tem o mandato de promover a observância dos direitos humanos no Hemisfério conforme os parâmetros estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.  Como parte dos compromissos assumidos, os Estados partes da OEA e da Convenção devem outorgar a CIDH todas as facilidades necessárias para que esta possa levar a cabo sua missão de observação com plena liberdade e cumprir assim o seu mandato.  A visita da Relatora Especial se realizará dentro da competência estabelecida pela Convenção Americana e o Regulamento da CIDH.

          No transcurso destes dois dias, a Relatora Especial cumpriu uma intensa agenda que incluiu reuniões com autoridades federais, tais como a Senadora Susana Stephenson Pérez, Presidenta da Comissão de Equidade e Gênero do Senado da República, Deputada Federal Conceição González Molina, Presidenta da Comissão de Equidade e Gênero da Câmara de Deputados, as Deputadas Silvia López Escoffié e Olga Haydee Juárez, e as Senadoras Leticia Burgos e María del Carmen Ramírez García, também integrantes destas Comissões; o Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado; o advogado David Rodríguez Torres, Deputado Federal integrante da Comissão Especial para Esclarecer os Homicídios de Mulheres na Cidade de Juárez; Advogada Mariclaire Acosta Urquidi, Subsecretária para Direitos Humanos e Democracia e a advogada Patricia Olamendi, Subsecretária para Temas Globais, ambas da Secretaria de Relações Exteriores; advogada Patricia Espinosa Torres, Presidenta do Instituto Nacional das Mulheres, e Martha Laura Carranza, Secretária Técnica de Mulheres; advogado Carlos Vega Memije, Subprocurador de Procedimentos Penais “B” da Procuradoria Geral da República, Dra. María da Luz Lima Malvido, Subprocuradora de Coordenação Geral e Desenvolvimento da PGR, advogado Eduardo Ibarrola Nicolin, Subprocurador Jurídico e de Assuntos Internos da PGR, Dr. Miguel Oscar Aguilar Ruiz, Diretor Geral de Serviços Periciais da PGR, e Dr. Mario I. Alvarez Ledesma, Diretor Geral de Proteção aos Direitos Humanos da PGR .

A Relatora Especial também se reuniu com autoridades do Estado de Chihuahua e da Municipalidade da Cidade de Juárez, entre outros: advogado Jesús José Solís Silva, Procurador Geral de Justiça do Estado, advogado Lorenzo Aquino Miranda, Delegado da PGR em Chihuahua, advogada Suly Ponce, Coordenadora Regional da Zona Norte da PGJE, Advogada Zulema Bolivar, Promotora Especial para a Investigação de Homicídios Contra Mulheres; Advogado Sergio A. Martínez Garza, Secretário Geral do Governo do Estado de Chihuahua; Advogado Oscar Francisco Yáñez Franco, Presidente, Comissão Estatal de Direitos Humanos (CEDH), Advogado José Luis Armendáriz, Secretário Técnico da CEDH, Advogado Jaime Flores Castañeda, Membro Visitante da Cidade de Juárez (CEDH); Advogado José Reyes Ferriz, Presidente Municipal da Cidade de Juárez e vários funcionários da Direção de Seguraça Pública Municipal.

Outrossim, a Relatora recebeu informação e depoimentos de familiares de vítimas, e entrevistou representantes de organizações não governamentais de direitos humanos e outros representantes da sociedade civil a nível local e nacional, entre outros: Casa Amiga Centro de Crise, A.C., Rede de Não Violência e Dignidade Humana, Campanha “Alto à Impunidade: Nem Uma Morte Mais”, Grupo Feminista Oito de Março de Chihuahua, FEMAP, CIESAS, Círculo de Estudos de Gênero, Associação de Amigos e Pessoas Desaparecidas A.C., MILETNIA, Pastoral Operária, Pastoral Juvenil Operária, CETLAC, Comissão de Solidariedade e Defesa dos Direitos Humanos (COSYDDHAC), Escritório Operário, Centro Mulheres, Centro de Investigação e Solidariedade Operária, Associação de Trabalhadores Sociais, A.C., Consórcio para o Diálogo Parlamentário e a Equidade, Centro Norte Americano para a Solidariedade Sindical Internacional AFL-CIO, Milênio Feminista Convergência Socialista, ELIGE Rede de Jovens para os Direitos Sexuais e Reprodutivos, A.C., Mulheres Trabalhadoras Unidas, A.C., Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C., Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro Juárez, e Sindicato de Telefonistas da República Mexicana – Comissão de Equidade e Gênero.

A Relatora Especial agradece ao Governador de Chihuahua e ao Presidente Municipal da Cidade de Juárez e sua equipe pela acolhida que teve durante a visita.  Também agradece a disposição do Governo do Presidente Fox para permitir-lhe realizar seu trabalho e a sua vontade de colaborar na busca de soluções aos problemas formulados, e especialmente a Secretaria de Relações Exteriores, e a Subsecretária Patricia Olamendi por seu acompanhamento às entrevistas. Essa colaboração refletiu na aproximação do Presidente Vicente Fox e das autoridades pertinentes para atender às recomendações da Comissão Interamericana.  Como exemplo, pode-se mencionar o caso recente da liberação do General Gallardo, em resposta a uma recomendação emitida pela Comissão Interamericana.  A Relatora deseja estender seu agradecimento aos representantes da sociedade civil, e em especial, aquelas pessoas diretamente afetadas por esta situação, pela colaboração e a informação importantes que proporcionaram durante esta visita.

 

A Relatora Especial informará ao plenário da CIDH sobre a visita durante seu próximo período de sessões, que se iniciará no fim do mês em curso.  O conteúdo da informação recebida durante esta visita será analisado detalhadamente pela Relatoria, com o propósito de elaborar um relatório com suas conclusões sobre a situação da violência contra a mulher na Cidade de Juárez, para a posterior consideração e aprovação do plenário da CIDH.  Este relatório, que será enviado para exame do Estado mexicano e será publicado num futuro próximo, oferecerá uma série de recomendações destinadas a ajudar ao Estado a perfeccionar seu cumprimento das obrigações internacionais na matéria.  A Comissão Interamericana avaliará as medidas adotadas para cumprir com estas recomendações através de um processo de seguimento.

Tendo em consideração a colaboração do Governo mexicano e com a finalidade de contribuir na busca de uma maior proteção dos direitos da mulher na cidade de Juárez, a Relatora Especial deseja fazer algumas manifestações preliminares sobre a preocupante situação de violência contra a mulher naquela cidade. Desde novembro de 2001, a Relatoria vem recebendo uma série de comunicações firmadas por mais de trezentas organizações relatando que a partir de 1993 até hoje, mais de duzentas mulheres foram assassinadas com brutal violência nessa cidade fronteiriça, denunciando a ineficácia da administração da justiça, e solicitando que a Relatoria realizasse uma visita a México com o fim de constatar a situação de violência que vivem as mulheres dessa cidade.  Em resposta à preocupação manifestada pela Relatora Especial em face desta informação, o Governo do México estendeu o convite para realizar a visita in loco que está sendo concluída nesta data.

          Durante a visita, a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua apresentou informação sobre 268 homicídios de mulheres na Cidade de Juárez desde janeiro de 1993 até janeiro de 2002.  Em muitos casos, trata-se de jovens mulheres, trabalhadoras das indústrias ou estudantes, algumas menores de idade, que foram violentadas, estranguladas ou esfaqueadas e cujos cadáveres apareceram abandonados nas imediações da cidade.  A PGJE informou que, em relação com estes casos, que classifica como homicídios múltiplos, a vasta maioria continua sob investigação sem resultado.  A PGJE também informou que dos 4.154 desaparecimentos denunciados durante o mesmo período, a maioria havia sido resolvida através da localização da pessoa, enquanto que ao menos 257 casos continuavam pendentes.  Embora outras fontes questionem estas cifras e os critérios que a PGJE aplica para classificar os crimes, o que fica absolutamente claro é a gravidade da situação e o alto grau de impunidade.

Como explicado numa carta apresentada à Relatora Especial durante a visita, “Desde 1993 as mulheres que vivem na Cidade de Juárez tem medo de sair às ruas e recorrer à distância do caminho de sua casa a seu trabalho. Mulheres de 10, 13, 15 ou 20 anos, não importa se é menor ou mulher, todas tem medo...”.  Esta situação vivida na cidade de Juárez afetou a consciência da população; de fato, a carta em referência foi apresentada com cinco mil assinaturas.  Ademais, a Secretaria Executiva, através da Dra. Abi-Mershed, recebeu duas petições relacionadas com vítimas específicas, e outras organizações assinalaram que irão apresentar petições a CIDH num futuro próximo.

          A situação também implicou em várias iniciativas impulsionadas pelo setor público e orientadas ao esclarecimento dos assassinatos de mulheres na cidade de Juárez.  A Relatora Especial valoriza a informação que recebeu sobre as atividades das Comissões de Equidade e Gênero do Ilustre Congresso da República, e a Comissão Especial da Ilustre Câmara de Deputados estabelecida em novembro de 2001 para esclarecer os homicídios de mulheres na cidade de Juárez.  Esta Comissão Especial realizou reuniões com os familiares das vítimas, as organizações não governamentais que trabalham com o tema, as autoridades públicas, e representantes das indústrias, com o fim de dar seguimento às investigações, impulsionar uma verdadeira colaboração entre os três níveis de governo e da sociedade civil e oferecer recomendações concretas relacionadas com a prevenção de tais crimes.  Outrossim, a Relatora recebeu informação do impulso dado pelo Instituto Nacional das Mulheres na composição da Mesa Interinstitucional de Diálogo integrada por representantes de diferentes instâncias do Estado de Chihuahua e representantes da sociedade civil.  Esta Mesa terá como objetivo a análise e o acompanhamento dos casos dos assassinatos, inclusive a revisão dos expedientes, para emitir observações e recomendações para o melhor desenvolvimento das investigações. A Relatora Especial valoriza iniciativas destinadas a deter estes crimes e unir esforços para conseguir esclarecer o destino das vítimas no passado.

Enquanto as iniciativas descritas oferecem esperanças, parece que outras iniciativas impulsionadas com o fim de buscar soluções ao problema não receberam a atenção necessária.  Em especial, e de acordo com a informação disponível, o importante trabalho realizado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos no ano de 1998 destinado a avaliar as investigações dos assassinatos das mulheres e a posterior emissão da recomendação 44/98 não teve resultados concretos.  Ainda que o estabelecimento da Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres na Cidade de Juárez aportou novos elementos importantes para a investigação, tampouco produziu os resultados desejados pela comunidade afetada.

A Convenção de Belém do Pará dispõe que “Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado” (Artigo 3).  Violência contra a mulher inclui a violência física, sexual e psicológica que tenha lugar em casa, e na comunidade e que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado (Artigo 2).  A citada Convenção consagra à mulher o direito ao exercício e proteção de todos os direitos fundamentais e gera diversas obrigações para o Estado, principalmente aquela referente a atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher (Artigo 7).

Não obstante a gravidade da situação e as medidas que estão sendo implementadas, a resposta estatal frente a estes crimes continua sendo notoriamente deficiente.  Como expressaram várias autoridades estatais, a magnitude do problema não se equipara às medidas adotadas.  Tanto as autoridades pertinentes como os representantes da sociedade civil expressaram reiteradamente que a administração da justiça no Estado tem sido ineficaz para esclarecer estes crimes, o que propicia em consequência a impunidade e a insegurança.  A impunidade existente desde 1993 sobre as graves violações aos direitos humanos das mulheres da cidade de Juárez contribui significativamente a perpetuação da violência contra a mulher.

A Relatora Especial observa uma falta de confiança generalizada na administração da justiça no Estado de Chihuahua.  Por um lado, os familiares e seus representantes manifestaram consistentemente que não contam com a informação básica e a assistência que requerem em busca da justiça.  É evidente que esta falta de informação tem um papel importante na falta de confiança no sistema judicial.  Em várias entrevistas, familiares das vítimas e membros da sociedade civil manifestaram dúvidas sobre as bases de sustentação das investigações dos supostos responsáveis pelos crimes. Ademais, em alguns casos específicos, os familiares manifestaram que tem muita incerteza sobre a identidade verdadeira do cadáver identificado pelas autoridades como o de seu ente querido.

          Foi mencionado reiteradamente que as autoridades não tem consideração pelos familiares que indagam sobre o estado das investigações.  A Relatora Especial recebeu vários relatórios no sentido de que alguns familiares sentem-se desprotegidos, e que estes manifestaram que alguns funcionários estatais estariam menosprezando as vítimas e a eles próprios.  De acordo com estes relatórios, há uma tendência a relacionar o delito com a forma de vestir-se ou comportar-se da vítima, na realidade culpando-a em vez de dirigir a atenção à vítima.  Este tipo de tratamento ou resposta reflete uma discriminação inaceitável para a CIDH.

Adicionalmente, a Relatora Especial foi informada que defensores dos direitos humanos, ou seja, membros de Ong’s que trabalham com os familiares das vítimas e jornalistas, receberam ameaças em relação a este trabalho.  A Relatora recorda que tais defensores têm um papel importante na proteção dos direitos humanos, e destaca a importância de que pessoas em situação de risco possam ter acesso a medidas de proteção.  

          Também é importante mencionar o dever do Estado de tomar medidas razoáveis para prevenir violações dos direitos humanos, tanto aqueles consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos como na Convenção de Belém do Pará.  Durante as reuniões, os membros da sociedade civil e as autoridades públicas coincidiram em assinalar certas circunstâncias ou características especiais da cidade de Juárez, tais como o desenvolvimento desmesurado devido às indústrias e as oportunidades de emprego, a presença de outros migrantes esperando cruzar a fronteira, a permeabilidade desta fronteira, o crescimento da venda de entorpecentes e a penetração do crime organizado.  Levando em conta as circunstâncias dos assassinatos sob investigação, foi mencionada reiteradamente a necessidade de melhorar as medidas de segurança e de políticas públicas para garantir a vida e integridade pessoal das mulheres juarenses, em relação, por exemplo, a iluminação e transporte públicos e elementos de segurança pública.

          O Presidente Municipal informou a Relatora Especial que nos últimos meses estavam ocorrendo uma série de reuniões com representantes da sociedade civil, nas quais foram empreendidas algumas ações, entre elas: solicitar a TELEMEX a instalação de uma linha especial para receber denúncias de emergência de mulheres em perigo por violência intra-familiar, assédio na rua, etc.; implementar um programa de controle mais restrito para a contratação de motoristas no serviço de transporte público; instalar mais iluminação; por em marcha um novo programa de denúncia anônima “Juntos contra a Delinquência”; e trabalhar com algumas indústrias com o fim de adotar medidas para que uma mulher não fique sozinha nos caminhões que as transportam.  A Relatora espera receber informação sobre os resultados destas e outras iniciativas num futuro breve.

Por fim, a Relatora Especial deseja reconhecer os esforços do Governo mexicano e da sociedade civil por buscar soluções para o problema da violência contra a mulher na cidade de Juárez, soluções estas que apóia plenamente, em especial a união de esforços entre todos os níveis de Governo e da sociedade civil.  Conforme disposto na Convenção de Belém do Pará, a violência contra a mulher não é um problema privado, mas fundamentalmente social e afeta todos os membros da sociedade civil.

Contudo, dada a gravidade da situação, a Relatora Especial não pode deixar de expressar sua decepção com a lentidão dos avanços registrados dentro de uma situação que vem ocorrendo desde 1993.  Por um lado, é fundamental esclarecer estes crimes e punir os culpados de acordo com o direito.  Por outro lado, é igualmente importante adotar políticas eficazes com o orçamento adequado para prevenir e erradicar a violência contra a mulher.  A Relatora Especial reitera sua disposição de continuar contribuindo com as autoridades e com a sociedade civil dentro do marco dos instrumentos aplicáveis a fim de colaborar com o fortalecimento dos mecanismos internos e internacionais para a proteção dos direitos da mulher e em especial o direito a uma vida livre de violência.  Finalmente, a Relatora Especial deseja agradecer o interesse dos jornalistas e os meios de comunicação pela cobertura desta visita.

México, 13 de fevereiro de 2002.

 

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