RELATÓRIO
ATUALIZADO SOBRE O TRABALHO DA
RELATORIA SOBRE OS DIREITOS DA MULHER
I.
INTRODUÇÃO
1.
A fim de renovar o compromisso de garantir o pleno respeito dos direitos
da mulher por cada um dos Estados membros, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) estabeleceu em 1994 sua Relatoria sobre os
Direitos da Mulher. Ainda que as constituições de todos os Estados
membros garantam uma igualdade formal de gênero, a Comissão, através de
seu trabalho, tem a convicção cada vez mais firme de que os sistemas
jurídicos e as práticas nacionais revelam uma persistente
discriminação baseada no gênero. Isto levou à criação da
Relatoria, com o mandato inicial de estabelecer em que medida, a
legislação e as práticas dos Estados membros referentes aos direitos da
mulher, se observam amplas obrigações de igualdade e não
discriminação previstas na Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
2.
Estas obrigações de igualdade e não discriminação continuam sendo o
ponto de orientação central para a seleção dos assuntos de que se
ocupa a Relatoria. Ademais, a Comissão e sua Relatoria prestam
especial atenção ao problema da violência contra a mulher, que é em si
mesma uma manifestação de discriminação baseada no gênero, tal como o
reconhece a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, "Convenção de Belém do Pará”.
3.
A este respeito, a Convenção de Belém do Pará estabelece um firme
compromisso regional de luta contra esta forma de violência. De
fato, a Convenção constitui o tratado regional de direitos humanos
ratificado por maior número de Estados. Após o depósito de seu
instrumento de ratificação por parte do Suriname em 8 de março de 2002,
o Dia Internacional da Mulher, esta convenção entrou em vigor para os
trinta e um Estados membros da OEA. O desafio atual para o
Hemisfério consiste em alcançar a plena aplicação dos compromissos
assumidos.
4. A atual Relatora Especial,
Marta Altolaguirre, membro da Comissão, advogada e ilustre guatemalense,
foi designada como Relatora pela Comissão em 2000. A Relatora conta com o
apoio da advogada Elizabeth Abi-Mershed, Especialista Principal da
Secretaria da Comissão.
5. A prioridade dada pela
Comissão e sua Relatoria à proteção dos direitos da mulher reflete
também a importância que dão a este tema os próprios Estados membros.
O Plano de Ação adotado pelos Chefes de Estado e de Governo durante a
Terceira Cúpula das Américas reconhece a importância da potencializar a
plena participação da mulher, em condições de igualdade, no
desenvolvimento, na vida política de seus países e na tomada de
decisões em todos os níveis. Para tal, o Plano de Ação respalda
o Programa Interamericano sobre a Promoção dos Direitos Humanos da
Mulher e a Equidade e Igualdade de Gênero, e outras iniciativas regionais
destinadas à implementação dos compromissos estipulados na Declaração
de Beijing e em sua Plataforma de Ação.
6.
Embora o reforço da proteção dos direitos da mulher constitui uma
prioridade mutuamente acordada no Hemisfério, a possibilidade de que a
Relatoria cumpra suas funções a este respeito está sujeita a graves
restrições porque o financiamento de suas atividades provém atualmente
do orçamento regular da Comissão, que não foi incrementado na medida em
que requer este importante trabalho. A Relatoria procura obter
financiamento externo que lhe permita dedicar maior atenção ao acesso da
mulher à justiça, e a seu papel e condição na administração de
justiça como operadora, usuária e responsável da elaboração de
políticas. Para avançar em direção a este objetivo prioritário
é crucial obter financiamento adicional.
II.
PRINCIPAIS ATIVIDADES DA RELATORIA
7. No presente relatório se
proporcionam dados atualizados sobre as atividades da Relatoria desde a
data da designação da atual Relatora Especial, em 2000.
A.
Visitas in loco
8.
Desde que foi estabelecida a Relatoria sobre os Direitos da Mulher, em
1994, a Comissão estabeleceu a prática de ocupar-se especificamente da
situação dos direitos da mulher no curso de suas visitas in loco.
Para isso, a Relatoria dedica um capítulo específico aos direitos da
mulher em cada um dos relatórios dos países. A Relatora Especial
participou dessas visitas em seu caráter de membro da Comissão, e
cumpriu um papel importante ao trabalhar para que esse tema receba a
atenção que corresponde. Em dezembro de 2001, o plenário da
Comissão realizou uma visita in loco à Colômbia, e incluiu em
seu tema várias reuniões vinculadas com a situação dos direitos da
mulher.
Visita
in loco da Relatoria à Cidade de Juárez, México
9. Nos dias 11 e 12 de
fevereiro de 2002 a Relatoria realizou sua primeira visita in loco
com a finalidade de examinar a situação dos direitos da mulher na Cidade
Juárez, México. A visita foi efetuada depois do recebimento de
informação e expressões de preocupação de centenas de organizações
não governamentais e outros representantes da sociedade civil, e em
virtude do convite formulado pelo Governo do Presidente Vicente Fox.
10.
A visita teve relação, em especial, com a grave situação de violência
contra a mulher reinante nessa zona. No curso da visita,
representantes do Estado proporcionaram informação referente ao
assassinato de 268 mulheres e meninas na Cidade de Juárez de 1993 até
hoje. Num número considerável de casos as vítimas foram mulheres
jovens ou meninas, trabalhadoras das indústrias ou estudantes, que foram
submetidas a abusos sexuais e brutalmente assassinadas. Dos 4.154
desaparecimentos denunciados no mesmo período, ao menos 257 continuam sem
solução.
11.
Durante sua visita, a Relatora Especial reuniu-se com diversos
representantes do Estado de Chihuahua e do Governo Federal do México, bem
como com numerosos representantes de organizações não governamentais e
outros representantes da sociedade civil. Também recebeu
depoimentos de familiares de vítimas dessa violência. Ao final da
visita emitiu um comunicado de imprensa informando a respeito de suas
atividades e formulando reflexões iniciais sobre a gravidade da
situação e sobre o alto e persistente nível de impunidade nesses
delitos. O texto do comunicado de imprensa está anexado ao presente
relatório como Anexo 1.
12. No 114º período ordinário de
sessões da Comissão a Relatora Especial informou ao plenário sobre a
visita e suas conclusões iniciais. Além disso, a Comissão
convocou uma audiência, com a participação do Estado mexicano e de
representantes de organizações não governamentais locais e nacionais,
para receber informação atualizada sobre essa situação.
13. Tomando como base a informação
recolhida na preparação da visita, e durante e depois da mesma, a
Relatora Especial preparará um relatório que conterá suas conclusões e
recomendações. Segundo o previsto, o relatório será apresentado
à Comissão nos próximos meses a fim de que possa ser considerado e
eventualmente aprovado, conforme os procedimentos aplicáveis a esse tipo
de documento. O relatório, uma vez aprovado e transmitido ao Estado,
será publicado, e as medidas adotadas para aplicar as recomendações
formuladas serão objeto de seguimento conforme os procedimentos da
Comissão.
B.
Estudos e relatórios especiais
14. O relatório inicial da Relatoria,
preparado pelo Reitor Claudio Grossman (Relator Especial entre 1994 e
2000), sobre a Condição da Mulher nas Américas,
foi aprovado e publicado pela Comissão em 1997/98.[1]
Nele foi apresentado um panorama inicial da legislação e das práticas
dos Estados membros, das amplas garantias de igualdade e não
discriminação que são a coluna vertebral do sistema regional de
direitos humanos.
15.
As recomendações dirigidas aos Estados membros nesse relatório
concentram-se na eliminação da discriminação de facto e de
jure contra a mulher. Isto compreende a adoção de medidas
adicionais tendentes a garantir o equilíbrio dos direitos e deveres dos
cônjuges na esfera do direito de família; ampliar a participação da
mulher na adoção de decisões na esfera pública;[2]
eliminar as restrições aos direitos da mulher que persistem em alguns
códigos civis, em especial quanto à representação da família e
administração da propriedade conjugal; garantir a adoção e/ou
aplicação de leis, políticas e programas encaminhados a fazer efetiva a
investigação dos casos de violência contra a mulher e o processamento e
castigo dos culpados, bem como o acesso das vítimas aos serviços que
necessitem; a correção de disparidades nas leis e práticas trabalhistas;
e garantias para que as mulheres vítimas de delitos tenham acesso a
recursos judiciais efetivos.
16.
Os temas a que se refere esse relatório continuam sendo de suma
importância. A Relatoria vem recolhendo informação para a
preparação de um relatório sobre as medidas adotadas pelos Estados
membros para aplicar as recomendações formuladas no Relatório da
CIDH sobre a Condição da Mulher nas Américas.
17.
Além disso, com a assistência do Especialista Principal da CIDH, Ariel
Dulitzky, a Relatoria elaborou uma proposta tendente a dedicar especial
atenção ao acesso da mulher à justiça e a seu papel e condição na
administração de justiça como operadora, usuária e responsável da
elaboração de políticas. Nessa análise se prestará especial
atenção no vínculo entre discriminação e violência baseada no
gênero e na resposta dos sistemas judiciais frente a tais problemas.
A Relatoria está tratando de obter financiamento externo que lhe permita
levar adiante sua análise deste tema decisivo.
C.
Atividades de promoção e cooperação
18. Na seguinte seção estão descritas as
atividades selecionadas de promoção da Relatoria desde 2000. Essas
atividades oferecem importantes oportunidades para que a Relatora Especial
proporcione informação com respeito a seu mandato e os diversos
mecanismos que o sistema regional de direitos humanos oferece para
proteger os direitos da mulher. Ademais, é um dos mecanismos
através dos quais a Relatoria mantém contatos e se comunica com
representantes da sociedade civil, os quais cumprem um papel crucial como
fontes e canais de difusão de informação pertinente. Além das
atividades que a seguir estão mencionadas, a Relatora Especial e o
pessoal da Secretaria assistiram a conferências e participaram em
deliberações e reuniões menos formais destinadas a promover um maior
conhecimento dos mecanismos através dos quais o sistema interamericano de
direitos humanos pode contribuir para melhorar a proteção dos direitos
da mulher.
19. A Relatoria participou da conferência
intitulada: “The Gender Dimension of Human Rights: A Development
Perspective”, organizada pelo Escritório do Vice-presidente para
Assuntos Jurídicos e o Grupo Temático de Direito e Gênero do Banco
Mundial, que teve lugar em 1º de junho de 2000, em Washington, DC.
Na conferência se incluíram enfoques multidisciplinares ao desafio que
supõe incorporar uma perspectiva de gênero em matéria de direito,
direitos humanos e desenvolvimento. Na sessão sobre "Marco
jurídico e institucional de proteção e promoção dos direitos humanos
da mulher", o Reitor Claudio Grossman (Relator anterior) e uma
advogada da Secretaria dissertaram sobre o desenvolvimento e os mecanismos
que oferece o sistema regional de direitos humanos, e a recente evolução
da jurisprudência do sistema neste campo.
20.
Em outubro/novembro de 2000, a Relatora Especial Marta Altolaguirre
participou como observadora do curso organizado pelo Instituto
Interamericano de Direitos Humanos em San José, Costa Rica, a fim de
capacitar advogados no uso do sistema interamericano de direitos humanos
para promover e proteger os direitos da mulher. Isto lhe ofereceu a
oportunidade para dialogar com os participantes sobre o trabalho da
Comissão e sua Relatoria e, em especial, para determinar a maneira de
como o sistema de petições individuais promove uma proteção mais
efetiva nessa esfera. Também pôde recolher informação sobre as
experiências dos participantes que trabalham em seus respectivos países,
e suas prioridades de ação.
21.
A convite da Comissão Interamericana de Mulheres da OEA (CIM), em 15 de
novembro de 2000 a Relatora Especial fez uso da palavra na Trigésima
Assembléia de Delegadas da CIM sobre o tema da mulher e os direitos
humanos. A Relatora referiu-se, em especial, ao papel da Relatoria,
a importância da tentativa em anular a brecha existente entre homens e
mulheres quanto ao acesso a oportunidades, e a necessidade de incluir uma
perspectiva de gênero em todos os âmbitos da política pública.
22.
Nos dias 28 e 29 de junho de 2001, a Comissão, através das Relatorias
sobre Direitos dos Povos Indígenas e Direitos da Mulher, respectivamente,
co-patrocinou o seminário sobre os direitos da mulher indígena com a
Defensoria dos Direitos da Mulher Indígena de Guatemala, criada em 1999
em virtude do compromisso inserido nos acordos de paz subscritos para por
fim ao conflito armado. Este seminário foi patrocinado pelo Projeto
PRODECA. A Relatora Especial e Isabel Madariaga, advogada da
Relatoria da CIDH sobre Direitos dos Povos Indígenas, analisaram os
direitos das mulheres indígenas dentro do sistema interamericano de
direitos humanos, com especial referência à Convenção de Belém do
Pará, a Convenção Americana, e os diferentes mecanismos oferecidos para
enfrentar os problemas de discriminação. Alguns especialistas
referiram-se as experiências das mulheres na Guatemala e outros países
da América Central, e a Defensoria dos Direitos da Mulher Indígena
referiu-se a história da discriminação sistemática contra as
indígenas e o mandato da Defensoria de defender seus direitos. Os
participantes formularam uma série de conclusões e recomendações,
entre outras coisas em relação com a necessidade de melhorar a
capacitação das mulheres indígenas para que conheçam a fundo seus
direitos e para que as autoridades públicas conheçam suas obrigações,
de modo a integrar os direitos da mulher indígena nos planos de reforma
educativa e incluir o tema das estratégias e participação
multidisciplinares na luta para superar a discriminação sistemática.
23.
Em 1º de novembro de 2001, a CIDH e sua Relatoria sobre os Direitos da
Mulher estiveram representadas no painel de discussão sobre "iniciativas
contra o tráfico de seres humanos", que formou parte da Conferência
da International Bar Association que teve lugar em Cancún, México.
A advogada da Secretaria que participou no painel referiu-se às normas do
sistema interamericano de direitos humanos relacionadas com o tráfico de
mulheres e crianças com fins de exploração sexual e para trabalho, em
especial as normas da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, e o trabalho conexo da Comissão
sobre casos específicos e situações de alguns países.
24.
Em 5 de fevereiro de 2002, a Comissão e sua Relatoria estiveram
representadas na reunião de especialistas convocada pela CIM para
analisar a formulação de recomendações para a Quarta Reunião de
Ministros de Justiça (REMJA IV), como parte do processo tendente a
aplicar o Programa Interamericano sobre Promoção dos Direitos Humanos da
Mulher, e a Equidade e Igualdade de Gênero. As recomendações que,
posteriormente foram remetidas a essa Reunião pela CIM, tiveram por
objeto ajudar aos Ministros a incluir uma perspectiva de gênero na
formulação de políticas na esfera da administração de justiça, em
especial, o acesso da mulher à justiça e com sua situação dentro do
sistema judicial.
25. De 28 de fevereiro a 1º de março de
2002, a Relatoria participou da primeira reunião conjunta das relatoras
especiais sobre os direitos da mulher, com Radhika Coomaraswamy, Relatora
Especial das Nações Unidas sobre a violência contra a mulher, suas
causas e consequências, e Ángela Melo, Relatora Especial sobre os
direitos da mulher da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos.
Esta reunião histórica foi organizada por Rights and Democracy, e
teve lugar nos escritórios dessa entidade, em Montreal, Canadá. As
três Relatoras analisaram prioridades compartidas, bem como caminhos de
colaboração no cumprimento de seus respectivos mandatos.
26.
Durante a reunião, as Relatoras adotaram uma declaração conjunta em que
denunciaram a persistente discriminação e violência contra a mulher.
Esta declaração, publicada em 8 de março de 2002, Dia Internacional da
Mulher, e cujo texto está inserido no Anexo 2 do presente relatório,
destaca que os direitos da mulher são direitos humanos e que a
generalizada impunidade que gozam as pessoas privadas e os agentes
estatais que cometem atos de violência, promove a reiteração destes
últimos. As Relatoras exortaram aos Estados, em especial, a cumprir
com sua obrigação de atuar com devida diligência na investigação
desses atos de violência e o processamento e punição dos responsáveis.
Esta obrigação se aplica aos atos de violência, sejam cometidos na
esfera pública ou na privada e independentemente de que seus
perpetradores sejam agentes públicos ou pessoas privadas. No
fechamento da reunião, as Relatoras expressaram sua satisfação pelos
resultados desta primeira oportunidade de intercambiar critérios e
estratégias, bem como seu interesse em reunirem-se em outras
oportunidades.
D.
O sistema de petições individuais e a recente jurisprudência da CIDH em
relação aos direitos da mulher
27.
A Comissão e sua Relatoria sobre os Direitos da Mulher cumprem funções
complementares. Uma das funções da Relatoria consiste em servir
como recurso para que a Comissão se ocupe de determinados temas e para
proporcionar informação sobre a evolução jurisprudencial, dados e
outros materiais. A outra função, que está relacionada com as
funções anteriores, consiste em servir de mecanismo para conscientizar a
sociedade civil sobre os instrumentos que oferece o sistema para fazer
efetiva a proteção desses direitos, incluindo o sistema de petições
individuais. A este respeito, as atividades de promoção da
Relatoria influem diretamente sobre suas atividades de proteção e a
Comissão em conjunto.
28. A Comissão está tramitando um número
considerável de petições individuais referentes a supostas violações
de direitos humanos com causas e consequências específicas de gênero.
O trabalho da Comissão nesta esfera compreende a convocação de
audiências referentes a essas petições pendentes, bem como a temas mais
amplos que afetam aos direitos da mulher no Hemisfério. Com
relação aos temas mais amplos, cabe assinalar que em seu 113º período
ordinário de sessões da Comissão convocou uma audiência sobre a
situação dos direitos da mulher nas Américas, e que durante seu 114º
período ordinário de sessões convocou uma audiência sobre a situação
de violência contra a mulher na Região e outra sobre a situação da
mulher perante a lei. Essas audiências representam uma valiosa
oportunidade para o intercâmbio de informação com representantes da
sociedade civil.
29.
Os relatórios descritos a seguir representam marcos de jurisprudência da
Comissão com respeito aos direitos da mulher a partir do ano 2000, sendo
que as referências aqui feitas tem caráter ilustrativo, e não exaustivo.
1. Relatórios sobre
solução amistosa
30. Em virtude de sua análise sobre o
acordo que finalizaram as partes no caso de María Merciadri de Morini,
a Comissão aprovou seu relatório de solução amistosa em 11 de outubro
de 2001.[3]
A peticionária alegou que na lista de seis candidatos no bilhete do
partido União Cívica Radical como candidatos a deputados nacionais pela
Província de Córdoba, uma mulher figurava em quarto e outra em sexto
lugar. A peticionária argumentou que se tratava de uma violação da Lei
24.012 e do decreto regulamentar Nº 379/93, cujo teor dispunha que as
duas mulheres deveriam figurar nas cinco primeiras posições da lista,
além de uma violação das garantias da Convenção Americana. A
peticionária interpôs os recursos judiciais internos disponíveis, mas o
tribunal não somente os indeferiu, como declarou ilegitimidade processual
da recorrente. A Corte Suprema indeferiu a apelação por considerá-la
infundada, e decretou que "os votos que obteve a União Cívica
Radical na eleição de 3 de outubro de 1993 lhe permitiram alcançar
quatro bancas na Câmara de Deputados, sendo que os autos se referiam ao
candidato que ocupava o quinto lugar na lista". A Comissão
declarou o caso admissível em 21 de setembro de 1999, e colocou-se à
disposição das partes para chegar a uma solução amistosa baseada na
observância dos direitos reconhecidos pela Convenção.
31. Em 8 de março de 2001 as partes
chegaram a um acordo de solução amistosa, que foi subscrito em Buenos
Aires. O acordo estabelece que a sanção do Decreto Presidencial Nº
1.246, que contém as disposições referentes a aplicação da Lei Nº
24.012, revoga o decreto regulamentar anterior a fim de garantir o pleno
cumprimento dessa lei e resolve o conflito. Em seu relatório, a
Comissão reconhece e valoriza os esforços realizados por ambas partes
para chegar a uma solução amistosa baseada no objeto e finalidade da
Convenção, e reitera que alcançar a livre e plena participação da
mulher na vida política é uma prioridade para o Hemisfério.[4]
A finalidade da Lei Nº 24.012 consiste em integrar efetivamente a mulher
na vida política, e o Decreto Nº 1.246, promulgado como resultado da
solução a que se chegou tem o objetivo complementar de garantir o real
cumprimento dessa lei.
2. Relatórios sobre o fundo
do assunto
32. Em 4 de abril de 2001 a Comissão
adotou o relatório sobre o fundo do assunto no caso de Ana, Beatriz e
Celia González Pérez.[5]
Em sua análise do caso, a Comissão determinou que estas irmãs,
integrantes da comunidade Tzetzal, foram detidas ilegalmente, violadas e
torturadas por militares em Chiapas. O relatório da Comissão
estabelece a responsabilidade do Estado pelos atos de seus agentes, bem
como sua omissão de trabalhar com a devida diligência para investigar os
delitos, processar e punir os responsáveis, em violação dos artigos 1,
5, 7, 8, 11 e 25 da Convenção Americana, e no caso da vítima menor de
idade, do artigo 19 desta Convenção, bem como do artigo 8 da Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. O relatório da
Comissão indica que as referidas vítimas foram objeto de múltiplos
níveis de discriminação e trato injusto pelo fato de não falarem
espanhol, que é o idioma de seus agressores e aquele utilizado pelas
autoridades. A Comissão entendeu que embora o sistema de justiça
militar tenha iniciado uma investigação, esta não teve resultado algum
e que as medidas necessárias para combater a impunidade neste caso
compreendem a realização de uma investigação eficaz pelos tribunais
penais ordinários do México.
33.
Em seu relatório sobre o caso de Maria da Penha Maia Fernandes, a
Comissão aplicou tanto a Convenção Americana como a Convenção de
Belém do Pará a fim de estabelecer o conteúdo das obrigações do
Estado brasileiro de trabalhar com a devida diligência para investigar os
casos de violência doméstica, processar e castigar os responsáveis.[6]
A relação dos fatos, não controvertida pelo Estado, indica que a
vítima foi objeto de violência doméstica por seu marido, Marco Antonio
Heredia Viveiros, quem em maio de 1983 disparou contra ela com intenção
de matá-la, deixando-a paraplégica, e duas semanas depois tentou
eletrocutá-la. O processo penal seguido contra o senhor Viveiros
tramitou durante oito anos, sendo no final destes declarado culpado pelo
júri. O senhor Viveiros foi condenado a 15 anos de prisão, pena que foi
reduzida para 10 anos porque o condenado não possuía antecedentes penais.
A defesa apelou da sentença, e a Promotoria argüiu que a apelação era
manifestamente inadmissível por ter sido apresentada de forma
extemporânea. O tribunal de alçada demorou três anos para julgar a
apelação, e revogou a sentença de primeira instância. Dois anos
depois foi realizado um segundo julgamento e o réu foi condenado a dez
anos e seis meses de prisão. Foi interposta uma segunda apelação,
que continuava pendente na data da decisão da Comissão.
34.
Em seu relatório, a Comissão entendeu que os 17 anos transcorridos desde
os fatos, o processo penal se manteve pendente sem sentença definitiva, o
que implica na possibilidade destes delitos ficarem impunes em virtude da
sua eventual prescrição. O relatório determina as violações dos
artigos 1, 8 e 25 da Convenção Americana. A Comissão considerou
ademais a modalidade e prática de violência contra a mulher reinante no
Brasil ao determinar que as medidas adotadas para combater este problema
foram insuficientes e totalmente ineficazes no presente caso, em
violação do artigo 24 da Convenção Americana. Por último,
indica que a modalidade de impunidade reinante nos casos de violência
doméstica e em especial neste caso se contrapõe frontalmente os deveres
impostos ao Estado pelo artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.
35. Como consequência da tramitação do
caso de María Eugenia Morales de Sierra,[7]
o Estado da Guatemala sancionou uma série de importantes reformas do
Código Civil referentes aos direitos e deveres da mulher e do homem no
matrimônio. No caso foi questionada a compatibilidade de nove
disposições do Código Civil que designam funções aos esposos dentro
do matrimônio com as disposições sobre a discriminação e igual
proteção da Convenção Americana. Os Decretos 80-98 e 27-99,
adotados como resultado da tramitação deste caso, se referem oito dos
nove artigos impugnados. O artigo 109, que autorizava ao marido a
representar a união conjugal, foi reformado, estabelecendo que essa
representação corresponde por igual a ambos cônjuges. O artigo
110, que atribuía a mulher o dever especial de cuidar do lar e dos filhos,
teve o segundo parágrafo modificado, de modo a dispor que ambos cônjuges
tem a obrigação de cuidar dos filhos menores. O artigo 115 que
dispunha sobre as circunstâncias excepcionais em que se permitia que uma
mulher pudesse representar a união conjugal, foi emendado a fim de
estabelecer que, em caso de desacordo entre os cônjuges com respeito a
essa representação, um juiz de família decidirá a quem corresponde,
baseando-se na conduta de cada um dos esposos. O artigo 131, que
autorizava o marido a administrar a propriedade conjugal, foi reformado
para dispor que ambos cônjuges podem administrá-la, conjunta ou
separadamente. O artigo 255, que atribuía faculdades similares ao marido
na representação dos filhos e seus bens foi modificado para estabelecer
que ambos pais exerçam essas faculdades, conjunta ou separadamente.
Foram derrogados os seguintes artigos: o artigo 113, que permitia que a
mulher trabalhasse fora do lar somente se isto não prejudicasse suas
funções como esposa e mãe; o artigo 114, que autorizava o marido a opor-se
às atividades da esposa fora do lar, na medida em que ele mantinha o lar
e suas razões fossem suficientemente justificadas, e o artigo 133, em que
se especificavam as circunstâncias especiais nas quais a mulher estava
facultada para administrar bens conjugais.
36.
Como resultado da adoção dessas reformas por parte do Estado
guatemalense, a Comissão pôde certificar uma importante medida de
cumprimento de suas recomendações de reparar a violação dos direitos
de María Eugenia Morales de Sierra. A medida tomada pelo Estado
representa um passo sumamente valioso em sua determinação de eliminar a
discriminação de jure do passado e garantir o pleno gozo de seus
direitos por parte das mulheres. Não obstante, como subsiste na lei
um desequilíbrio com respeito ao encabeçamento e a primeira seção do
artigo 110, e com respeito ao artigo 317, a Comissão não pôde
certificar o pleno cumprimento das suas recomendações e recomendou que
se adotassem medidas tendentes a corrigir o desequilíbrio dos direitos e
responsabilidades existentes.
3. Relatórios de
admissibilidade
37.
Em 15 de outubro de 2001, a Comissão decidiu admitir o caso de Zoilamérica
Narváez Murillo.[8]
Os peticionários do caso defendem que negaram a senhora Narváez o
direito a ser ouvida por um tribunal competente, em violação dos artigos
1, 2, 8, 24 e 25 da Convenção Americana e do artigo 7 da Convenção de
Belém do Pará. Sustentam que o Estado violou o direito da vítima
a um juízo justo porque permitiu a impunidade dos delitos de abuso sexual
que ela havia denunciado judicialmente, ao abster-se de suspender a
imunidade parlamentar do suposto perpetrador, o então deputado Daniel
Ortega. Os peticionários assinalam que o Parlamento Nicaraguense impediu
que a vítima tivesse acesso à justiça ao abster-se de tramitar a
solicitação de levantamento da imunidade do denunciado conforme a lei
aplicável. O Estado argumentou que seus atos estavam conformes com
a legislação aplicável e que a petição era inadmissível por falta de
esgotamento dos recursos internos. A Comissão concluiu que cabia a
isenção do requisito do esgotamento dos recursos internos porque se
havia negado à interessada o acesso efetivo a esses recursos; que a
petição era admissível com respeito aos artigos 1, 8, 24 e 25 da
Convenção Americana, e que analisaria as demais alegações na fase de
fundo do procedimento.
38.
A Comissão decidiu admitir o caso de María Mamérita Mestanza Chávez
em 3 de outubro de 2000.[9]
Os peticionários alegam que a vítima, uma mulher de 33 anos de idade,
mãe de sete filhos, faleceu por ter sido forçada a submeter-se à
esterilização cirúrgica, seguida de uma atenção médica negligente.
Os peticionários sustentam que foram violados os artigos 1, 4, 5 e 24 da
Convenção Americana, múltiplas disposições da Convenção de Belém
do Pará, o Protocolo Adicional em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais e a Convenção das Nações Unidas sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.
O Estado peruano arguiu que a petição era inadmissível devido à falta
de esgotamento dos recursos internos aplicáveis conforme o artigo 46 da
Convenção Americana. O Peru sustentou que levou a cabo uma
investigação, a qual concluiu que, embora a atenção médica tinha sido
deficiente, o procedimento cirúrgico havia sido consentido
voluntariamente pela vítima. A Comissão chegou à conclusão de
que o requisito de esgotamento dos recursos internos havia sido cumprido e
que a petição era admissível à luz dos citados artigos da Convenção
Americana e do artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.
E.
Estudos em relatórios de países
39. Ademais dos relatórios anteriormente
mencionados em casos individuais, a partir de 2000 a Comissão emitiu
relatórios de países sobre a situação dos direitos humanos no Peru,
Paraguai e Guatemala, dedicando em cada um deles um capítulo ao tema dos
direitos da mulher. O capítulo pertinente do Relatório sobre a
Situação dos Direitos Humanos no Peru[10]
estabelece em primeiro lugar o regime jurídico internacional e nacional
aplicável. Numa segunda etapa examina brevemente determinadas
medidas progressivas adotadas, e também analisa detalhadamente a
situação da mulher em matéria de discriminação, em áreas como
educação, trabalho, matrimônio e a esfera política, violência
doméstica e sexual baseada no gênero, e questões referentes à saúde
reprodutiva. As recomendações formuladas pela Comissão neste
capítulo compreendem modificações do Código Civil, aplicação de
garantias de igual remuneração por igual trabalho, restabelecimento de
determinados mecanismos de proteção para as mulheres na esfera de
trabalho, ampliação da resposta do Estado à violência com causas e
consequências específicas de gênero e adoção de medidas tendentes a
atender denúncias de esterilização forçada.
40. O Capítulo VIII do Relatório sobre
a Situação dos Direitos Humanos no Paraguai[11]
contém uma marco analítico similar, prestando atenção adicional a
importantes avanços legislativos ao largo de toda a década de noventa.
Neste capítulo, foram examinados os temas básicos mencionados no
relatório anterior, além de outras questões como assédio sexual e os
direitos da mulher submetida à detenção. As recomendações
instam a promoção de reformas legislativas adicionais, aplicação de
programas de prestação de serviços a mulheres vítimas de delitos de
violência, adoção de medidas tendentes a alcançar a igualdade no lugar
de trabalho, aplicação de medidas tendentes a oferecer a mulher um
acesso sem impedimentos a serviços sanitários e de saúde reprodutiva,
adoção de medidas preventivas para melhorar a situação da mulher em
detenção e promoção de medidas positivas destinadas a eliminar
estereótipos discriminatórios através de programas de informação e
educação.
41. O capítulo pertinente do Relatório
sobre a Situação dos Direitos Humanos na Guatemala da Comissão[12]
estabelece o marco jurídico aplicável e analisa temas referentes a
mulher, a lei e ao acesso aos recursos judiciais. Isto compreende
uma análise do nível de representação das mulheres nos órgãos
responsáveis pela elaboração de leis e políticas do Estado.
Também foi examinado o papel do Estado com respeito a assuntos referentes
à mulher, ao trabalho e ao desenvolvimento; e os motivos de preocupação
referentes à saúde reprodutiva da mulher, em especial, o acesso a
serviços básicos. A Comissão também analisou o problema da
violência baseada no gênero, primeiro no contexto do legado do conflito
armado na Guatemala, e em segundo lugar prestando uma especial atenção
à violência intrafamiliar e sexual. A Comissão recomendou a
adoção de medidas legislativas tendentes a modificar disposições que
estabelecem distinções injustificadas baseadas no gênero; medidas
tendentes a promover o acesso da mulher à justiça, especialmente no caso
das vítimas da violência; incorporação de uma perspectiva de gênero
no desenho e a execução da lei e a política pública; designação de
recursos adicionais às entidades públicas que tem o compromisso de
proteger e promover o respeito aos direitos da mulher; fortalecimento do
acesso das meninas à educação primária; desenho de planos educativos
destinados a eliminar a persistência dos estereótipos; fortalecimento da
legislação trabalhista e dos serviços de inspeção; maior acesso a
serviços de saúde e de saúde reprodutiva; adoção de diversas medidas
tendentes a reagir frente à violência contra a mulher através de
melhores procedimentos de informação, e planos de educação e
capacitação, acesso a medidas de proteção e devida diligência na
investigação desses tipos de violência, o julgamento e punição de
seus responsáveis.
III.
CONCLUSÕES
42. A informação que antecede constitui
um resumo atualizado do trabalho realizado e dos problemas que estão
sendo considerados pela Relatoria e a Comissão para efeitos de promover
um maior respeito dos direitos da mulher. A este respeito, a
Relatora Especial insiste em examinar o problema da impunidade e seus
efeitos como promotora da persistência de violações de direitos humanos
que tem causas e consequências específicas de gênero. Como
indicado reiteradamente pela jurisprudência do sistema, se um Estado
membro permite a impunidade das violações e não restabelece o gozo
desses direitos na medida do possível, falta a seu dever de respeitar e
garantir os direitos das pessoas submetidas a sua jurisdição. A
impunidade mina o sistema das garantias e cria um ambiente propício para
a reiteração das violações de direitos.
43.
A comunidade hemisférica expressou sua firme identificação com os
direitos da mulher e com a adoção das medidas necessárias para que esta
participe plenamente da vida e do desenvolvimento nacionais. Os
Estados membros da OEA comprometeram-se também a respeitar e garantir o
direito da mulher a estar isenta de discriminação e violência. A
Região estabeleceu um marco normativo firme e orientado ao futuro; o
desafio que compartimos consiste em alcançar a eficaz aplicação dessas
garantias. A este respeito, a Relatora Especial exorta os Estados
membros a redobrar seus esforços em investigar com a devida diligência
os atos de discriminação e violência, e o julgamento e punição dos
responsáveis. É igualmente decisivo que as vítimas tenham acesso
aos serviços que necessitam para proteger e reivindicar seus direitos; em
especial o acesso a uma justiça efetiva.
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[3]
Relatório Nº 103/00, María Merciadri de Morini, Caso 11.307
(Argentina), Relatório Anual da CIDH, 2001, OEA/Ser.L/V/II.114,
Doc.5 rev., Capítulo III. Com respeito ao relatório anterior
adotado sobre admissibilidade, ver Relatório Nº 102/99, María
Merciadri de Morini, Caso 11.307 (Argentina), Relatório Anual da
CIDH, 1999, OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 3 rev., 13 de abril de 2000,
Capítulo III.
[5]
Ana, Beatriz e Celia González Pérez, Caso 11.565 (México), Relatório
Anual da CIDH, 2000, OEA/Ser.L/V/II.111, Doc. 20 rev., 16 de abril
de 2001, Capítulo III. Com respeito ao relatório anterior
adotado sobre admissibilidade, ver o Relatório Nº 129/99, Ana
González e outros, Caso 11.565 (México), Relatório Anual da CIDH,
1999, OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 3 rev., 13 de abril de 2000,
Capítulo III.
[8]
Relatório Nº 118/01, Caso 12.230, Zoilamérica Narváez Murillo (Nicarágua),
Relatório Anual da CIDH, 1999, OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 3 rev.,
13 de abril de 2000, Capítulo III.
[9]
Relatório Nº 66/00, María Mamérita Mestanza Chávez, Caso 12.191
(Peru), Relatório Anual da CIDH, 2000, OEA/Ser.L/V/II.111, Doc.
20 rev., 16 de abril de 2001, Capítulo III.
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