RELATÓRIO DE SEGUIMENTO SOBRE O CUMPRIMENTO PELO ESTADO PERUANO
 DAS RECOMENDAÇÕES EFETUADAS PELA CIDH NO SEGUNDO RELATÓRIO
SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM PERU (2000)

I.                   INTRODUÇÃO

1.                Em 2 de junho de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "a Comissão" ou "a CIDH") aprovou o Segundo Relatório sobre Peru sobre a Situação dos Direitos Humanos em Peru (doravante denominado "Relatório sobre Peru”). Neste Relatório, a Comissão analisou a proteção dos direitos humanos no sistema constitucional, legal e político vigente na República do Peru (doravante denominado "Estado" "Peru" ou o "Estado peruano"), a administração de justiça e o Estado de direito, as obrigações internacionais do Peru no marco do sistema interamericano, os direitos políticos, a liberdade de expressão, os direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos da mulher, os direitos da criança, a situação penitenciária, e os direitos das comunidades indígenas. A CIDH também formulou uma série de recomendações com base nas conclusões alcançadas.

2.                Em 15 de dezembro de 2001, a Comissão se dirigiu ao Estado com o fim de solicitar informação sobre o cumprimento das recomendações emitidas no Relatório sobre Peru. Em 4 de janeiro de 2002, o Estado solicitou uma prorrogação do prazo outorgado para apresentar informação, a que foi concedida em 14 de janeiro de 2001, por um prazo de 10 dias. Em 6 de fevereiro de 2002, o Estado peruano apresentou seu “Relatório sobre o Cumprimento das Recomendações da CIDH sobre a Situação dos Direitos Humanos no Peru” (doravante denominado “Relatório do Estado”).

3.                Por sua parte, a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, em 30 de janeiro de 2002, apresentou à Comissão um Relatório Especial em que apresentou seus pontos de vista a respeito do cumprimento das recomendações efetuadas pela CIDH em seu Relatório sobre Peru (doravante denominado “Relatório Especial da Coordenadora Nacional”). 

4.                Para efeitos de elaborar o presente relatório de seguimento, a Comissão tomou em conta o seguimento geral da situação de direitos humanos no Peru que efetua regularmente como parte de suas funções; a informação que periodicamente lhe fornece o Estado, através da Missão Permanente do Peru junto à OEA; o Relatório do Estado mencionado supra, e a informação que lhe é proporcionada pelas organizações não governamentais e outros integrantes da sociedade civil, especialmente o Relatório Especial da Coordenadora Nacional.

5.                No presente Relatório de Seguimento, é analisado o cumprimento das recomendações efetuadas pela Comissão em cada capítulo de seu Relatório sobre Peru.

6.                Nas reflexões finais deste relatório, a Comissão considerou que o enfraquecimento dos princípios fundamentais do Estado democrático de direito na República do Peru era incompatível com as obrigações do Estado à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão assinalou que a eleição do Engenheiro Alberto Fujimori, em maio de 2000, não foi realizada conforme as devidas garantias de limpeza eleitoral que exige o exercício soberano da vontade do povo peruano, em violação ao artigo 23 da Convenção Americana. A Comissão Interamericana indicou que este processo eleitoral constituiu claramente uma interrupção irregular do processo democrático a que se refere à Resolução 1080, adotada em 1991 pela Assembléia Geral da OEA. A CIDH urgiu o restabelecimento do Estado de direito no Peru e a convocação, num prazo razoável, de eleições livres, soberanas, justas e autênticas que cumprissem com os padrões internacionais respectivos.

7.                Como é de conhecimento público, o Governo do Engenheiro Alberto Fujimori terminou em novembro de 2000, com sua fuga para o estrangeiro, no marco de uma crise  política agravada pela difusão de vídeos gravados por Vladimiro Montesinos, assessor de Fujimori, que evidenciaram situações flagrantes de corrupção no país. O senhor Fujimori enviou uma carta de renúncia, e o Congresso, em aplicação da Constituição peruana,  declarou a vaga da presidência da República devido tendo em vista que o senhor Fujimori estava incapacitado moralmente para presidir o país.[1] O doutor Valentín Paniagua foi eleito para encabeçar o governo de transição. Dessa maneira, teve início uma etapa de recuperação da democracia mediante a instauração de um governo de transição que teve uma duração de oito meses. Neste Governo de transição, foram efetuadas uma série de medidas muito importantes para a recuperação da democracia e o Estado de direito no país.

8.                Em abril de 2001, foram celebradas novas eleições e em julho do mesmo ano assumiu a presidência do Peru o doutor  Alejandro Toledo, depois de ser eleito por sufrágio universal em eleições livres, limpas e legítimas.

9.                A Comissão, em diversas oportunidades, manifestou publicamente seu reconhecimento aos peruanos e peruanas pelo retorno a democracia, e ressaltou  também o trabalho efetuado tanto pelo Governo de transição encabeçado pelo senhor Valentín Paniagua como o trabalho que está efetuando, na atualidade, o Governo liderado pelo Presidente Alejandro Toledo.

10.            A Comissão passa a seguir à análise específica do cumprimento das recomendações efetuadas ao Estado peruano no Relatório sobre Peru.

II.       ADMINISTRAÇÃO DE JUSTIÇA E ESTADO DE DIREITO

11.            No Capítulo II de seu Relatório, a Comissão analisou a composição e funcionamento do poder judicial no Peru e instou o Estado a assegurar de maneira efetiva o respeito ao princípio da separação de poderes, e de abster-se de tomar medidas que atentem contra a autonomia, independência e imparcialidade do poder judicial.

12.            Com base nas conclusões alcançadas neste relatório, a Comissão efetuou as seguintes recomendações:

RECOMENDAÇÕES

A CIDH insta o Estado peruano a assegurar de maneira efetiva o respeito ao princípio da separação de poderes, e a abster-se de tomar medidas que atentem contra a autonomia, independência e imparcialidade do Poder Judicial.  

A Comissão também insta o Estado a:  

(1) Restabelecer imediatamente o funcionamento normal do Tribunal Constitucional, reintegrando os três membros que foram destituídos de seus cargos. Devem ser adotadas as medidas necessárias para que o sistema de tomada de decisões no seio do Tribunal assegure de maneira transparente e efetiva a finalidade de sua função de controlar a constitucionalidade das leis.  

(2) Assegurar a autonomia institucional do Poder Judicial mediante o restabelecimento das funções de gestão e administração do Presidente da Corte Suprema e de sua Sala Plena, bem como as do Promotor da Nação, dando por concluído o trabalho das Comissões Executivas que regulamentam o Poder Judicial e o Ministério Público.

(3) Adequar o conjunto da legislação antiterrorista e as normas concordantes com estas à Convenção Americana. Nesta matéria, o Estado deve dar pleno cumprimento ao artigo 27 da Convenção Americana que regula as situações de emergência no que se refere ao respeito absoluto dos direitos cujo exercício não pode ser suspenso, e as garantias indispensáveis para a proteção destes direitos.  

(4) Deixar sem efeito qualquer lei  ou medida que impeça a investigação, julgamento, e sanção de agentes estatais que possam ter cometido violações aos direitos humanos, em especial as violações que impliquem em crimes internacionais, porque estas leis ou medidas são incompatíveis com a Convenção Americana.  

(5) Deixar sem efeito os Decretos Legislativos, em especial os Nos. 895, 897 e 904, que outorgam excessivas atribuições a Policia Nacional e ao Serviço de Inteligência nas investigações.  

(6) Erradicar a prática de admitir a prova obtida sob tortura.  

(7) Terminar com o julgamento de civis por tribunais militares.  

(8) Indenizar as pessoas indultadas por sentenças cumpridas injustamente.  

(9) Adotar as medidas necessárias para evitar represálias contra defensores de direitos humanos e para proteger as testemunhas e os advogados que assessoram as vítimas, com  o fim de garantir seu direito à justiça e a uma proteção judicial efetiva.  

(10) Deixar sem efeito a Lei Nº 26898 que outorgou aos juizes "provisórios" os mesmos direitos e funções que os juizes titulares, e a Lei Nº 26897 que concedeu aos promotores "provisórios” os mesmos direitos e funções que os promotores titulares.   

(11) Deixar sem efeito as Leis Nº 26933 e 26973 e restabelecer as faculdades constitucionais do Conselho Nacional da Magistratura que garantem a independência dos membros do Poder Judicial.

(12) Adotar as medidas necessárias para que a justiça ordinária revise com garantias de independência e imparcialidade os processos daqueles que tenham sido condenados em virtude da legislação anti-terrorista, à luz dos parâmetros estabelecidos pela Corte Interamericana.

13.            Com respeito ao  cumprimento destas recomendações, cabe destacar que, em termos gerais, os governos do doutor Valentín Paniagua e o  doutor Alejandro Toledo iniciaram um processo  importante de reformas no âmbito da administração de justiça. Como parte de tal processo  vários juizes e promotores, inclusive magistrados da Corte Suprema, foram destituídos e submetidos a processos de investigação judicial por corrupção. Da mesma maneira, foram despedidos aqueles presidentes de cortes superiores de justiça que haviam sido designados sem cumprir com os requisitos legais estabelecidos para este fim e procedeu-se à eleição de presidentes de cortes através de procedimentos regulares. Além disso, foram eliminados as varas, salas e promotorias “transitórias” e as varas e salas para delitos tributários e para delitos de tráfico ilícito de drogas, e foi criado uma estrutura especial de juizes, promotores e procuradores anticorrupção cuja finalidade é a de submeter à investigação e julgamento as pessoas que participaram de fatos criminosos durante o regime fujimorista.

A.      O Tribunal Constitucional

14.            Em relação ao cumprimento da mencionada recomendação N° 1 do Capítulo II concernente ao restabelecimento do funcionamento normal do Tribunal Constitucional, o Estado indicou que uma das primeiras medidas adotadas pelo governo de transição foi restabelecer o pleno funcionamento do Tribunal Constitucional, reintegrando os magistrados Delia Revoredo, Guillermo Rey Terry e Manuel Aguirre Roca, em virtude da Resolução Legislativa N° 07-2000-CR, publicada em 17 de novembro de 2000.[2]

15.            Atualmente o Tribunal Constitucional funciona plenamente. Em uma visita protocolar efetuada pela CIDH ao Peru em julho de 2001, a Comissão teve oportunidade de visitar a sede física de Tribunal e de conversar com os magistrados e magistradas sobre diversos temas relacionados com o funcionamento deste importante Tribunal.

B.      As Comissões Executivas do Poder Judicial e do Ministério Público

16.             No que se refere à recomendação N° 2 do Capítulo II, relativa às medidas para assegurar a autonomia institucional do Poder Judicial, o Estado informou que, mediante a lei N° 27367, “Lei que Desativa as Comissões Executivas do Poder Judicial e do Ministério Público e estabelece o Conselho Transitório do Poder Judicial e o Conselho Transitório do Ministério Público”, publicada no Diário Oficial El Peruano em 6 de novembro de 2000, foi cumprida a recomendação da Comissão de dar por concluído o trabalho destas comissões, restaurando o Conselho Executivo como órgão de governo do Poder Judicial, e a Junta de Promotores Supremos como órgão de governo do Ministério Público. O Estado adicionou que “através da Lei Nº 27465, que modifica diversos artigos do Texto Único Ordenado da Lei Orgânica do  Poder Judicial, ficaram  plenamente  restabelecidas  as funções e atribuições do Presidente  da  Corte  Suprema  de Justiça da República e aquelas que correspondem ao  Conselho  Executivo  do  Poder  Judicial,  que  foram designadas a  uma  comissão no antigo regime fujimorista. Neste sentido, as  atribuições correspondentes ao Ministério Público e a Procuradoria da  Nação foram plenamente restabelecidas, conforme a sua Lei  Orgânica,  dando por concluídas as funções da comissão que exercia funções de governo”.

17.            O Estado informou que atualmente o Congresso da República está examinando uma modificação integral da Lei Orgânica do Ministério Público e da Lei Orgânica do Poder Judicial.

18.            A Comissão considera um passo muito importante a conclusão das Comissões Executivas do Poder Judicial e do Ministério Público.

C.      A Legislação Antiterrorista

19.            Com respeito à recomendação N° 3 do Capítulo II, relativa à adequação da legislação antiterrorista à Convenção Americana, o Estado reconhece que está pendente a modificação da legislação antiterrorista.

20.            O Estado assinala como um avanço nesta matéria que, em aplicação do controle difuso que lhe confere a Constituição Política do Estado no âmbito judicial, a Sala Nacional de Terrorismo, Organizações Delitivas e Grupos vêm aplicando as disposições do Código de Procedimentos Penais em lugar das normas especiais de julgamento das leis antiterroristas, em busca da readequação do sistema aos padrões normais inseridos nas  leis gerais. O Estado adicionou que, em 22 de junho de 2001, foi publicada a lei N° 27486, que regula a situação das cartas precatórias, autorizando o juiz que conheça da causa modificar o mandato de detenção por comparecimento, e estabelecer que esta resolução deve ser levada para vista da Sala Superior do Distrito Judicial.

21.            Por sua parte, a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos ressaltou que uma das irregularidades que ainda permanece é a existência desta Sala Corporativa Nacional para conhecer os delitos de terrorismo, com sede em Lima, e cuja competência se estende a todos os distritos judiciais do Peru. A Coordenadora menciona que, na sua opinião, isto atenta contra o princípio da celeridade processual, o que é especialmente grave para este tipo de delitos, porque estes não admitem liberdade por excesso de detenção, nem benefícios penitenciários.

22.            A Comissão reitera a importância que tem o cumprimento por parte do Estado peruano da recomendação relativa à adequação da legislação anti-terrorista à Convenção Americana.

D.               As Leis de Anistia 

23.            Com relação à recomendação N° 4 do Capítulo II, relativa a deixar sem efeito as leis de anistia, cabe mencionar, a título introdutório, que em 14 de março de 2001, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu sentença no caso “Barrios Altos” e declarou que:

Como consequência da manifesta incompatibilidade entre as leis de auto-anistia e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, as mencionadas leis carecem de efeitos jurídicos e não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos que constituem este caso e  para a identificação e a punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto a respeito de outros casos de violação de direitos consagrados na Convenção Americana acontecidos no Peru.[3]

“… as leis de anistia Nº 26479 e Nº 26492 são  incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, em consequência, carecem de efeitos “jurídicos.” [4]

24.            Posteriormente, na sentença de interpretação[5] proferida pela Corte Interamericana em 3 de novembro de 2001 no mesmo caso, a Corte assinalou que:

“A promulgação de uma lei manifestamente contrária às obrigações assumidas por um Estado parte na Convenção constitui per se uma violação desta e gera responsabilidade internacional do Estado. Em consequência, a Corte considera que, dada a natureza da violação constituída pelas leis de anistia N° 26479 e N° 26492, o disposto na sentença de fundo no caso Barrios Altos tem efeitos gerais, e nesses termos deve resolvida a dúvida formulada na demanda de interpretação apresentada pela Comissão.”[6]

25.            Com respeito ao cumprimento da recomendação sob análise, o Estado assinalou que o Conselho Supremo de Justiça Militar avocou a revisão dos casos nos quais se tenham aplicadas estas normas. A Comissão teve conhecimento que, em casos específicos, o Poder Judicial peruano decidiu não aplicar as leis de anistia. A Comissão considera positivas estas ações, mas insiste em que é necessário deixar sem efeito as leis de anistia de modo geral, e não deixar o assunto ao poder discricionário dos órgãos judiciais em casos específicos.

E.       Atribuições da Polícia Nacional e do Serviço de Inteligência nas  investigações

26.            No que se refere à recomendação N° 4 do Capítulo II, relativa a deixar sem efeito os Decretos Legislativos que outorgam excessivas atribuições à Polícia Nacional e ao Serviço de Inteligência nas investigações, o Estado indicou que “ Através do artigo  4 da Lei Nº 27569, promulgada em 1º de dezembro de 2001,  foram derrogados os Decretos Legislativos Nos. 895 e 897, bem como todas as normas que se oponham a esta lei. O artigo 2 da Lei Nº 27472, publicada no  Diário  Oficial  El  Peruano  em 05 de junho de 2001, estabelece que os delitos agravados tipificados pelo Decreto Legislativo Nº 896, e tramitados por via especial de acordo com o Decreto Legislativo Nº 897  serão  tramitados  de  conformidade  com  as  normas  do  Código de Procedimentos  Penais,  via  processo   ordinário,  no  caso  dos Artigos  (…), e  via  processo sumário no caso dos Artigos (…) do Código Penal. De  outro  lado,  de  conformidade  com  o  Artigo  1 da Lei Nº  27569 publicada em 02 de dezembro de 2001, se estabelece que todas as pessoas que  se  encontram processadas  ou  sentenciadas  conforme  as normas previstas  nos Decreto Legislativos 895 e 896, serão submetidas a novo julgamento no foro comum do Poder Judicial. Por último, o Decreto Legislativo Nº 904 foi derrogado pela Terceira Disposição  Final  da Lei Nº 27479, publicada no Diário Oficial El Peruano em 12 de dezembro de 2001.

27.            De acordo com a sentença publicada no Diário Oficial El Peruano em 17 de novembro de 2001, o Tribunal Constitucional declarou fundada em parte a Ação de Inconstitucionalidade que o Defensor Público interpôs a respeito dos artigos dos decretos legislativos Nos. 895 (referente à Lei contra Terrorismo Agravado, posteriormente modificada por Terrorismo Especial) e 897 (referente à Lei de Procedimento especial para a investigação e julgamento dos delitos agravados que tipifica o Decreto Legislativo N° 896, em suas disposições ainda vigentes).

28.            O Estado informou que o Tribunal Constitucional, mediante sentença de 2 de dezembro de 2001, considerou inconstitucional a concessão à Polícia Nacional de atribuições que competem ao Ministério Público.

F.       A obtenção de provas sob tortura

29.            Quanto à recomendação N° 6 do Capítulo II, relativa a erradicar a prática de admitir a prova obtida sob tortura, o Estado informou que houve uma redução considerável de denúncias referidas a casos de tortura, ainda que proporcionou estatística sobre esta informação.

30.            O Estado indicou que mediante a Lei N° 26926 publicada no Diário Oficial El Peruano em 21 de fevereiro de 2001, foi incorporado ao Código Penal o Título XVI-A referido aos Delitos contra a Humanidade, que regula os delitos sobre genocídio, desaparecimentos forçados, tortura e discriminação.

G.      Julgamento de  civis por Tribunais Militares

31.            Com relação à recomendação N° 7 do Capítulo II, de terminar com o julgamento de civis por tribunais militares, o Estado informou que o julgamento de civis por tribunais militares é uma situação que deverá ser modificada juntamente com uma revisão integral da legislação antiterrorista, e que na atualidade o foro militar somente tem competência para conhecer os casos de delitos de traição à pátria e de delitos de função. Adicionou que o artigo 2 da lei 27235, que modificou o artigo 3 do Decreto Legislativo 895, restabeleceu a competência do foro comum para a investigação e julgamento dos delitos de terrorismo especial, e que “a norma que permitia o julgamento de civis por tribunais militares foi  derrogada pela Lei No. 27569”.

32.            Por sua vez, a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos informou  que, em junho de 2001, o Conselho Supremo de Justiça Militar declarou nulas duas resoluções emitidas por essa mesma instância em 1994 e 1995 que isentavam o ex-assessor presidencial Vladimiro Montesinos e altas autoridades  do exército peruano de sua responsabilidade na matança de Barrios Altos. Como consequência disto, em agosto de 2001, a Sala Penal da Corte Suprema de Justiça do Peru resolveu em favor do foro comum o conflito de competência que tinha sido interposto pelo foro militar em 1995. A Coordenadora também assinalou que o julgamento de civis pelo delito de terrorismo agravado foi eliminado por sentença do Tribunal Constitucional de 17 de novembro de 2001, que declarou inconstitucionais os decretos legislativos 895 e 897. Como consequência desta declaração, os processos judiciais seguidos perante o foro castrense são nulos, em razão pela qual os expedientes judiciais foram remetidos à Corte Superior de Justiça de Lima para que cumpra com o  procedimento correspondente.

33.            A Comissão valora os avanços realizados pelo Estado peruano até o  momento, e reitera a importância de adotar as medidas legislativas necessárias para que cesse o julgamento de civis por tribunais militares. 

H.      Indenização por erro judicial

34.            Com respeito à recomendação N° 8 do Capítulo II, que determina que Peru indenize as pessoas inocentes indultadas por sentenças cumpridas injustamente, o Estado assinalou que, mediante o Decreto Supremo N° 002-2002-JUS publicado no Diário Oficial El Peruano em 15 de janeiro de 2002, foi criada a Comissão Especial de Assistência aos Indultados Inocentes (CAII), a mesma que se encarregará de desenhar e implementar um programa integral de reparações não pecuniárias a favor dos indultados pela Comissão criada pela Lei 27234, bem como para os familiares destes. Este programa promoverá planos de atenção integral à saúde, incentivo ao emprego, ingresso às universidades e moradia. Participam nesta Comissão, a Associação de Inocentes Liberados e  Defensoria Pública, ademais dos representantes dos Ministérios de Justiça, Presidência do Conselho de Ministros, Saúde, Economia e Finanças e Trabalho e Promoção Social.

35.            O Estado informa também que, mediante o decreto de urgência 122-2001, foi criado o Fundo Especial de Administração do Dinheiro Obtido Ilicitamente em detrimento do Estado (FEDADOI), como ente integrado por representantes dos Ministérios de Justiça, Interior e Economia e Finanças, encarregados de receber o dinheiro proveniente de atividades ilícitas em prejuízo do Estado. Em 9 de janeiro de 2002, foi aprovado o Regulamento deste fundo, mediante o decreto supremo N° 001-2002-JUS). Estes fundos servirão, entre outras coisas, para o pagamento das mencionadas reparações.

36.            A Comissão considera importante que disposições legislativas possam ser implementadas e impliquem numa efetiva reparação aos inocentes condenados injustamente. 

I.       Proteção dos defensores de direitos humanos

37.            No que se refere à recomendação N° 9 do Capítulo II, concernente à  adoção de medidas necessárias para evitar represálias contra defensores de direitos humanos e para proteger as testemunhas e aos advogados que assessoram as vítimas, o Estado assinalou que a nova situação política e democrática no  país permite que as pessoas dedicadas à defesa e proteção dos direitos humanos não encontrem dificuldades de atuar na hora de formular denúncias, motivo pelo qual assegura que não recebeu denúncias de assédio a defensores de direitos humanos.

38.            A Comissão considera importante ressaltar que a partir da finalização do regime do senhor Fujimori não recebeu informação nem denúncias que impliquem interferências no Peru com relação ao importante trabalho que cumprem os defensores de direitos humanos.        

J.       Direitos e funções dos Juizes e Promotores Provisórios

39.            A recomendação N° 10 do Capítulo II refere-se a deixar sem efeito as leis que outorgam aos juizes e promotores provisórios os mesmos direitos e funções dos juizes titulares. O Estado mencionou a respeito que mediante a Lei N° 27362, publicada no Diário Oficial El Peruano, em 31 de outubro de 2000, foi derrogada a Lei N° 26898. Dessa maneira, se deixou sem efeito a homologação dos magistrados titulares e provisórios do Poder Judicial e Ministério Público, e restabeleceu-se a vigência do artigo 29° original do Texto Único Ordenado da Lei Orgânica do Poder Judicial.

40.            Além disso, foi substituído o artigo 37° do decreto Legislativo N° 052 da Lei Orgânica do Ministério Público, que permitia que o Promotor da Nação e os Promotores Supremos Titulares constituam Junta de Promotores Supremos.

41.            Por outro lado, foi delimitado o âmbito funcional dos magistrados provisórios para que estes somente possam exercer trabalhos jurisdicionais enquanto  dura a interinidade. Ademais, estão impedidos de assumir função administrativa ou de representação alguma.

42.            Em consequência, foi posto fim à homologação de direitos e atribuições dos magistrados provisórios a respeito dos titulares.

K.      O Conselho Nacional da Magistratura

43.            Em relação à recomendação N° 11 do Capítulo II, relacionada com o Conselho Nacional da Magistratura, o Estado informou que em 7 de novembro de 2000 foi publicada no Diário Oficial El Peruano, a Lei N° 27368, que modifica ou restabelece artigos da Lei Orgânica do Conselho Nacional da Magistratura e dispõe sobre a convocação de concurso nacional para magistrados do Poder Judicial e do Ministério Público. Esta lei derrogou as leis Nos. 26696 e 26933, o artigo 1° da Lei 26973 e a sexta disposição final e transitória da Lei 26623.

44.            Por sua vez, a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos mencionou que foi restabelecida a vigência daquelas normas legais que designam as atribuições de investigação e sanção a magistrados supremos por parte do Conselho Nacional da Magistratura. Adicionou que houve a recomposição dos integrantes deste organismo e foi dado início ao processo  de ratificação de juizes e promotores perante o Conselho Nacional da Magistratura, e também houve a recomposição da Academia da Magistratura.

L.       Revisão do processos de condenados em virtude da legislação antiterrorista

45.            Com referência à recomendação N° 12 do Capítulo II, relacionada com a revisão pela justiça ordinária dos processos daqueles que tinham sido condenados conforme a legislação antiterrorista, o Estado assinalou que o foro ordinário ou comum não realizou as revisões de sentenças, porque é necessário o advento de prova nova. Afirmou, porém, que o mecanismo mais rápido de solução para os casos de pessoas que tenham sido injustamente condenadas por delito de terrorismo ou traição à pátria, tem sido o benefício de indulto outorgado pelo Presidente da República a pessoas processadas ou condenadas com base em  elementos probatórios insuficientes. O Estado informou que “no mês de julho de 2001, a Comissão …resolveu 166 casos, os  quais somados aos casos resolvidos pela Comissão Ad Hoc composta para  a  revisão  dos  processos  daquelas pessoas que foram condenadas conforme a legislação antiterrorista, chega a 1015 casos, com um total  de  2160  pendentes (…). Até esta data continuam revisando os  casos  pendentes.  Para  este propósito, se está providenciando a cooperação  técnica  que possibilite o fortalecimento da Secretaria Especializada de Graças Presidenciais, a  cargo  do estudo dos casos para a outorga de indultos ou comutações  de  penas. Nesse sentido, existe uma resposta favorável do Governo Suíço,  o  que permitirá a contratação de um grupo grande de advogados, que se somarão aos que já estão trabalhando atualmente, bem como na compra de equipamento logístico”.

46.            Em relação a este ponto, a Comissão deve ressaltar que está pendente o cumprimento da recomendação sob análise. A Comissão recebeu informação de que nos  últimos meses não foram outorgados indultos a pessoas inocentes, e que a Comissão que o Ministério de Justiça tinha reduzido substancialmente o número de advogados que revisava as solicitações de indulto, limitando a uma ou duas pessoas para um grande número de casos pendentes.

III.                OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS: PERU E O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

47.            No Capítulo III de seu Relatório sobre Peru a Comissão efetuou as seguintes recomendações:

1. Que o Estado peruano cesse a sua atitude de não cumprir com seus compromissos internacionais livremente contraídos, desafiando a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

2. Que o Estado peruano dê pleno cumprimento às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A.      O pretendido “retiro” da jurisdição contenciosa da Corte 

48.            No que se refere à recomendação N° 1 do Capítulo III, relativa ao pretendido retiro de Peru da jurisdição contenciosa da Corte Interamericana, o Congresso peruano emitiu a Resolução Legislativa N° 27401, publicada em 19 de janeiro de 2001 no Diário Oficial El Peruano, mediante a qual foi derrogada a Resolução Legislativa 27152 que ordenava, com efeito imediato, o retiro do reconhecimento da competência contenciosa da Corte Interamericana  de Direitos Humanos.

49.            Em 31 de janeiro de 2001, o  Representante Permanente do Peru junto a OEA entregou ao Secretário Geral da Organização um documento no qual regularizava a situação do Peru a respeito da Corte Interamericana, e o acatamento das sentenças desta Corte que declarara inadmissível a ação unilateral mencionada. Neste documento, o Estado declarou que: “O reconhecimento da competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, efetuada pelo Peru em 20 de outubro de 1980, possuiu plena vigência e compromete todos seus efeitos jurídicos ao Estado peruano, devendo entender-se a vigência ininterrupta desta Declaração a partir do dia do seu depósito perante a Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 21 de janeiro de 1981. O Governo da República do Peru retirou  a Declaração depositada em 09 de julho de 1999, em virtude da qual pretendeu retirar a Declaração de reconhecimento da clausula facultativa de submissão à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos”.

B.      O cumprimento das decisões da Corte Interamericana

50.            Com relação ao cumprimento da recomendação N° 2 do Capítulo III, que insta o Peru a dar pleno cumprimento as decisões desta Corte, o Estado peruano vem dando cumprimento as decisões da Corte Interamericana de  Direitos Humanos. A respeito, nos casos Barrios Altos, Durand e Ugarte, Castillo Paez, Tribunal Constitucional e Loayza Tamaio, o Estado realizou pagamentos parciais dos montantes por conceito de indenizações ordenados pela Corte Interamericana. Peru ressaltou também que foram subscritos acordos  de reparação integral nos casos Durand e Ugarte e Barrios Altos entre o Estado, vítimas, familiares das vítimas e seus representantes.

51.            O  Estado adicionou que, conforme corresponde o estrito respeito das decisões  emitidas pelos tribunais internacionais, foram declaradas nulas as resoluções de inexecução de sentenças emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito dos casos Loayza Tamaio e Castillo Petruzzi.

52.            O Estado assinalou finalmente que vem realizando as gestões necessárias para dar cumprimento as medidas de ressarcimento não patrimoniais.

IV.             DIREITOS POLÍTICOS

53.            Com base na análise da situação dos direitos políticos, a Comissão emitiu suas conclusões em seu Relatório sobre Peru, assinalando o seguinte:

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos urge o restabelecimento do Estado de direito em Peru e a convocação, num prazo razoável, de eleições livres, soberanas, justas e autênticas que cumpram com os padrões internacionais respectivos. Nestas novas eleições deverá ser garantido o mencionado direito dos peruanos e peruanas de “votar…em eleições…autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores”, consagrado no artigo 23 da Convenção Americana. A CIDH oferece ao Peru sua colaboração para alcançar este  fim.

54.            Em abril de 2001, depois do governo de transição liderado pelo doutor Valentín Paniagua, celebrou-se no Peru um processo  eleitoral em virtude do qual o doutor Alejandro Toledo ganhou democraticamente a presidência da Nação, em eleições livres, limpas e legítimas.

55.            A respeito, a Comissão considera totalmente cumprida a recomendação efetuada no Capítulo IV de seu Relatório sobre o Peru.

V.      A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO PERU

56.            No Capitulo V de seu Relatório, a Comissão solicitou a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão que preparara o capítulo sobre liberdade de expressão.  Com base nas conclusões em que chegou a Relatoria nesse capítulo, a Comissão instou o Estado do Peru a aplicar as seguintes medidas:

(1) Adotar de maneira urgente medidas específicas para que cessem os ataques contra jornalistas de investigação e políticos de oposição e todo cidadão ou pessoa que queira exercer o seu direito de questionar as autoridades e expressar suas idéias políticas ou de outra índole.

(2) Adotar as medidas necessárias para evitar que o exercício da liberdade de expressão seja limitado através de mecanismos indiretos proibidos pelo artigo 13 da Convenção Americana.

(3) Fortalecer os mecanismos institucionais de controle sobre os Serviços de Inteligência Nacional com o fim de que não sejam utilizados para intimidar aqueles que criticam os atos de governo.

(4) Adotar as medidas necessárias para compatibilizar a legislação doméstica com a Convenção Americana mediante a derrogação do artigo 374 do Código Penal que consagra a figura do desacato.

(5) Adotar as medidas necessárias para assegurar autonomia, independência e imparcialidade do Poder Judicial para que possa cumprir seu papel protetor da liberdade de expressão conforme a os padrões do direito internacional.

(6) Assegurar que as instituições e agentes respeitem as normas internacionais e nacionais relativas à liberdade de expressão, em particular, o artigo 13 da Convenção Americana e os princípios da Declaração de Chapultepec.

(7) Empreender atividades de promoção dirigidas a agentes do Estado e a cidadania peruana para criar consciência da importância do respeito e proteção da liberdade de expressão.

57.            Neste capítulo, a Comissão, com a assistência do Escritório do Relator Especial, analisará as medidas adotadas pelo Governo peruano para cumprir cada uma das recomendações estabelecidas no Segundo Relatório.

58.            A Comissão reconhece que a situação de liberdade de imprensa em geral melhorou no Peru após o afastamento do poder do Governo de Fujimori, em novembro de 2000.  Não obstante, subsistem dificuldades tais como as contínuas agressões cometidas contra jornalistas e a existência de normas legais que não promovem  proteção da liberdade de expressão.

Medidas tendentes a impedir ataques contra os que exercem seu direito à liberdade de expressão

59.            No que se refere à recomendação N° 1 do Capítulo V, relativa à adoção de medidas para que cessem os ataques contra jornalistas e outros que exercem o direito à liberdade de expressão, o Estado peruano não proporcionou informação. Desde a edição do Segundo Relatório sobre Peru em junho de 2000, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão continuou recebendo informação por parte de organizações não governamentais sobre ataques e ameaças contra jornalistas e meios de comunicação. Por exemplo, em 17 de dezembro de 2001, Elizabeth Huamán Perales, correspondente da América Televisión, Canal 4, em Huancayo, foi atacada enquanto cobria a visita do Presidente Alejandro Toledo a essa cidade. Alega-se que os agressores eram partidários da secretaria departamental de "Peru Possível", o partido político do Presidente.  Os atacantes agrediram a jornalista tirando-lhe sua câmera fotográfica e depois a empurraram-na ao chão. A jornalista sofreu contusões em diversas partes do corpo e machucou o joelho. [7] A senhora Huamán denunciou o caso perante a chefatura policial da zona. Entre os vários supostos responsáveis pela agressão, apenas um foi acusado pelo promotor.[8]

60.            Segundo a informação recebida, a maior parte dos incidentes reportados contra jornalistas ocorreram nas zonas situadas fora de Lima, em represália pela difusão de relatórios críticos as autoridades e políticos locais.[9]

61.            A Comissão recorda ao Governo do Peru que as ameaças e agressões contra jornalistas, bem como a destruição material de meios de comunicação, constituem violações ao direito da sociedade a receber livremente informação.  Estes tipos de atos têm como objetivo amedrontar o trabalho de jornalistas tendo um efeito inibidor sobre a sociedade e impedindo a investigação de irregularidades no funcionamento do  Governo e de outras questões de interesse público. O Estado é responsável de impedir e investigar esses atos e castigar a aqueles que os perpetram.

Medidas de prevenção de restrições governamentais indiretas

62.            Em relação ao cumprimento da mencionada recomendação N° 2 do Capítulo V, sobre a adoção das medidas necessárias para evitar que o exercício da liberdade de expressão seja limitado através de mecanismos indiretos, a Comissão reconhece que o Estado peruano tomou medidas para reparar as violações à liberdade de expressão. A preocupação da Comissão a respeito das restrições indiretas da liberdade de expressão surgiu principalmente no caso de Baruch Ivcher Bronstein. Em 1997, o Governo do Peru revogou a cidadania  do senhor Ivcher, cidadão peruano naturalizado, depois que seu canal de televisão informou sobre relatórios sobre abusos cometidos pelo Serviço de Inteligência do Exército peruano.  A revogação da cidadania do senhor Ivcher permitiu o Estado suspender seu direito de propriedade na estação de televisão conforme uma lei que estabelece que os acionistas de companhias concessionárias de canais de televisão devem possuir a cidadania peruana. Em 1998, a Comissão emitiu um relatório sobre este caso, no qual defendeu que a privação do título de nacionalidade do senhor Ivcher não foi produto de uma revisão de rotina para verificar o estado de todos os expedientes de peruanos naturalizados, mas um ato para silenciar as reportagens críticas difundidas pela emissora do senhor Ivcher. Deste modo, a Comissão concluiu que o Estado peruano tinha violado o direito do senhor Ivcher à liberdade de expressão através de meios indiretos.[10] A Comissão transferiu este caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em sentença de 6 de fevereiro de 2001, declarou que o Governo do Peru tinha violado o direito do senhor Ivcher à liberdade de expressão.[11] Em dezembro de 2000, Baruch Ivcher Bronstein regressou do exílio, depois de serem restabelecidos os seus direitos de propriedade sobre a estação de televisão Frecuencia Latina-Canal 2 e depois de indeferidas todas as ações judiciais interpostas contra ele.[12]  A Comissão celebra as ações tomadas por parte do Governo peruano para remediar as violações da liberdade de expressão neste caso.

Medidas tendentes a impedir a intimidação por parte de serviços de inteligência nacionais

63.            Com respeito à recomendação N° 3 do Capítulo V, relativa ao fortalecimento dos mecanismos institucionais de controle sobre os Serviços de Inteligência Nacional, a Comissão registra que o Serviço de Inteligência Nacional (SIN) foi desmantelado oficialmente em outubro de 2000. Organizações não governamentais assinalaram uma certa melhora da situação dos jornalistas e o respeito da liberdade de expressão desde o desmantelamento do SIN. O Governo do Presidente Paniagua também adotou  medidas com o fim de iniciar investigações sobre algumas das denúncias de corrupção formuladas contra ex-membros do SIN.

Derrogação da norma sobre desacato

64.            No que concerne à recomendação N° 4 do Capítulo V, referente à derrogação do artigo 374 do Código Penal que consagra a figura do desacato, a Comissão assinala que segundo a informação recebida até a data da publicação deste informe esta norma continua vigente.  Em 8 de fevereiro de 2001, o Defensor Público, Walter Albán Peralta, apresentou ao Congresso um projeto de lei que visa a derrogação do artigo 374, que estabelece o delito de desacato, ou falta de respeito para com a autoridade pública.  Este projeto de lei não foi  sancionado até esta data, mas pode ser reconsiderado num próximo período legislativo.  O Escritório do Relator Especial não recebeu nenhum relatório relativo à aplicação do artigo 374, mas a Comissão acredita que a mera existência desta disposição legal como parte do Código Penal pode produzir um efeito inibidor sobre a expressão pública do pensamento, pois os jornalistas podem  temer serem sujeitos a sua aplicação. 

Ampliação da autonomia, a independência e a imparcialidade do Poder Judicial

65.            Com relação à recomendação 5 do Capítulo V, relativa à adoção das medidas necessárias para assegurar autonomia, independência e imparcialidade do Poder Judicial, a Comissão reconhece que desde o fim do regime de Fujimori o Governo adotou várias medidas destinadas a dar maior autonomia, independência e imparcialidade ao Poder Judicial, para que este possa aplicar de forma justa normas referentes à liberdade de expressão.[13]  A Comissão reconhece que essas medidas são essenciais para que não fiquem impunes os delitos cometidos contra jornalistas como represália por seu trabalho e para impedir que autoridades públicas utilizem o sistema judicial para perseguir os jornalistas. 

Garantia do respeito as normas internacionais e internas

66.            Com referência a recomendação 6 do Capítulo V de assegurar que as instituições e agentes respeitem as normas internacionais e nacionais relativas à liberdade de expressão, a Comissão expressa sua satisfação sobre a promulgação de várias normas destinadas a facilitar o exercício do direito ao acesso à informação que se encontra em mãos de organismos públicos, direito reconhecidos no artigo 2, seção 5, da Constituição.  Entre essas normas figuram a Lei N° 27444, sancionada em abril de 2001, que dispõe que as entidades públicas devem estabelecer mecanismos tendentes a facilitar a resposta às petições de informação; o Decreto Supremo N° 018-2001-PCM, que estabelece normas de regulamentação do acesso à informação, e o Decreto de Urgência N° 035-2001, que regulamenta o acesso à informação referente às finanças públicas.[14] Embora estas medidas constituam passos importantes em direção ao gozo pleno do direito de acesso à informação,  Comissão preocupa-se com a informação de que muitas entidades públicas continuam  denegando sistematicamente solicitações de informação e que os trâmites de formulação desses pedidos não são simples e diretos.[15] 

67.            A Comissão congratula a sanção da Lei 27534, ocorrida em 20 de outubro de 2001. Esta lei concede anistia a pessoas que tinham sido denunciadas, acusadas ou julgadas por participarem em protestos cívicos para reclamar o restabelecimento do Estado de Direito, ou por terem informado sobre atos de corrupção, delitos contra a vontade popular e violações de direitos humanos, entre outros.[16]  A Comissão espera que esta lei restabeleça os direitos daqueles que foram injustamente processados ou acusados por terem expressado sua discordância com as políticas públicas.

68.            A Comissão também registra o indulto aos  jornalistas Hermes Rivera Guerrero e Antero Gargurevich Oliva, que tinham sido condenados conforme a questionada legislação anti-terrorista.[17]

69.            A Comissão assinala que recebeu com preocupação informação sobre a aplicação de normas penais de difamação contra jornalistas por parte de autoridades públicas, tendentes a silenciar as críticas.[18] Por exemplo, em junho de 2001, o Coronel Retirado Ildorfo Cueva Retuerto apresentou uma denúncia penal por calúnia e difamação contra os jornalistas Jesús Alfonso Castiglione, da revista Caretas, e Martín Gómez Arquiño e Hugo González Henostroza, do periódico Liberação. A denúncia emanou de relatórios dos citados jornalistas, em seus respectivos meios de imprensa, nos quais se questionava a nomeação do Coronel ao cargo de Prefeito da Região de Ancash, já que supostamente tinha cometido violações de direitos humanos. Os jornalistas foram exonerados de responsabilidade penal em 17 de agosto de 2001. Contudo, a Comissão considera que o uso destas leis com o fim de proteger a figuras públicas frente às críticas a sua gestão pública pode causar um efeito inibidor sobre a liberdade de expressão.

70.            A Comissão também está preocupada com a informação de que jornalistas de algumas regiões do Peru continuam sendo processados pelo exercício ilegal da profissão de jornalismo conforme o  Código Penal, embora a Lei 26937 de 1998 tenha estabelecido que os jornalistas não estão obrigados a afiliarem-se a uma organização profissional.[19]  A Comissão recorda que o requisito de formar parte de uma associação profissional para a prática do jornalismo viola o artigo 13 da Convenção Americana.[20]

Promoção da liberdade de expressão

71.            Quanto à recomendação N° 7 do Capítulo V, que determina ao Peru empreender atividades de promoção da liberdade de expressão, o Estado  informou à Comissão que o Ex-presidente provisório Valentín Paniagua manifestou seu respaldo à Declaração de Chapultepec em 12 de fevereiro de 2001.[21]  A Declaração é um importante documento promulgado pela Sociedade Interamericana de Imprensa e firmado e respaldado por muitos Chefes de Estado do Hemisfério, bem como por jornalistas, líderes sociais e políticos, organismos internacionais e pessoas privadas. Este documento, em que se estabelecem as condições necessárias para a liberdade de imprensa, é um instrumento precursor da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão.  O Escritório do Relator Especial acredita que o respaldo recebido pela Declaração de Chapultepec representa uma mensagem para as autoridades públicas e a sociedade civil do Peru com respeito à importância da liberdade de imprensa numa sociedade democrática.

VI.     OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

72.            No Capítulo VI de seu Relatório sobre Peru, a Comissão tratou do tema dos direitos econômicos, sociais e culturais, e efetuou ao Estado peruano as seguintes recomendações:

(1) Que outorgue a devida prioridade na sua política macroeconômica à solução dos problemas persistentes e graves da pobreza, bem como as grandes desigualdades que reinam na sociedade peruana, pois tais fatores tem um impacto muito grande no gozo efetivo dos direitos econômicos, sociais e culturais.

(2) Que outorgue a devida importância e respeito a todo o concernente aos direitos trabalhistas, tanto na legislação como nas políticas públicas.

(3) Que tome as medidas necessárias para garantir o cumprimento da legislação sobre salário mínimo, o qual deve ser suficiente para cobrir o custo da cesta básica familiar.

(4) Que tome medidas para garantir que Sejas respeitados os direitos adquiridos em matéria de pensões, e que o montante estabelecido para as pensões seja suficiente para cobrir, no mínimo, o custo da cesta básica familiar.

(5) Que outorgue a devida importância para que as mudanças nos sistemas de saúde não impliquem um menoscabo do direito á saúde de todos os peruanos e peruanas.

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[1]  O artigo 113º da Constituição peruana estabelece que “A Presidência da República vaga por: 1. Morte do Presidente da República. 2. Sua permanente incapacidade moral ou física, declarada pelo Congresso (…)”.

[2] Cabe destacar que em  31 de janeiro de 2001, a Corte Interamericana proferiu sentença de fundo no caso do Tribunal Constitucional apresentado contra o Peru. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Tribunal Constitucional (Aguirre Roca, Rey Terry e Revoredo Marsano contra  Peru), Sentença de Fundo de 31 de janeiro de 2001, Serie C No. 71.

[3] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre e outros conta Peru), Sentença de Fundo de 14 de março de 2001, Serie C No. 73, par. 44.

[4] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre e outros conta Peru), Sentença de Fundo de 14 de março de 2001, Serie C No. 73, ponto resolutivo 4.

[5] A Comissão tinha solicitado à Corte que “se pronuncie sobre se os efeitos do ponto resolutivo 4 da sentença emitida em 14 de março de 2001 neste caso se aplicam somente para este ou também de maneira genérica para todos aqueles casos de violações de direitos humanos nos quais foram aplicadas as referidas leis de anistia (No. 26479 e No. 26492)”. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre e outros contra Peru), Sentença de Interpretação da Sentença de Fundo, de 3 de setembro de 2001, Serie C No. 83, par. 8.

[6] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre e outros contra Peru), Sentença de Interpretação da Sentença de Fundo, de 3 de setembro de 2001, Serie C No. 83, par. 18 e  ponto resolutivo 2.

[7] Seccional Latinoamericana de Direitos Humanos da Federação Internacional de Jornalistas, 19 de dezembro de 2001; Instituto Imprensa e Sociedade (IPyS).

[8] IPyS.

[9] Human Rights Watch, World Report 2002: Americas: Peru.

[10] Ver CIDH, Relatório No. 20/98, Caso 11.762 (Peru), Relatório Anual 1997.

[11] Ver Corte IDH, Caso de Ivcher Bronstein, Serie C, No. 74, Sentença de 6 de fevereiro de 2001.

[12] Committee to Protect Journalists (CPJ), Peru 2000: Country Report; Human Rights Watch, supra.

[13] Ver o Capítulo II do presente relatório sobre a Administração de Justiça e o Estado de Direito.

[14] Relatório Especial da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, Lima, Peru, janeiro de 2002, págs.16 e 17.

[15] Íd., pág. 17.

[16] Governo do Peru, Recomendações Efetuadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Estado Peruano em seu "Segundo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Peru", Publicado em Junho de 2000, pág. 5.

[17] Diversas organizações não governamentais, como o IPyS, a Associação Nacional de Jornalistas, Writers in Prison Committee, International PEN, Londres, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e a Seccional Latinoamericana dos Direitos Humanos da Federação Internacional de Jornalistas, proporcionaram informação sobre esses fatos ao Escritório do Relator Especial.

[18] Escritório do Relator Especial para a Liberdade de Expressão, Relatório Anual 2000, págs.105-107.

[19] Relatório Especial da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, Lima, Peru, supra, pág. 16.

[20] Ver Corte IDH, Associação obrigatória de jornalistas, Opinião Consultiva OC-5/85, Serie A, No. 5.

[21] Governo do Peru, supra, pág. 5.