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RELATÓRIO
N°
91/01 CASO
12.258 ROBERTO
JAVIER HERNÁNDEZ PAZ VENEZUELA 10
de outubro de 2001 I.
RESUMO
1.
Em 3 de março de 2000 a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana” ou “a
CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada pelo
Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (PROVEA)
e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) (doravante
denominados “os peticionários”) relacionada à detenção ilegal, incomunicabilidade e o
desaparecimento forçado de Roberto Hernández Paz.
Os peticionários alegam que os
fatos denunciados configuram violações de várias disposições da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a
"Convenção Americana"), tais como a obrigação geral de
respeitar os direitos (artigo 1(1); direito à vida (artigo 4); direito à
integridade pessoal (artigo 5); liberdade pessoal (artigo 7),
direito as garantias judiciais (artigo 8(1) e à devida proteção
judicial (artigo 25) e o artigo 1 da Convenção Interamericana sobre
Desaparecimento Forçado de Pessoas.
2.
O Estado considera que não foram esgotados os recursos da jurisdição
interna, pois os fatos estão sendo investigados pelo Ministério Público,
a Defensoria Pública e os Tribunais venezuelanos. Alega que o recurso de habeas
corpus não é o meio adequado para a investigação dos fatos
denunciados, e que a investigação é uma obrigação de
meio e não de resultado, motivo pelo qual não existe violação
de um direito quando esta não produz o resultado esperado. 3.
Sem prejudicar o fundo do assunto, a CIDH conclui neste relatório
que o caso é admissível, pois reúne os requisitos previstos nos artigos
46 e 47 da Convenção Americana. Portanto, a Comissão Interamericana decide notificar as
partes da decisão e continuar com a análise de mérito relativa a
suposta violação dos artigos 1.1, 4, 5, 7, 8.1 e 25 da Convenção
Americana, bem como o artigo 1 da Convenção Interamericana sobre
Desaparecimento Forçado de Pessoas. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
INTERAMERICANA 4.
A petição foi apresentada em 3 de março de 2000 e transmitida ao
Estado venezuelano em 27 de março de 2000 sob o número 12.258,
solicitando-lhe informação. Em 19 de julho de 2000 a CIDH reiterou a
solicitação de informação ao Governo venezuelano.
O Estado apresentou suas observações em 24 de agosto de 2000, as
que foram transmitidas aos peticionários em 8 de setembro de 2000. Os
peticionários solicitaram uma prorrogação em 11 de outubro de 2000 para
responder às observações correspondentes; e a Comissão lhes concedeu
mais 30 dias a partir de 15 de novembro de 2000. Os peticionários
apresentaram suas observações em 17 de janeiro de 2001. As
correspondentes observações adicionais à
resposta do Estado foram enviadas pela CIDH em 12 de fevereiro de
2001 ao Governo venezuelano. A Comissão Interamericana celebrou uma audiência
sobre o caso com ambas partes em 27 de fevereiro de 2001, durante seu 110°
período de sessões. Em 23 de março de 2001 os peticionários
encaminharam à CIDH informação adicional que foi transmitida ao Governo
venezuelano em 7 de maio de 2001. Em 20 de agosto de 2001 o Estado
venezuelano enviou o relatório do Ministério Público de Venezuela sobre
o caso N° 12.307, José Francisco Rivas Fernández (desaparecido no
Estado de Vargas), onde faz referência a situação do caso de Roberto
Hernández Paz. III.
POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE A.
Os peticionários 5.
Em 15 de dezembro de 1999, data em que foi realizado o referendum
para aprovar o projeto da Constituição, tanto no Estado de Vargas como
em outras zonas do país, a magnitude das chuvas era um tema preocupante.
Nesses dias Venezuela viveu as conseqüências
do pior desastre natural de sua história contemporânea.
6.
Nestas circunstâncias, a atuação de uma parte importante de
agentes do Estado nos trabalhos de restabelecimento da ordem pública
necessários para resguardar a vida e a segurança das pessoas acarretou
em diversas violações de direitos humanos.
7.
Os peticionários alegam que em 23 de dezembro de 1999, Roberto
Javier Hernández Paz encontrava-se na casa de seu tio Carlos Paz,
localizada no setor Tarigua de Caraballeda, Estado de Vargas. Às 19:30 hs
do mesmo dia estacionou em frente a casa um veículo identificado como
pertencente a Direção de Serviços de Inteligência e Prevenção (DISIP).
Dele desceram aproximadamente 5 funcionários, sendo que dois deles
ingressaram armados na residência sem ordem de busca e sem identificarem-se.
Roberto Hernández encontrava-se na sala assistindo televisão com seu tio,
quando foi detido pelos funcionários da DISIP sem , no entanto, dar
explicações nem a ele nem ao seu tio sobre o motivo da detenção.
Minutos depois, no jardim da casa onde havia sido detido Roberto Hernández,
seu tio Carlos Paz, escutou um disparo e logo seu sobrinho dizendo "Chamo
me matou". Posteriormente escutou outro disparo; mas não pode
ver tais acontecimentos porque tem sua visão comprometida pela catarata.
A suposta vítima foi arrastada ferida uns 30 metros até o portão
da casa e, segundo os vizinhos, foi colocado num jipe da DISIP, e levado
sem nenhuma explicação
sobre o motivo nem o lugar de sua detenção.
8.
Em 30 de dezembro de 1999 a cidadã Aleidis Maritza Hernández, irmã
de Roberto Hernández, foi até a sede da DISIP localizada em Helicoide de
Caracas, a fim de obter informação sobre o paradeiro de seu irmão. Na
sede da DISIP tomaram-lhe uma declaração e
informaram-lhe que não sabiam nada sobre seu irmão. Então
dirigiu-se até a sede da Guarda Nacional no Estado de Vargas, onde
tampouco lhe proporcionaram informação sobre o paradeiro de seu irmão. 9.
Em 21 de janeiro de 2000 o Programa Venezuelano Educação-Ação
em Direitos Humanos interpôs um recurso de habeas
corpus perante o Segundo Tribunal de Controle do Circuito Judicial
Penal do Estado de Vargas. Este tribunal, mediante ofício de 21 de
janeiro 2000, dirigiu-se ao Diretor dos Serviços de Inteligência e
Prevenção (DISIP), solicitando informação acerca da possível detenção
de Roberto Hernández por funcionários desse corpo. 10.
Em 24 de janeiro de 2000 o Tenente-Coronel do Exército Jesús
Urdaneta, à época Diretor da DISIP, comunicou ao tribunal que: No
dia 23 de dezembro de 1999, não havia funcionários da DISIP na zona de
Tarigua de Caraballeda do Estado de Vargas. Que
o cidadão Roberto Hernández Paz não foi detido por funcionários da
DISIP. 11.
Em 25 de janeiro de 2000 o Segundo Tribunal de Controle do Estado
de Vargas declarou que não havia matéria sobre a qual decidir em relação
ao recurso de habeas corpus
interposto pelo desaparecimento de Roberto Hernández Paz. 12.
Em 4 de fevereiro de 2000 a Corte de Apelação do Circuito
Judicial Penal da Circunscrição Judicial do Estado de Vargas confirmou a
decisão do Segundo Tribunal de Controle mediante a qual declarou que não
havia matéria sobre a qual decidir em relação ao recurso de habeas
corpus interposto a favor de Roberto Javier Hernández Paz. 13.
Em relação ao esgotamento dos recursos internos, no caso do
desaparecimento forçado de Roberto Hernández Paz, os peticionários
solicitaram a opinião do Dr.
Jesús María Casal, especialista em Direito Constitucional venezuelano,
quem assinalou que: I-
Âmbito tutelado pelo habeas corpus
no Direito venezuelano. No
nosso sistema jurídico o habeas
corpus, término empregado pelo artigo 43 da Lei Orgânica de Amparo
sobre Direitos e Garantias Constitucionais (doravante denominada Lei Orgânica
de Amparo) e pertencente a nossa tradição jurídica,
é uma manifestação do direito ao amparo previsto no artigo 27 da
Constituição. Sua especificidade radica primeiramente no seu objeto: a
liberdade e segurança pessoal . A
Constituição venezuelana de 1999 corroborou com a aplicabilidade do
amparo da liberdade pessoal, ou habeas
corpus, aos supostos desaparecimentos forçados de pessoas. A
Constituição, justo depois de consagrar o direito a liberdade pessoal,
proíbe e castiga o desaparecimento forçado de pessoas, em consonância
com os instrumentos internacionais sobre direitos humanos. A
lei orgânica do Amparo prevê que contra a decisão que resolve em
primeira instância uma ação de amparo cabe a apelação, e contempla
uma consulta obrigatória em caso de que a apelação não tenha sido
interposta. Contra a sentença de segunda instância de amparo não cabe a
cassação. Alguns
defendem que contra a decisão que não concede o
habeas corpus proferida
em segunda instância do
processo de amparo deve-se interpor um "recurso" de revisão
previsto no numeral 10 do artigo 336 da
Constituição,
antes de acudir a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Esta tese
não tem aceitação alguma no ordenamento constitucional venezuelano, nem
encontra respaldo na jurisprudência interamericana relativa a regra do
esgotamento dos recursos internos, dado que: a)
O numeral 10 do artigo 336 da Constituição de 1999 não prevê um
"recurso"; contempla uma faculdade da Sala Constitucional,
consistente na possibilidade de revisar as sentenças de amparo ou de
controle difuso da constitucionalidade editadas por tribunais da República
e transitadas em julgado. Esta
faculdade da Sala Constitucional pode ser exercida a pedido do demandado,
aplicada de ofício, ou a pedido de um terceiro, como estabelecido
pela jurisprudência constitucional. Por não se tratar de um recurso, não
se fixa prazo algum para a eventual apresentação da solicitação
correspondente pelo interessado. b)
O mais importante, porém, a fim de resolver a questão formulada,
é que a Sala Constitucional em numerosas sentenças teve a oportunidade
de esclarecer o alcance dessa faculdade de revisão, e sustenta de maneira
uniforme e reiterada que seu exercício é de caráter "excepcional"
e "discricionário". E mais, declarou que o particular que pede
perante essa Sala a revisão de alguma sentença de amparo, não pode
invocar como fundamento para a admissão da revisão de direito algum. A
admissão da revisão é uma faculdade discricionária da Sala
Constitucional, frente a qual a pessoa não pode invocar nenhum direito
constitucional. c)
A Sala Constitucional não está obrigada a pronunciar-se sobre
todas as solicitações de revisão de sentenças de amparo. De maneira
"seletiva" pode escolher os casos que lhe pareçam relevantes,
nos quais admite o procedimento de revisão, sem que exista o dever de
motivar seus pronunciamentos, nem sequer quando rejeita de plano a admissão
da revisão. Estes
elementos configuram a revisão como um mecanismo sui
generis que não tende a colocar nas mãos do particular um
instrumento que lhe permita exigir justiça perante um tribunal, mas que
está orientado a facultar a Sala Constitucional a desenvolver uma política
judicial, no bom sentido da expressão. Concretamente, a revisão permite
a Sala estabelecer critérios vinculantes sobre a interpretação das
disposições constitucionais, assegurando assim uma certa uniformidade de
critérios. Somente
em alguns casos, os que possam despertar a sensibilidade dos Magistrados
da Sala Constitucional, admite-se a revisão – na prática quase
nunca- o que não significa que em definitiva será anulada a sentença . Isto
implica que a primeira e segunda instância do amparo, o habeas
corpus, é a via processual
que garante o particular a possibilidade de exigir a cessação das violações
a seus direitos constitucionais, estando o Poder Judicial obrigado a
restabelecer, mediante esse processo, as situações infringidas pela
violações de tais direitos. Enquanto a revisão é um
mecanismo completamente excepcional, que somente funciona quando os
Magistrados da Sala Constitucional, em uso de seu poder discricionário de
seleção, o estimem conveniente. Não
se pode aplicar a regra do
esgotamento dos recursos internos a um mecanismo processual que, em síntese,
reúne as seguintes características: a)
Não é um recurso nem uma ação de que disponha a vítima de
violações aos direitos humanos; é faculdade discricionária da Sala
Constitucional, que pode exercer de oficio, ou a pedido do interessado,
sem prazo preclusivo algum. b)
Quem solicita a revisão
de uma sentença de amparo não tem direito a obter um pronunciamento
sobre sua admissibilidade ou procedência. c)
A revisão não é uma terceira instância de amparo; pelo contrário,
a revisão recae sobre sentenças de amparo ou
de controle de constitucionalidade transitadas em julgado e revestidas de
autoridade de coisa julgada. Desta forma, trata-se de um
mecanismo de caráter não somente extraordinário, mas também
excepcional, correspondente a
Sala Constitucional, determinar de maneira seletiva a admissão ou tramitação
das revisões nos casos que considere relevantes. 14.
Com a interposição do recurso de habeas
corpus em 21 de janeiro de 2000 perante o Segundo Tribunal de Controle
do Circuito do Estado de Vargas, que declara que não há
matéria sobre a qual decidir em 25 de janeiro de 2000,
e a confirmação desta em 4 de fevereiro de 2000 pela Corte de Apelação
do Circuito Judicial Penal da Circunscrição Judicial do Estado de
Vargas, os peticionários consideram que os recursos internos da Venezuela
foram esgotados. 15.
Os peticionários alegam que os fatos denunciados configuram a
violação, por parte do Estado da Venezuela, de várias disposições da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tais como o direito a
respeitar e garantir os
direitos (artigo 1(1)), direito à vida (artigo 4), à integridade pessoal
(artigo 5), liberdade pessoal (artigo 7), as garantias judiciais e proteção
judicial (artigos 8(1) e (25), e o artigo 1 da Convenção Interamericana
sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas. B.
O Estado 16.
O Estado da Venezuela considera que não foram esgotados os
recursos internos, dado que atualmente estão tramitando ações e investigações
impulsionadas pelo Ministério Público e a Defensoria Pública
conjuntamente com os Tribunais venezuelanos, dirigidas ao esclarecimento
dos fatos alegados no Estado de Vargas.
17.
Informa a Venezuela que os Tribunais Penais, que tem conhecimento
das ações de habeas corpus,
solicitaram informação aos Corpos de Segurança que haviam detido as
pessoas. Em todos os casos, tanto o Ministério da Defesa como a Guarda
Nacional e a DISIP informaram que os cidadãos sobre os quais se
solicitava habeas corpus não
estavam detidos sob ordens desses Corpos de Segurança.
18.
Frente a esta informação oferecida pelos Corpos de Segurança os
Tribunais Penais tanto de Controle como as Cortes de Apelações estimaram
que pressupostos processuais não estavam cumpridos para a procedência da
ação de habeas corpus, devido
a que este não era o meio adequado para a efetiva investigação dos
fatos denunciados. Defendem que o prudente era iniciar uma investigação
formal, ordinária, seguindo as pautas e regras estabelecidas no Código
Orgânico Processual Penal, a fim de conseguir as características
verdadeiras dos fatos e a identificação dos autores e partícipes. Em
consequência o Promotor Superior do Estado de Vargas foi oficiado para
que de imediato ordenasse o início das averiguações respectivas, o que
não significa que, com esta decisão, haviam sido esgotados os recursos
da jurisdição interna, mas que era necessário impulsionar as diligências
pelo tribunal.
19.
O Estado da Venezuela menciona que a Corte estabeleceu que o dever
jurídico por parte dos Estados é investigar as violações de direitos
humanos ocorridas em sua jurisdição, assinalando que esta é uma obrigação
de meio, e não de resultado, motivo pelo qual não há violação da
mesma quando não produz o resultado esperado, e que a violação desta
obrigação se dá propriamente quando o aparato do Estado atua de tal
maneira que impede a realização de uma adequada averiguação dos fatos,
e deixa totalmente impune a violação.
20.
Assinala que, a respeito, procede a Sala
Constitucional à revisão da decisão de negar o recurso de habeas
corpus, a qual pode declarar a nulidade da decisão para que se inicie
um novo trâmite de habeas corpus,
como ocorreu no caso do desaparecimento do Sr. Monasterios,[1]
onde a Sala Constitucional primeiramente declarou inadmissível o amparo
interposto pelo Defensor Público da
Área Metropolitana de Caracas contra a decisão judicial que
denegou o habeas corpus, num
caso relativo a um suposto desaparecimento forçado. A Sala entendeu que já
se havia esgotado a dobre instância em matéria de amparo, motivo pelo
qual não cabia exercer um novo amparo constitucional: o direito a tutela
judicial rápida e eficaz dos direitos constitucionais devia ser
considerado satisfeito (sentença de 25 de abril de 2000). Todavia, a
mesma Sala Constitucional decidiu exercer a faculdade excepcional e
discricionária de revisão prevista no numeral 10 do artigo 336.
21.
O Estado argumenta que o Ministério Público é o órgão responsável
pela revisão constitucional e quem pode conduzir ações penais com o
propósito de esclarecer os fatos e determinar o paradeiro do desaparecido;
que enquanto não for encontrada a pessoa viva ou o seu cadáver a
investigação não terá sido concluída e, portanto, não terão
sido esgotados os recursos da jurisdição interna. IV.
ANÁLISE A.
Competência
ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione
loci da Comissão Interamericana 22.
Os peticionários encontram-se
facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias
perante a CIDH. A petição
assinala como suposta vítima um indivíduo, a quem a Venezuela
comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção
Americana. No que concerne ao
Estado, a Comissão assinala que a Venezuela
é um Estado parte na Convenção Americana desde 9
de agosto de 1977,
data em que depositou o instrumento de ratificação respectivo. A
CIDH observa que quanto a competência
passiva ratione personae é
um princípio geral do direito internacional em que o Estado deve
responder pelos atos de todos seus órgãos, incluindo o Poder Judicial. Portanto,
a Comissão tem competência ratione
personae para examinar a petição. 23.
A Comissão
tem competência ratione loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam
violações de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram
lugar dentro do território de um Estado parte no mencionado tratado. 24.
A CIDH
tem competência ratione temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os
direitos protegidos na Convenção Americana já encontrava-se em vigor
para o Estado venezuelano na data em que ocorreram os fatos alegados na
petição. Em relação as alegações sobre possíveis violações a
Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, a
Comissão observa que a Venezuela ratificou referida Convenção em 19 de
janeiro de 1999. Por
conseguinte, os fatos que são matéria
do presente caso ocorreram quando este instrumento internacional
encontrava-se vigente na Venezuela. 25.
Por último, a
Comissão tem competência ratione
materiae, já que a petição denuncia violações de direitos humanos
protegidos pela Convenção Americana e
a Convenção Interamericana
sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas. Outros requisitos de admissibilidade da
petição a.
Esgotamento dos recursos internos 26.
A questão do esgotamento dos recursos da jurisdição interna está
disposta no artigo 46(1)(a) e (b) da Convenção Americana. 27.
Os peticionários consideram que foram esgotados os recursos
internos de Venezuela com a interposição do recurso de habeas
corpus em 21 de janeiro de 2000 perante o Segundo Tribunal do
Circuito do Estado de Vargas, que declarou que não há matéria
sobre a qual decidir em 25 de janeiro de 2000, e a confirmação desta em
4 de fevereiro do mesmo ano pela Corte de Apelação do Circuito Judicial
Penal da Circunscrição Judicial do Estado de Vargas. 28.
Em 24 de agosto de 2000, o Estado da Venezuela alegou a falta de
esgotamento dos recursos internos, devido a que os fatos narrados na
presente petição estão sendo investigados ativa e permanentemente
mediante a prática constante de atuações necessárias para o
esclarecimento dos mesmos pelo Ministério Publico, a Defensoria
Pública e os Tribunais venezuelanos.
29.
No caso sub lite a Comissão
observa que o recurso de habeas
corpus foi denegado em primeira instância em 25 de janeiro de 2000,
sendo confirmada esta decisão pela Corte de Apelação em 4 de fevereiro
do mesmo ano. Embora o Estado
afirme que falta aos familiares da vítima esgotar o recurso de revisão,
a Comissão entende que este recurso não é adequado para investigar o
paradeiro da vítima em um caso de desaparecimento forçado.
Conforme decidido pela Corte
Interamericana nos seus primeiros casos contenciosos: A
exibição pessoal ou habeas corpus
seria, normalmente, o recurso adequado para encontrar uma pessoa
supostamente detida pelas autoridades, averiguar se está detida e, se for
o caso, liberá-la. [2]
30.
O Estado venezuelano também afirma que o Promotor Superior do
Estado de Vargas foi oficiado para que de imediato ordenasse o início das
averiguações respectivas, “o que significa que, com esta decisão, não
foram esgotados os recursos da jurisdição interna, e sim que era necessário
impulsioná-los através do tribunal”.
A Comissão considera importante o trabalho que vem realizando o
Estado na identificação dos responsáveis dos fatos alegados neste caso,
já que, efetivamente, o processo penal é a via adequada para tal fim.
Entretanto, conforme
assinalou a Corte: "(o) habeas
corpus tem como finalidade não somente de garantir a liberdade e a
integridade pessoal, mas também de prevenir o desaparecimento
ou indeterminação do lugar de detenção e, em última instância,
assegurar o direito à vida".[3]
Tendo em consideração que a suposta vítima desapareceu em 23 de
dezembro de 1999, a Comissão considera que o Estado teve um prazo mais
que razoável para encontrar o paradeiro de Roberto Hernández Paz. Adicionalmente a Comissão deve manifestar que uma vez
denegado o recurso de habeas corpus em ambas instâncias do Poder Judicial, os recursos da
jurisdição interna foram plenamente esgotados. De acordo com o artigo 10
da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas
da qual Venezuela é Estado Parte, “o direito [de uma vítima] a
procedimentos ou recursos judiciais rápidos e eficazes será conservado
como meio de determinar o paradeiro das pessoas privadas de liberdade, seu
estado de saúde ou para individualizar a autoridade que ordenou ou
efetivou a privação de liberdade”.
Transcorreram-se um ano e nove meses e a suposta
vítima permanece ainda na qualidade de desaparecida. 31.
Com respeito às alegações do Estado de que os familiares devem
esgotar o processo penal em curso, cabe a Comissão reiterar sua doutrina
na qual estabelece que: Tratando-se
de delitos de ação pública – ainda que dependente de iniciativa
privada- não cabe exigir a vítima ou a seus familiares o esgotamento dos
recursos internos, já que é função do Estado preservar a ordem pública
e, portanto, é sua obrigação respeitar a lei penal promovendo ou
impulsionando o processo até o final. Conforme assinalou a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, a obrigação de investigar "deve
ter um sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico e não
como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da
iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou do aporte
privado de elementos probatórios, sem que a autoridade pública busque
efetivamente a verdade"[4]. A
afirmação precedente se confirma naqueles regimes processuais que negam
a vítima ou a seus familiares legitimidade processual, exercendo o Estado
o monopólio da ação penal. Nos casos em
que a legitimidade está prevista, seu
exercício
pelo demandante não
é
obrigatório mas sim optativo e substitui a atividade estatal.[5]
32.
Desta forma, a Comissão considera que os peticionários esgotaram
os recursos internos com a decisão da Corte de Apelação proferida no
recurso de habeas corpus..
33.
Em
relação ao argumento do Estado sobre a jurisprudência da Corte de que a obrigação de investigar
é "de meio, e não de
resultado, motivo pelo qual não há violação da mesma quando não
produz o resultado esperado", cabe assinalar que o mesmo tribunal
também manifestou que "Em certas circunstâncias pode resultar difícil
a investigação de fatos que atentem contra direitos da pessoa. Todavia,
[referida investigação] deve ser empreendida com seriedade e não como
uma simples formalidade condenada de antemão a ser infrutífera ".[6] b.
Prazo de apresentação 34.
A petição foi apresentada em 3 de março de 2000, dentro do prazo
de seis meses que estabelece o artigo 46(1)(b) da Convenção Americana;
por conseguinte, considera-se cumprido o referido requisito. c.
Duplicidade de procedimentos e coisa julgada 35.
A
Comissão entende que o assunto não se
encontra pendente de outro procedimento de acordo internacional nem
que tenha sido previamente decidido por esta ou outro organismo
internacional. Desta forma, a CIDH considera que não são aplicáveis as
exceções previstas nos artigos 46(1)(d) e 47(d) da Convenção Americana.
d.
Caracterização dos fatos
alegados
36.
A
Comissão considera que a exposição dos peticionários refere-se a fatos
que, se provados verdadeiros, poderiam
caracterizar uma violação aos direitos garantidos nos artigos 1(1), 4, 5, 7, 8(1) e 25 da Convenção
Americana, e o artigo 1 da Convenção Interamericana sobre
Desaparecimento Forçado de Pessoas. V.
CONCLUSÕES 37.
A
Comissão conclui que é competente para conhecer o fundo do caso e que
esta petição é admissível, de conformidade com os artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. Com base nos
argumentos de fato e de direito antes expostos e sem prejudicar o fundo da
questão,
A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1.
Declarar admissível o presente caso quanto as supostas violações
de direitos protegidos nos artigos 1(1),
4, 5, 7, 8(1) e 25 da Convenção Americana, e o artigo 1 da Convenção
Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.
2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001.
(Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro
Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio
Bicudo, Robert K. Goldman, Peter Laurie, e Julio Prado Vallejo, Membros da
Comissão. [ Indice | Anterior | Próxima ]
[1]
Sentença da Sala Constitucional da Suprema Corte de Venezuela, de 14
de agosto de 2000. [2]
Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julio de
1988, série C N° 4, par. 65. [3]
Corte IDH, Caso Castillo Páez, Sentença de méritoo, par. 83. [4]
Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença 29 de julho de 1988,
pág. 73, par. 177. [5]
Relatório Anual 1997, Caso 11.218, Arges Sequeira Mangas vs. República
de Nicaragua, pág. 735, par. 97. [6]
Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 26 de julho de
1988, pág. 73, par. 177.
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