CUBA

I.           ANTECEDENTES

1.          O último relatório sobre a situação dos direitos humanos em Cuba foi aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos durante seu 111º período ordinário de sessões.  O projeto deste relatório foi previamente enviado ao Estado cubano para suas observações em 14 de março de 2001, de conformidade com o artigo 63 (h) do Regulamento da Comissão.[1]  O Estado cubano não apresentou observações e a CIDH aprovou o mencionado relatório com caráter definitivo, bem como sua inclusão e publicação no Capítulo IV do Relatório Anual 2000, em 16 de abril de 2001.

          2.          Cabe destacar, porém, que o Estado cubano enviou uma nota a CIDH, em 16 de abril de 2001, subscrita pelo Chefe da Seção de Interesses de Cuba em Washington D.C., Fernando Remírez de Estenoz, na qual devolvia o relatório da Comissão, e assinalava inter alia que “em nome do Governo da República de Cuba, ..nosso país não reconhece a jurisdição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e .. portanto não aceita as considerações efetuadas no texto deste relatório”.

          3.          A Comissão Interamericana de Direitos Humanos sempre sustentou que o Estado cubano é parte dos instrumentos internacionais que foram estabelecidos inicialmente no âmbito do hemisfério americano relativos à proteção de direitos humanos:  a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Carta da Organização dos Estados Americanos.  Esse Estado, igualmente, subscreveu a Resolução VIII da Quinta Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores (Santiago, Chile, 1959), mediante a qual foi instituída a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, “encarregada de promover o respeito de tais direitos”.[2]

          4.          A Comissão deseja reiterar que a Resolução VI da Oitava Reunião de Consulta excluiu o Governo de Cuba, e não o Estado, de sua participação no sistema interamericano.  Confirma esta posição os termos empregados nessa Resolução, as intervenções durante os debates em que esta resolução foi aprovada, e as demais atuações no âmbito da Organização  a respeito deste ponto.  Entretanto, houve impugnação quanto à diferença entre Governo e Estado,[3] no sentido de que a exclusão do Governo implica também na exclusão do Estado cubano.[4]

          5.          A Comissão advoga esta posição no seu Sétimo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos em Cuba, quando manifesta que Governo e Estado são dois conceitos jurídicos e institucionalmente diferenciáveis, não somente no âmbito da teoria jurídica, mas também na prática.

          6.          Adicionalmente, a Comissão manifestou que “no caso de Cuba a exclusão de seu Governo mal poderia determinar a perda da qualidade de Estado membro já que, dentro do sistema da Carta da OEA, somente existe um caso em que um Estado pode perder tal qualidade:  na hipótese do ingresso a Organização de uma nova entidade política que nasça da união de vários de seus Estados membros, conforme disposto no artigo 4.  Diferentemente da Carta das Nações Unidas, que contempla a possibilidade de expulsar um Estado membro que viole repetidamente os princípios contidos nela  (artigo 6), a Carta da OEA não considera essa possibilidade.  Desta forma, a Comissão estima que o caráter de Estado membro constitui um direito, de acordo com as disposições da Carta, e nenhum Estado pode ser privado dessa qualidade; a condição de Estado membro somente pode ser renunciada pelo Governo que considere que esta medida é pertinente, mas que não pode ser perdida por meio da aplicação de uma sanção que não está contemplada na Carta”.[5]

          7.          O Governo cubano é quem foi excluído do sistema interamericano e não o Estado.  Portanto, o Estado cubano é responsável juridicamente perante a Comissão Interamericana no que se refere aos direitos humanos.  Adicionalmente, a Comissão sempre considerou que o propósito da Organização dos Estados Americanos ao excluir Cuba do sistema interamericano não foi deixar sem proteção o povo cubano.  A exclusão desse Governo do sistema regional não implica de modo algum que possa deixar de cumprir com suas obrigações internacionais em matéria direitos humanos.

          8.          Cabe ressaltar que o principal critério para a elaboração do presente relatório é a falta de eleições livres de acordo com padrões internacionalmente aceitos, o qual vulnera o direito a participação política consagrado no artigo XX da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que dispõe que “[t]oda pessoa, legalmente capacitada, tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por meio de seus representantes, e de participar nas eleições populares, com voto secreto, genuínas, periódicas e livres”.  Por sua vez, o artigo 3 da Carta Democrática firmada em Lima, Peru, em 11 de setembro de 2001, define bem os elementos que compõe um sistema democrático de Governo:

São elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais; o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao estado de direito; a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio  universal e secreto como expressão da soberania do povo; o regime plural de partidos e organizações políticas; e a separação e independência dos poderes públicos.

          9.          Dentro desse contexto e posteriormente ao último relatório acima citado, a Comissão continuou observando com atenção a forma em que evoluciona a situação dos direitos humanos na República de Cuba.  O objetivo do presente relatório é fazer um  seguimento dos fatos que aconteceram nesse país durante o período coberto pelo presente relatório anual.  

II.       MEDIDAS ADOTADAS PELO ESTADO CUBANO EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS

          10.          Em matéria de liberdade individual, o Estado cubano adotou algumas medidas que a Comissão valoriza como positivas.  Dentro desse contexto, o jornalista independente Jesús Joel Diaz Hernández, de 27 anos, foi posto em liberdade condicional em 17 de janeiro de 2001.  Diretor da agência Cooperativa Avileña de Jornalistas  Independentes (CAPI), situada em Ciego de Ávila (centro do país), Jesús Joel Hernández havia sido detido em 18 de janeiro de 1999, e condenado, no dia seguinte, a quatro anos de prisão pelo suposto delito de “periculosidade social”.  Segundo o artigo 72 do Código Penal, sua conduta era “em contradição manifesta com as normas da moral socialista”.  Desde 1995, transmitia seus artigos ao estrangeiro, primeiro como colaborador da agência “Pátria”, e depois como diretor da CAPI que havia fundado em dezembro de 1988.  O Sr. Diaz Fernandez encontrava-se servindo a pena na  prisão de Canaleta, Ciego de Ávila.          

11.          Em 22 de novembro de 2001, José Orlando Gonzáles Bridón, dirigente da Confederação Democrática de Trabalhadores de Cuba --sindicato não oficial—quem fora  condenado a dois anos de prisão por “divulgar notícias falsas” foi posto em liberdade condicional três semanas antes que vencesse sua condenação.[6]  O sindicalista havia sido condenado por publicar um artigo na internet no qual acusava os agentes policiais cubanos por negligência na morte de outro defensor dos direitos dos trabalhadores.

          12.          Em 19 de outubro de 2001, Julia Cecilia Delgado, bibliotecária independente e ativista de direitos humanos, foi posta em liberdade quando cumpria a pena de delito de “desacato”.  A Sra. Delgado foi detida em 10 de dezembro de 2000, junto com 200 pessoas aproximadamente, quando estavam celebrando o Dia Internacional dos Direitos Humanos. 

          13.          Em junho de 2001 também foi posto em liberdade Cecilio Monteagudo Sánchez, integrante do Partido Solidariedade Democrática.  Tendo em vista que o Partido Comunista é o único partido permitido oficialmente, Monteagudo havia sido condenado pelo delito de “propaganda inimiga”.  O Sr. Monteagudo havia elaborado, mas não publicado, um documento em que chamava a população cubana a abster-se de votar nas eleições municipais.  

          14.          Em 23 de junho de 2001, o Estado cubano permitiu que a menor Sandra Becerra Jova, de 11 anos, saísse de Cuba com destino a São Paulo, Brasil, para reunir-se com seus pais, os engenheiros cubanos Vicente Becerra e Zaida Jova, quem se radicaram nesse país há quatro anos.  A menor viajou acompanhada de sua avó materna Erena Águila Sanchez.  Cabe ressaltar que durante quatro anos os padres de Sandra Becerra Jova tentaram  em vão perante as autoridades cubanas a permissão da sua saída do país. 

          15.          Em matéria de condições penitenciárias, em 24 de abril de 2001, a Comissão adotou medidas cautelares para proteger a vida e integridade pessoal do recluso Jorge García Pérez-Antúnez quem estava cumprindo pena na Prisão Central de Nieves Morejón, província de Sancti Spíritus, em delicado estado de saúde devido a um tumor no pulmão direito. A Comissão solicitou ao Estado a transferência do recluso a um centro hospitalar especializado e a autorização de assistência médica em coordenação com o médico da família do recluso. O  Estado cubano devolveu a comunicação da CIDH solicitando as medidas cautelares num envelope datado de 30 de abril de 2001e sem nenhuma nota que o acompanhasse. Entretanto, em  30 de janeiro de 2002, a Comissão recebeu uma carta de agradecimento da irmã do  recluso, Bertha Antúnez Pernet, quem manifestou inter alia que “Em abril de 2001, meu irmão agonizava em uma greve de fome reclamando assistência médica para sua doença [r]ealmente creio que foi muito importante a intervenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos junto ao Estado cubano, pois 18 dias depois desta gestão meu irmão foi transferido ao Hospital Militar ‘Carlos J. Finlay’ em Havana, na sala da Segurança do Estado, que embora não é  especializada, ao menos o distanciou do pó das pedreiras de Nieves Morejón que tanto dano lhe faziam, porém não foi cumprida a segunda parte da petição já que nunca permitiram que o nosso médico o examinara…no hospital lhe mantiveram seis meses em repouso e com melhor alimentação bem como uma boa higiene”.  A Comissão toma nota do cumprimento parcial das medidas cautelares adotadas pelo Estado cubano a favor de Jorge García Pérez-Antúnez e confia que a outra medida seja adotada dentro de um prazo razoável. 

III.          OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

A.      DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS EM RELAÇÃO A FALTA DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO, ASSOCIAÇÃO E REUNIÃO

          16.          A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem contém um amplo catálogo de direitos fundamentais da pessoa humana, entre os quais estão a liberdade de expressão, e os  direitos de associação e reunião, a saber:          

Artigo IV. Toda pessoa tem o direito a liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento por qualquer meio.

Artigo XXI. Toda pessoa tem o direito de reunir-se pacificamente com outras, em manifestação pública ou em assembléia transitória, em relação aos seus interesses comuns de qualquer  índole.

Artigo XXII. Toda pessoa tem direito de associar-se com outras para promover, exercer e proteger seus interesses legítimos de ordem política, econômica, religiosa, social, cultural, profissional, sindical ou de qualquer outro ordem.

          17.          Posteriormente ao último relatório aprovado pela Comissão em relação a situação dos direitos humanos em Cuba, esta continua recebendo comunicações de pessoas e entidades que denunciam numerosos casos concretos de violações a liberdade de expressão, reunião e associação.  Também durante este período, diferentes organizações não governamentais  cubanas compareceram em audiência perante a Comissão com o objetivo de informar sobre distintos aspectos da situação dos direitos humanos nesse país.  Ademais, a CIDH recebeu outras comunicações de caráter informativo, a quais juntamente com toda a documentação existente nos arquivos da Comissão, faz presumir uma continuidade no padrão de violações de direitos humanos em relação a anos anteriores.  

          18.          No curso do ano 2001 continuaram as limitações impostas pelas autoridades cubanas sobre as atividades das pessoas que buscam exercer seus direitos ou liberdades fundamentais, ou denunciar os abusos cometidos por estas autoridades.  O Estado cubano considera que estes grupos de defesa dos direitos humanos estão em grande parte controlados por interesses estrangeiros que buscam destruir o sistema político reinante, motivo pelo qual vem assumindo uma posição mais dura frente a qualquer manifestação  de descontentamento ou de dissidência.  O  incremento tanto das pressões sociais como da repressão governamental  configura uma situação de extremo perigo de cuja evolução podem derivar-se graves consequências para a vigência dos direitos humanos. 

          19.          A Comissão observa que apesar de suas reiteradas recomendações ao Estado para que reforme seu sistema legal vigente a fim de conseguir uma irrestrita vigência dos direitos humanos em Cuba, as autoridades não mudaram suas práticas de violações sistemáticas a liberdade de expressão, reunião e associação, nem as disposições constitucionais e penais que as apóiam.  Tanto a perseguição como as acusações, a adoção de medidas disciplinárias, as advertências oficiais, e as penas privativas da liberdade continuam sendo aplicadas habitualmente pelas autoridades cubanas, quem submetem diariamente toda pessoa ou grupo que manifeste pacificamente de forma oral ou escrita seu desacordo com a política governamental.  Normas constitucionais e penais como “propaganda inimiga”, “desacato”, “associação ilícita”, “clandestinidade de impressos”, “periculosidade”, “rebelião”, “atos contra a segurança do Estado”, “advertência oficial”, “medidas de segurança pré-delitivas e pós-delitivas”, “vínculos ou relações com pessoas potencialmente perigosas para a sociedade”, “legalidade socialista”, “socialmente perigosa”, etc., são aplicadas diariamente pelas autoridades cubanas apesar de serem claramente incompatíveis com a Declaração Americana e com princípios universais de proteção dos direitos humanos.[7]    

          20.          Durante o período coberto pelo presente relatório, diferentes organizações internacionais de direitos humanos corroboraram com as considerações efetuadas pela Comissão Interamericana, como por exemplo, a organização Human Rights Watch/Américas em seu Relatório Anual 2002, em que afirma:

A intolerância do governo cubano a democracia e a liberdade de expressão continua sendo a única na região.  Cuba com um Estado de um único partido restringiu quase todas as vias de dissidência política.  Ainda que os dissidentes se enfrentaram ocasionalmente ao processamento  penal, o governo utilizou com maior freqüência as detenções breves, as prisões domiciliárias, as restrições sobre as viagens, a vigilância, as ameaças, as despedidas por razões políticas e outras formas de perseguição.

As restrições de Cuba sobre os direitos humanos estavam atados a estrutura legal e institucional do país.  Os direitos a liberdade de expressão, associação, assembléia, movimento e de imprensa estiveram estritamente limitados pela legislação cubana.  Ao tipificar a propaganda inimiga, a divulgação de notícias não autorizadas, e o ultraje aos símbolos da pátria, o governo reprimiu a liberdade de expressão sob a aparência  da proteção da segurança do Estado.  As autoridades também encarceraram ou ordenaram a vigilância de pessoas que não haviam cometido atos ilegais, recorrendo a leis que penalizam o “estado perigoso” e dispõe sobre a “advertência oficial”.

Os defensores dos direitos humanos foram ameaçados sistematicamente.  As autoridades empregaram habitualmente a vigilância, a intervenção telefônica e a intimidação nos seus  esforços para limitar a observação independente das práticas do governo em matéria de direitos humanos.  Em alguns casos, empregaram registros arbitrários, detenções breves, expulsões de casas, restrições de viagens, despedidas por motivos políticos, ameaças e outras formas de perseguição contra ativistas locais.[8]

          21.          A  Anistia Internacional também enviou uma comunicação a autoridades cubanas assinalando inter alia que:

O número crescente de pessoas encarceradas pelo exercício pacífico de seu direito a liberdade de expressão demonstra claramente até onde está disposto a chegar o governo para debilitar a oposição pacífica e eliminar a dissidência.  Na atualidade, encontram-se presos em Cuba por delitos políticos centenas de pessoas, 16 das quais foram consideradas presos de consciência pela Anistia Internacional, detidas pelo exercício pacífico de seu direito a liberdade de expressão, de associação e de reunião.  Ademais de suscitar preocupação para a Anistia Internacional a existência de tais presos de consciência, a organização continua expressando especial preocupação pelo duro acosso a que se submetem os dissidentes, entre eles jornalistas,  membros de organizações políticas e defensores dos direitos humanos.[9]

          22.          A organização Repórteres sem Fronteiras em seu relatório de agosto de 2001 assinalou inter alia que:  

Em Cuba, onde não se deixa de exercer o controle sobre a informação difundida a população, há  centenas de jornalistas independentes, considerados como “contra-revolucionários” pelas autoridades; que são um dos alvos privilegiados da repressão, em um momento em que a internet possibilita uma maior audiência potencial de seus trabalhos.  [Os jornalistas independentes] são freqüentemente objeto de acusações, agressões, confisco de seu material, residências vigiadas, pressões sobre suas famílias, amigos ou contatos, tentativas de descrédito ou de divisão.

A diminuição relativa de acosso que sofreram todos os “opositores” depois da visita do Papa em janeiro de 1998, somente durou um ano, e as intervenções perante o governo cubano por parte de vários chefes de Estado ou de governo (reunidos em Havana em novembro de 1999 para a cúpula iberoamericana) a favor da democratização do regime apenas tiveram efeito pequeno.  As liberdades de expressão, de imprensa, de reunião e associação continuam sem ter direito de cidadania.

Os jornalistas independentes, privados de emprego, vigiados estreitamente pelos Comitês de Defesa da Revolução (CDR), acusados de serem “mercenários do império norte-americano” nos  meios oficiais, são hoje desconhecidos de uma faixa importante da população cubana, ainda que tenham sido premiados no estrangeiro.  O aumento de seu número, a multiplicação dos locais  de internet que difundem seus artigos e o reconhecimento de que gozaram na Cúpula  Ibero-americana da Havana demonstra, por outro lado, que conquistaram um espaço através da mobilização internacional.[10]

          23.          No curso da 57o. Assembléia Geral celebrada em Washington DC, EUA, entre  12 e 16 de outubro de 2001, a Sociedade Interamericana de Imprensa referiu-se a situação dos jornalistas independentes em Cuba da seguinte forma:

O heroísmo e a persistência obstinada de dezenas de jornalistas independentes, enfrentando diariamente os rigores da repressão do regime, mantêm viva a chama do desafio.  O jornalismo  independente está sendo desempenhado em condições de ilegalidade, perseguição reiterada e limitações materiais.  Não pode, nem tem possibilidade de comunicação direta com o povo dado o controle férreo dos meios informativos que, fiéis aos ditames de Lênin, constituem-se  exclusivamente como “veículos de propaganda a serviço do Estado”.  Os jornalistas independentes tem a opção indireta mediante páginas na internet, e arriscadas transmissões radiais no estrangeiro. 

O número de jornalistas independentes é por volta de 120, espalhados em Havana e nas províncias, em vinte agências ou grupos profissionais.  Continua vigente a Lei da Dignidade e Soberania Nacional de 1997, conhecida como “Lei Mordaça”, a qual prevê condenações entre três e dez anos de prisão a pessoas que colaboram com “os meios de informação do inimigo”. 

O regime está optando por procedimentos de ameaças e detenções por umas horas, a jornalistas independentes, ordenando-lhes a abandonar suas funções.  As represálias oficiais recorrem a demoras injustificadas das autorizações para imigrar e denegações de solicitações para viajar ao exterior.  Foram retiradas permissões oficiais de cinco jornalistas independentes que tem visto para os Estados Unidos.[11]

          24.          Também a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em sua vigésima sétima sessão, de abril de 2001, aprovou uma resolução expressando sua preocupação pelas continuas violações dos direitos humanos “e as liberdades fundamentais em Cuba, como a liberdade de expressão, de associação e de reunião e os direitos que têm relação com a administração da justiça”, exortando esse país “uma vez mais…a estabelecer o marco apropriado para garantir o estado de direito sobre a base das instituições democráticas e a independência do sistema judicial” e instando-o  a visitar o país os relatores especiais das Nações Unidas sobre a tortura e a liberdade de expressão.  A resolução estabelecia que Cuba não havia realizado melhoras satisfatórias no campo dos direitos humanos, manifestando ademais sua profunda preocupação pela continua repressão dos opositores políticos e pela detenção de dissidentes e de todas as pessoas detidas ou encarceradas por expressar pacificamente suas idéias políticas, religiosas e sociais e por exercer seu direito a uma participação plena e igual nos  assuntos públicos, e exorta o Governo de Cuba a por em liberdade essas pessoas.[12]

          25.          As condições acima descritas pelas organizações internacionais de direitos humanos antes citadas são corroboradas pelas numerosas denúncias recebidas pela Comissão Interamericana durante o período coberto pelo presente relatório.  A seguir está uma síntese das denúncias mais relevantes que demonstram uma continuidade no padrão da discriminação por motivos políticos e as violações a liberdade de expressão, reunião, e associação:

          a.          A organização Human Rights Watch/Américas informou que “apesar de os três co-réus terem sido postos em  liberdade em maio de 2000, o líder dissidente Vladimiro Roca Antunez continuava encarcerado em novembro [de 2001], cumprindo o último ano de uma pena cinco anos.  As quatro pessoas julgadas, membros do Grupo de Trabalho da Dissidência Interna (GTDI), foram condenados por atos contra a segurança do Estado em março de 1999, depois de serem detidos  em julho de 1997.  Sua detenção ocorreu depois da publicação pelo GTDI de um documento analítico sobre a economia, os direitos humanos e a democracia em Cuba”.[13] 

          b.          No mês de junho de 2001, as autoridades cubanas confiscaram a literatura que consideraram “contra-revolucionária (C/R)” que fora enviada desde  a Itália a Ricardo Gonzáles Alfonso, diretor da biblioteca independente “Jorge Mañach”.  O material confiscado era um livro “La Cortina de Bagazo”, de Zilia L. Lage, e o folheto “Meridiano” do Centro de Estudos para uma Opção Nacional.  Na unidade de correios localizada no Municipio Playa, cidade de Havana,  entregaram a Gonzáles Alfonso somente uma camiseta que estava junto com o pacote.  A ata de confisco Nº 230 está firmada pela inspetora Juana Cabrera Arévalo, quem se amparou no primeiro parágrafo da resolução de maio de 1966 da Alfândega Geral da República.  O documento de confisco assinala que “Ao realizar a revisão física do envio foram detectados um livro e um folheto de conteúdo contra-revolucionário, o qual atenta contra os interesses da nação, motivo pelo qual procede-se ao seu confisco”.

          c.          Ainda no mês de junho de 2001, oficiais da Segurança do Estado (DSE) da Província de Pinar del Río detiveram oito ativistas de Naturpaz que pensavam realizar uma excursão em comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente.  As detenções tiveram lugar nas localidades de Sandino, Manuel Lazo e Babineyes, pertencentes ao Município Sandino. Na tarde de 4 de junho, o Departamento da Segurança do Estado prendeu José Anacleto Aragón, Luis Reyes Babeiro, Lázaro Romero Solís, Mateo Romeo Ramos, Héctor da Caridad Cruz Santovenia, Iván Miranda Torres e Antonio Andrés Alvarez Reyes.  Todos os detidos foram conduzidos à sede da polícia política na cidade de Sandino.

          d.          Em março de 2001, na localidade de Pinar del Río, um menor de 14 anos foi ameaçado pelas autoridades de sua escola por questionar publicamente a política governamental que proíbe a venda de leite para maiores de seis anos.  Por que tanta gente emigra de Cuba?, Por que não se pode vender leite fresco a menores que cumprem sete anos de idade?  Fazer estas perguntas custou a Raiman Alexander Arencibia Hernández a ser rodeado por quatro professores da escola que disseram ao jovem “Por fazer essas perguntas podemos enviar-lhe a um centro de reeducação de menores ou talvez dar-lhe baixa nesta escola”.  O menor havia feito as perguntas no meio de uma classe.  Entre os professores que coagiram o menor estava o sub-diretor da escola secundária básica urbana “Carlos Ulloa”.  As autoridades também manifestaram que conheciam o pai do menor, quem no passado havia sido expulso de seu emprego por razões políticas.  O menor ficou surpreendido com o fato de os docentes saberem sobre a situação de seu pai.

          e.          Forças conjuntas do Departamento da Segurança do Estado (DSE) e da Polícia Nacional Revolucionária (PNR), realizaram um forte operativo que começou às 6:00 am do dia 10 de dezembro de 2001, deixando sitiada totalmente a zona central de Guantánamo, bem como as casas de alguns líderes da oposição que residem nessa cidade.  O operativo foi realizado com o objetivo de impedir a celebração do 53º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, prevista para aquele dia com uma manifestação popular que começaria às 9:00 am no parque José Martí, e que logo continuaria em desfile até a praça “Pedro Agustín Pérez”, todos vestindo roupas brancas.  Também estava prevista a leitura de um comunicado e a distribuição de folhetos da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao povo em geral.  As  autoridades citaram na tarde de 9 de dezembro de 2001 os opositores Fernandino Castro dardiller e Eduardo Alberto Quintana Arbois, do Partido Democrático 30 de Novembro “Frank País”; a Luis Torres Cardosa, jornalista independente, e  Héctor René Roque, Vice-presidente do Movimento Cubano de Jovens pela Democracia.  No curso das entrevistas, os oficiais Coronel Ladislao Benítez, Chefe do Departamento da Segurança de Estado da província de Guantánamo, o Major Calviño, 2do. Chefe da Unidade de Enfrentamento, e os oficiais operativos Orelvis Frómeta, e Bartolo, reprimiram fisicamente e ameaçaram os dissidentes para impedir a realização da manifestação.  Estas modalidades de perseguição tais como detenções, restrição de movimento e expulsão do lugar, foram realizadas pelas autoridades cubanas de forma simultânea nas localidades de Guanes, Las Martinas, Manuel Lazo, Pedro Betancourt, e Nueva Gerona.  Entre os membros da sociedade civil reprimidos nesta data encontram-se dirigentes e ativistas das seguintes organizações: os partidos Pró-Direitos Humanos de Cuba, afiliados a Fundação Andréi Sajarov, Democrático 30 de Novembro “Frank País”; os movimentos independentes Ação Alternativa, Fé pela Liberdade da Pátria, Jovens pela Democracia, Fundação Ilha de Pinos de Direitos Humanos e Fomento Territorial; as associações de trabalhadores Confederação Obreira Independente Cubana, Colégio Médico; e o Clube de Prisioneiros e ex-Prisioneiros Políticos, ademais de um opositor independente. 

          26.          Um tema essencial para a Comissão Interamericana dentro do exercício da liberdade de expressão é a liberdade de imprensa, a qual, na opinião de especialistas no tema, é sistematicamente violada pelo Estado cubano.  Com efeito, a Relatoria para a Liberdade de Expressão da CIDH, em seu Relatório Anual 2000, assinalou que “[o] sistema jurídico [cubano] estabelece várias restrições à capacidade de receber e divulgar informação.  Ademais, são utilizadas práticas de intimidação e repressão para impor maior pressão nos jornalistas e dissidentes a fim de evitar que critiquem o Governo”.[14]  O  marco jurídico que serve de sustento para que as autoridades violem o direito de todos os cidadãos cubanos a receber e divulgar informação é a Constituição Política, a qual permite a liberdade de expressão sempre e quando seja exercida “conforme os fins da sociedade socialista”.[15]  Este direito dos cubanos pode ser convertido em fato punível se praticado “contra as disposições da Constituição e das leis, (…) contra a existência e fins do Estado socialista, ou contra a decisão do povo cubano de construir o socialismo e o comunismo”.[16]

          27.          A Relatoria para a Liberdade de Expressão confirma o assinalado pela CIDH no início deste relatório quando expressa que “se utilizam numerosas seções do Código Penal para calar  jornalistas e outros cidadãos que se manifestam contra o Governo.  Muitos dos delitos, que submetem o acusado a penas de prisão, estão vagamente definidos de maneira que podem ser aplicados a uma ampla gama de formas de expressão.  Estes delitos incluem: desacato, ou falta de respeito, sedição, propaganda inimiga, atos contra a segurança do Estado, resistência, desordem pública, instigação a cometer um delito, danos, divulgação de notícias não autorizadas, insulto aos símbolos pátrios, associação ilícita e periculosidade.  Mais adiante a Relatoria assinala que,  a imposição de mecanismos jurídicos para exercer um controle  total dos meios de imprensa e de outros comunicadores sociais tem um efeito negativo para o respeito e a proteção da liberdade de expressão.  Estas imposições negam aos indivíduos seu direito fundamental de participar plenamente na vida social, política, econômica e cultural.  Qualquer obstáculo a livre discussão de idéias e opiniões restringe a liberdade de expressão; o condicionamento prévio da expressão, como a autenticidade, a oportunidade e a imparcialidade, entre outros, é incompatível com os direitos reconhecidos nos instrumentos internacionais.  O Relator Especial considera que a expressão condicionada com o propósito de construir uma sociedade socialista é uma forma de condicionamento prévio.[17]

          28.          Todo este marco jurídico contra a liberdade de imprensa é complementado pela Lei Nº 88, também denominada Lei de Proteção da Independência Nacional e da Economia, a qual foi emitida pelo Estado cubano em fevereiro de 1999, e que dispõe em seu primeiro artigo “tipificar e punir aqueles fatos destinados a apoiar, facilitar ou colaborar com (…) o bloqueio, a guerra econômica contra Cuba, a subversão e outras medidas similares dedicadas a menosprezar, danificar ou por em perigo a independência, soberania e integridade do Estado cubano.  São consideradas condutas delitivas o fornecimento, busca ou obtenção de informação e a introdução no país de materiais subversivos, sua reprodução ou difusão.  Igualmente, a colaboração direta ou mediante terceiros com emissoras de rádio ou televisão, periódicos, revistas ou outros meios de difusão massiva para os fins dispostos na lei”.[18]  Esta norma contempla penas privativas da liberdade de até 20 anos, para os autores desses fatos, bem como para seus cúmplices.

          29.          A situação geral da liberdade de expressão em Cuba e, em particular, da liberdade de imprensa é analisada pela organização Human Rights Watch/Américas conforme segue:

O Governo cubano exerce um controle estrito tanto na lei como na prática da liberdade de expressão e de opinião, o que viola os artigos 18 e 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.  O Código Penal concede aos funcionários poderes extraordinários para esmagar a dissidência.  Entre as numerosas disposições penais que limitam a liberdade de expressão e de opinião, o Governo emprega as que punem a “propaganda inimiga” e o “desacato” para penalizar os críticos abertos.  O Governo continua processando seus cidadãos por estes e outros delitos baseando-se exclusivamente em suas críticas ao Governo, bem como submetendo os ativistas independentes a detenções, prisões e perseguição.  O Governo trata os jornalistas independentes e os ativistas de direitos humanos com uma dureza desproporcionada.  Os programas de doutrinamento nas prisões, em que os presos se vêem obrigados a participar da elaboração de slogans pró-governamentais e as sanções aos presos que criticam os abusos nas prisões também constituem uma violação das liberdades de expressão e de opinião.[19]

30.          Em relação ao parágrafo acima citado, referida organização testemunhou “uma declaração surpreendente, o Ministro de Justiça cubano Roberto Diaz Sotolongo justificou as restrições a dissidência em Cuba explicando que, como os espanhóis haviam promulgado leis para proteger o monarca das críticas, Cuba tinha motivos para proteger de críticas Fidel Castro, o rei de Cuba”.[20] 

          31.          A Comissão Interamericana, durante o período coberto pelo presente relatório, recebeu numerosas denúncias que confirmam a situação reinante em relação a liberdade de imprensa e dos jornalistas independentes em Cuba.  A seguir estão algumas das denúncias mais relevantes:

          a.          O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) reportou que na tarde de 12 de outubro de 2001, dois oficiais do Departamento de Segurança do Estado (DSE) dirigiram-se a sede de uma associação de jornalistas independentes e advertiram o presidente desta que não iam permitir a inauguração do curso 2001-2002.  A associação denominada Sociedade de Jornalistas Manuel Márquez Sterling está dirigida pelo jornalista Ricardo González Alfonso.  Os oficiais também disseram a Gonzales Alfonso que os cursos eram ilegais porque os jornalistas não tinham licença para ensinar. As classes, consistentes em cursos de gramática espanhola, jornalismo e inglês, deveriam começar em 15 de outubro de 2001 e são gratuitas para os membros da associação.  Também em 14 de outubro de 2001, oficiais da Segurança do Estado visitaram os domicílios dos jornalistas independentes Jorge Olivera Castillo, Graciela Alfonso, Dorka de Céspedes Vila e Aimeé Cabrera, para advertir-lhes que era ilegal assistir as classes.

          b.          Repórteres sem Fronteiras informaram que cinco jornalistas das agências Colégio de Imprensa de Camaguey (CPC) e Agência de Imprensa Libre Avileña (APLA) foram  golpeados em 25 de dezembro de 2001 por membros da polícia e agentes à paisana.  Os cincos jornalistas estavam cobrindo a inauguração de uma biblioteca independente na cidade de Florida (região de Camaguey, centro).  Normando Hernández Gonzáles, Carlos Brizuela Yera e Joel Blanco García, do CPC, bem como Léster Téllez Castro e Mislei Delgado Bombino, da APLA, foram  golpeados com punhos e cacetes, antes de serem detidos.  As bibliotecas independentes, criadas por particulares, oferecem livros proibidos pelo regime.  Segundo Repórteres sem Fronteiras, “Em Cuba, somente está autorizada a imprensa oficial.  Desde 1º de janeiro de 2001, RSF procedeu a centenas de atos de pressão ou de intimidação (ameaças, agressões, citações policiais, etc.).  As autoridades detiveram em vinte e nove ocasiões a jornalistas durante este ano.  Desde 1995, cerca de cinqüenta jornalistas independentes tiveram que se exilar para escapar das pressões”.[21]

          c.          A organização Human Rights Watch/Américas observou que “as autoridades mantiveram controles estritos sobre a imprensa, impedindo a cobertura independente de notícias dentro do país e adotando medidas para limitar o trabalho dos repórteres estrangeiros.  Em novembro [de 2001], o jornalista independente Bernardo Arévalo Padrón, diretor da agência de notícias Línea Sur Press, continuava preso sem poder obter a liberdade condicional, cumprindo uma pena de seis anos por ‘insultar’ ao Presidente Castro, imposta em novembro de 1997.  As autoridades detiveram e interrogaram jornalistas independentes constantemente, vigiaram suas chamadas telefônicas e as visitas que recebiam, restringiram suas viajes e os puseram em prisão domiciliária para impedir sua cobertura de certos eventos.  Em maio [de 2001], como reconhecimento destas táticas, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), um grupo de defesa da liberdade de imprensa com sede nos Estados Unidos, nomeou o Presidente Fidel Castro dentro dos Dez Piores Inimigos da Imprensa em 2001”.[22]  Mais adiante, esta organização assinalou que, 

Para impedir as informações negativas da imprensa estrangeira, as autoridades cubanas continuaram negando vistos a certos jornalistas estrangeiros.  Em janeiro [de 2001], o Presidente Castro acusou alguns repórteres de “transmitir insultos e mentiras”, e sugeriu que Cuba poderia considerar o cancelamento da permissão de suas empresas para operar em Cuba.  “Toleramos por anos [as agências], repórteres aqui que insultam intencionada e deliberadamente a dirigentes da Revolução e a mim”.[23]

          32.          A Comissão Interamericana de Direitos Humanos deve manifestar sua profunda preocupação em relação aos depoimentos, denúncias e informação proporcionada durante o período coberto pelo presente relatório, que descrevem uma situação que não mudou em comparação aos anos anteriores, isto é, o padrão repressivo do Estado vem mantendo-se contra todo aquele que tenta --de forma pacífica-- exercer seus direitos à liberdade de expressão, associação e reunião.  O Estado, apesar de haver reduzido as severas penas a que submetia os dissidentes no passado, continua efetuando intensa perseguição contra aqueles que de uma ou outra forma diferem da política governamental.  A Comissão considera de suma gravidade que as autoridades cubanas continuem utilizando os procedimentos e as penas privativas da liberdade para intimidar e/ou perseguir as pessoas por motivos vinculados ao exercício de direitos reconhecidos nos instrumentos internacionais de direitos humanos. 

          33.          A Comissão observa que o Estado não efetuou nenhuma mudança com respeito as normas constitucionais e penais que resultam abertamente incompatíveis com o ordenamento internacional de direitos humanos.  A aplicação destas normas --que foram amplamente analisadas pela CIDH neste e outros relatórios—permitem um manto de legalidade as ações repressivas das autoridades cubanas, mas a nível internacional constituem flagrantes violações dos direitos humanos consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.  Tal como assinalou a organização Human Rights Watch/Américas,

A negação de direitos civis e políticos fundamentais está contemplada nas leis cubanas.  Ainda que as leis cubanas contem com amplas declarações de direitos fundamentais, outras disposições concedem ao Estado poderes extraordinários para penalizar as pessoas que tentam desfrutar de seus direitos a liberdade de expressão, opinião, associação e reunião. (…) Nos  últimos anos, em lugar de modificar suas leis para adaptá-las as normas internacionais de direitos humanos, Cuba promulgou leis que restringem ainda mais os direitos fundamentais.  (…) Cuba se nega  constantemente a reformar os aspectos mais criticáveis de suas leis.  O fato de que Cuba se negue a anistiar  presos políticos e processe continuamente a ativistas não violentos, salienta a função fundamental das leis cubanas em sua  máquina repressiva.[24]

          34.          A Comissão encontra censurável as limitações e restrições impostas pelo Estado cubano a liberdade de expressão, reunião e associação, bem como as pressões, intimidação sistemática e castigos a que são submetidos os jornalistas independentes que dia a dia tratam de exercer seus direitos fundamentais.  É possível depreender dos fatos e do direito que não existe em Cuba uma liberdade de expressão que permita a oposição política que é fundamental para um regime democrático de governo.

          B.          DIREITO A  JUSTIÇA E AO DEVIDO PROCESSO

          35.          A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem consagra o direito a justiça e ao devido processo assim:

Artigo XVIII.  Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

Artigo XXVI.  Parte-se do princípio que todo acusado é inocente, até ser provada a culpabilidade.Toda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa forma imparcial e pública, de ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com leis pré-existentes, e de que não lhe inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas.

36.          A efetiva vigência das garantias contidas nos artigos citados assenta sobre a independência do Poder Judicial, derivada da clássica separação dos poderes públicos.  Esta é uma consequência lógica que deriva da concepção dos direitos humanos.  Com efeito, quando se busca proteger os direitos dos indivíduos frente as possíveis ações do Estado, é imprescindível que um dos órgãos desse Estado tenha a independência que lhe permita julgar tanto as ações do Poder Executivo como a procedência das leis ditadas e ainda as decisões emitidas por seus próprios integrantes.  Portanto, a Comissão considera que a efetiva independência do Poder Judicial é um requisito essencial para a vigência prática dos direitos humanos em geral.

37.          Um dos direitos individuais de importância fundamental –com relação a garantia de uma administração de justiça correta na determinação dos direitos e responsabilidades da pessoa, e quanto ao instrumento de proteção contra abusos de poder—é o direito a um julgamento justo ou a um processo eqüitativo, também chamado direito ao devido processo legal ou direito a um processo regular.

38.          O devido processo legal constitui num conjunto de normas descritas no direito positivo, cujo propósito é garantir a justiça, equidade e segurança dos procedimentos judiciais em que possa estar envolvida uma pessoa.  Este direito, ademais de constituir uma garantia quanto a correção de qualquer procedimento judicial em que se discutem os direitos ou obrigações de uma pessoa --ou em que se tente determinar alguma eventual responsabilidade penal--, é também um direito instrumental que pode servir de garantia para o exercício e usufruto de outros direitos da pessoa.  Com efeito, uma decisão judicial injusta ou arbitrária --ademais de constituir em si mesma uma violação de um direito humano-- pode constituir a ferramenta adequada para justificar, legitimar, ou amparar a privação prévia de outros direitos humanos tais como a vida, a liberdade pessoal, a liberdade de expressão, reunião e associação, etc.  Ademais, ainda que essas violações não tenham sido diretamente cometidas pelo poder judicial, este pode constituir-se em instrumento das mesmas mediante a adoção de decisões que --por distanciarem-se dos princípios e normas de um processo regular— resultam injustas e constituem selo de impunidade dos atropelos e abusos de poder.

39.          A respeito, a Comissão observa com preocupação que tanto os princípios como as normas internacionais de direitos humanos antes citadas continuam sem ser respeitadas na jurisdição interna cubana, já que não mudaram as práticas das autoridades judiciais nem as disposições constitucionais e penais em que estas se apóiam.  Em outras palavras, a informação proporcionada à Comissão durante o período coberto pelo presente relatório deixa claro que, em julgamentos de cidadãos cubanos --especialmente aqueles processados por delitos políticos-- subsistem a subordinação de fato e de direito ao poder político.

          40.          Exemplo disto são os julgamentos de jornalistas independentes, a organização Repórteres sem Fronteiras observou como as autoridades judiciais cubanas se apressam em  condenar o acusado sem considerar as provas da defesa:

No processo celebrado no dia seguinte a sua detenção, Jesús Joel Diaz Hernández foi acusado de ter deixado de trabalhar para o Estado desde 1996 (despediram-no nesse ano, afirma sua família, do emprego que tinha no Instituto Nacional de Recursos Hidráulicos de Morón, porque lhe foi acusado de ser ativista de direitos humanos desde 1993).  Ele foi condenado também por ter “ingerido bebidas alcoólicas que o tornaram agressivo” e o levaram a provocar seus vizinhos, bem como por “ter posto música em alto volume”.  A defesa de seu advogado foi rapidamente interrompida pelo presidente.  Não foi convocado nenhuma testemunha de defesa que pudesse expressar-se nas poucas horas da audiência pública.  O réu foi então condenado a quatro anos de internamento em um estabelecimento especializado de trabalho.

A sentença foi apelada logo depois de proferida, e o detido iniciou uma greve de fome que o levou a “cela de castigo”.  A família foi inteirada que se estava celebrando a primeira audiência do recurso de apelação quando foi visitá-lo na prisão.  Não foi convocado um advogado da família, este foi substituído por um advogado nomeado de ofício.  Em 27 de janeiro o detido foi informado que o seu recurso havia sido indeferido. Seus pais interpuseram então uma demanda de revisão do processo, apresentando no início de fevereiro testemunhas escritas de cinco vizinhos em que se atestava (perante escrivão) que Joel nunca foi conhecido por abuso de álcool nem por transtorno da ordem pública de nenhuma índole.  Estes trâmites ficaram sem a mínima resposta.  As autoridades cubanas defendem que não havia nenhum recurso contra a sentença inicial.[25]

41.          O direito a ser julgado dentro de um prazo razoável ou “a que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida e a ser julgado sem dilação injustificada, ou, caso contrário, a ser posto em liberdade”[26] é outra das tantas garantias processuais que são violadas diariamente em Cuba.  Aqui também Repórteres sem Fronteiras informam que, outros jornalistas que foram deixados em liberdade vigiada estão esperando seu processo, a vezes há vários anos.  Ademais do “desacato” ao presidente e a “periculosidade social”, as acusações mais frequentemente impostas são as seguintes:

-  “Associação Ilícita”. A maioria das agências de imprensa apresentou desde 1995 solicitações de legalização de seus estatutos dirigindo-se para isto ao Ministério de Justiça, conforme o previsto pela Constituição do país.  Nenhuma delas recebeu a mais mínima resposta.

- “Propaganda Inimiga” ou “Colaboração com o Inimigo”. Estes delitos que existiam antes da adoção da lei 88, apontam para colaborações com rádios norte-americanas.

-  “Espionagem”. Este delito se antepõe frequentemente quando há jornalistas que tomaram contato, para pedir visto, com a Seção de Interesses de Estados Unidos na Havana.

-  “Difusão de Notícias Falsas”.

Entre os réus [que se encontram  esperando julgamento estão José Edel García Diaz, de 55 anos, diretor da agência Centro Norte do País (CNP) está esperando seu processo por cinco delitos (desacato, associação ilícita, colaboração com o inimigo, difusão de notícias falsas e espionagem) e Oswaldo de Céspedes, ex-médico do hospital, diretor-adjunto da Agência Cooperativa de Jornalistas Independentes (CPI), está acusado desde 1995 de “associação ilícita” e de “propaganda inimiga”.  Estes réus tem em comum o fato de terem escrito artigos sobre temas “sensíveis” como a contaminação, a energia nuclear e os perigos da radioatividade ou sobre as novas epidemias.[27]

          42.          Nesse sentido, a Comissão Interamericana também foi informada que Leonel Gregorio Pupo Rodríguez, Víctor Pupo Rodríguez, Francisco Gutiérrez Pérez, Julio Regalado García e Jorge Luis Chau Muñiz encontram-se confinados na prisão de Combinado Sur de Matanzas desde dezembro de 1999, sem que tenham sido submetidos a julgamento. Estas cinco pessoas decidiram fazer greve de fome a fim de solicitar que sejam conduzidos ao juiz competente. A Promotoria Geral da República de Cuba tem a seu cargo um expediente em fase preparatória pelo suposto delito de “saída ilegal”.        

43.          Com respeito às garantias que se consideram associadas a existência de um processo imparcial, geralmente está incluído o direito que o acusado tem de que lhe seja informado sobre as acusações feitas contra ele, o direito a escolher um advogado defensor, o direito do acusado de contestar a seus acusadores, o direito a gozar de um prazo razoável  para a preparação da defesa pelo acusado e seu advogado, o direito do inculpado de apresentar testemunhas e interrogá-las, o direito do acusado e seu defensor a que sejam avisados da data do julgamento de maneira oportuna.    

          44.          Com relação ao exercício da advogacia, a Comissão Interamericana foi  informada que esta sofre também de falta de independência devido ao Decreto Lei Nº 81 e seu regulamento, que estabelecem a obrigação de pertencer a Organização Nacional de Escritórios Jurídicos Coletivos (ONBC) como requisito prévio para o exercício de essa profissão, o que na prática impediu o ingresso a quem difere do sistema político vigente.  Cabe ressaltar que o  Ministério de Justiça é o encarregado de exercer a inspeção, supervisão, e controle de sua atividade e a de seus membros, editar disposições regulamentárias e de outro tipo e exercer outras funções adicionais (Primeira Disposição Especial do Decreto-Lei Nº 81 e artigo 42 do Regulamento).  

45.          Dentro desse contexto, é pertinente indicar que outro grupo de advogados, a “União Agramontista de Cuba”, está tentando constituir uma associação independente desde 1990.  Os advogados que compõe este grupo são objeto de todo tipo de pressões que vão desde “conselhos amistosos” até a proibição administrativa de exercer a defesa legal de ativistas de direitos humanos e opositores políticos.  Adicionalmente, dirigentes da Organização Nacional de Escritórios Jurídicos Coletivos hostilizam os advogados que preparam e firmam textos que criticam a problemática nacional ou profissional.  Em muitos casos os responsáveis por estes memorandos foram convocados a reuniões onde são pressionados e proibidos de exercer a sua profissão.  A situação dos advogados independentes em Cuba é analisada bem pela organização Human Rights Watch/Américas:

Em 1973, Cuba eliminou os escritórios jurídicos privados e exigiu a todos os advogados que não trabalhassem diretamente para o Estado unissem-se aos escritórios jurídicos coletivos.  Com a  reorganização dos escritórios jurídicos coletivos em 1984 foi exigido que todos os membros voltassem a solicitar o ingresso e demonstrar “ter condições morais conforme com os princípios de nossa sociedade”.  O Ministério de Justiça negou a readmissão a vários advogados conhecidos  por sua defesa de casos de direitos humanos e suas críticas ao Governo.  (…) A Organização Nacional de Escritórios jurídicos Coletivos expulsou e inabilitou efetivamente no exercício da advogacia a Leonel Morejón Almagro, membro da Corriente Agromontista.  A Corriente Agromontista é um grupo independente que recebe seu nome de Ignacio Agramonte, um advogado cubano do século XIX.  Morejón Almagro e outros membros de sua organização haviam defendido a vários dissidentes em destacados julgamentos políticos.  Em fevereiro de 1997, o Governo cubano justificou a expulsão de Morejón Almagro perante as Nações Unidas sobre a base de “graves faltas no exercício de seu dever profissional ”. (…)  Em 23 de fevereiro de 1996, um tribunal da Havana condenou a Morejón Almagro, que como líder de uma coalizão de ONG’s conhecida como Concílio Cubano continuava manifestando-se abertamente contra os abusos governamentais, a 15 meses de prisão por desacato e resistência a autoridade.  Outros advogados, entre eles René Gomez Manzano, um dos membros encarcerados do Grupo da Dissidência Interna, sofreu graves consequências por sua defesa de dissidentes e sua oposição a violação dos direitos humanos em Cuba.[28]

46.          As restrições para a criação de um colégio de advogados independente em Cuba é motivo de preocupação para a Comissão, porque se está menosprezando o direito de todo acusado a aceder a uma defesa legal independente e imparcial.  Tal como assinala a organização acima citada, “as leis processuais cubanas, a proibição de um colégio de advogados independente e o poder das politizadas autoridades judiciais e da promotoria  debilitam seriamente [o direito a defesa legal].  Os estreitos vínculos entre o Governo, os juízes  os promotores e os advogados designados ou aprovados pelo Estado fazem que muitos  acusados tenham pouca confiança em que seus advogados possam ou queiram fazer algo além de solicitar uma condenação ligeiramente menor”.[29]  Essa organização cita como exemplo o depoimento o ex-preso político Adriano González Marichal, quem manifestou que:         

A advogacia em Cuba é uma falácia.  Os advogados não tem maneira de defender ao  acusado.  Defendem, mas é como se nunca estivessem lá.  Eu não queria um advogado.  Me designaram uma advogada do Governo, que me disse “Senhor Marichal, este julgamento já está determinado. A única coisa que podemos pedir é a redução de sete anos ao invés de dez”.[30]

47.          A Comissão foi informada sobre as irregularidades que são cometidas em Cuba nos julgamentos com conotações políticas.  A publicidade dos julgamentos contra pessoas acusadas de “atividades contra-revolucionárias” é outra das garantias ao devido processo consagradas no artigo XXVI da Declaração Americana vulneradas em Cuba.  Segundo as informações proporcionadas, as salas de audiências estão cheias de policiais e agentes da Segurança do Estado que impedem o acesso de jornalistas e pessoas alheias a família.[31]  Com relação ao tempo concedido ao acusado e a seu advogado para preparar a defesa, uma elevada proporção das denúncias recebidas alegam que as vítimas não tiveram acesso ao expediente com suficiente antecipação.  A CIDH recebeu informação de que a intervenção do advogado se limita fundamentalmente a etapa do julgamento e isto se deve basicamente a que os advogados defensores reúnem-se com os acusados uma hora antes do processo, e em muitos casos, somente no momento do julgamento.  Outras das características dos julgamentos políticos é que o sistema reduz consideravelmente as possibilidades para apresentar testemunhas de defesa, a diferença da parte acusadora que recorre as testemunhas de acusação, especialmente quando estão envolvidos agentes da Segurança do Estado.  Cabe destacar, porém, que não existem bases legais para proibir as testemunhas de defesa, o que leva a concluir que a razão pela qual se explica a falta de testemunhas favoráveis a defesa é o receio de represálias por parte das autoridades. 

48.          A Comissão já se manifestou em relatórios anteriores –e volta a reiterar novamente-- que as deficiências do aparato judicial cubano começam com a Constituição Política do Estado, a qual não estabelece uma separação de poderes que garanta a independência da administração de justiça.  A Comissão reconhece que a mera estipulação constitucional da independência dos órgãos judiciais do poder político não é uma condição suficiente para que exista uma correta administração da justiça, mas estima que é uma condição necessária.  O artigo 121 da Constituição Política de Cuba estipula:

Os tribunais constituem um sistema de órgãos estatais, estruturado com independência funcional de qualquer outro e subordinado de forma hierárquica à Assembléia Nacional do Poder Popular e a Conselho de Estado (ênfase nossa).

49.          A subordinação dos tribunais de justiça a Assembléia Nacional do  Poder Popular e, especialmente, ao Conselho de Estado, estabelece uma relação de dependência ao Poder Executivo.  Esta relação se vê reforçada pela função do Conselho de Estado de “dar às leis vigentes, se necessário, uma interpretação geral e obrigatória”.[32]  O artigo 128 da Constituição estabelece que “O Promotor Geral da República recebe instruções diretas do Conselho de Estado”.  Por último, a Constituição fixa amplas margens dentro das quais essa  interpretação pode ser efetuada, conforme se viu na análise do artigo 62 da Constituição.

50.          Conforme exposto anteriormente, os tribunais de justiça em Cuba estão subordinados ao Conselho de Estado, o qual segundo o artigo 74 da Constituição dispõe que “O Presidente do Conselho de Estado é Chefe de Estado e Chefe de Governo”, ou seja, o Chefe de Estado cubano concentra em si mesmo todos os órgãos estatais.  O  Conselho de Estado é o órgão político que deve dar a interpretação oficial acerca de como devem  ser entendidos termos tão pouco precisos como “a existência e fins do Estado socialista” e “a decisão do povo cubano de construir o socialismo e o comunismo”.  A essa interpretação ficam  subordinadas todas as “liberdades reconhecidas aos cidadãos”; e é a administração da justiça a encarregada de aplicar as eventuais interpretações nos casos particulares.  Este viés ideológico e político está reforçado pelas funções que a Constituição concede aos tribunais e demais órgãos do Estado:

Todos os órgãos do Estado, seus dirigentes, funcionários e empregados atuam dentro dos limites de suas respectivas competências e tem a obrigação de observar estritamente a legalidade socialista e velar por seu respeito na vida de toda a sociedade (ênfase nossa).[33]

51.          A subordinação da administração da justiça ao poder político provoca grande insegurança e temor nos cidadãos, que se tornam reforçados pela debilidade das garantias processuais, especialmente naqueles julgamentos de opositores pacíficos do regime ou ativistas de direitos humanos.  É evidente que em matéria  de julgamentos políticos os tribunais continuam julgando com critérios ideológicos e políticos e não mediante os procedimentos judiciais corretos.  Cabe ressaltar que a falta de independência do poder judicial, amparado por preceitos constitucionais com referências ideológicas ou políticas, viola o princípio de igualdade perante a lei, tendo em vista que os membros do Partido Comunista estão postos em um plano superior frente ao resto dos cidadãos cubanos que tentam ter uma opinião alternativa ou discordam do sistema político vigente.[34]

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[1] No novo Regulamento da CIDH o artigo 63(h) corresponde ao antigo artigo 57(1)(h) e 57(2).

[2] A Situação dos Direitos Humanos em Cuba, Sétimo Relatório, CIDH, OEA/Ser.L/V/II.61, Doc.29 rev. 1, (1983) página 13, parágrafo 32.

[3] No Sétimo Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos em Cuba, a CIDH assinala  que “a tese que sustenta a incompetência da Comissão baseando-se na perda da qualidade de Estado membro da OEA de Cuba, considera que isto deve-se a carência de validade prática a diferença entre Estado e Governo com que se concede competência a CIDH.  Estima-se também que depois de mais de vinte anos de excluído o Governo cubano pela VIII Reunião de Consulta, a diferença entre Estado e Governo, se alguma vez teve validade, deixou de existir .  Esta posição considera que foi a expulsão do Governo de Cuba a que provocou esta perda de qualidade de Estado membro, carecendo de relevância ‘a circunstância meramente processual’ de que esse país não tenha denunciado a Carta da Organização nem os demais instrumentos interamericanos.  A respeito se estima que tendo em vista que o Governo de Cuba foi expulso, não procede nesta situação aplicar o Artigo 48 da Carta referido a denúncia”.  Os argumentos expostos nesse ponto foram extraídos, fundamentalmente das seguintes fontes: Assembléia Geral, Atas e Documentos, sétimo período ordinário de sessões, St. Georges, Granada, de 14 à 22 de junho de 1977, Volume II (Segunda Parte).  Doc. OEA/Ser.P/X-0.2, 30 de dezembro de 1977, págs. 265-269; Assembléia Geral, Atas e Documentos, décimo período ordinário de sessões, Washington, D.C., de 19 à 27 de novembro de 1980, Volume II, (Segunda Parte).  Doc. OEA/Ser.P./X-0.2, 13 de novembro de 1981, págs. 84-181; Ata da Sessão da Comissão Preparatória da Assembléia Geral celebrada em 25 de junho de 1980.  Doc. OEA/Ser.P./AG/Ata 141/80.  CIDH, A Situação dos Direitos Humanos em Cuba, Sétimo Relatório, OEA/Ser.L/V/II.61, Doc. 29 rev. 1, 4 de outubro de 1983, págs. 10 e 11. 

[4] A parte dispositiva da Resolução Nº VI da Oitava Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores da OEA estabelece que:

1. Que a adesão de qualquer membro da Organização dos Estados Americanos ao marxismo-leninismo é incompatível com o Sistema Interamericano e  alinhamento de tal Governo com o bloco comunista afeta a unidade e solidariedade do hemisfério.

2. Que o atual Governo de Cuba, que oficialmente identificou-se como um Governo marxista-leninista, é incompatível com os  princípios e propósitos do Sistema Interamericano.

3. Que esta incompatibilidade exclui o atual Governo de Cuba de sua participação no Sistema Interamericano.

4. Que o Conselho da Organização dos Estados Americanos e outros órgãos do Sistema Interamericano adotem sem demora as providências necessárias para cumprir com esta Resolução.

O texto completo da Resolução VI encontra-se na “Oitava Reunião de Consulta de Ministros de Relações Exteriores para servir de Órgão de Consulta em aplicação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, Punta del Este, Uruguai, 22 à 31 de janeiro de 1962, Documentos da Reunião”, Organização dos Estados Americanos, OEA/Ser.F/II.8, doc. 68, páginas 17-19.

[5] CIDH, A Situação dos Direitos Humanos em Cuba, Sétimo Relatório, op.cit., parágrafo 35, página 14.

[6] As leis cubanas concedem a liberdade condicional, dependendo do bom comportamento, depois do cumprimento da metade da pena.

[7] Embora a tipificação de delitos contra a segurança do Estado e rebelião no Código Penal não são, em princípio, incompatíveis com a Declaração Americana, sua aplicação por parte do Estado cubano contra ativistas de direitos humanos, sindicalistas independentes, e opositores pacíficos ao regime, viola o mencionado instrumento internacional.  Tal como assinalou a Human Rights Watch/Americas “Cuba processa os delitos contra a segurança do Estado para reprimir aos opositores não violentos ao Governo.  Enquanto que o delito de propaganda inimiga constitui uma violação explícita dos direitos fundamentais a liberdade de expressão e associação, outros delitos contra a segurança do Estado incluem referências criticáveis a preservação do sistema socialista e estão definidas em termos elásticos que foram freqüentemente empregados para castigar o exercício de direitos fundamentais.  (…)  Segundo a lei, as autoridades cubanas podem realizar detenções sem ordem judicial de qualquer pessoa acusada de um delito contra a segurança do Estado, tem que manter o acusado em detenção preventiva e julgar o suspeito a portas fechadas num tribunal especial de segurança do Estado.  De maneira a aumentar as probabilidades de que os funcionários adotem  medidas contra os delitos de rebelião e sedição, que segundo a definição do Código Penal incluem atos não violentos, os funcionários que não o fazem incorrerão em pena de prisão de três a oito anos por infração dos deveres de resistência” Human Rights Watch/Americas, A Máquina Repressiva de Cuba, Os Direitos Humanos: Quarenta Anos Depois da Revolução, 1999, página 43, em CIDH, Relatório Anual 2000, Capítulo IV, Situação dos Direitos Humanos em Cuba, página 1431, parágrafo 22, nota 13.

[8] Human Rights Watch/Americas, Relatório Anual 2002, Panorama Geral da América Latina, Cuba, parágrafos 1 e 2.

[9] Anistia Internacional, AI: AMR 25/01/00/s, 16 de janeiro de 2001, versão digital.

[10] Repórteres sem Fronteiras, Relatório Anual, Redação de Missão, Cuba, 17 de agosto de 2001, páginas 1, 11 e 12, versão digital.

[11] Sociedade Interamericana de Imprensa, 57o. Assembléia Geral, Washington D.C., Estados Unidos, 12-16 de outubro de 2001, Relatórios por país, Cuba.

[12] Nações Unidas, Comissão de Direitos Humanos, Situação dos Direitos Humanos em Cuba, Vigésima Sétima Sessão, 18 de abril de 2001, E/CN.4/RES/2001/16.

[13] Human Rights Watch/Américas, Relatório Anual 2002, op.cit., página 3.

[14] CIDH, Relatório Anual 2000, Volume III, Relatório da Relatoria para a liberdade de expressão, Secretaria Geral, Organização dos Estados Americanos, OEA/Ser.L/V/II.111, Doc. 20 rev., 16 de abril de 2001, página 66.

[15] Artigo 53, Constituição Política da República de Cuba.

[16] Artigo 62, Constituição Política da República de Cuba.

[17] CIDH, Relatório Anual 2000, Volume III, op. cit., páginas  66 e 67.

[18] Artigo 1º, Lei Nº 88, 1999, Lei de Proteção da Independência Nacional e a Economia de Cuba, Havana, Cuba.

[19] Human Rights Watch/Américas, A Máquina Repressiva de Cuba, os Direitos Humanos Quarenta Anos Depois da Revolução, junho de 1999, páginas 27 e 28.

[20] Diaz Sotolongo estava referindo-se ao delito de desacato.  Entrevista de Human Rights Watch com Roberto Diaz Sotolongo, Nova York, 11 de junho de 1998, em HRW, A Máquina Repressiva de Cuba, op.cit., página 28.

[21] Repórteres sem  Fronteiras, Relatório Anual 2002, Carta de Protesta, Cuba, 28 de dezembro de 2001, Cinco jornalistas agredidos pela polícia.  Uma centena de atos de acosso contra a imprensa independente em  2001, versão digital.

[22] Human Rights Watch/Américas, Relatório Anual 2002, op.cit., páginas 5 e 6.

[23] Idem., página 6.

[24] Human Rights Watch/Américas, A Máquina Repressiva de Cuba: Os Direitos Humanos Quarenta Anos Depois da Revolução, op.cit., páginas 33 e 34.

[25] Repórteres sem Fronteiras, Relatório Anual 2002, Redação de Missão, Cuba: Acosso, Exílio, Encarceramento -Agências de Imprensa, Uma centena  de Jornalistas Independentes Frente ao Estado, páginas 5 e 6, versão digital. 

[26] Artigo XXV da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

[27] Repórteres sem Fronteiras, Relatório Anual 2002, op.cit., páginas 7 e 8.

[28] Human Rights Watch/Américas, A Máquina Repressiva de Cuba, Os Direitos Humanos Quarenta Anos Depois da Revolução, op.cit., páginas 64 e 65.

[29] Também o fato de que o Código de Procedimento Penal permita detenções de até dez dias sem exigir que os detentos sejam informados de seu direito a um advogado designado supõe claramente que não se está garantindo na prática o direito a uma defesa legal.  Idem., página 63.  

[30] Idem., página 64.  No  julgamento de González Marichal, os promotores recomendaram uma pena de doze anos e o tribunal o condenou a dez anos de prisão (Entrevista de HRW com Adriano González Marichal, Toronto, 12 de abril de 1998). A organização Human Rights Watch/Américas também  destaca outras entrevistas a presos e ex-presos políticos, tais como Raúl Ayarde Herrera, quem recorda que seu advogado nomeado pelo Estado lhe aconselhou dizendo-lhe que “tudo está provado, reconheça seu erro  para ver si te reduzem a condenação”; René Portalles, condenado a sete anos de prisão por propaganda inimiga em 1994, declarou que o tribunal não lhe permitiu contratar um advogado privado.  Sua advogada de ofício era uma comunista declarada que se reuniu com ele pela primeira vez três dias antes do julgamento durante uns dez minutos.  Recordava que lhe perguntou: “Como pode defender-me sendo um membro da oposição?”.  No julgamento, a advogada se limitou a pedir que não decidissem pela pena máxima; Alberto Joaquín Aguilera disse que apesar de contar com um advogado privado em seu  julgamento de 1992, era como ter a um advogado designado pelo Estado.  “Não existem advogados privados, eles tem de representar os interesses do Governo.  A advocacia é um mecanismo que não funciona”.  Idem., páginas 63 e 64.

[31] “O Código Processual Penal concede aos tribunais amplos poderes para celebrar julgamentos a porta fechada em qualquer momento do processo por razões relativas a segurança do Estado, a moralidade ou a ordem  pública.  Ainda que possivelmente estes sejam os motivos legítimos para proibir o acesso ao público a um julgamento, os julgamentos a porta fechada em Cuba parecem destinados a encobrir sua negação do devido processo a dissidentes e limitar as possibilidades de que o público conheça suas opiniões.  As leis proíbem que toda pessoa relacionada com o acusado, a exceção de seu advogado, assista a um julgamento a porta cerrada (Artigo 305 do Código de Procedimento Penal, Lei Nº 5)”, em Human Rights Watch/Américas, A Máquina Repressiva de Cuba…op.cit., página 58.

[32] Artigo 90(ch) da Constituição Política de Cuba.

[33] Artigo 10 da Constituição Política de Cuba.

[34] O  artigo 62 da Constituição Política de Cuba estabelece que “Nenhuma das liberdades reconhecidas aos cidadãos  pode ser exercida contra o estabelecido na  Constituição e nas leis, nem contra a existência e fins do Estado socialista, nem contra a decisão do povo cubano de construir o socialismo e o comunismo.  A infração deste princípio é punível” (ênfase nossa).