COLÔMBIA

 

 

1.                 Entre 7 e 13 de dezembro de 2001 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou um visita in loco na República da Colômbia, a convite do Governo do Presidente Andrés Pastrana, com a finalidade de observar a situação dos direitos humanos nesse país.  Em vista que a conjuntura atual da República da Colômbia corresponde a vários dos critérios utilizados pela Comissão para incluir um país no Capítulo IV de seu Relatório Anual dedicado à análise da situação de direitos humanos em um Estado membro e, ainda, que a CIDH elaborará e aprovará em breve seu quarto relatório sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia, a Comissão decidiu reproduzir o conteúdo das observações preliminares descritas no comunicado de imprensa emitido sobre a visita realizada em dezembro de 2001 à Colômbia.  As conclusões e recomendações finais da CIDH estão incluídas no quarto relatório sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia, o qual será enviado ao Estado para que formule suas observações conforme as normas Regulamentárias correspondentes e será publicado durante o ano 2002.

 

2.                 Durante sua visita, a CIDH[1] encontrou-se com autoridades dos três poderes do Estado, incluindo o Presidente da Nação, Andrés Pastrana Arango. Também se reuniu com organizações não governamentais de direitos humanos, representantes eclesiásticos, dirigentes políticos, jornalistas e representantes dos meios de comunicação social, representantes de associações camponesas, étnicas e de mulheres, sindicalistas e outros representantes da sociedade civil a nível nacional e local.  A CIDH recebeu informação e depoimentos sobre a situação em todas as regiões do país, em especial as de Cundinamarca, Antioquia, Magdalena Medio, Arauca, Valle, Cauca, Putumayo, Nariño, Tolima e Catatumbo.  O pleno da Comissão reuniu-se com os candidatos presidenciais Luis Eduardo Garzón, Horacio Serpa Uribe  e Alvaro Uribe Vélez.

 

3.                 A CIDH deseja ressaltar a disposição favorável do Governo do Presidente Pastrana em relação a Comissão quem em muitos casos contribuiu para salvar vidas e promoveu a legitimidade dos valores do Estado de Direito. Esta disposição refletiu-se em programas de proteção de defensores dos direitos humanos, sindicalistas e jornalistas e no aumento dos esforços em matéria da administração de justiça.

 

4.                 Para fazer uma análise adequada da presente situação em Colômbia, é necessário ter em consideração a dinâmica do conflito armado e o fenômeno da violência generalizada, num contexto onde --por diversas razões-- a presença do Estado é fraca, as vezes até inexistente em certas áreas do território nacional. A Comissão nota que este panorama complicou-se ainda mais devido aos fortes vínculos entre atores armados e o narcotráfico.

 

5.                 A CIDH reconhece os esforços do Governo e da sociedade colombiana por instaurar um processo de paz. A ampla experiência da Comissão no hemisfério indica que os processos de paz contribuem significativamente para a redução das violações de direitos humanos. A CIDH apóia os esforços para alcança a paz na Colômbia. Entretanto, não pode deixar de expressar decepção frente à lentidão dos avanços registrados no mencionado processo iniciado há mais de três anos. A Comissão reitera sua disposição para contribuir para o alcance da paz no marco de suas atribuições e sua ânsia de que o povo colombiano possa gozar de paz, segurança e justiça no futuro. Por último, a CIDH deseja ressaltar a transcendência das recomendações que a “Comissão de Personalidades” formulara a Mesa de Diálogo e Negociação para o Processo de Paz como um instrumento fundamental para promover o diálogo e a solução do conflito que afeta o povo colombiano.

 

6.                 A CIDH recebeu informação e observou a situação da população civil que é vítima da violência gerada pelos atores do conflito armado interno na Colômbia.  A Comissão recebeu depoimentos de comunidades e pessoas deslocadas da maior parte dos departamentos do país que retratam atos de violência destinados a aterrorizar a população civil.  Estes atos, que se traduzem em massacres, execuções, mutilações, sequestros e ameaças têm como destinatários a homens e mulheres do campo, líderes sociais e políticos, sindicalistas, educadores, defensores dos direitos humanos e jornalistas; e afetam de forma dramática os setores mais vulneráveis da população, entre aqueles se destacam as comunidades afro-colombianas, as comunidades indígenas, as mulheres e as crianças. Como consequência destas ações, populações inteiras em várias regiões do país se sentem desamparadas em vista do descumprimento ou impossibilidade do Estado de proteger a seus cidadãos da violência.

 

7.                 A CIDH observa que parte importante dos atos de violência contra a população civil são atribuíveis aos grupos armados dissidentes. Entre eles se contam massacres, execuções sumárias indiscriminadas e seletivas, tomada de reféns, sequestros extorsivos, uso indiscriminado de minas anti-pessoas, e recrutamento de crianças. Depois de quase quarenta anos de atuação violenta, estes grupos armados (entre outros FARC e ELN) causaram um custo irrecuperável de numerosas vidas humanas e prejudicaram consideravelmente o desenvolvimento social, econômico e político da sociedade colombiana. A participação pacífica na vida política do país, através de suas instituições democráticas, é o único mecanismo que pode permitir o desenvolvimento pacífico, eqüitativo, e sustentável da sociedade colombiana. A Comissão condena as graves violações do direito internacional humanitário levadas a cabo pelos grupos armados dissidentes na Colômbia, incluindo o sequestro como meio habitual de intimidação com fins econômicos ou de outro tipo.

 

8.                 A Comissão expressa sua seria preocupação pela violência paramilitar que se reflete no cometimento de massacres, assassinatos seletivos, atos de extorsão e deslocamentos massivos por motivos militares, econômicos ou de limpeza social. O desenvolvimento de atividades paramilitares na Colômbia é um fato cuja gravidade não pode ser suficientemente destacada. Com efeito, introduziu no conflito e na sociedade um elemento que recorre ao extermínio de seus opositores como forma válida de fazer política. Ademais, a Comissão recebeu numerosas denúncias sobre a vinculação do paramilitares com atividades de caráter criminal. A CIDH observa com preocupação que este fenômeno está adquirindo maior aceitação social na Colômbia. O incremento do apoio social as atividades paramilitares requer ação firme e decidida dos setores democráticos para por fim a este flagelo.

 

9.                 A Comissão observa que o Governo adotou certas medidas em relação aos grupos paramilitares que resultaram em capturas e o julgamento de alguns dos seus  integrantes. Entretanto, numerosos depoimentos recolhidos pela CIDH indicam, por um lado, que o fenômeno paramilitar continua crescendo; e por outro, que subsistem indícios de graves  formas de cooperação com estes grupos por parte de agentes estatais. Também foi constatada a fragilidade dos processos de investigação que se referem estes vínculos ilícitos entre paramilitares e agentes das forças de segurança. A Comissão valoriza o chamado do Presidente Pastrana aos militares a “escolher entre o uniforme da pátria e o uniforme da infâmia” e espera que se lhe seja dado estrito cumprimento.

 

10.            A Comissão recebeu informação sobre centenas de milhares de pessoas deslocadas como resultado da violência patrocinada pelos grupos armados. Estes fatos  graves forçam a numerosas pessoas e famílias –em muitos casos lideradas por mulheres-- a deslocarem-se pelo território nacional, e até para as principais cidades, onde se somam aos afetados pelos altos níveis de desemprego existentes. A CIDH reconhece e valoriza os esforços do Estado por aliviar as consequências deste fenômeno mediante a ação de instâncias tais como a Rede de Solidariedade Social. Entretanto, os depoimentos recolhidos durante a visita demonstram a insuficiência e ineficiência dos mecanismos vigentes para aliviar tanto as consequências diretas do abandono do lugar de origem, como a profunda perda de raízes que sofrem as vítimas e o impacto nos seus filhos menores que –em grande número—perdem as oportunidades de educação e as possibilidades futuras de desenvolvimento. A situação é de particular gravidade com relação aos grupos especialmente vulneráveis, tais como as comunidades indígenas e afro-colombianas, que se vêem forçadas a abandonar seu território ancestral. A CIDH também observa a existência de deslocamentos seletivos que afetam principalmente educadores e sindicalistas ameaçados de morte, e que se vêem obrigados a mudar-se para outras regiões sem receber assistência estatal para compensar a perda do emprego ou continuar com seu projeto de vida.

 

11.            A CIDH constata que os grupos armados dissidentes incorporam menores de 18 anos em suas filas de soldados, sendo que há casos em que forças de segurança os utilizam em serviços auxiliares, o que poderia levar a abusos e a possível participação dos menores na luta armada.

 

12.            A Comissão considera que a impunidade existente sobre as graves violações aos direitos humanos e o direito internacional humanitário contribui significativamente para a perpetuação da violência. A investigação, julgamento e punição dos responsáveis é um  instrumento chave na erradicação da violência. A CIDH apóia o trabalho dos funcionários dos órgãos de garantia, incluindo a Defensoria Pública, a Procuradoria Geral da Nação e a unidade Nacional dos Direitos Humanos onde se encontram radicados um número considerável de processos sobre graves violações dos direitos humanos. A Comissão deve expressar sua preocupação pela falta de julgamento de numerosos atos de violência que afetaram a população civil, bem como pelo lento avanço ou a paralisação das investigações. Ainda que existam estatísticas sobre casos nos quais foram editadas medidas de detenção preventiva contra membros de grupos a margem da lei, em muitos casos não foram efetivadas as capturas correspondentes. Nesse sentido, a Comissão surpreende-se com a facilidade com que os autores confessos de graves crimes de lesa humanidade, com ordens de captura pendentes contra eles, deslocam-se pelo território nacional e concedem entrevistas em meios massivos de comunicação.

 

13.            Os Estados membros da Organização dos Estados Americanos, a CIDH e outros organismos intergovernamentais são categóricos no seu apoio ao trabalho das pessoas, grupos e organizações dedicados a promoção e proteção dos direitos humanos, e expressam sua preocupação para com as ameaças, os assinalamentos nos meios de comunicação, os atos de amedrontamento, assassinatos e desaparições perpetrados contra os defensores de direitos humanos na Colômbia. A Comissão considera que os ataques aos defensores de direitos humanos têm um grave efeito multiplicador sobre as violações aos direitos humanos de toda a população. No ano 2001 foram assassinados treze defensores de direitos humanos. Quando se silencia a voz dos que denunciam os assassinatos, torturas, sequestros e desaparições, a sociedade inteira é prejudicada pelo ambiente de violência e impunidade que encontra no silêncio o seu maior cúmplice. A preocupação da Comissão pelos defensores de direitos humanos está refletida em numerosos procedimentos de medidas cautelares abertos pela CIDH com o propósito de proteger e dar seguimento à situação de certos defensores e organizações, bem como na visita que fez à cidade de Barrancabermeja onde a delegação compareceu as sedes da Organização Feminina Popular e da CREDHOS.

 

14.            A Comissão deve reiterar sua preocupação pelos termos da Lei 648 sobre defesa e segurança nacional,[2] recentemente aprovada pelo Congresso da República relativa às obrigações assumidas de acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A CIDH observa que, caso seja posta em prática, esta norma limitará o princípio da independência judicial e a divisão de poderes e sancionará a primazia da autoridade militar sobre a autoridade civil. A Comissão ressalta sua convicção de que os Estados têm o direito e o dever de adotar as medidas necessárias para combater os agentes geradores de violência que ameaçam a sua população. Este fortalecimento deve se basear no Estado de Direito e nos parâmetros estabelecidos na Convenção Americana, marcos adequados para obter a segurança a que legitimamente aspira a população. A CIDH considera que a aplicação de normas imbuídas da doutrina da segurança nacional resulta incompatível com este marco.

 

15.            A Comissão considera que a liberdade de expressão é fundamental para o fortalecimento democrático e o eventual alcance da paz e, por esta razão, está sumamente preocupada pela informação recebida sobre assassinatos, ataques e ameaças contra jornalistas. Esta informação refere-se também a existência de uma estratégia por parte dos grupos armados, em particular dos paramilitares, orientadas a silenciar aos jornalistas de investigação por meio do assassinato, da intimidação ou do deslocamento forçado. A Colômbia é o país da região com maior quantidade de jornalistas assassinados, nos últimos anos, no exercício de suas funções e a impunidade destes crimes contribui para a perpetuação da violência. No mesmo sentido, a Comissão deve expressar sua preocupação pela grave situação dos educadores, os membros da comunidade universitária e os sindicalistas. A Comissão recebeu múltiplas denúncias sobre violações de direitos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e na Convenção de Belém do Pará na forma de atentados contra a vida e a integridade pessoal das mulheres.

 

16.            A CIDH teve a oportunidade de visitar as instalações da Prisão  Nacional Modelo com a finalidade de supervisionar o cumprimento das medidas de proteção por ela editadas. As ameaças proferidas pelos internos paramilitares contra os chamados presos políticos neste centro penitenciário se materializaram num ataque ocorrido em julho passado com um saldo de mortos e feridos, apesar da vigência das medidas cautelares da CIDH.  Em sua visita ao penal, a CIDH pôde constatar que não foi dado cumprimento as medidas cautelares. O Governo comprometeu-se a dar início a construção de uma edificação que separasse os presos antes de 31 dezembro de 2001 a fim de evitar novos atos de violência. A Comissão seguirá observando de perto as condições de segurança na prisão e em cumprimento com as medidas cautelares. Por último, a Comissão pôde constatar que os presos comuns vivem em  promiscuidade total e fora dos padrões internacionais. Um grande número de detidos se alojam nos corredores e túneis de certos setores do presídio.

 

17.            Durante o ano 2001 os cidadãos colombianos demonstram sua vontade democrática concorrendo às urnas para eleger seus futuros dirigentes. A CIDH espera que o processo eleitoral se desenvolva em um ambiente pacífico e de intercâmbio de idéias entre os líderes políticos e o povo colombiano com pleno respeito a suas distintas opiniões. A CIDH prestará especial atenção as denúncias de intimidação contra os candidatos, e seus partidários, bem como contra os votantes. Os candidatos presidenciais refletem amplo espectro das opiniões políticas existentes na Colômbia. Para a democracia colombiana é fundamental que aqueles que participam do sistema político democrático seja protegidos, dando pleno cumprimento ao direito a participação política estabelecida no artículo 23 da Convenção Americana.

 

18.            Tendo em vista o exposto anteriormente, a Comissão considera que o respeito dos direitos humanos fundamentais se vê gravemente afetado na Colômbia. A CIDH nota que, apesar dos esforços realizados dentro e fora do Governo, foi registrado uma deterioração progressiva da situação desde sua visita anterior, em dezembro de 1997, e esta deterioração está relacionada em parte com a falta do pleno cumprimento com as recomendações formuladas pela CIDH nessa ocasião. A Comissão deseja enfatizar que as graves violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário que foram e continuam sendo cometidas pelos distintos atores no conflito armado constituem crimes de jurisdição internacional que são imprescritíveis e não estão sujeitos a anistia.


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[1] A Delegação da CIDH esteve integrada pelo então Presidente, Decano Claudio Grossman; seu Primeiro Vice-presidente, doutor Juan E. Méndez; sua Segunda Vice-presidenta, Marta Altolaguirre; e os demais membros da Comissão, Professor Robert K. Goldman, Professor Hélio Bicudo, doutor Peter Laurie, e doutor Julio Prado Vallejo. Participaram da visita o Secretário Executivo e Relator para a Liberdade de Expressão, Embaixador Santiago A. Canton e os advogados Verónica Gómez, Mario López e Ignacio Alvarez, com o apoio administrativo das senhoras Gabriela Hageman, Gloria Hansen e Gloria Molina. A delegação da CIDH esteve também acompanhada pela advogada Débora Benchoam e  Victoria Amato, funcionárias do Escritório da  Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão nas Américas.

[2] Ver Relatório Anual da CIDH 2000, Capítulo IV, Colômbia.