Contrabando, Condução e Tráfico de Migrantes através da fronteira entre Estados Unidos e México

136.          Sem dúvida um dos casos mais interessantes e significativos para a Relatoria é o do contrabando, condução e tráfico de pessoas através da fronteira mexicana/norte-americana. Os Estados Unidos é principal país receptor de imigrantes nas Américas e do mundo, tanto documentados como sem documentação. Devido a sua condição geográfica, uma larga fronteira com Estados Unidos (quase 2.000 quilômetros), México converteu-se em um dos principais centros de operação de tráfico de pessoas aos Estados Unidos. Além de ajudar a cruzar cidadãos mexicanos para os Estados Unidos, organizações dedicadas a este negócio normalmente contrabandeiam, conduzem ou traficam nacionais de outros países que passam por México no seu périplo, entre eles, centros-americanos, sul-americanos, asiáticos, africanos e pessoas da Europa Central, Oriental e dos Bálcãs.

137.          A seguinte seção descreve e explica sucintamente como opera o contrabando, condução e tráfico de pessoas no México. Para isto, baseia-se numa investigação realizada por David Spener, professor de sociologia de Trinity University em Santo Antonio, Texas, quem estudou o comportamento e características das organizações dedicadas ao tráfico no Sul do Texas.  O estudo baseou-se numa ampla revisão da literatura acadêmica e de fontes jornalísticas, entrevistas com “coyotes”, autoridades e funcionários de imigração, tanto no México como Estados Unidos, bem como pessoas que usaram os serviços de traficantes para cruzar a fronteira.

138.          Spener coincide com outros estudos ao indicar que o negócio do contrabando, condução e tráfico de pessoas no México é muito complexo e que compreende diversos atores, tanto indivíduos como organizações. O objetivo deste negócio, explica, é ajudar a levar pessoas desde México até um local seguro nos Estados Unidos em troca de dinheiro. Tal como enunciado neste relatório, a indústria do contrabando, condução e tráfico de pessoas no México inclui uma enorme variedade de serviços a diversos preços, tanto no México como nos Estados Unidos.  No México estes serviços incluem: (a) contato com pessoas em comunidades do interior de México que desejam cruzar a fronteira; (b) transporte desde os lugares de origem até a fronteira; (c) alojamento em hotéis ou casas em povoados fronteiriços antes do cruzamento da fronteira; (d) a venda ou confecção de documentação falsa; e (e) cruzamento do Río Bravo del Norte. Nos Estados Unidos, os serviços comercializados incluem: (a) compra de passagem aérea de lugares de entrada localizados cerca da fronteira como Harlingen e Laredo; (b) serviço de porteiros que guiam pessoas através do sul do Texas a seus destinos como Santo Antonio, Houston, Dallas, Austin, evadindo a vigilância da Patrulha Fronteiriça e a presença de grupos de delinquentes que operam na fronteira; (c) alojamento em casas de segurança em comunidades fronteiriças; (d) transporte em carro ou trem para chegar a Santo Antonio, Dallas ou Houston de lugares fronteiriços no lado norte-americano; (f) alojamento em casas de segurança em Santo Antonio, Dallas, ou Houston; (g) uma vez no interior do Texas e a salvo da vigilância da Patrulha Fronteiriça, transporte a outros pontos nos Estados Unidos; e (h) entrega a um empregador nos Estados Unidos.

139.          Esta gama de serviços são oferecidos por diversos indivíduos, grupos ou organizações. Spener os divide em quatro categorias que reforçam a idéia da Relatoria em distinguir entre condutores, contrabandistas e traficantes:

140.          Pateros (nome dado a certos traficantes na fronteira entre Tamaulipas e Texas). Estas pessoas dedicam-se exclusivamente a cruzar pessoas através da fronteira. Entretanto, no  caso que seu cliente necessite um guia para cruzar o território do Texas rumo a um destino, eles podem recomendar pessoas que oferecem este serviço. Os pateros normalmente recorrem hotéis e bares frequentados por pessoas que chegam a lugares fronteiriços com a intenção de cruzar a fronteira para recrutar a seus clientes. Também frequentemente recorrem as estações de ônibus onde chegam estas pessoas. A possibilidade de êxito na aventura é relativamente baixa quando se contrata os pateros. Salvo algumas exceções, as pessoas que contratam este serviço normalmente são apreendidas pela Patrulha Fronteiriça e perdem seu dinheiro ou são  assaltadas por bandos de delinquentes que operam na fronteira. Spener reporta que algumas testemunhas mencionaram que os assaltantes são os próprios pateros.

141.          Coiotes do Interior. Trata-se de guias experimentados que vêm levando pessoas aos Estados Unidos desde as comunidades do interior do México há muitos anos. Estas pessoas são nativos de comunidades do centro de México em estados como Zacatecas, Guanajuato, Jalisco, Michoacán, San Luis Potosí, entre outros. Os coiotes do interior normalmente recrutam grupos de pessoas e os ajudam a fazer a viagem desde suas comunidades de origem até entregá-los nas mãos de seus familiares ou empregadores no lugar de destino. Estas pessoas quase sempre acompanham o grupo durante todo o trajeto e usam sua experiência, contatos e conhecimento do terreno para evadir as autoridades e os bandos de assaltantes. A vantagem de contratar este tipo de contrabandista/condutor é que esta pessoa é geralmente um membro da comunidade de origem, e, portanto, é conhecida e conta com a confiança das pessoas que decidem contratar seus serviços. Ao contrário dos pateros, estas pessoas não exigem pagamento adiantado, mas somente quando chegam com o cliente ao seu destino. Apesar da intenção do coiote, o cruzamento da fronteira pode fracassar, sobretudo porque como estas pessoas não residem em lugares fronteiriços, não contam com informação atualizada sobre os movimentos e novos métodos da Patrulha Fronteiriça ou das organizações criminais dedicadas a assaltar os migrantes que tentam cruzar a fronteira. Isto pode levá-los a cometer erros e à apreensão do grupo. Para evitar este problema, coiotes do interior trabalham normalmente com contatos na fronteira que lhes indicam os últimos desenvolvimentos na área e lhes aconselham sobre rotas e estratégias.

142.          Amigos e Familiares. Muitos dos trabalhadores migrantes mexicanos utilizam a ajuda de amigos ou familiares para fazer a viagem a seu lugar de destino nos Estados Unidos. Muitas vezes parentes ou amigos das pessoas que desejam migrar vão ao México a buscá-los para fazer a viagem e os acompanham durante o périplo. Estas pessoas freqüentemente contratam um patero para que os ajude a cruzar a fronteira. Depois coordenam com os familiares para ser recolhidos em lugares estratégicos. Familiares ou amigos, muitas vezes residentes ou cidadãos norte-americanos, recolhem estas pessoas e as ajudam a burlar a vigilância da patrulha fronteiriça que é especialmente forte nos primeiros 75 quilômetros do território do Texas no lado norte-americano. Para tratar de burlar a vigilância estabelecida pela Patrulha Fronteiriça, estas pessoas normalmente transportam a seus familiares em veículos por caminhos alternativos que levam ao norte do Estado rumo as cidades de Santo Antonio, Dallas, e Austin. Dado o aumento da vigilância e as fortes penas impostas a cidadãos  norte-americanos ou residentes permanentes que ajudam a introduzir pessoas irregularmente no território norte-americano, a porcentagem de pessoas que cruzam somente com contatos de familiares e amigos há diminuído notavelmente.

143.          Operadores Comerciais Fronteiriços.[92] Este tipo de organização é a mais desenvolvida e segundo Spener provavelmente a que move o maior número de migrantes através da fronteira. Este tipo de organizações varia enormemente no tamanho e complexidade. Dependendo de suas capacidades, sofisticação e reputação, estas provêem uma grande quantidade de serviços a diversos preços. As condições do mercado, isto é, as mudanças nas estratégias das autoridades encarregadas do controle migrante, também determinam os preços. Além de sua grande variedade e nível de sofisticação, o que distingue estas organizações das categorias de contrabandistas antes mencionadas é seu alto nível de profissionalização. Nas entidades mais sofisticadas, em geral, existe uma divisão de trabalho: algumas pessoas se dedicam a conseguir clientes, operam como guias, ou estudam os movimentos da Guarda Fronteiriça, enquanto outros se dedicam a organizar a logística, como conseguir transporte e casas de segurança ou se encarregam de obter documentação fraudulenta. Em outras palavras, estas organizações estão verticalmente integradas mas com um comando central que dirige a operação. Spener enfatiza que estas organizações são normalmente um negócio familiar e que, em geral, não estão vinculadas ao crime organizado ou ao narcotráfico. Entretanto, estas organizações podem contratar os serviços de criminais para realizar certas tarefas como exigir o pagamento a clientes por serviços prestados. Redes informais provêem informação e recomendam os serviços destas organizações. Os migrantes que não são nacionais mexicanos e que chegam através de redes de contrabandistas ou traficantes também contratam os serviços destas organizações.

144.          Este tipo de organizações recruta a seus clientes em bares, hotéis ou estações de ônibus, e depois de fazer contato explicam seu modus operandi e os  serviços que podem prestar. Os clientes que decidem contratar os serviços destes condutores ou contrabandistas são levados através da fronteira, seja através de controles fronteiriços usando documentação falsa, ou passando por lugares não habilitados como cruzar o Río Bravo. Uma vez nos Estados Unidos, o problema é mover-se rumo ao norte e burlar os controles da Patrulha da Fronteira estabelecidos nas principais estradas, bem como evadir batidas policiais e a vigilância dos agentes dessa divisão. Como indicado anteriormente, a Patrulha Fronteiriça exerce um forte controle em uma área que abarca pelo menos 75 quilômetros desde a fronteira até o norte, então cruzar a fronteira não garante a pessoa chegará ao seu destino. Os condutores, contrabandistas ou traficantes às vezes levam seus clientes a pé até lugares mais longe da área de controle da Patrulha Fronteiriça onde veículos recolhem as pessoas e os levam a alguma cidade de destino. Uma vez que chegam lá, os migrantes podem ser levados a uma casa de segurança ou serem apresentados a seus empregadores no destino final. Nesse instante parte do pagamento total é feito em dinheiro. Os traficantes também tem várias casas de segurança na área fronteiriça onde os migrantes podem se esconder por horas, dias ou semanas na área. As condições nestas casas variam entre aceitáveis ou bastante más. Spener explica que muitos dos lugares onde se escondem os migrantes se caracterizam por condições de hacinamiento e não tem serviços sanitários ou camas. Muitas vezes as pessoas que se escondem nestes recintos não recebem comida, somente água. Quanto as acusações de maltrato e abuso perpetrados contra migrantes, Spener indica que estes incidentes existem, mas que se desconhece a magnitude e a frequência com que estes ocorrem. Neste sentido, explica, como parte do pagamento é efetuado no final da viagem, as organizações tem um incentivo para levar a seus clientes sãos e salvos a seu destino. Contudo, tem-se informação que os contrabandistas ou condutores abandonam a seus clientes se acaso são acossados pelas autoridades, mas em geral isso ocorre mais freqüentemente com os pateros. Os assaltos e abusos correspondem a delinquentes comuns que se fazem passar por condutores ou contrabandistas de pessoas e que roubam e matam os migrantes em lugares isolados. [93]

Medidas Multilaterais para Combater o Contrabando, a Condução e o Tráfico

145.          Uma das repercussões mais notórias do desenvolvimento do contrabando e do tráfico de pessoas é a crescente preocupação dos Estados por elaborar estratégias multilaterais para combater este fenômeno. Dentro destes esforços empreendidos na última década, os Estados, particularmente os receptores de imigrantes, lideraram diversas iniciativas e implementaram medidas a nível interno para combater os contrabandistas e as redes de traficantes de pessoas. Dentre os esforços internacionais é possível destacar a coordenação de ações multilaterais e a subscrição de acordos internacionais na matéria. Outrossim, os Estados aprovaram organizações intergovernamentais, em particular a OIM, para levar a cabo estudos, trabalhos e conferências destinados a incrementar o conhecimento deste complexo fenômeno.

146.          Estas medidas foram desenvolvidas tanto no âmbito regional como global. Preocupados pelo problema, sobretudo o tráfico de mulheres e crianças da Europa Oriental para o mercado da prostituição por máfias russas, os países da Comunidade Econômica Européia (atual União Européia) integraram políticas de controle e intercâmbio de informação em 1993. Mais tarde, estes  países patrocinaram o chamado processo de Budapeste, uma iniciativa multilateral destinada a concertar medidas para abordar a migração irregular e sobretudo o tráfico de pessoas. Através destes foros, os países europeus harmonizaram parte de sua legislação nacional para combater este problema de forma mais efetiva. Outrossim, a Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), através de seu Parlamento, aprovou uma Resolução sobre o Tráfico de Mulheres e Crianças.[94] Nas Américas, processos como a Conferência Regional sobre Migrações (CRM) dedicaram particular atenção ao problema. A CRM tem estimulado os países participantes a optar por introduzir legislação específica para combater o tráfico de migrantes. Com a ajuda de organizações especializadas como a OIM, certos países realizaram estudos específicos sobre este problema.[95] Além disso, trataram de estabelecer mecanismos de cooperação para o intercâmbio de informação com relação ao tráfico e contrabando de pessoas através de contatos entre oficiais de imigração dos países membros da CRM. De igual forma, a CRM tentou fomentar programas específicos tais como o mencionado Programa de Retorno Assistido de Migrantes extra-regionais que procura fazer mais célere o processo de deportação de migrantes irregulares que são detidos pelas autoridades.

147.          Sem dúvida, uma das iniciativas mais importantes foi a criação de um protocolo específico sobre o Tráfico de Migrantes adicional a Convenção Contra o Crime Transnacional Organizado, aprovada  na Conferência de Palermo em dezembro do ano 2000. O Protocolo sobre tráfico de pessoas tem dois objetivos principais: por um lado, tipificar o tráfico de pessoas como um delito, e pelo outro, facilitar a cooperação entre os países em matéria de prevenção, investigação e processamento legal pela comissão deste delito. Para isso, o protocolo inclui, entre outras coisas, cláusulas sobre a interdição de navios em alto mar que sejam suspeitos de transportar migrantes, punição de companhias de transporte, programas de informação para prevenir as vítimas em potencial e programas de intercâmbio de informação entre os Estados para incrementar a efetividade da luta contra o tráfico de pessoas.[96]

148.          Através destas ações multilaterais, os Estados trataram de complementar as medidas unilaterais já descritas como o maior controle fronteiriço e a nova legislação dirigida a outorgar melhores ferramentas ao sistema judicial para combater o problema. Os resultados na última década, porém, provam que a efetividade das medidas tomadas pelos Estados para abordar este fenômeno foi bastante baixa.

149.          Com relação ao tráfico, contrabando e condução de migrantes podem ser observadas  duas tendências que a Relatoria considera oportuno ressaltar. A primeira delas é que o termo “tráfico” é empreendido com pouco rigor, o que leva a englobar sob este rótulo condutas de diversas naturezas.  Nesse sentido, não se pode comparar o guia que conduz um grupo de migrantes por uma zona desabitada para evadir os controles fronteiriços, com a pessoa que organiza uma operação em que são introduzidas cerca de 30 pessoas dentro de um container e cruzam o oceano num barco. Do mesmo modo, não se pode comparar a pessoas que ajudam a parentes e amigos a entrar num território de forma irregular, com a pessoa que induz em erro a uma mulher jovem oferecendo-lhe a possibilidade de migrar a outro país, e termina obrigando-a a trabalhar como prostituta. A condução, o contrabando e o tráfico de migrantes são atividades bastante distintas e, portanto, é necessário diferenciá-las, pois a precisão conceitual contribui para que os Estados tenham capacidade de castigar aos verdadeiros traficantes e evitar esquemas de contrabando de migrantes que ponham em perigo vidas humanas.

150.          Por outra parte, se observa um esforço dos Estados por penalizar o tráfico e o contrabando de migrantes, utilizando todas as ferramentas jurídicas, nacionais e internacionais, para apreender, processar e punir os responsáveis. Simultaneamente, se constata um vazio na proteção das vítimas de tráfico, conforme a definição proposta pela Relatoria. As pessoas que são forçadas ou enganhadas para migrar e que terminam submetidas a condições de semi-escravidão não podem ser tratadas da mesma forma que um migrante irregular ou sem documento que se encontra trabalhando livre e voluntariamente num país. Dada a complexidade do tema, nos parece necessário que os Estados desenvolvam esquemas nacionais e internacionais de proteção para um grupo especial de trabalhadores migrantes cuja condição de vulnerabilidade é manifestada.  

151.          Em resumo, como se explicou nesta breve seção, o que comumente se caracteriza como tráfico de pessoas é uma atividade muito mais complexa do que parece. A contrário da percepção e do discurso geral, o tráfico nem sempre é uma atividade desenvolvida por organizações criminais que buscam explorar e abusar das vítimas. Ainda que muitas organizações criminais envolvem-se no negócio e cometem sérios abusos contra vítimas inocentes, sobretudo operações de importação de escravos, muitos traficantes simplesmente prestam serviço de levar a uma pessoa de um país de origem a outro de destino. Embora as condutas descritas estejam tipificadas e sejam consideradas um delito em certos países, estas se diferenciam claramente na transgressão de princípios fundamentais como a dignidade humana. Ë possível argumentar que estas pessoas estão dando a possibilidade a muitas pessoas de saírem de situações desesperadas caracterizadas por violência, pobreza, falta de oportunidades e desigualdade em seus países de origem. A este respeito, atualmente muitas pessoas com razões legítimas para pedir refúgio ou asilo recorrem a organizações dedicadas ao tráfico de pessoas para chegar a destinos onde podem solicitar que as autoridades considerem seu caso. Adicionalmente, este estudo indica que a maioria dos investigadores coincide que o contrabando, condução e tráfico de pessoas parece ser uma resposta a maiores níveis de controle. A este respeito, esta seção do relatório menciona que autores como Ghosh defendem que o controle de imigração per se não ajudará a deter os fluxos migrantes derivados de fatores estruturais. Os Estados devem  tomar medidas complementares, como promover programas de desenvolvimento em países emissores e inibir os incentivos de empregadores  que contratam trabalhadores migrantes sem documentação mediante, por exemplo, a implementação de castigos e multas. Nas palavras de Koslowski, o desenvolvimento do tráfico de pessoas, mais que uma doença, parece ser o sintoma das enormes disparidades entre os países desenvolvidos e as nações em desenvolvimento e que leva tantas pessoas a tomarem sérios riscos a fim de encontrar melhores oportunidades e condições de vida.[97]

VI.      DISCRIMINAÇÃO, RACISMO E XENOFOBIA: REFLEXÕES ACERCA DA CONFERÊNCIA MUNDIAL CONTRA O RACISMO REALIZADA  EM DURBAN, ÁFRICA DO SUL (SETEMBRO 2001)

152.          Em seu relatório anual correspondente ao ano 2000, a Relatoria dedicou uma seção especial para analisar o problema da xenofobia, o racismo e a discriminação contra trabalhadores migrantes e suas famílias nas Américas.  A análise concluiu que a situação dos trabalhadores migrantes e suas famílias nesta região é bastante preocupante. Nesse sentido, destacou que, embora os incidentes de xenofobia, racismo e discriminação contra os trabalhadores migrantes e suas famílias e de estrangeiros, em geral, são comuns, este problema tende a passar desapercebido por grande parte dos países das Américas porque em muitos deles não existe uma reflexão sincera, e falta uma discussão aberta e franca frente ao tema. O caso dos Estados Unidos é paradigmático, já que enquanto a discriminação racial contra cidadãos norte-americanos foi um tema amplamente tratado, a xenofobia recebeu escassa ou nenhuma atenção. Na América Latina e no Caribe, o tema foi ignorado de uma forma cada vez mais evidente. O relatório do ano 2000 indicou que o Seminário Regional de Especialistas para América Latina e o Caribe sobre Medidas Econômicas, Sociais e Jurídicas para Lutar Contra o Racismo com Referência Especial aos Grupos Vulneráveis concluiu que, na maior parte da América Latina e do Caribe, a discriminação racial e a xenofobia são negadas ou minimizadas tanto pelo poder estatal como pela sociedade. Esta importante reunião concluiu que na região, em geral, existe discriminação racial e intolerância contra grupos indígenas, afro-americanos e mestiços, minorias como as comunidades judias e ciganas e grupos vulneráveis como mulheres, crianças, incapacitados, adolescentes e anciãos.[98]

153.          Tendo em vista a celebração da Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, celebrada em Durban, África do Sul, entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, a Relatoria estima pertinente apresentar um breve comentário acerca das conclusões que este importante foro chegou em torno da situação da discriminação, racismo e xenofobia que sofrem os trabalhadores migrantes e os membros de suas famílias no mundo.  Ainda que este importante evento esteve, até certo ponto,  entremeado por discussões políticas relativas ao problema árabe-israelita e que levaram a saída de certas delegações,[99] a Relatoria estima que, no caso dos trabalhadores migrantes, este foro contribuiu para difundir e criar consciência sobre muitos dos problemas de racismo, discriminação e xenofobia que sofrem certas pessoas. Esta opinião é compartida pela Relatora Especial das Nações Unidas para Trabalhadores Migrantes, Gabriela Rodríguez, quem em seu último relatório anual destaca a importância que reviste a Conferência na promoção e proteção dos direitos humanos dos trabalhadores migrantes e os membros de suas famílias.[100]

154.          A contribuição da reunião de Durban é evidente à luz da Declaração e o  Programa de Ação da Conferência que, em sua extensa discussão sobre o problema, contém numerosas cláusulas relativas à situação das vítimas de discriminação, racismo e xenofobia contra os trabalhadores migrantes e suas famílias. Apesar de que não se trata de instrumentos vinculantes para os Estados, estes determinam com clareza a problemática que afeta os trabalhadores migrantes e outros migrantes, sugerem formas construtivas para proteger a estas pessoas e advertem os Estados sobre seus deveres e obrigações. Nesse sentido, a Declaração e o Plano de Ação são completos e tocam um grande número de problemas que afetam os trabalhadores migrantes em todo o mundo, incluídas as Américas. A Relatoria quer destacar que estes instrumentos tem grande utilidade já que representam um marco sólido que sem dúvida servirá de ponto de referência para o trabalho de supervisão e proteção.

155.          A seguir, o relatório apresenta um extrato da Declaração e o Plano de Ação da Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, onde estão incluídos todos os parágrafos que contêm disposições relacionadas com os trabalhadores migrantes e outros migrantes e que, por isso, são importantes para o trabalho da Relatoria. 

DECLARAÇÃO

Globalização

156.          Parágrafo 12: Reconhecemos que a migração inter-regional e intra-regional, em particular, do Sul em direção ao Norte, aumentou como consequência da globalização e ressaltamos que as políticas relativas à migração não devem basear-se no racismo, na discriminação racial, na xenofobia e nas formas conexas de intolerância;

Xenofobia

157.          Parágrafo 16: Reconhecemos que a xenofobia contra os não nacionais, em, particular os migrantes, os refugiados e os solicitantes de asilo, constitui uma das principais fontes do racismo contemporâneo, e que as violações dos direitos humanos cometidas contra os membros desses grupos ocorrem no contexto de práticas discriminatórias, xenófobas e racistas;

Políticas de Imigração

158.          Parágrafo 38: Instamos a todos os Estados a que examinem e, se necessário, revisem todas as políticas de imigração que sejam incompatíveis com os instrumentos internacionais de direitos humanos, a fim de eliminar todas as políticas e práticas discriminatórias contra os migrantes, incluindo os asiáticos  e os de origem asiática;

Contribuição dos Migrantes

159.          Parágrafo 46: Reconhecemos as positivas contribuições econômicas, sociais e culturais dos migrantes, tanto para os países de origem como para os de destino;

Marco Legal das Políticas de Migração

160.          Parágrafo 47: Reafirmamos o direito soberano dos Estados a formular e aplicar seu próprio regime jurídico e políticas de migração, e afirmamos que essas políticas devem ser congruentes com os instrumentos, normas e princípios de direitos humanos aplicáveis e devem  estar formuladas de modo a assegurar que não estão contaminados pelo racismo, a discriminação racial, xenofobia e as formas conexas de intolerância;

Atos de Racismo contra Migrantes: Responsabilidade Estatal de Oferecer Proteção

161.          Parágrafo 48: Observamos com preocupação e condenamos energicamente as manifestações e atos de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância contra os migrantes e os estereótipos que correntemente lhes são aplicados, reafirmamos a responsabilidade dos Estados de proteger os direitos humanos dos migrantes que se estejam sob sua jurisdição e a responsabilidade dos Estados de salvaguardar e proteger os migrantes contra os atos ilícitos ou violentos, em particular os atos de discriminação racial e os delitos cometidos por motivos racistas ou xenófobos por indivíduos ou grupos, e destacamos a necessidade que estes recebam tratamento justo, imparcial e equitativo na sociedade e no lugar de trabalho;

Criação de Condições Adequadas

162.          Parágrafo 49: Destacamos a importância de criar condições que favoreçam uma maior harmonia, tolerância e respeito entre os migrantes e o resto da sociedade do país em que se encontram, a fim de eliminar as manifestações de racismo e xenofobia contra os migrantes. Ressaltamos que a reunificação das famílias tem um efeito positivo na integração e destacamos a necessidade de que os Estados facilitem essa reunificação;

Vulnerabilidade

163.          Parágrafo 50: Estamos conscientes da situação de vulnerabilidade em que frequentemente se encontram os migrantes, entre outras razões, porque estão fora de seus países de origem e pelas dificuldades com que tropeçam em razão das diferenças de idioma, costumes e cultura, bem como as dificuldades e obstáculos econômicos e sociais para o retorno de migrantes sem documentação ou em  situação irregular;

Áreas de discriminação racial

164.          Parágrafo 51: Reafirmamos a necessidade de eliminar a discriminação racial contra os migrantes, em particular, os trabalhadores migrantes, em questões como o emprego, os serviços sociais, incluindo os de educação e saúde, bem como o acesso à justiça, e de ajustar o tratamento que lhes é dado aos  instrumentos internacionais de direitos humanos, sem  racismo, discriminação racial, xenofobia nem formas conexas de intolerância;

Criação de estereótipos

165.          Parágrafo 89: Tomamos nota com pesar de que alguns medos de comunicação, ao promover imagens falsas e estereótipos negativos de grupos e pessoas vulneráveis, em particular,  migrantes e refugiados, contribuíram para a  difusão de sentimentos racistas e xenófobos entre o público e, em alguns casos, alentaram a violência por parte de indivíduos e grupos racistas;

PROGRAMA DE AÇÃO

Combate de atos racistas e outras manifestações de intolerância

166.          Parágrafo 24: Solicita a todos os Estados que lutem contra as manifestações de rejeição generalizada dos migrantes e que se oponham ativamente a todas as manifestações racistas e atos que impliquem em condutas xenófobas e sentimentos negativos com relação aos  migrantes ou a sua rejeição;

Supervisão e  Proteção

167.          Parágrafo 25: Convida as organizações não governamentais internacionais e nacionais que se integrem à  vigilância e a proteção dos direitos humanos dos migrantes em seus programas e atividades, que sensibilizem os governos e aumentem a consciência pública em todos os Estados  a respeito da necessidade de prevenir os atos racistas, as manifestações de discriminação racial, xenofobia e as formas conexas de intolerância contra os migrantes;

Promoção dos Direitos Humanos dos Migrantes

168.          Parágrafo 26: Solicita aos Estados que promovam e protejam total e efetivamente os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos os migrantes, de conformidade com a Declaração Universal de Direitos Humanos e suas obrigações em virtude dos instrumentos internacionais de direitos humanos, prescindindo da situação de imigração dos migrantes;

Campanhas de Educação e Informação

169.          Parágrafo 27: Incentiva os Estados a promover a educação sobre os direitos humanos dos migrantes e organizar campanhas de informação para velar para que o público esteja devidamente informado sobre os migrantes e dos assuntos relacionados aos migrantes, incluindo a contribuição positiva destes às sociedades que os acolhem e sua vulnerabilidade, particularmente daqueles que estejam em situação irregular;

Reunificação Familiar

170.          Parágrafo 28: Convida os Estados a facilitar a reunião de famílias de forma rápida e eficaz, a qual favorece a integração dos migrantes, tomando devidamente em conta o  desejo de muitos membros das famílias de ser independentes;

Medidas Concretas 

171.          Parágrafo 29: Insta os Estados a que adotem medidas concretas para eliminar o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância no lugar de trabalho contra todos os trabalhadores, em particular os migrantes, e assegurem l plena igualdade de todos perante a lei, inclusive a legislação trabalhista. Insta ademais os Estados a eliminar os obstáculos, conforme o caso, a: a participação na formação profissional, a negociação coletiva, o emprego, os contratos e as atividades sindicais; o acesso aos tribunais judiciais e administrativos para formular queixas; o direito de buscar emprego em diferentes partes do país de residência, e o trabalho em condições seguras e saudáveis;

Desenvolvimento, Implementação e Revisão de Políticas

172.          Parágrafo 30: Insta os Estados a:

a)          Elaborar e implementar políticas e planos de ação, e reforçar e aplicar medidas preventivas, para promover a harmonia e a tolerância entre os migrantes e as sociedades que os acolhem com o fim de eliminar as manifestações de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância, incluindo atos de violência, por parte de pessoas ou grupos em muitas sociedades;

b)          Revisar e modificar, conforme o caso, suas leis, políticas e procedimentos de imigração a fim de eliminar qualquer elemento de discriminação racial e fazê-los compatíveis com as obrigações dos Estados em virtude dos instrumentos internacionais de direitos humanos;

Medidas que envolvem a comunidade local e os migrantes

173.          Parágrafo 30

c)          Aplicar medidas concretas que englobem a comunidade de acolhida e aos  migrantes para fomentar o respeito da diversidade cultural, promover o tratamento equitativo dos migrantes e desenvolver  programas, conforme o caso, que facilitem sua integração na  vida social;

Tratamento Justo de Migrantes Detidos

174.          Parágrafo 30

d)          Garantir que os migrantes, independentemente de sua situação, que tenham sido detidos pelas autoridades públicas sejam tratados de forma humana e imparcial e recebam  proteção jurídica e, se necessário, a assistência de um intérprete competente de acordo com as  normas pertinentes do direito internacional e de direitos humanos, particularmente durante os interrogatórios;

Treinamento da Polícia e das Autoridades de Imigração

175.          Parágrafo 30

e)          Velar para que a polícia e as autoridades de imigração tratem os migrantes de forma digna e não discriminatória de acordo com as normas internacionais mediante, entre outros coisas, a organização de cursos de formação especializada para administradores, policiais, funcionários de imigração e outros grupos interessados;

Reconhecimento das Qualificações dos Migrantes

176.          Parágrafo 30

f)          Considerar a questão de promover o reconhecimento das credenciais educacionais, profissionais e técnicas dos migrantes visando aumentar ao máximo sua contribuição para os Estados onde residem;

Salários e Remunerações Justas

177.          Parágrafo 30:

g)          Adotar todas as medidas possíveis para promover o pleno gozo de todos os migrantes de todos os direitos humanos, em particular, os relacionados com os soldos justos e a remuneração equitativa pelo trabalho de igual valor sem distinção de nenhuma espécie, e o direito a segurança em caso de desemprego, doença, incapacidade, viuvez, velhice ou outra falta de meios de subsistência em circunstancias alheias a sua vontade, a previdência social, incluindo o seguro social, o acesso à  educação, a atenção sanitária, os serviços sociais e o respeito a sua identidade cultural;

Programas para Combater a Violência Doméstica

178.          Parágrafo 30

h)          Considerar a possibilidade de adotar e aplicar políticas e programas de imigração que permitam os imigrantes, em particular, as mulheres e as crianças que são vítimas da violência conjugal ou doméstica, escapar de relações opressivas;

Enfoque Especial de Gênero

179.          Parágrafo 31: Tendo vista o aumento do número de mulheres migrantes, insta os Estados  a prestar uma atenção especial às questões de gênero, em especial, a discriminação sexual, e os múltiplos obstáculos que enfrentam as mulheres migrantes; realizar investigações exaustivas sobre as violações perpetradas contra os direitos humanos das mulheres migrantes e sobre a contribuição que essas mulheres fazem às economias de seus países de origem e de seus países de acolhida, e incluir os resultados dessas  investigações nos relatórios encaminhados aos órgãos criados em virtude dos tratados;

Oportunidades Econômicas

180.          Parágrafo 32: Exorta os Estados a reconhecer as mesmas oportunidades e responsabilidades econômicas dadas aos membros da sociedade aos migrantes documentados que são residentes de longo prazo;

Serviços Sociais Adequados

181.          Parágrafo 33: Recomenda que os países de acolhida dos migrantes considerem a possibilidade de prestar serviços sociais adequados, em particular, em matéria de saúde, educação e uma moradia adequada, como questão prioritária, em cooperação com os organismos das Nações Unidas, as organizações regionais e as instituições financeiras internacionais. Solicita também que estes órgãos dêem uma resposta adequada as solicitações destes serviços;

Perspectiva de Gênero

182.          Parágrafo 50: Insta os Estados a integrar uma perspectiva de gênero em todos os programas de ação contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância, e considerar a carga de discriminação que recai particularmente nas mulheres indígenas, africanas e asiáticas, as de ascendência africana ou asiática, as migrantes e as mulheres de outros grupos desfavorecidos, de maneira que se assegure seu acesso aos recursos de produção em condições de igualdade com os homens, como meio de promover sua participação no desenvolvimento econômico e produtivo de suas comunidades;

Medidas Efetivas a Nível Nacional, Regional e Internacional

183.          Parágrafo 64: Insta os Estados para elaborar e aplicar ou reforçar, conforme o caso, nos planos nacional, regional e internacional, as medidas destinadas a prevenir, combater e eliminar eficazmente todas as formas de discriminação de mulheres e crianças, em particular, as menores, mediante estratégias integrais que incluam medidas legislativas, campanhas de prevenção e intercâmbios de informação. Exorta também os Estados a alocar os recursos necessários para implementar programas integrais de assistência, proteção, tratamento,  reintegração e reabilitação social das vítimas. Os Estados deverão estabelecer ou reforçar a capacitação nesse âmbito dos funcionários das forças de segurança, os funcionários de imigração e os demais funcionários que se ocupam das vítimas de que se trata ;

Políticas Administrativas e Legislativas

184.          Parágrafo 67: Insta os Estados a conceber, promover e aplicar medidas legislativas e administrativas eficazes, bem como outras medidas preventivas, ou reforçar as existentes, para remediar a grave situação em que se encontram certos grupos de trabalhadores, como os migrantes, que são vítimas do racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância. Deve prestar-se especial atenção à proteção dos trabalhadores domésticos estrangeiros e as vítimas da discriminação e da violência, bem como a luta contra os preconceitos de que são objeto;

Leis contra o  Contrabando de Migrantes

185.          Parágrafo 69: Insta os Estados a aprovar e aplicar, segundo proceda, leis para reprimir a discriminação de pessoas, em especial,  mulheres e crianças, e o tráfico de migrantes, tendo em conta as práticas que põe em perigo vidas humanas ou provocam diversas formas de servidão e exploração, como a servidão por dívidas, a escravidão e a exploração sexual ou de trabalho. Incentiva os Estados a criar, quando não houver, mecanismos para combater tais práticas e alocar recursos suficientes para garantir a aplicação da lei e a proteção dos direitos das vítimas, e reforçar a cooperação bilateral, regional e internacional, em particular, as organizações não governamentais que prestam assistência as vítimas, para combater a discriminação de pessoas e o tráfico de migrantes;

Ratificação de Instrumentos Relevantes

186.          Parágrafo 78: Insta os Estados que ainda não o fizeram, a considerar a possibilidade de firmar e ratificar ou de aderir aos seguintes instrumentos,:

b)          Convênio (Nº 97) sobre os trabalhadores migrantes (revisado), 1949, da OIT; i) Convênio (Nº 143) sobre os trabalhadores migrantes (disposições suplementarias), 1975, da OIT; Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e de suas famílias, de 1990;

m)          Convenção das Nações Unidas contra a Delinquência Organizada Transnacional e o Protocolo para prevenir, reprimir e punir a discriminação de pessoas, especialmente mulheres e crianças, que complementa a Convenção e o Protocolo contra o tráfico ilícito de migrantes por terra, mar e ar, que complementa a Convenção de 2000;

Acatamento da Convenção de Viena sobre Relações Consulares

187.          Parágrafo 80: Insta os Estados a respeitar plenamente e cumprir a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963, especialmente no que se refere ao direito dos estrangeiros, qualquer que seja sua condição jurídica e sua situação em matéria de imigração, a contatar o  funcionário consular de seu próprio Estado no caso de detenção ou encarceramento;

Proibição de Tratamento Discriminatório Contra Trabalhadores Migrantes

188.          Parágrafo 81: Insta a todos os Estados a proibir o tratamento  discriminatório baseado na raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica dos estrangeiros e os trabalhadores migrantes, entre outras cosas, e no que se refere à concessão de vistos e permissão de trabalho, a moradia, a atenção à saúde e o acesso à justiça;

Elaboração de Estudos sobre Migração

189.          Parágrafo 96: Convida os Estados a promover e realizar estudos e adotar um objetivo integral e um critério a longo prazo  a respeito de todas as etapas e aspectos da migração, que englobe de forma eficaz tanto suas causas como manifestações; estes estudos e critérios devem prestar especial atenção as causas profundas das correntes migratórias, tais como a falta de pleno gozo dos direitos humanos e as liberdades fundamentais e os efeitos da globalização econômica sobre as tendências migratórias;

Direitos de Trabalhadores Migrantes

190.          Parágrafo 105: Insta os Estados a formular e aplicar leis e políticas destinadas a aumentar a proteção dos direitos dos trabalhadores, prestar especial atenção a grave situação de falta de proteção e exploração, como o caso das pessoas objeto de discriminação e os  migrantes que entraram no país clandestinamente, o que os fazem mais vulneráveis aos maus tratos, como o confinamento no caso dos empregados domésticos, e também a serem  empregados em trabalhos perigosos e mal remunerados;

Educação e Direitos Humanos

191.          Parágrafo 133: Insta os Estados a organizar e reforçar as atividades de capacitação sobre os direitos humanos com enfoque anti-racista e anti-sexista, para os funcionários públicos, incluindo o pessoal da administração de justiça, especialmente os de serviços de segurança, penitenciárias e de polícia, bem como entre as autoridades de saúde, ensino e migração;

Capacitação e Sensibilização em Matéria de Direitos Humanos

192.          Parágrafo 138: Insta os Estados a reforçar as atividades de capacitação e sensibilização em matéria de direitos humanos destinadas aos funcionários de imigração, a polícia de fronteira, o pessoal dos centros de detenção e das prisões, as autoridades locais e outros funcionários de ordem pública, bem como os professores, prestando especial atenção aos direitos humanos dos migrantes, os refugiados e os solicitantes de asilo, com o fim de prevenir atos de discriminação racial e xenofobia e evitar situações em que os preconceitos possam levar à adoção de  decisões baseadas no racismo, a discriminação racial, a xenofobia e outras formas conexas de intolerância;

Capacitação para as Autoridades Policiais

193.          Parágrafo 139: Insta os Estados a proporcionar ou intensificar a capacitação das forças de segurança, os funcionários de imigração e outros funcionários competentes sobre a prevenção da discriminação de pessoas. A capacitação deveria centrar-se nos métodos de prevenção desta, o julgamento dos responsáveis e a proteção dos direitos das vítimas, protegendo-as dos perpetradores. Na capacitação também deveria ter-se em conta a necessidade de prestar atenção aos direitos humanos e as questões relacionadas com os direitos da criança e da mulher, e se deveria fomentar a cooperação com as organizações não governamentais, organizações pertinentes e outros setores da sociedade civil;

Informação e Comunicação

194.          Parágrafo 144: Insta os Estados e incentiva o setor privado a promover a elaboração, mediante os meios de comunicação, inclusive as publicações impressas e os meios eletrônicos, com a Internet e a publicidade, tendo em conta sua independência e através de suas associações e organizações pertinentes a nível nacional, regional e internacional, de um código de conduta de caráter voluntário e medidas de auto-regulação e de políticas e práticas destinadas a:

e)          Evitar toda classe de estereótipos, em particular, a promoção de falsas imagens dos migrantes, incluindo os trabalhadores migrantes e refugiados, a fim de prevenir a difusão de sentimentos xenófobos entre o público e de fomentar uma representação objetiva e equilibrada das pessoas, os acontecimentos e a história;

Informação e Comunicação

195.          Parágrafo 175: Incentiva os Estados, em cooperação com as organizações não governamentais, a realizar campanhas destinadas a explicar as oportunidades, as limitações e os direitos no caso de migração, a fim de ajudar a todas as pessoas, em particular, as mulheres, a tomar decisões com conhecimento de causa e impedir que sejam vítimas do tráfico de migrantes;

Instrumentos Bilaterais e Regionais

196.          Parágrafo 182: Incentiva os Estados a participar em diálogos regionais sobre os problemas da migração e lhes convida a considerar a possibilidade de negociar acordos bilaterais e regionais sobre os trabalhadores migrantes e a que elaborem e ponham em prática programas com os Estados de outras regiões com o  fim de proteger os direitos dos migrantes;

Diálogo

197.          Parágrafo 183: Insta os Estados,  em consulta com a  sociedade civil, a apoiar os amplos diálogos regionais que estejam em marcha sobre as causas e consequências da migração, ou que os estabeleçam na hipótese em que estes não existam, os temas da aplicação da lei e o controle nas fronteiras e sobre as questões relativas a promoção e proteção dos direitos humanos dos migrantes e a relação entre migração e desenvolvimento;

Cooperação

198.          Parágrafo 184: Incentiva as organizações internacionais que se ocupam especificamente das questões relativas à migração, com o apoio da Oficina do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a intercambiar informação e coordenar suas atividades em assuntos relacionados com o  racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância contra os migrantes, incluindo os trabalhadores migrantes;

199.          Parágrafo 186: Incentiva os Estados a adotar acordos bilaterais, subregionais, regionais e internacionais para combater o problema da discriminação de mulheres e crianças, em particular das menores, bem como o tráfico clandestino de migrantes;

A Oficina do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

200.          Parágrafo 196: Solicita a Oficina do Alto Comissariado para os Direitos Humanos que preste especial atenção as violações dos direitos humanos das vítimas do racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância, em particular dos migrantes, incluindo os trabalhadores migrantes,  que promova a cooperação internacional na luta contra a xenofobia, e que elabore, para este fim,  programas que possam ser aplicados  nos países sobre a base de acordos de cooperação apropriados;

201.          A Relatoria convida os Estados, a sociedade civil, as organizações de direitos humanos, as organizações de migrantes, aos sindicatos e outras organizações de trabalhadores migrantes a incorporar a Declaração e o Plano de Ação dentro de seus objetivos e atividades. A este respeito, é importante destacar que a eliminação da discriminação racial, o racismo e a xenofobia que afeta a estrangeiros como os trabalhadores migrantes e suas famílias é um problema grave e que, para abordá-lo, é necessário assegurar a participação de diferentes atores sociais.

VII.          VISITA DA RELATORIA A COSTA RICA, 19-21 DE NOVEMBRO 2001

202.          Como parte dos trabalhos relativos a seu mandado, a Relatoria de Trabalhadores Migrantes estabeleceu contatos com vários governos para observar as condições em matéria de direitos humanos dos trabalhadores migrantes e suas famílias nos países membros da OEA. Os integrantes da equipe da Relatoria visitaram a Costa Rica entre 19 e 21 de novembro de 2001, com o objetivo de coletar informação sobre a situação dos trabalhadores migrantes na Costa Rica e recolher antecedentes com respeito à implementação do acordo de retorno assistido de migrantes extra-regionais. Este acordo é uma iniciativa intergovernamental desenhada para fazer mais célere o retorno de migrantes sem documentação que não sejam originários da América Central e que seria implementada pela Organização Internacional para as Migrações (OIM).

203.          A Relatoria de Trabalhadores Migrantes elaborou um projeto de relatório sobre a visita, o qual foi transmitido ao Governo de Costa Rica em 15 de março de 2002, solicitando que apresentasse suas observações e comentários num prazo de 30 dias. Em 15 de abril de 2002 o Ilustre Governo de Costa Rica apresentou suas observações ao projeto de relatório, as quais serão objeto de estudo e consideração por parte da Relatoria, com anterioridade à publicação do relatório.

VIII.          CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

204.          Ao concluir este relatório anual a Assembléia Geral da OEA, a Relatoria de Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias manifestam sua preocupação pelos crescentes problemas que afetam a estas pessoas nas Américas. É importante reiterar que foram precisamente estas dificuldades que motivaram a criação desta instância em 1997. Hoje, tais problemas não mostram sinais de melhoria, mas sim parecem agravar-se. Os desafios em matéria migratória que afetam a região não correspondem a uma circunstância específica, mas formam parte de uma conjuntura geral que afeta praticamente todas as regiões do mundo. Por esta razão, é indiscutível que o fenômeno da migração deve ser um assunto de vital importância para os Estados membros da OEA e para a CIDH. A Relatoria insiste na imperiosa necessidade de que os Estados das Américas se comprometam a oferecer um trato digno e humano a todos os trabalhadores migrantes e seus familiares, independentemente de sua procedência e status de migrante, e formula as seguintes recomendações:

1.          Similarmente ao último relatório anual, nossa primeira recomendação refere-se à necessidade de dar continuidade ao mandado que a Assembléia Geral conferiu à CIDH para criar esta Relatoria. Pensamos, porém, que a extensão de nosso mandado deve estar acompanhada de um compromisso por parte dos Estados membros da OEA de contribuir para o Fundo Voluntário criado para a Relatoria. Estes recursos são vitais para que a Relatoria cumpra com seu amplo mandado que, como assinalado antes, inclui difusão, investigação e capacitação em matéria de garantias e proteção dos direitos humanos dos trabalhadores migrantes.

2.          A Relatoria, outrossim, reitera seu interesse em aprofundar o contato e a coordenação com outros órgãos intergovernamentais que se dedicam a trabalhar em temas relativos à migração, sobretudo se seu mandado inclui a proteção e assistência aos trabalhadores migrantes. A este respeito, nos parece vital seguir estreitando os laços com a  Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos dos Trabalhadores Migrantes, bem como com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). De igual modo, a Relatoria manterá seu interesse e disposição para participar em foros regionais como a Conferência Regional sobre Migrações e a Conferência Sul-americana de Migrações. Neste espírito, também nos parece necessário que a Relatoria estreite seu contato com organizações da sociedade civil que trabalham a favor dos trabalhadores migrantes e suas famílias nas Américas. Neste sentido, fazemos um chamado a todos os Estados e organizações e pessoas interessados em nos enviar comentários a este relatório, além de sugestões e propostas para melhorar o trabalho que realiza a Relatoria.

3.          Nos interessa impulsar o intercâmbio de informação sobre diversos aspectos relativos à situação dos trabalhadores migrantes na região. A este respeito, instamos os Estados membros da OEA, instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil e particulares a enviar-nos informação relativa às causas da migração e, em particular, sua vinculação com o desenvolvimento econômico. Também nos interessa receber informação sobre as políticas e práticas dos Estados em relação com os trabalhadores migrantes e suas famílias. Estes insumos são vitais para o trabalho que desenvolve a Relatoria.

4.          Também reiteramos o chamado realizado pela Assembléia Geral das Nações Unidas enquanto a que os Estados membros da OEA considerarem subscrever a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares das Nações Unidas. Como indicado no relatório do ano 2000, esse instrumento constitui o principal esforço para estabelecer direitos e obrigações vinculantes em matéria de direitos humanos para os trabalhadores migrantes. Sem prejuízo do anterior, repetimos o alerta aos Estados membros da OEA para contemplar a possibilidade de começar um processo de consulta sobre a conveniência de dotar as Américas de um instrumento similar, seja por via de Declaração ou de Tratado Multilateral, que atenda as necessidades específicas dos trabalhadores migrantes e suas famílias nesta região.  A este respeito, convidamos os Estados, organizações intergovernamentais e da sociedade civil, acadêmicos e particulares interessados na matéria a enviar-nos sugestões. A este respeito, também estimamos necessário desenvolver consensos para assegurar que tanto países receptores, de trânsito, como países emissores de trabalhadores migrantes subscrevam estes instrumentos. Na opinião da Relatoria, seria contraproducente que um instrumento desta natureza seja concebido somente como reflexo dos interesses de um ou outro conjunto de países.

5.          Tendo em vista o estado relativamente embrionário da investigação sobre as repercussões econômicas da migração, sobretudo na maioria dos países das Américas, a Relatoria recomenda que sejam dedicados recursos a financiar estudos sobre este importante tema. A Relatoria também faz um chamado a instituições acadêmicas e aos organismos da sociedade civil na região para que procedam às investigações sobre os efeitos da migração. Nos parece necessário promover investigações que esclareçam as consequências econômicas da emigração nos países de origem. Nos parece vital determinar o real impacto das remessas nas economias dos países emissores, já que, tal como indica o relatório, as remessas representam uma das fontes mais importantes de divisas e uma porcentagem significativa do produto interno bruto de muitos países. Por outra parte, queremos ressaltar a necessidade de continuar o trabalho de investigação em relação ao impacto da imigração nos países receptores. Como forma de facilitar a realização destes importantes estudos, fazemos um chamado aos Estados da região, tanto emissores, receptores, como de trânsito, a ter em conta o fenômeno de imigração no momento de desenhar e por em prática sistemas de coleta de informação e estatísticas.

6.          Adicionalmente, a Relatoria faz um chamado aos Estados membros da OEA para implementar as recomendações apresentadas pela Declaração e o Plano de Ação da Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância. A Declaração e o Plano de Ação da Conferência contêm numerosas e importantes cláusulas relativas a discriminação, racismo e xenofobia contra os trabalhadores migrantes e suas famílias. Apesar de que não se trata de instrumentos vinculantes para os Estados, as cláusulas destes instrumentos descrevem meticulosamente o problema que afeta a trabalhadores migrantes e outros migrantes, propõe formas construtivas para proteger estas pessoas, e advertem os Estados sobre suas deveres e obrigações.

7.          Tal como expressamos em nosso relatório do ano 2000, é prioritário que os Estados multipliquem seus esforços para combater a xenofobia, o racismo e outras manifestações de intolerância contra trabalhadores migrantes e suas famílias nas Américas. Chamamos aos Estados da região a empreender ações concretas para promover a tolerância entre seus cidadãos e respeito pelos trabalhadores migrantes estrangeiros. Com esse fim, propomos algumas medidas fundamentais. Em primeiro lugar, revisar de forma crítica os programas de estudo a nível nacional e impulsar medidas precautórias, tais como integrar planos que fomentem a tolerância e, ensinar o respeito e a valorização das diferenças. Estes programas, pensamos, ajudariam a evitar que certos grupos disseminem mensagens xenófobas ou racistas. Em segundo lugar, sugerimos vigiar que funcionários públicos encarregados de tratar com estrangeiros, entre outros os trabalhadores migrantes, não incorram em condutas discriminatórias que atentem contra os direitos fundamentais destas pessoas. Em terceiro lugar, recomendamos fomentar a participação ativa dos meios de comunicação em campanhas educativas destinadas a promover o respeito pela diferença e a valorização dos trabalhadores migrantes.

8.          Ao mesmo tempo, a Relatoria deseja destacar a necessidade de abordar a problemática relativa à condução, contrabando e tráfico de pessoas. À luz da informação entregue por este relatório, nossa primeira recomendação tem que ver com a imperiosa necessidade de que os Estados reconheçam a complexidade deste fenômeno e que distingam situações de contrabando e condução das de tráfico. A este respeito, a Relatoria vê com preocupação que o termo tráfico é empregado com pouco rigor, o que acarreta a inclusão frequente de condutas de diferentes índoles sob o rótulo de tráfico. Sem dúvida o tráfico ilegal de pessoas constitui uma infame exploração de pessoas por parte de outros seres humanos. Em consequência, a Relatoria apoia os Estados a usarem todas as ferramentas jurídicas a sua disposição, tanto nacionais como internacionais, para apreender, processar e punir os culpados destas ações. Nesse sentido, a Relatoria estima que é vital que os Estados exerçam estritos controles sobre funcionários de imigração ou da polícia a fim de evitar que estas pessoas participem ou que prestem auxílio a operações de tráfico de pessoas.

9.          Com relação ao contrabando, condução e tráfico de pessoas, a Relatoria também acredita que um enfoque exclusivamente repressivo poderia agravar a situação das vítimas diretas do mesmo. É importante ter em conta que a persecução penal pode tornar mais oneroso o custo destes “serviços” e, o que é mais grave, fazê-los mais arriscados para a vida e a saúde dos trabalhadores migrantes. Expressamos nossa preocupação por algumas tentativas de coordenação repressiva existentes dirigidas a reprimir o tráfico ilegal de pessoas, mas que terminam fazendo mais célere a deportação massiva de imigrantes sem documentação, especialmente aqueles interditados em alto mar. Chamamos a atenção sobre a necessidade de respeitar os princípios fundamentais de direitos humanos em toda situação em que trabalhadores migrantes entram em contato com a jurisdição de um Estado de que não são nacionais.

10.          A Relatoria constata a existência de um vazio na proteção das vítimas de tráfico, conforme a definição proposta neste relatório. As pessoas que emigram forçadas ou em virtude de enganos e que geralmente terminam submetidas à condições de abuso ou inclusive de semi-escravidão necessitam de ajuda e proteção. Por esta razão, nos parece vital que os Estados desenvolvam esquemas nacionais e internacionais de proteção para um grupo de pessoas cuja condição de vulnerabilidade está manifestada. A Relatoria sugere que as atividades de controle migrante caminhem acompanhadas de medidas de atenção e proteção às vítimas. Na medida em que estas pessoas servem como testemunhas em processos penais contra os responsáveis pelo tráfico de pessoas, deverão encontrar-se maneiras de respeitar sua dignidade e facilitar sua participação sem que para isto sejam detidas. Vários de nossos países devem ademais adequar seus códigos penais a este tipo de cirme organizado, prevendo figuras e tipos penais não contemplados ainda em seus ordenamentos internos. A Relatoria recomenda, especialmente, que os países considerem seriamente a subscrição e ratificação do Convênio para a Repressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição Alheia.[101] Outrossim, recomendamos a firma e ratificação da Convenção Contra o Crime Transnacional Organizado e seus dois Protocolos Adicionais: um para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente de Mulheres e Crianças, e outro contra o Tráfico de Migrantes por Terra, Mar e Ar Abertos.[102]

11.          A Relatoria expressa sua preocupação pelas condições de detenção dos trabalhadores migrantes e outros migrantes nas Américas. Infelizmente, deficientes condições de detenção de trabalhadores migrantes constituem uma regra geral na região. Neste sentido, salvo algumas exceções, a precariedade das condições de centros de detenção administrativa, bem como nos recintos penitenciários, é um dos problemas mais graves em termos da administração da justiça e proteção dos direitos humanos dos migrantes nas Américas. Apesar das limitações orçamentárias, a Relatoria insiste em que, conforme estabelece a Convenção Americana em seu artigo 5, o direito à integridade pessoal deve ser respeitado em todo momento e que as pessoas privadas de sua liberdade devem receber um tratamento digno inerente a sua condição humana. A Relatoria deseja insistir na necessidade de diferenciar a detenção penal da administrativa.

12.          Em relação ao ponto anterior, baseando-se no Projeto de Declaração Interamericana sobre os Direitos e a Atenção das Pessoas Privadas de Liberdade submetido à consideração da OEA a partir do trigésimo primeiro período ordinário de sessões da Assembléia Geral (San José da Costa Rica, junho de 2001), a Relatoria recomenda vários pontos. Como primeira medida, os Estados devem procurar utilizar alternativas à detenção como mecanismo para garantir o comparecimento de uma pessoa num procedimento de expulsão e no cumprimento da decisão adotada pela autoridade de imigração. Nos casos em que o Estado opte por ordenar a detenção, deverá garantir condições mínimas, seguras e dignas para as pessoas detidas. Entre as medidas que sugerimos estão as seguintes: a separação de adultos de menores de idade e homens de mulheres – a menos que se trate de pessoas da mesma família; garantir condições básicas de higiene e salubridade; velar para que os recintos contem com luz, temperatura e ventilação adequadas; e oferecer aos detidos alimentação básica, sana e limpa, atenção médica de urgência, produtos de asseio, roupa de cama e roupas. A partir da prolongação do tempo de detenção, as autoridades de imigração deveriam tomar as medidas necessárias para oferecer educação e recreação às pessoas privadas de liberdade. As pessoas detidas também deveriam ter acesso a telefones, poder receber e enviar correio, e poder receber visitas em condições de privacidade. Todas as condições referem-se aos meios para que as pessoas possam exercer seu direito à defesa e buscar e obter assistência jurídica. Deve ser assegurada a existência de meios para facilitar o acesso consular às pessoas detidas que o solicitem em todos os casos de detenção.  Na hipótese de acusação penal, é dever do Estado, conforme a Convenção de Viena sobre Relações Consulares e a Opinião Consultiva OC-16 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, informar a pessoa sobre a possibilidade de contatar um funcionário consular de seu país. Muitos dos princípios anteriormente enunciados são elementos básicos do devido processo legal e estão estabelecidos pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

13.          Com respeito às autoridades que desempenham funções em relação com os trabalhadores migrantes, nos parece vital que os Estados possam criar mecanismos a fim de garantir que estas pessoas cumpram com as suas funções num ambiente de respeito aos direitos humanos. A falta de mecanismos de vigilância e controle das autoridades que interagem com esta população é um elemento incisivo na incidência de violações aos direitos humanos dos trabalhadores migrantes e suas famílias, tanto nas Américas como em outras regiões. A Relatoria insta aos Estados a desenvolver programas de direitos humanos para funcionários públicos e autoridades que trabalham com trabalhadores migrantes e suas famílias. Simultaneamente, devem ser postos em prática mecanismos de supervisão, incluindo mecanismos para apresentar denúncias e fazer o acompanhamento das mesmas.

14.          Por último, a Relatoria deseja reiterar o convite aos Estados, a organizações intergovernamentais e da sociedade civil, acadêmicos e particulares, a estudar o capítulo sobre o devido processo legal do relatório anual da Relatoria do ano 2000.  O mencionado capítulo pretende estimular a discussão sobre os elementos básicos do devido processo dos procedimentos de imigração. Convidamos os funcionários governamentais, as organizações intergovernamentais e da sociedade civil, acadêmicos e particulares interessados no tema a que nos enviem comentários sobre este capítulo. Insumos e recomendações por parte dos atores mencionados nos ajudariam a impulsar o debate sobre as normas do devido processo em matéria de migrações.

 

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[92] Spener usa o  termo “traficante.” Pelo tipo de operação, a Relatoria considera que o termo traficante não coincide com o uso que este relatório  dá ao termo traficante. Por tanto, se utiliza o rótulo “operador.” 

[93] Spener, Op. cit. 139-157.

[94] OSCE. 1999. “St. Petersburg Declaration of the OSCE Parliamentary Assembly: Resolution on the Trafficking of Women and Children.” Washington  D.C.: Commission on Security and Cooperation in Europe.

[95] Na última reunião do Grupo de Consulta da CMR, Nicarágua e  a República Dominicana apresentaram estudos.

[96] Koslowski op cit. pág. 342-7.

[97] Ibid. pág., 23

[98] Seminário Regional de Especialistas para América Latina e o Caribe sobre Medidas Econômicas, Sociais e Jurídicas para Lutar Contra o Racismo com Referência Especial aos Grupos Vulneráveis. Conclusões e Recomendações, pág. 2-3

[99] As delegações de Israel e dos Estados Unidos se retiraram da Conferência.

[100] Nações Unidas, Comissão de Direitos Humanos. Grupos Específicos e Indivíduos Trabalhadores Migrantes. Relatório Apresentado pela Relatora Especial, Sra Gabriela Rodríguez Pizarro, de conformidade com a resolução 2001/52 da Comissão de Direitos Humanos, 15 de fevereiro de 2002, documento E/CN.4/2002/94.

[101] Nações Unidas, Assembléia Geral. Convênio para a Repressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição Alheia. Resolução 317(IV) de 1949.

[102] Nações Unidas, Assembléia Geral. Convenção Contra o Crime Transnacional Organizado, novembro 2000.