Efeito da Imigração sobre os Sistemas de Previdência Social

94.          Outro dos argumentos comumente usados em relação às repercussões econômicas da imigração é o efeito negativo que a presença dos imigrantes tem sobre os sistemas sociais e de bem-estar dos países receptores. O argumento a este respeito é simples: a massiva chegada de imigrantes e suas famílias, muitos dos quais pedem benefícios de saúde e educação (para seus filhos), sobrecarga excessivamente os custos da previdência social e gera desajustes nas contas fiscais. Esta situação repercute de forma negativa na economia do país receptor.

95.          O estudo da OECD anteriormente citado indica que não existe evidência conclusiva em torno da incidência da presença de imigrantes no sistema de bem-estar dos países receptores.[42] Outros estudos, porém, assinalam que os imigrantes, em especial os que estão integrados ao mercado de trabalho, mais que uma carga, representam um benefício porque contribuem com o sistema social do país receptor.  Nos Estados Unidos, por exemplo, um recente estudo da Academia Nacional de Ciências (NAS) concluiu que, embora os primeiros anos os imigrantes contribuem a incrementar os custos do sistema de bem-estar, sobretudo na educação, a longo prazo (20 anos) estas pessoas se convertem em contribuintes netos através do pagamento de impostos. Em outras palavras, através do pago de impostos os imigrantes contribuem mais do que gastam ao sistema social ou de bem-estar do país receptor.[43] Um estudo similar levado a cabo pela Divisão Populacional das Nações Unidas chegou a mesma conclusão  para o caso do Reino Unido.[44]

96.          Quanto as razões que explicam porquê os imigrantes contribuem ao sistema social dos países receptores, Simon explica que os imigrantes que se integram ao mercado de trabalho são em sua maioria pessoas jovens e fortes que gozam de boa saúde e estão em seus anos mais produtivos. Portanto, na média, não usam benefícios do sistema social, sobretudo saúde e pensões, que são os serviços mais custosos. Ainda que muitos dos imigrantes tenham família, e assim ocupam recursos do Estado destinados à educação e saúde de seus filhos, muitos outros chegam sozinhos e não necessitam destes serviços. Isto os transforma em contribuintes netos. Simon também argumenta que os filhos de imigrantes nascidos no país receptor não devem ser considerados unicamente como demandantes de serviços já que uma grande parte deles devolverá os benefícios recebidos na educação e saúde através do pagamento de impostos durante sua vida produtiva.[45]

97.          Por outro lado, é preciso ressaltar que em muitos países os imigrantes, sobretudo os sem documentação, não tem acesso ou tem acesso restringido aos benefícios estatais (isto é o resultado de políticas sociais que discriminam os migrantes). Contudo, uma grande parte destas pessoas paga impostos. Isto os converte em contribuintes netos do sistema social do país que os acolhe. Em relação a este ponto, citando estudos realizados nos Estados Unidos, Stalker ressalta que, na média, os imigrantes tem que fazer maior uso dos benefícios sociais que os cidadãos norte-americanos. Entretanto, explica, isto se deve a que os imigrantes são, em geral, muito mais pobres que a média da população local. Comparando a tendência de uso dos serviços de bem-estar, estudos determinaram que nos Estados Unidos os imigrantes tendem a ocupar menos os benefícios outorgados pelo Estado que cidadãos norte-americanos com ingressos similares.  Isto se deve em parte a que o acesso dos trabalhadores migrantes a eles é restringido, ou que estas pessoas muitas vezes não utilizam estes serviços porque temem as autoridades ou simplesmente não tem informação adequada.[46]

98.          Muitos autores também argumentam que a presença de trabalhadores migrantes ajuda o sistema de previdência social porque contribui a melhorar a estrutura demográfica dos países receptores. É importante destacar que, nos últimos anos, em muitos países desenvolvidos a população envelheceu de maneira notável. Nestes países, a distribuição da população por idade se concentrou no segmento maior. Isto se deve a uma combinação de baixas taxas de fecundidade, derivadas em parte da maior participação das mulheres no mercado de trabalho, e o aumento da expectativa de vida. Em muitos países os sistemas de pensões e de saúde se pagam mediante as contribuições das pessoas ativas (pay as you go system). Isto quer dizer que as pessoas que se aposentam dependem daquelas que continuam trabalhando e contribuindo ao sistema. Dado que o crescente envelhecimento da população ameaça a capacidade do Estado para financiar as pensões e os sistemas de saúde, muitos autores argumentam que a presença de trabalhadores migrantes nos países receptores é bastante positiva, já que aumenta o número de pessoas que aportam aos sistemas de previdência social através de sua participação ativa no mercado de trabalho. Isto permite manter o nível de prestações a seus afiliados, como aposentadorias ou pensões vitalícias. Em outras palavras, a chegada de trabalhadores migrantes ajuda a melhorar a proporção entre as pessoas ativas que trabalham e contribuem a previdência social e os beneficiados pelo sistema como aposentados e pessoas incapacitadas. Adicionalmente, os imigrantes tendem a rejuvenescer a população porque a maioria são pessoas jovens que se caracterizam por terem taxas de fertilidade mais altas. A presença destas pessoas, então, contribui ao sistema de bem-estar, porque ajuda a balancear a estrutura demográfica dos países que os acolhem.

Imigração e Crescimento Econômico

99.          A discussão sobre o impacto da imigração nas taxas de crescimento dos países receptores gera bastante menos controvérsia que os pontos anteriormente assinalados. Em geral, existe certo consenso em que a migração gera um efeito positivo sobre o crescimento dos países receptores. Estudos migrantes que usam uma perspectiva histórica reforçam esta idéia. Demógrafos, historiadores e economistas coincidem em apontar que os fluxos migrantes tiveram um impacto positivo no  crescimento econômico de países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Argentina no século XIX e a primeira metade do século XX.[47] Do mesmo modo,  o acesso quase ilimitado de mão-de-obra derivada da imigração de centenas de milhares de pessoas das colônias ou de trabalhadores imigrantes (guest workers) de muitos estados europeus (França, Alemanha, Suíça e o Reino Unido) foi um importante fator no rápido crescimento destes países entre 1950-1973.[48]

100.          Apesar destes exemplos históricos, a partir da crise do petróleo (1973), que acarretou uma forte recessão econômica, sobretudo na Europa, certos grupos e partidos políticos começaram a questionar o impacto da imigração sobre o crescimento econômico de seus países. Essa visão persiste em alguns setores que argumentam que a imigração contemporânea é muito distinta e muito menos benéfica que a dos anos cinquenta e sessenta. Investigações recentes, porém, reafirmam que a imigração exerce um efeito positivo no crescimento. Em seu estudo de 1993, a OECD indica que a imigração contribui de maneira positiva ao crescimento do país receptor, ainda que afirme que o efeito não é demasiado grande. O trabalho baseia-se em estudos realizados nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Europa.[49] 

101.          Vários motivos determinam que a imigração contribui positivamente para o crescimento econômico. Primeiro, como explicado antes, a chegada de imigrantes gera mais consumo e em muitas ocasiões contribui para melhorar a produtividade da economia (por exemplo, ao criar economias de escala na produção). Os imigrantes também contribuem para a poupança, já que em geral tem uma forte propensão marginal a poupar. Mais importante ainda, a imigração ajuda a aumentar a eficiência econômica e a produtividade, uma vez que permite transferir trabalhadores de áreas improdutivas a setores produtivos da economia. Um exemplo disto é a chegada de trabalhadoras que se empregam de babás ou empregadas domésticas que permitem a mulheres, muitas delas profissionais, integrarem a força de trabalho.  Adicionalmente, a chegada de imigrantes ajuda a evitar lacunas na produção, pois estas pessoas podem  cobrir vagas de trabalho que,  por diversas razões, o mercado de trabalho  não está em condições de preencher. [50]

102.          Entretanto, a imigração também pode gerar efeitos negativos sobre o crescimento.  Mão-de-obra redundante nos lugares de trabalho pode diminuir a produtividade.[51]  Além disso, com já indicado anteriormente, a presença de imigrantes pode em determinados momentos inibir o processo de desenvolvimento tecnológico (empregadores podem utilizar mão-de-obra barata e manter a competitividade) o que, em longo prazo, afeta negativamente o crescimento.[52]

103.          Em suma, esta seção mostrou que o impacto econômico da imigração nos países receptores tende a ser positivo, ainda que marginal na maioria das vezes.  A imigração ajuda a manter o sistema de previdência social, tem um efeito pequeno mas positivo no crescimento econômico, e não necessariamente reduz os salários ou gera desemprego entre os trabalhadores locais.

Efeito Econômico da Migração nos Países Emissores

104.          O impacto econômico da migração provoca bastante menos controvérsia quando se trata dos efeitos sobre os países emissores. Esta tendência é curiosa porque não está totalmente claro que a emigração somente gera efeitos positivos para países emissores. Entre os aspectos positivos da emigração sobre a economia de países emissores, a saída de pessoas muitas vezes representa uma válvula de escape para crescentes problemas sociais. Muitos países pobres caracterizados por uma vasta população pouco qualificada e desemprego estrutural promovem a emigração para aliviar pressões sobre os serviços sociais e desfazer-se de mão-de-obra redundante. Outro dos argumentos comumente citados é que os países de origem também podem estar interessados em promover a emigração para assegurar as remessas enviadas por seus cidadãos, dinheiro que para muitos países constitui uma importante fonte de ingressos. Adicionalmente, os Estados de origem também podem promover a emigração para incentivar a formação de pessoal qualificado no estrangeiro. Entre as características negativas da emigração na economia dos países emissores, se menciona freqüentemente o êxodo de pessoas, sobretudo indivíduos com alta formação, o que pode levar a perda de capital humano. Também há índicos que o envio de remessas pode gerar dependência econômica e incentivos perversos, por exemplo, a falta de incentivo do Estado em postergar certos serviços básicos porque as pessoas podem aceder a eles graças as remessas que recebem.[53]

105.          A seguinte seção analisa brevemente o impacto econômico da emigração nos países de origem. A análise se centra em dois pontos mais relevantes discutidos pela literatura: as remessas e o impacto do êxodo de trabalhadores.

Remessas

106.          Para muitos estados as remessas (envios de dinheiro a seu país de origem por parte de nacionais de um país que residem no estrangeiro) são de vital importância. Os envios de dinheiro de nacionais radicados no estrangeiro representam uma das fontes de ingresso de divisas mais importantes para muitos países. Para estados como Jordânia e o Iêmen as remessas representam mais de 20 por cento do valor do produto interno bruto (PIB).[54] Adicionalmente, para muitos países, estes envios se transformam em um valioso instrumento de política macroeconômica, uma vez que ocupam este dinheiro para ajustar balanças de pagos deficitárias. No caso das Américas, as remessas são muito importantes para vários países. Das vinte principais nações  receptoras de remessas do mundo, seis encontram-se na região: México, República Dominicana, El Salvador, Brasil, Equador e Peru.[55]

107.          Talvez o tema mais relevante em torno das remessas esteja relacionado com os efeitos que gera na economia do país de origem dos trabalhadores migrantes. Ainda que não se tenham sido realizados muitos estudos a respeito, os poucos que existem suscitam bastante controvérsia. Alguns investigadores crêem que o efeito das remessas é negativo, outros pelo contrário o consideram positivo. Infelizmente, a discussão não chegou a conclusões definitivas, de modo que é difícil proporcionar uma visão acabada e conclusiva sobre o problema.

108.          O debate sobre o efeito das remessas enviadas a México oferece um bom exemplo do conteúdo da discussão. Vários estudos realizados sobre o efeito das remessas para comunidades mexicanas argumentam que a migração aos Estados Unidos gera dependência econômica e inibe o desenvolvimento autônomo. Um resumo destes estudos concluiu que a maioria dos investigadores considerava as remessas meramente como um paliativo, já que geralmente são utilizadas para adquirir bens de consumo, saúde, comida, e casa, e raramente se transformam em bens de capital (ferramentas, investimentos) que poderiam gerar desenvolvimento e aumentar a produção.[56] Um recente estudo, porém, sustenta o contrário e indica que as remessas são uma importante fonte de crescimento econômico e que tem um efeito positivo na  economia em termos macroeconômicos. O estudo defende que a entrada anual de cerca de um bilhão de dólares a México gera uma atividade econômica de  3% do PIB.[57]

109.          Em suma, dado o conhecimento atual, não é possível pronunciar-se definitivamente com respeito ao impacto das remessas nas economias dos países emissores. Somente é possível assinalar que os expertos estão divididos a respeito e que provavelmente os efeitos sejam mais de ordem mista, com elementos positivos e outros negativos.

O impacto do êxodo de trabalhadores

110.          O impacto gerado pelo êxodo de trabalhadores é talvez o único ponto onde existe consenso sobre os efeitos da migração na economia dos países. Em geral, os autores coincidem em assinalar que a fuga de mão-de-obra é negativa para o país emissor, sobretudo no caso de mão-de-obra qualificada. A perda de pessoal altamente capacitado como engenheiros, advogados, médicos, científicos e outros profissionais  repercute negativamente na produtividade da economia do país emissor. É preciso recordar que muitas vezes o Estado investiu muitos recursos na formação destas pessoas e que, portanto, sua partida tem consequência negativa para o país emissor. No caso dos científicos mais qualificados, sua emigração significa que o país se verá privado de pessoas difíceis de substituir e dificultará ainda mais o desenvolvimento de investigação local. O êxodo de pessoal médico como doutores, enfermeiras, psicólogos,  paramédicos, e professores também gera uma grave perda para os países e geralmente pode gerar escassez de profissionais em setores chaves como a saúde e a educação. É preciso assinalar, entretanto, que em muitos países em desenvolvimento, o Estado tende a formar mais profissionais que o mercado de trabalho pode absorver.[58]

111.          Parte do problema referente à migração de pessoas qualificadas de países emissores está relacionada com as políticas dos países receptores que incentivam aos melhores elementos de países em desenvolvimento a migrar, ao oferecer-lhes melhores salários e condições de trabalho. O outorgamento de bolsas de estudos avançados também atua como ímã para a emigração. Nesse sentido, muitos dos bolsistas, uma vez finalizados seus estudos, não retornam a seus países de origem.  Recentemente, porém, países tradicionalmente emissores começaram a receber profissionais de países receptores (desenvolvidos) que são contratados por empresas multinacionais ou acabam migrando porque, apesar de sua qualificação, não encontram trabalhos adequados em seus países. Embora esta seja uma tendência crescente seu número é ainda pequeno.[59]

112.          Nas Américas são evidentes os efeitos negativos da emigração para o desenvolvimento econômico dos países. No caso dos países caribenhos é bastante ilustrativo. Na Jamaica e Trinidad e Tobago, por exemplo, sessenta por cento das pessoas com educação universitária vivem atualmente nos Estados Unidos. A Guiana, por outro lado, perdeu quase setenta por cento de seus universitários.[60] Claramente, um êxodo tão massivo de pessoas com maior capacitação afeta o desenvolvimento destes países.

113.          Anteriormente foi assinalado que certos países estimulam a emigração de pessoas com pouca qualificação para reduzir o volume de mão-de-obra abundante que a economia não é capaz de absorver. As pessoas mais capacitadas e empreendedoras são as que emigram em busca de melhores oportunidades de trabalho ou uma remuneração melhor. Deste modo, sãos as próprias ações do estado que o priva das pessoas necessárias para estimular o desenvolvimento econômico. Simon argumenta que esta tendência afeta de forma significativa o desenvolvimento econômico de um país.[61]

114.          Em resumo, é possível concluir que, ao contrário do que se afirma, não existem provas conclusivas que os efeitos da migração sobre a economia sejam negativos. Isto é especialmente correto no caso dos países receptores, a pouca evidência tende a indicar que o efeito é positivo, ainda que leve. A este respeito, a maioria dos estudos coincide em que o impacto da imigração no mercado de trabalho e nas taxas de remuneração do país receptor é leve em termos macroeconômicos. Todavia, muitos autores reconhecem que a imigração pode repercutir negativamente no nível de salários e nas taxas de emprego dos nacionais em certos setores e indústrias específicas. Com relação a serviços sociais, a literatura indica que o efeito da imigração é positivo, sobretudo os aportes dos trabalhadores migrantes através do pagamento de impostos e por sua contribuição para o rejuvenescimento da população, o que contribui para balancear o custo dos serviços sociais estatais. De igual modo, as investigações concordam que a migração tem efeitos positivos, ainda que leves, sobre o crescimento econômico dos países receptores. No que se refere aos países emissores, não existe consenso sobre os efeitos econômicos das remessas, enquanto que existe certo acordo em que o êxodo de trabalhadores migrantes, e não exclusivamente o de pessoas qualificadas, tem repercussões negativas para o Estado emissor.

115.          A Relatoria considera muito importante o desenvolvimento de estudos sobre as repercussões econômicas da migração nas Américas, tanto em países emissores como receptores. Sendo assim, a Relatoria exorta aos centros de investigação a promover estudos desta natureza que contribuam ao conhecimento deste importante tema, sobretudo em países onde existe pouca informação a respeito.

V.          CONDUÇÃO, CONTRABANDO E TRÁFICO DE MIGRANTES

116.          Este tema tornou-se extremamente relevante. Numerosos Estados expressaram sua preocupação perante a crescente influência e poder que adquiriram os grupos dedicados ao contrabando, tráfico e venda de pessoas em condições de semi-escravidão. Os Estados manifestaram sua inquietude porque percebem que o problema é crescente e que repercute negativamente na sua capacidade para controlar os fluxos migrantes e a entrada de estrangeiros em seus territórios. Vários Estados receptores perceberam que o controle da entrada de pessoas em seus territórios está sendo burlado constantemente. Tanto Estados como as organizações interessadas em garantir e proteger os direitos humanos vem mostrando sua preocupação pelo tema porque, às vezes as pessoas que recorrem aos serviços de contrabandistas ou traficantes terminam sendo vítimas destes grupos. Entre os vários abusos cometidos por estes grupos contra seus clientes inclui a exploração trabalhista, violência física ou sexual, roubo, intimidação, usura e extorsão. Nos casos em que não estão presentes estes abusos, a contratação de serviços ilegais com organizações dedicadas a burlar as leis coloca os trabalhadores em situações de grave risco para suas vidas e de total falta de defesa dos seus direitos. 

117.          Dada sua natureza clandestina, é difícil determinar a real dimensão deste problema. Entretanto, se estima que o tráfico, contrabando e condução de migrantes aumentou consideravelmente na última década. Algumas investigações confirmam esta tendência. Baseados em estudos realizados no México, Singer e Massey estimaram  que cerca de três quartos dos migrantes mexicanos que pela primeira vez tentaram ingressar ao território norte-americano e dois terços daqueles que tentaram entrar subsequentemente recorreram ao serviços de contrabandistas ou traficantes.[62] A tendência também está ilustrada pelo crescente número de detenções nas fronteiras de países receptores e de trânsito. Nos Estados Unidos, por exemplo, as detenções da Patrulha Fronteiriça (Border Patrol) aumentaram de 1.3 milhões de pessoas em 1997 a 1.6 milhões em 1999.[63] Os autores advertem, porém, que o crescimento do número de pessoas detidas tentando ingressar de forma ilícita no território de um país não necessariamente implica que exista um maior tráfico, contrabando e condução de pessoas, mas que pode significar que se está procedendo a melhores controles fronteiriços.[64] Segundo o estudo da OIM, provavelmente a organização que mais estuda o problema, cerca de 4 milhões de migrantes, incluídos refugiados, contrataram os serviços de traficantes, contrabandistas e condutores em 1997. O mesmo estudo indica que a indústria do contrabando ou o tráfico de migrantes gera em um ano entre 5 e 7 bilhões de dólares norte-americanos.[65] Nesse sentido, alguns autores coincidem em indicar que o tráfico de pessoas se converteu em um negócio tão lucrativo que atualmente compete com o tráfico de entorpecentes.[66]

118.          A próxima parte do relatório anual examina brevemente este importante tema. O objetivo desta seção é esclarecer as principais características deste fenômeno e determinar quais são suas consequências para os Estados e os trabalhadores migrantes e suas famílias. A seção começa com uma breve descrição do fenômeno a nível mundial e nas Américas. Entre outras coisas, define-se o fenômeno e descreve-se suas características e as razões de seu crescente desenvolvimento na última década. Para proporcionar uma visão mais exaustiva, o capítulo prossegue com uma descrição de como operam estes  grupos. Em particular se examina a ação de grupos que traficam, contrabandeiam e conduzem pessoas através da fronteira entre México e Estados Unidos. Subsequentemente, examina-se a ação dos governos para controlar este problema, em particular, as medidas tomadas pelos Estados de forma multilateral. As conclusões estão expostas na última seção. 

A Natureza e Características do Tráfico de Pessoas

119.          Tendo em vista que o  tráfico de pessoas é um fenômeno complexo, não existe uma definição geralmente aceita do problema. Segundo a OIM, tráfico de pessoas é uma atividade que envolve quatro aspectos ou componentes: (1) uma pessoa que atua como traficante ou intermediário e que facilita a ultrapassagem de fronteiras; (2) o pagamento ao traficante por seus serviços, seja pelo cliente ou alguém  em seu nome; (3) a forma de entrar ao país de destino é ilegal ou  requer sucessivos atos ilegais para ser executada; e (4) existe a vontade do cliente de recorrer os serviços do traficante.[67] O Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Terra, Mar e Ar que complementa a Convenção das Nações Unidas Contra a Delinquência Organizada Transnacional define o tráfico ilícito de migrantes como: “a facilitação da entrada ilegal de uma pessoa em um Estado Parte do qual esta pessoa não seja nacional ou residente permanente com o fim de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício de ordem material.”[68] O Grupo de Especialistas do Processo de Budapeste, designado para combater a migração ilegal, dá um passo mais adiante em sua definição ao distinguir dois tipos de tráfico. Por um lado, o tráfico ilegal de migrantes é uma ação definida como uma atividade deliberada destinada a facilitar, em troca de ganho financeiro, a entrada, residência ou o emprego de um estrangeiro no território de um Estado do qual a pessoa não é nacional e que viola as normas e condições desse Estado. Adicionalmente, o grupo de especialistas refere-se ao tráfico de seres humanos, ação que define como o ato de subjugar uma pessoa através do uso de violência, intimidação, abuso de autoridade ou enganos com a idéia de submetê-lo a exploração através da prostituição, formas de exploração sexual, o abuso de menores ou o comércio de menores abandonados.[69] Salt e Stein, por sua parte, definem o tráfico de migrantes como um negócio internacional que envolve o movimento sistemático e o  comércio de pessoas como bens de intercâmbio através de diversas vias e que potencialmente envolve vários agentes, intermediários e instituições.[70]

120.          As definições recém mencionadas transpõem a complexidade de um fenômeno que muitas vezes é simplificado quando se leva em consideração  unicamente como um delito cometido por organizações criminais que fazem vítimas a pessoas inocentes que tratam de emigrar em busca de um futuro melhor. Entretanto, conforme indicam as definições apresentadas, o tráfico é um fenômeno bastante abstruso e confuso caracterizado por diversas manifestações, muitas das quais não tem  elementos de abuso. Kyle e Dale distinguem entre duas categorias úteis que ajudam a entender melhor o fenômeno: por um lado, falam de operações de exportação de migrantes e pelo outro de operações de importação de escravos.[71]

Operações de Exportação (Condução e Contrabando) de Migrantes

121.          Segundo estes autores, existem pessoas ou organizações que oferecem serviços para facilitar a entrada de uma pessoa a um Estado do qual não é nacional ou residente permanente. O vínculo comercial entre essas partes tem lugar de maneira livre e soberana. Em outras palavras, a pessoa que quer entrar em um determinado país contrata os serviços de certos agentes em troca do pagamento de uma determinada soma. Uma vez que o serviço é finalizado de acordo as condições acordadas, cessa a relação entre o condutor ou contrabandista e o migrante.  A Relatoria define este tipo de atividade como contrabando de pessoas, já que estes grupos tentam introduzir pessoas evadindo os controles estatais, ação que se assemelha ao contrabando de espécie.

122.          É importante explicar, porém, que os serviços que uma pessoa pode contratar podem ser muito diferentes. Uma pessoa pode pagar somente para que lhe ajudem a cruzar uma fronteira ou ser transportado a seu destino por terra, mar o ar. Também pode pagar para conseguir documentação, seja falsificada ou legal (por exemplo, através de subornos a funcionários públicos). Algumas pessoas solicitam para ser guiadas através do território de um Estado e fugir da vigilância das autoridades. Essa mesma pessoa pode contratar um serviço muito mais completo que inclui: transporte e guia desde o lugar de origem, muitas vezes através de diversos países, documentação e incluso contatos para conseguir um emprego no lugar de destino. Casa serviço tem um custo diferente. O cruzamento da fronteira mexicana/norte-americana com a ajuda de um guia pode custar entre 250 a 900 dólares,[72] dependendo do lugar na fronteira.[73]  A viagem em barco ou lancha rápida entre Marrocos e Espanha custa cerca de 500 dólares, enquanto que a travessia de Iraque e Kurdistão às costas da Itália custa entre 2.000 e 8.000 dólares.[74] A viagem de um cidadão chinês desde Fujian, uma província costeira na China a Nova York, onde normalmente tem assegurado um emprego, vale entre 30.000 e 35.000 dólares.[75]

123.          Cabe destacar que os agentes que oferecem os serviços acima mencionados também variam bastante. Existem indivíduos dedicados ao negócio, como guias e capitães de embarcações, por exemplo, que somente se dedicam a ajudar as pessoas a cruzar fronteiras ou transportá-las em bote ou por terra. A Relatoria define estas pessoas como condutores. Simultaneamente, existem contrabandistas que, pelo contrário, criaram uma complexa rede capaz de prover um serviço completo incluindo transporte, documentação, guia, e contato com empregadores nos países receptores. Em muitos casos, estas pessoas oferecem proteção a seus clientes. Na grande maioria dos casos, organizações dedicadas ao contrabando estão compostas por famílias de imigrantes que tem muita experiência, conhecimento e contatos, tanto nos países de origem como nos países receptores. Ao contrário da crença comum, muitos autores indicam que este tipo de organizações nem sempre são entidades criminais e que seus agentes não tem antecedente criminal ou vinculações com o crime organizado. [76] Apesar de se dedicarem a atividades que se encontraram tipificadas como delito, em alguns países os condutores ou contrabandistas respondem a uma demanda ou necessidade nos países emissores de migrantes.

124.          Em relação ao caso mexicano, Andreas explica que, ainda que tenham sido reportados muitos incidentes de roubo e excessos por parte dos contrabandistas ou condutores, estas pessoas geralmente finalizam o serviço e não abusam de seus clientes. Este investigador explica que os contrabandistas e condutores vivem de sua reputação; em outras palavras, de pessoas que usam seus serviços e que se sentem satisfeitos e os recomendam a seus familiares e amigos ou voltam a contratá-los quando querem ingressar novamente nos Estados Unidos. Ademais, justamente para evitar abusos, em geral, os clientes insistem em pagar somente depois que chegam sãos e salvos a seu destino (ainda que muitas vezes tenham  que pagar ao menos uma parte adiantada). Portanto, os contrabandistas ou condutores têm um grande interesse em preservar a integridade do cliente. Andreas explica que no México, embora esta atividade seja considerada ilegal, é vista como relativamente inócua.[77]

125.          Outras organizações dedicadas ao contrabando de migrantes, porém, correspondem às máfias organizadas. Um dos casos mais notáveis é o de traficantes de origem chinesa, comumente conhecidos como Snakeheads (Cabeças de Serpente) ou she tou (contrabandistas). Estudos sobre o tráfico de nacionais chineses aos  Estados Unidos  indicam que estas organizações estão envolvidas em uma vasta rede de atividades ilícitas que inclui, entre outras coisas, prostituição, extorsão, produção de documentos falsos, e suborno de oficiais da migração tanto na China como nos países de destino. Segundo investigações policiais, os chamados Snakeheads são de origem taiwanés e teriam amplia vinculação com os serviços de inteligência desse país. Estes contatos lhes permitem possuir uma amplia rede de colaboradores em várias dezenas de países na Ásia, Europa, Meio Oriente, Centro e Norte América.[78]

Operação de Tráfico (Importação) de Pessoas em Condições de Escravidão

126.          Ao contrário das operações de contrabando ou condução de migrantes que, como indicado antes, implicam numa transação comercial mutuamente acordada, o tráfico de pessoas, na opinião da Relatoria, implica elementos de violência, coerção e engano com o objetivo de explorar as pessoas (geralmente mulheres e crianças) para obter um benefício monetário. Esta atividade é realizada exclusivamente por organizações criminais envolvidas em negócios ilícitos, em particular exploração sexual de mulheres e menores. Por outro lado, estas organizações também submetem as  pessoas a condições de semi-escravidão ao forçá-las ao serviço doméstico, fábricas de montagem ou manufatura (normalmente na indústria de roupa e calçado) ou como trabalhadoras sexuais sem gozo ou salário ou liberdade para moverem-se. Ao contrário das operações de contrabando de migrantes, neste caso o negócio quase sempre envolve corrupção das autoridades no país de destino, seja porque estão implicadas no  negócio, seja porque, embora sabendo da existência de situações em que certas pessoas estão submetidas a estes terríveis abusos, não  tomam providências.[79]

127.          A maioria das vítimas de tráfico é enganada pelos membros destas organizações criminais. Representantes destas máfias, geralmente mulheres ou pessoas de aparência respeitável que se fazem passar por empresários, estabelecem contato com as vítimas e lhes oferecem a possibilidade de trabalho no país de destino. As mulheres recebem ofertas para trabalhar, por exemplo, como bailarinas, garçonetes ou babás. Freqüentemente, a atividade está disfarçada como uma operação de exportação de migrantes. Em outras palavras, a vítima aceita viajar ao país de destino sem documentação ou com documentos de viaje e visto falsos. Uma vez que a pessoa aceita os termos, a operação começa: os traficantes contrabandeiam a pessoa ao país de destino e quando chegam lhe privam a liberdade, lhe tiram seus documentos de viaje, se estes são legítimos e a forçam a trabalhar nas atividades antes mencionadas. Estes grupos obrigam as pessoas a pagar o serviço prestado (isto é, os gastos do transporte e das manobras para adentrar com ela  no país de destino) em troca de condições de trabalho de semi-escravidão. Em algumas ocasiones os traficantes tomam vantagem da ignorância e muitas vezes das barreiras idiomáticas dos migrantes para cobrar-lhes somas exorbitantes e para fazê-los acreditar que a  remuneração por seu trabalho é justa. Conscientes do temor e da ignorância das vítimas em relação aos seus direitos e a sua situação de imigrante, os membros destes grupos também ameaçam as suas vítimas em entregá-las as autoridades locais dizendo-lhes que serão submetidas a longas penas de prisão por ter ingressado ao país de forma irregular. A intimidação e a violência quase sempre estão presentes. As vítimas do tráfico que resistem são abusadas fisicamente, golpeadas ou assassinadas. As vítimas deste tipo de tráfico são, em geral, pessoas com baixa instrução, sem  recursos, família, ou conexões, que por desespero embarcam nestas operações sem  informação alguma.[80]

128.          Em resumo, é possível distinguir entre duas formas diferentes de tráfico de pessoas. Por um lado, a condução ou contrabando de pessoas, um negócio que está acordado entre as partes e que é efetuado por diversos tipos de organizações com diversos graus de sofisticação, desde porteiros até grupos bastante sofisticados, algumas das quais incorrem em atividades ilícitas. No caso destas atividades a pessoa, mais que uma vítima, é um cliente.  Por outro lado, existem organizações dedicadas ao tráfico e a exportação de pessoas em condições de escravidão que claramente exercem uma atividade criminal e que abusam de suas vítimas recorrendo a ameaças, violência, engano (ou a combinações de todos os anteriores abusos) com o fim de lucrar através da exploração destas pessoas.

Razões que Explicam o Aumento do Contrabando, Condução e Tráfico de Pessoas

129.          Quase todos os investigadores coincidem em assinalar que o aumento da condução, contrabando e tráfico de pessoas representa uma consequência dos novos controles de imigração impostos pelos Estados. A partir de 1990, a maioria dos Estados desenvolvidos, entre eles os países da Europa ocidental, Austrália, Estados Unidos e Canadá, intensificaram medidas de controle de imigração a fim de prevenir a entrada de imigrantes irregulares. Ao mesmo tempo, os Estados restringiram as quotas de pessoas que solicitam status de refugiado. Estas medidas resultaram nos fenômenos que ocorreram simultaneamente. Por um lado, problemas econômicos internos, sobretudo altas taxas de desocupação, o que criou uma rejeição da presença de estrangeiros nos países receptores. Por outro lado, um aumento das pressões migratórias devido à desestabilidade política e econômica nos países em desenvolvimento. O desmembramento da União Soviética, em particular, precipitou um enorme temor na Europa sobre um massivo êxodo de pessoas procedentes das novas repúblicas independentes (por exemplo, Geórgia, Armênia, Estônia, Lituânia, Letônia, Ucrânia, Bielorussia, Cazaquistão, entre outras) e dos países satélites da União Soviética (România, Bulgária, Hungria, República Tcheca, Albânia), situação que finalmente não aconteceu.[81]

130.          Nesse contexto, os Estados redobraram esforços por controlar os fluxos de migrantes e impedir a entrada de estrangeiros e, inclusive, de refugiados. Para isto, tomaram uma série de medidas dissuasivas, entre elas, o reforço da vigilância fronteiriça, através do aumento na dotação de guardas fronteiriços e a instalação de novos equipamentos tecnológicos; multas a empresas de transporte que levem pessoas sem a documentação adequada; cooperação internacional para o estabelecimento de mecanismos coordenados para controlar a imigração; medidas para evitar a falsificação de documentos de viagem; estabelecimento em muitos países de nova legislação penal para castigar as pessoas envolvidas no tráfico de pessoas; e diminuição das quotas de refúgio e maior inflexibilidade na determinação do status de refugiado.[82]

131.          Os Estados Unidos são um dos casos em que a tendência descrita se observa de forma manifesta. Neste país, o nível de vigilância na fronteira, sobretudo a fronteira sul com o México, aumentou a níveis sem precedentes. Como parte de uma estratégia dissuasiva que tem a finalidade de prevenir a migração irregular implementada a partir de 1993, o Serviço de Imigração e Naturalização (INS) reforçou todos os controles fronteiriços.[83] A administração democrata do Presidente Clinton aumentou o orçamento do INS de 1.500 milhões de dólares em 1993 a 4.000 milhões em 1999. Parte destes recursos foram destinados a reforçar o controle de fronteira. O orçamento que o INS designa para esta área aumentou de 400 a 877 milhões de dólares entre 1993 e 1998. Os novos recursos foram utilizados para contratar mais agentes para patrulhar a fronteira sul (estes aumentaram de 3.389 em 1993 a 7.231 em 1998) e para instalar modernos equipamentos tecnológicos como luzes, câmaras, equipamentos de deteção infravermelhos, censores de movimento, helicópteros e veículos quatro por quatro. Com a colaboração de reservistas do Exército, as autoridades de imigração também construíram defesas e muros de contenção de vários quilômetros em várias áreas da fronteira, sobretudo cerca de áreas fronteiriças como San Diego, El Paso, Laredo e Nogales. As autoridades também colocaram em marcha diversos planos de contingência ou operações especiais (Operation Gate Keeper em San Diego California, Safe Guard em Nogales, Arizona e Operation Hold the Line em El Paso, Texas) para combater o cruzamento de pessoas sem documentação na fronteira. Para complementar estas medidas fizeram reformas à legislação de imigração de 1986.[84]. O Congresso norte-americano aprovou a lei sobre Imigração Ilegal e Responsabilidade do Imigrante de 1996 (Ilegal Immigration and Immigrant Responsibility Act).

132.          No final da década de noventa, as dimensões do fenômeno do tráfico de pessoas, particularmente mulheres e crianças, levaram ao Governo norte-americano a liderar iniciativas nacionais e internacionais dirigidas a controlar uma prática que em geral ficava na impunidade. Fruto deste período é um dos protocolos (III) adicionais à Convenção Transnacional Sobre o Crime Organizado e a legislação relativa a Proteção de Vítimas de Tráfico e Violência (Victims of Trafficking and Violence Protection Act 2000). Com estes instrumentos, as autoridades norte-americanas não somente aumentaram o número de fiscais (procuradores) encarregados de casos de tráfico de pessoas, mas também estenderam as prerrogativas e poderes que estes funcionários têm no curso de suas investigações.[85] De fato, como parte destas medidas se formou um grupo especial para combater o tráfico de pessoas.[86]  Não obstante, é importante ter em conta que a legislação norte-americana somente faz referência às vítimas de tráfico que sejam menores de idade ou as pessoas que tenham sido traficadas para ser exploradas sexualmente, deixando de lado a uma parte considerável dos casos. Nesse sentido, os esforços se centralizam na penalização do fenômeno. Naqueles casos em que se incluem medidas para proteger as vítimas para ter acesso a estas, é necessário ter colaborado efetivamente no processo penal contra os traficantes.

133.          Embora o caso norte-americano seja muito ilustrativo, por certo não é o único. A vigilância nas fronteiras dos países membros da União Européia, Canadá, Noruega e Austrália sofreram  uma evolução similar. Alemanha, por exemplo, investiu enormes recursos na patrulha de sua fronteira oriental com a Polônia e a República Tcheca. Entre outras coisas, o Governo alemão entregou um equipamento e efetuou treinamento a oficiais de migração nesses países.[87] Muitos países em desenvolvimento que atraem migração como México, Costa Rica, Argentina, Malásia, a República de Coréia, África do Sul, entre outros, também reforçaram seus controles de imigração para evitar o ingresso de pessoas sem documentação.[88]  

134.          Os investigadores coincidem em que, ironicamente, a propensão das pessoas a utilizar os serviços de contrabandistas e cair em redes de tráfico para entrar a países receptores foi justamente provocada pela imposição de maiores controles de imigração. Andreas, por exemplo, explica que o controle de imigração na fronteira mexicana/norte-americana foi quase simbólico por 150 anos (entre 1848-1990). Devido a inexistência de controles, o passo era relativamente simples e as pessoas cruzavam sozinhas a fronteira ou recorriam a mecanismos informais, como pedir conselho ou ajuda a locais ou familiares que residiam no lado norte-americano. Nesse contexto, contratar os serviços de contrabandistas (coyotes) era mais um luxo. Depois da imposição de férreos controles, porém, contratar “serviços especializados” é uma necessidade, já que outra maneira resulta praticamente impossível burlar a vigilância sem expor-se ao risco de cruzar por zonas baldias e isoladas como o deserto de Arizona, onde as condições naturais extremas dificultam ainda mais a viagem.[89] Bimal Ghosh coincide com Andreas e argumenta que, num cenário onde existem fortes pressões migratórias sobre países receptores e grandes incentivos para emigrar em países emissores, os controles de migração por si mesmos não conseguem diminuir a imigração; ao contrário, forçam as pessoas desejosas de tentar fortuna em outro país a recorrer aos serviços de grupos dedicados ao contrabando de pessoas.[90]

135.          O incremento da vigilância impensadamente também contribuiu para gerar outro tipo de aspecto negativo que facilitou à sofisticação dos grupos dedicados ao contrabando, condução ou tráfico. A maior vigilância e o aumento das penas as pessoas envolvidas neste negócio aumentou os riscos e os custos destas organizações. Obedecendo as leis do mercado, estas organizações passaram a seus clientes os novos custos do negócio ao subir substancialmente o preço dos serviços. Se os clientes não estiverem em condições ou dispostos a pagar os novos custos, o negócio provavelmente desapareceria.  Entretanto, devido aos  preços que os clientes estão dispostos a pagar, a vezes até 35.000 dólares como no caso de pessoas procedentes da China, resulta evidente que o negócio continua. A alta dos preços permitiu a estas organizações possuir uma maior quantidade de recursos, que foi usado na compra de equipamento de última geração como detectores, equipamentos de comunicações para captar as transmissões dos guardas fronteiriços ou guarda-costas, meios de transporte como lanchas rápidas, caminhões, aviões, todos destinados a elidir a vigilância estatal. Por outro lado, o incremento dos controles tirou do mercado numerosas organizações dedicadas a contrabandear pessoas através da fronteira e que não puderam adaptar-se as novas circunstâncias.  Isto levou, em muitas partes, a uma maior consolidação do negócio do tráfico e contrabando de pessoas em mãos de menos grupos, mas grupos mais fortes e bem organizados. Em outras palavras, um aumento na vigilância estatal repercutiu na sofisticação das organizações dedicadas ao tráfico de pessoas e na consolidação do negócio nas mãos de menos grupos.[91]         

 

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[42] Tapinos, Op. Cit., pág. 170

[43] Smith, Jamês e Garry Edmonton.1997. The New Americans: Economic, Demographic, and Fiscal Effects of Immigration. National Academy Press.

[44] Nações Unidas Divisão de População. 2000. Replacement Migration ? Is it a Solution to Declining and Aging Population? New York: United Nations.

[45] Este autor assinala, entretanto que os benefícios entregados pelos imigrantes ao sistema de bem-estar se anulariam no caso de que se privatizasse a saúde e os sistemas de pensões. Simon, Op. Cit., 233-241.

[46] Stalker 2001, Op. Cit., 82-6.

[47] Castles e Miller, Op. Cit., pág. 67-79.

[48] Kindelberger, Charles. 1967. Europe’s Postwar Growth. The Role of Labor Supply. New York: Harvard University Press.

[49] Tapinos, Op. Cit.,. pág. 157, 165.

[50] Tapinos, Op. Cit., pág., 166-8; Stalker 2000 op cit., pág. 90; Simon op cit., 232-3

[51] Simon, Op. Cit. 246-8.

[52] Stalker 2000, Op. Cit. pág. 200.

[53] Weiner, Myron. 1995. The Global Migration Crisis: Challenges to States and Human Rights. New York: Harper Collins College Publishers, pág. 140-144. .

[54] Stalker 2001, Op. Cit., pág. 110.

[55] Stalker 2001, Op cit., pág. 110.

[56] Durand, Jorge, e Douglas S. Massey. 1992. “ Mexican Migration to the United States: A Critical Review.” Journal of Latin American Studies 27 (2), pág. 40-3

[57] Durand, Jorge, Parrado, Emilio A, e Douglas S. Massey. 1996. “Migradollars and Development: A Reconsideration of the Mexican Case.” International Migration Review 30 (2), pág., 423-6.

[58] Stalker 2001,  Op. Cit., 100-118.

[59] Ibid. 100-118

[60] Ibid. 103.

[61] Ibid. 103-5.

[62] Singer, Audrey e Douglas Massey. 1998. “The Social Process of Undocumented Border Crossing Among Mexican Migrants.” International Migration Review 32 (3) 577.

[63]  Cerca de outras duzentas mil pessoas foram detidas por outras agências estatais, o que leva o número total de detenções a 1.8 millhões. Immigration and Naturalization Service. 2000. Statistical Yearbook. Table 6 Deportable Aliens Located by Program, Border Patrol Sector and Investigations District, Fiscal Year 1999-2000. http://www.ins.gov/graphics/about ins/statistics/enforce.htm

[64] Kyle, David e Rey Koslowski. 2001.”Introduction”. In Global Human Smuggling: Comparative Perspectives, edited by David Kyle and Rey Koslowski. Baltimore: Johns Hopkins University Press, pág. 4.

[65] OIM. 1997. “Trafficking in Migrants: IOM Policy and Activities.” http://www.iom.ch/IOM/Trafficking/IOM_Policy. html

[66] Andreas sugere que algumas bandas deixam o tráfico de drogas para incursionar no de pessoas, porque esta atividade é quase tão rentável e muito menos perigosa. Andreas, Peter. 2001. “The Transformation of Mexican Smuggling Across de US-Mexican Border.” In Global Human Smuggling: Comparative Perspectives, edited by David Kyle and Rey Koslowski. Baltimore: Johns Hopkins University Press. Asimismo, Koslowski explica que há pouca cooperação entre narcotraficantes e traficantes de pessoas no México, porém existe no caso de Europa Ocidental e Ásia. Koslowski, Rey. 2001. “Economic Globalization, Human Smuggling and Global Governance.” In Global Human Smuggling: Comparative Perspectives, edited by David Kyle and Rey Koslowski. Baltimore: Johns Hopkins University Press.

[67] Gumatilleke, Greg. 1994. Seminar Report: International Responses to Trafficking in Migrants and the Safeguarding of Migrants Rights,” International Migration 32(4): pág. 593.

[68] Artigo 3 do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Imigrantes por Terra, Mar e Ar que Complementa a Convenção das Nações Unidas Contra a Delinquência Organizada Transnacional.  Relatório do Comitê Especial Encarregado de Elaborar uma Convenção contra a Delinquência Organizada Transnacional sobre o trabalho de seus períodos de sessões primeiro a 11o. Assembléia Geral das Nações Unidas Qüinquagésimo quinto período de sessões, tema 105 do programa, Prevenção do Delito e Justiça Penal. UN.Doc A/55/383 (2 de novembro de 2000).

[69] Expert Group of the Budapest Group. 1995. Report of the expert Groups on Five Themês Selected for examination by the Budapest Group. Third Meeting by the Budapest Group, Zhrich, 14-15 September, 1995.  http://www.unece.org/ead/pau/rpm/rpm.htm

[70] Salt, John e Jeremy Stein. 1997. Migration as a Business: The Case of Trafficking. International Migration 35 (4) pág. 471.

[71] Kyle David e John Dale. 2001. “Smuggling the State Back: Agents of Human Smuggling Reconsidered.” In Global Human Smuggling: Comparative Perspectives, edited by David Kyle and Rey Kislowski. Baltimore: Johns Hopkins University Press, pág. 32-33.

[72] O  relatório refere-se a dólares norte-americanos.

[73] Spener, David. 2001. “Smuggling Migrants Through South Texas: Challenges Posed by Operation Rio Grande.” In Global Human Smuggling: Comparative Perspectives, edited by David Kyle and Rey Koslowski. Baltimore: Johns Hopkins University Press, pág. 148. Depois dos ataques de 11 de Setembro, os preços para cruzar a fronteira aumentaram bastante. 

[74] Kyle y Koslowski op.cit. pág.4

[75] Liang Zai e Wenzhen Ye. 2001. “From Fujian to New York: Undestanding the New Chinese Immigration. In Global Human Smuggling: Comparative Perspectives, edited by David Kyle y Rey Koslowski. Baltimore: Johns Hopkins University Press, pág. 208.

[76] Kislowski Op. cit., pág. 348.

[77] Andreas, Op. cit pág. 117-8.

[78] Liang e Ye, Op. Cit. pág. 203-5

[79] Kyle and Dale, Op. Cit. pág. 32-4.

[80] Ibid 34.

[81] Castles e Miller op. cit. 80-103.

[82] Cornelius, Wayne. 1994. Controlling Immigration. A Global Perspective. Stanford CA: Stanford Univesrity Press, pág. 35. Kyle and Koslowski, Op. cit pág.7-8, Andreas, Op. cit. pág. 113.

[83] O serviço de Imigração e Naturalização denominou a estratégia: “prevenção através da detenção” (“prevention through deterrence”).

[84] Immigration Reform and Control Act.

[85] Andreas, Op.cit. pág. 112 –116.

[86] Ibid pág. 108 e Candes R., Michael. 2001. “The Victims of Trafficking and Violence Protection Act of 200: Will it Become the Thirteenth Amendment of the Twenty First Century?” University of Miami Inter-American Law Review 32, pág.,574-5.

[87] Kyle e Koslowski Op.cit. pág. 8.

[88] Castles e Miller, Op. cit pág. 9-15.

[89] Andreas, Op. cit. 110-112.

[90] Ghosh Bimal, 1998. “Introduction.” In Managing Migration, edited by Bimal Ghosh. Oxford: Oxford University Press, pág. 18.

[91] Andreas, Op. cit. pág. 118-119.