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RELATÓRIO N° 90/01 CASO
12.256 OSCAR
JOSE BLANCO ROMERO VENEZUELA 10
de outubro de 2001 I.
RESUMO
1.
Em 3 de fevereiro de 2000 a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana” ou “a
CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada pelo Comitê de Familiares de Vítimas
dos Acontecimentos de Fevereiro-Março de 1989 (COFAVIC) e o Centro de
Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) (doravante denominados "os
peticionários"), na qual se alega a responsabilidade internacional do Estado da Venezuela (doravante
denominado "o Estado") pela detenção ilegal,
incomunicabilidade e desaparecimento forçado do senhor Oscar José Blanco
Romero. Os peticionários alegam que os
fatos denunciados configuram a violação de várias disposições da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "Convenção
Americana"), tais como a obrigação geral de respeitar os direitos (artigo
1(1)); direito a vida (artigo 4); direito a integridade pessoal (artigo
5); liberdade pessoal (artigo 7), direito as garantias judiciais (artigo
8(1)) e a uma devida proteção judicial (artigo 25) e o artigo 1 da
Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.
2.
O Estado argumenta que não foram esgotados os recursos da jurisdição
interna, tendo em vista que os fatos estão sendo investigados pelo Ministério
Público, a Defensória Pública e os Tribunais venezuelanos. Alega que o
recurso de habeas corpus não é
o meio adequado para a investigação dos fatos denunciados, e que a
investigação é uma obrigação de meio e não de resultado, motivo pelo
qual não existe violação de um direito quando esta não produz o
resultado esperado. 3.
Sem prejudicar o fundo do assunto, a CIDH concluiu neste relatório
que o caso é admissível, pois reúne os requisitos previstos nos artigos
46 e 47 da Convenção Americana. Portanto, a Comissão Interamericana decide notificar as
partes da decisão e continuar com a análise de mérito relativa a
suposta violação dos artigos 1.1, 4, 5, 7, 8.1 e 25 da Convenção
Americana, bem como o artigo 1 da Convenção Interamericana sobre
Desaparecimento Forçado de Pessoas. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
INTERAMERICANA 4.
A petição foi apresentada em 3 de fevereiro de 2000 e transmitida
ao Estado venezuelano em 15 de março de 2000 sob o número 12.256,
solicitando-lhe informação. A CIDH enviou uma nota reiterando a solicitação
de informação ao Estado da Venezuela em 19 de julho de 2000 com um prazo
de 30 dias. O Estado apresentou suas observações em 24 de agosto de
2000, as que foram transmitidas aos peticionários em 8 de setembro de
2000. Os peticionários apresentaram suas observações em 25 de outubro
de 2000. As correspondentes observações adicionais a resposta do Estado
foram enviadas pela CIDH em 5 de dezembro de 2000.
A Comissão Interamericana celebrou uma audiência sobre o caso com
ambas partes em 27 de fevereiro de 2001, durante seu 110°
período de sessões. Em 23 de março os peticionários remitiram a CIDH
informação adicional que foi transmitida ao Governo venezuelano em 9 de
maio de 2000. Em 20 de agosto de 2000 o Estado venezuelano enviou o relatório
do Ministério Público da Venezuela sobre o caso N° 12.307, José
Francisco Rivas Fernández (desaparecido no Estado Vargas), onde faz referência
da situação do caso de Oscar José Blanco Romero. III.
POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE A.
Os peticionários 5.
Em 15 de dezembro de 1999, data em que foi realizado o referendum
para aprovar o projeto da Constituição, tanto no Estado Vargas como em
outras zonas do país, a magnitude das chuvas era um tema preocupante.
Nesses dias Venezuela viveu as conseqüências
do pior desastre natural de sua história contemporânea. 6.
Nestas circunstâncias, a atuação de uma parte importante dos
agentes do Estado nos trabalhos de restabelecimento da ordem pública
necessários para resguardar a vida e a segurança das pessoas acarretou
em diversas violações de direitos humanos. 7.
Os peticionários alegam que no dia 21 de dezembro de 1999, às
14:00hs, um grupo de pára-quedistas comandados pelo Tenente do Exército
Federico Ventura Infante designado a Companhia 422 do Batalhão de
Infantaria de Pára-quedistas "Coronel Antônio Nicolás"
entraram na residência de Oscar José Blanco após derrubarem a porta da
casa. O Sr. Blanco Romero e sua esposa, a Sra. Alejandra Iriarte de
Blanco, sua sogra a Sra. Vitalina Mundaray, e seus quatro filhos Aleoscar
Russeth Blanco Iriarte, de 12 anos, Eduardo José Romero Blanco, de 7 anos,
Oscar Alejandro Blanco, de 6 anos e Orailis Del Valle Blanco Romero, de 2
anos encontravam-se em casa. Ao abrirem a porta, os agentes militares
passaram ao interior da casa e começaram a quebrar os móveis e emitir
disparos. Logo depois eles golpearam e detiveram o Sr. Blanco. Cerca das
17:00hs, chegaram à casa integrantes da Direção de Serviços de Inteligência
e Prevenção (DISIP) a quem o Sr. Oscar Blanco Romero foi entregue. Os
policiais não quiseram informar a Sra, Alejandra Iriarte de Blanco o
lugar para o qual iriam transportar seu esposo. 8.
Desde o dia 23 de dezembro de 1999, a Sra. Iriarte de Blanco começou
a solicitar informação sobre o paradeiro de seu esposo perante o
Destacamento 58 da Guarda Nacional do Estado Vargas, o centro de operações
da DISIP instalado nos campos de golfe de Caraballeda no Estado Vargas, os
centros de operações de pára-quedistas destacados no Estado Vargas, no
Aeroporto Internacional de Maiquetía e em Helicóide, base de operações
da DISIP em Caracas, sem encontrar até esta data o nome de seu esposo em
nenhuma lista oficial. Dadas as circunstâncias e o desespero da Sra. de
Blanco, esta apresentou uma denúncia de desaparecimento do Sr. Oscar José
Blanco Romero perante o Fiscal Superior de Vargas e perante o Corpo Técnico
da Polícia Judicial. 9. Em 24 de janeiro de 2000 a Sra. Alejandra Iriarte de Blanco reiterou a denúncia perante o Ministério Público da Venezuela, e em 28 de janeiro de 2000 interpôs um recurso de habeas corpus perante o Quinto Tribunal de Controle do Circuito Judicial Penal do Estado Vargas. 10.
Em 29 de janeiro de 2000 o General da Divisão Lucas Enrique Rincón
Romero, Comandante-Geral do Exército, reconheceu a detenção do Sr.
Blanco por uma comissão a cargo do Tenente Federico José Ventura Infante,
soldado do 422 Batalhão de Infantaria de Pára-quedistas Coronel. Antônio
Nicolás Briceño, assinalando que detido havia sido entregue
imediatamente a uma comissão da DISIP, a mando de um Comissário, enviado
ao local por ordem do Tenente Coronel Francisco Antônio Briceño Araújo,
Comandante da Unidade. 11.
Em 29 de janeiro de 2000, o Capitão Eliecer Otaiza Castillo,
Diretor Geral da Direção de Serviços de Inteligência e Prevenção (DISIP),
respondeu oficialmente ao Quinto Tribunal do Estado Vargas no sentido de
que o Sr. Blanco Romero não havia sido detido por esse órgão policial. 12.
Em 1º de fevereiro de 2000 o Quinto Juízo do Estado Vargas
declarou que não havia matéria sobre a qual decidir em relação ao
recurso de habeas corpus interposto pela Sra. Alejandra Iriarte de Blanco. 13.
Em 10 de fevereiro de 2000 a Corte de Apelação do Circuito
Judicial Penal da Circunscrição Judicial do Estado Vargas confirmou a
decisão do Quinto Tribunal de Controle
que declarava não haver matéria sobre a qual decidir no recurso
de habeas corpus interposto pela
Sra. Alejandra Iriarte de Blanco. 14.
Em relação ao esgotamento dos recursos internos, os peticionários
solicitaram a opinião do Dr. Jesús María Casal, especialista em Direito
Constitucional venezuelano, quem assinalou que: I-
Âmbito tutelado pelo habeas corpus
no Direito venezuelano. No
nosso sistema jurídico o habeas
corpus, término empregado pelo artigo 43 da Lei Orgânica de Amparo
sobre Direitos e Garantias Constitucionais (doravante denominada Lei Orgânica
de Amparo) e pertencente a nossa tradição jurídica, é uma manifestação
do direito ao amparo previsto no artigo 27 da Constituição. Sua
especificidade radica primeiramente no seu objeto: a liberdade e segurança
pessoal . A
Constituição venezuelana de 1999 corroborou com a aplicabilidade do
amparo da liberdade pessoal, ou habeas
corpus, aos supostos desaparecimentos forçados de pessoas. A
Constituição, justo depois de consagrar o direito a liberdade pessoal,
proíbe e castiga o desaparecimento forçado de pessoas, em consonância
com os instrumentos internacionais sobre direitos humanos. A
lei orgânica do Amparo prevê que contra a decisão que resolve em
primeira instância uma ação de amparo cabe a apelação, e contempla
uma consulta obrigatória em caso de que a apelação não tenha sido
interposta. Contra a sentença de segunda instância de amparo não cabe a
cassação. Alguns
defendem que contra a decisão que não concede o habeas
corpus proferida em segunda
instância do processo de amparo deve-se interpor um "recurso"
de revisão previsto no numeral 10 do artigo 336 da
Constituição,
antes de acudir a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Esta tese
não tem aceitação alguma no ordenamento constitucional venezuelano, nem
encontra respaldo na jurisprudência interamericana relativa a regra do
esgotamento dos recursos internos, dado que: a)
O numeral 10 do artigo 336 da Constituição de 1999 não prevê um
"recurso"; contempla uma faculdade da Sala Constitucional,
consistente na possibilidade de revisar as sentenças de amparo ou de
controle difuso da constitucionalidade editadas por tribunais da República
e transitadas em julgado. Esta
faculdade da Sala Constitucional pode ser exercida a pedido do demandado,
aplicada de ofício, ou a pedido de um terceiro, como estabelecido
pela jurisprudência constitucional. Por não se tratar de um recurso, não
se fixa prazo algum para a eventual apresentação da solicitação
correspondente pelo interessado. b)
O mais importante, porém, a fim de resolver a questão formulada,
é que a Sala Constitucional em numerosas sentenças teve a oportunidade
de esclarecer o alcance dessa faculdade de revisão, e sustenta de maneira
uniforme e reiterada que seu exercício é de caráter "excepcional"
e "discricionário". É mais, declarou que o particular que pede
perante essa Sala a revisão de alguma sentença de amparo, não pode
invocar como fundamento para a admissão da revisão direito algum. A
admissão da revisão é uma faculdade discricionária da Sala
Constitucional, frente a qual a pessoa não pôde invocar nenhum direito
constitucional. c)
A Sala Constitucional não está obrigada a pronunciar-se sobre
todas as solicitações de revisão de sentenças de amparo. De maneira
"seletiva" pode escolher os casos que lhe pareçam relevantes,
nos quais admite o procedimento de revisão, sem que exista o dever de
motivar seus pronunciamentos, nem sequer quando rejeita de plano a admissão
da revisão. Estes
elementos configuram a revisão como um mecanismo sui
generis que não tende a colocar nas mãos do particular um
instrumento que lhe permita exigir justiça perante um tribunal, mas que
está orientado a facultar a Sala Constitucional a desenvolver uma política
judicial, no bom sentido da expressão. Concretamente, a revisão permite
a Sala estabelecer critérios vinculantes sobre a interpretação das
disposições constitucionais, assegurando assim uma certa uniformidade de
critérios. Somente
em alguns casos, os que possam despertar a sensibilidade dos Magistrados
da Sala Constitucional, admite-se a revisão – na prática quase nunca-
o que não significa que em definitiva será anulada a sentença . Isto
implica que a primeira e segunda instância do amparo, o habeas
corpus, é a via processual
que garante o particular a possibilidade de exigir a cessação das violações
a seus direitos constitucionais, estando o Poder Judicial obrigado a
restabelecer, mediante esse processo, as situações infringidas pelas
violações de tais direitos. Enquanto a revisão é um
mecanismo completamente excepcional, que somente funciona quando os
Magistrados da Sala Constitucional, em uso de seu poder discricionário da
seleção, o estimem conveniente. Não
se pode aplicar a regra do esgotamento dos recursos internos a um
mecanismo processual que, em síntese, reúne as seguintes características: a)
Não é um recurso nem uma ação de que disponha a vítima de
violações aos direitos humanos; é uma faculdade discricionária da Sala
Constitucional, que pode exercer de ofício, ou a pedido do interessado,
sem prazo preclusivo algum. b)
Quem solicita a revisão de uma sentença de amparo não tem
direito a obter um pronunciamento sobre sua admissibilidade ou procedência. c)
A revisão não é uma terceira instância de amparo; pelo contrário,
a revisão recai sobre sentenças de amparo ou de controle de
constitucionalidade transitadas em julgado e revestidas da autoridade de
coisa julgada. Desta foram, trata-se de um mecanismo de caráter não
somente extraordinário, mas também excepcional, correspondente a Sala
Constitucional, determinar de maneira seletiva a admissão ou tramitação
das revisões nos casos que considere relevantes. 15.
Com a interposição do recurso de habeas
corpus perante o Quinto Tribunal de Controle do Circuito do Estado
Vargas, em 28 de janeiro de 2000, que declara que não há matéria sobre
a qual decidir em 1º de fevereiro de 2000, e a confirmação desta em 10
de fevereiro de 2000 pela Corte de Apelação do Circuito Judicial Penal
da Circunscrição Judicial do Estado Vargas, os peticionários consideram
que foram esgotados os recursos internos na Venezuela. 16.
Os peticionários alegam que os fatos denunciados configuram a
violação, por parte do Estado da Venezuela, de várias disposições da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tais como o direito a
respeitar e garantir os direitos (artigo 1(1)), direito à vida (artigo
4), à integridade pessoal (artigo 5), à liberdade pessoal (artigo 7), as
garantias judiciais e proteção judicial (artigos 8(1) e (25), e o artigo
1 da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas. B.
O Estado 17.
O Estado da Venezuela considera que não foram esgotados os
recursos internos, dado que atualmente estão tramitando ações e
investigações impulsionadas pelo Ministério Público e a Defensória Pública
conjuntamente com os Tribunais venezuelanos, dirigidas ao esclarecimento
dos fatos alegados no Estado Vargas. 18.
Informa a Venezuela que os Tribunais Penais, que tem conhecimento
das ações de habeas corpus,
solicitaram informação aos Corpos de Segurança assinaladas como as que
haviam detido as pessoas. Em todos os casos, tanto o Ministério da Defesa
como a Guarda Nacional e a DISIP informaram que os cidadãos sobre os
quais se solicitava habeas corpus
não estavam detidos sob ordens desses Corpos de Segurança. 19.
Frente a esta informação oferecida pelos Corpos de Segurança os
Tribunais Penais tanto de Controle como as Cortes de Apelações estimaram
que pressupostos processuais não estavam cumpridos para a procedência da
ação de habeas corpus, devido
a que este não era o meio adequado para a efetiva investigação dos
fatos denunciados. Defendem que o prudente era iniciar uma investigação
formal, ordinária, seguindo as pautas e regras estabelecidas no Código
Orgânico Processual Penal, a fim de conseguir as características
verdadeiras dos fatos e a identificação dos autores e participantes. Em conseqüência
se oficializou ao Promotor Superior do Estado Vargas foi oficiado
para que de imediato ordenasse o início das averiguações respectivas, o
que não significa que, com esta decisão, haviam sido esgotados os
recursos da jurisdição interna, mas que era necessário impulsionar as
diligências pelo tribunal. 20.
O Estado da Venezuela menciona que a Corte estabeleceu que o dever
jurídico por parte dos Estados é investigar as violações de direitos
humanos ocorridas em sua jurisdição, assinalando que esta é uma obrigação
de meio, e não de resultado, motivo pelo qual não há violação da
mesma quando não produz o resultado esperado, e que a violação desta
obrigação se dá propriamente quando o aparato do Estado atua de tal
maneira que impede a realização de uma adequada averiguação dos fatos,
e deixa totalmente impune a violação. 21.
Assinala também, que a respeito da decisão de negar o recurso de habeas
corpus interposto a revisão através da Sala Constitucional procede a
revisão da decisão, a qual pode declarar a nulidade da decisão para que
se inicie um novo trâmite de habeas
corpus, como ocorreu no caso do desaparecimento do Sr. Monastérios,[1]
onde a Sala Constitucional primeiramente declarou inadmissível o amparo
interposto pelo Defensor Público da Área Metropolitana de Caracas contra
a decisão judicial que denegou o habeas
corpus, num caso relativo a um suposto desaparecimento forçado. A
Sala entendeu que já se havia esgotado a segunda instância em matéria
de amparo, motivo pelo qual não cabia exercer um novo amparo
constitucional: o direito a tutela judicial rápida e eficaz dos direitos
constitucionais devia ser considerado satisfeito (sentença de 25 de abril
de 2000). Todavia, a mesma Sala Constitucional decidiu exercer a faculdade
excepcional e discricionária de revisão prevista no numeral 10 do artigo
336. 22.
O Estado argumenta que o Ministério Público é o órgão responsável
pela revisão constitucional e quem pode conduzir ações penais com o
propósito de esclarecer os fatos e determinar o paradeiro do desaparecido;
que enquanto não for encontrada a pessoa viva ou o seu cadáver a
investigação não terá sido concluída e, portanto, não terão sido
esgotados os recursos da jurisdição interna. IV.
ANÁLISE A. Competência ratione personae,
ratione materiae, ratione temporis e ratione
loci da Comissão Interamericana 23.
Os peticionários encontram-se
facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias
perante a CIDH. A petição
assinala como suposta vítima um indivíduo, a quem a Venezuela
comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção
Americana. No que concerne ao
Estado, a Comissão assinala que a Venezuela é um Estado parte na Convenção
Americana desde 9 de agosto de 1977,
data em que depositou o instrumento de ratificação respectivo. A
CIDH observa que quanto a competência passiva ratione
personae é um princípio
geral do direito internacional em que o Estado deve responder pelos atos
de todos seus órgãos, incluindo o Poder Judicial. Portanto,
a Comissão tem competência ratione
personae para examinar a petição. 24.
A Comissão
tem competência ratione loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam
violações de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram
lugar dentro do território de um Estado parte no mencionado tratado. 25.
A CIDH
tem competência ratione temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os
direitos protegidos na Convenção Americana já encontrava-se em vigor
para o Estado venezuelano na data em que ocorreram os fatos alegados na
petição. Em relação às alegações sobre possíveis violações a
Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, a
Comissão observa que a Venezuela ratificou referida Convenção em 19 de
janeiro de 1999. Por
conseguinte, os fatos matéria do presente caso ocorreram quando este
instrumento internacional encontrava-se vigente na Venezuela. 26.
Por último, a
Comissão tem competência ratione
materiae, já que a petição denuncia violações de direitos humanos
protegidos pela Convenção Americana e
a Convenção Interamericana
sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas. Outros requisitos de admissibilidade da
petição a.
Esgotamento dos recursos internos 27.
A questão do esgotamento dos recursos da jurisdição interna está
disposta no artigo 46(1)(a) e (b) da Convenção Americana. 28.
Os peticionários consideram que os recursos internos na Venezuela
foram esgotados com a interposição do recurso de habeas
corpus em 28 de janeiro de 2000 perante o Quinto Tribunal do Circuito
do Estado Vargas, a qual declarou que não há matéria sobre a qual
decidir em 1º de fevereiro de 2000, e a confirmação desta em 10 de
fevereiro do mesmo ano pela Corte de Apelação do Circuito Judicial Penal
da Circunscrição Judicial do Estado Vargas. 29.
Em 24 de agosto de 2000, o Estado da Venezuela alegou a falta de
esgotamento dos recursos internos, devido a que os fatos narrados na
presente petição estão sendo investigados ativa e permanente mediante a
prática constante de atuações necessárias para o esclarecimento dos
mesmos pelo Ministério Publico, a Defensoria Pública e os Tribunais
venezuelanos. 30.
No caso sub lite a Comissão
observa que o recurso de habeas
corpus foi denegado em primeira instância em 1º de fevereiro de
2000, sendo confirmada esta decisão pela Corte de Apelação em 10 de
fevereiro do mesmo ano. Embora
o Estado afirme que falta aos familiares da vítima esgotar o recurso de
revisão, a Comissão entende que este recurso não é adequado para
investigar o paradeiro da vítima em um caso de desaparecimento forçado.
Conforme decidido pela Corte Interamericana
nos seus primeiros casos contenciosos: A
exibição pessoal ou habeas corpus
seria, normalmente, o recurso adequado para encontrar uma pessoa
supostamente detida pela autoridades, averiguar se está detida e, se for
o caso, liberá-la. [2] 31. O Estado venezuelano também afirma que o Promotor Superior do Estado Vargas foi oficiado para que de imediato ordenasse o início das averiguações respectivas, “o que significa que, com esta decisão, não foram esgotados os recursos da jurisdição interna, e sim que era necessário que impulsioná-los através do tribunal”. A Comissão considera importante o trabalho que vem realizando o Estado na identificação dos responsáveis dos fatos alegados neste caso, já que, efetivamente, o processo penal é a via adequada para tal fim. Entretanto, conforme assinalou a Corte: "(o) habeas corpus tem como finalidade não somente garantir a liberdade e a integridade pessoal, mas também prevenir o desaparecimento ou indeterminação do lugar de detenção e, em última instância, assegurar o direito a vida".[3] Tendo em consideração que a suposta vítima desapareceu em 21 de dezembro de 1999, a Comissão considera que o Estado teve um prazo mais que razoável para encontrar o paradeiro de Oscar José Blanco Romero. Adicionalmente, a Comissão deve manifestar que uma vez denegado o recurso de habeas corpus em ambas instâncias do Poder Judicial, os recursos da jurisdição interna foram plenamente esgotados. De acordo com o artigo 10 da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas da qual Venezuela é Estado Parte, “o direito [de uma vítima] a procedimentos ou recursos judiciais rápidos e eficazes será conservado como meio de determinar o paradeiro das pessoas privadas de liberdade, seu estado de saúde ou para individualizar a autoridade que ordenou ou efetivou a privação de liberdade”. Transcorreram-se um ano e nove meses e a suposta vítima permanece ainda na qualidade de desaparecida. 32.
Com respeito às alegações do Estado de que os familiares devem
esgotar o processo penal em curso, cabe a Comissão reiterar sua doutrina
na qual estabelece que: Tratando-se
de delitos de ação pública – ainda que dependente de iniciativa
privada- não cabe exigir a vítima ou a seus familiares o esgotamento dos
recursos internos, já que é função do Estado preservar a ordem pública
e, portanto, é sua obrigação respeitar a lei penal promovendo ou
impulsionando o processo até o final. Conforme assinalou a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, a obrigação de investigar "deve
ter um sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico e não
como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da
iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou do aporte
privado de elementos probatórios, sem que a autoridade pública busque
efetivamente a verdade"[4]. A
afirmação precedente se confirma naqueles regimes processuais que negam
a vítima ou a seus familiares legitimidade processual, exercendo o Estado
o monopólio da ação penal. Nos casos em que a legitimidade está
prevista, seu exercício
pelo demandante não é obrigatório mas sim optativo, e substitui a
atividade estatal.[5] 33.
Desta forma, a Comissão considera que os peticionários esgotaram
os recursos internos com a decisão da Corte de Apelação proferida no
recurso de habeas corpus. 34.
Em
relação ao argumento do Estado sobre a jurisprudência da Corte de que a
obrigação de investigar é "de meio, e não de resultado, motivo pelo qual não há violação
da mesma quando não produz o resultado esperado", cabe assinalar
que o mesmo tribunal também manifestou que "Em certas circunstâncias
pode resultar difícil a investigação de fatos que atentem contra
direitos da pessoa. Todavia, [referida investigação] deve ser
empreendida com seriedade e não como uma simples formalidade condenada de
antemão a ser infrutífera".[6] b.
Prazo de apresentação 35.
A petição foi apresentada em 3 de fevereiro de 2000, dentro do
prazo de seis meses que estabelece o artigo 46(1)(b) da Convenção
Americana; por conseguinte, considera-se cumprido o referido requisito. c.
Duplicidade de procedimentos e coisa julgada 36.
A
Comissão entende que o assunto não se encontra pendente de outro
procedimento de acordo internacional nem que tenha sido previamente
decidido por esta ou outro organismo internacional. Desta forma, a CIDH
considera que não são aplicáveis as exceções previstas nos artigos 46(1)(d)
e 47(d) da Convenção Americana. d.
Caracterização dos fatos
alegados 37.
A
Comissão considera que a exposição dos peticionários refere-se a fatos
que, se provados verdadeiros, poderiam caracterizar uma violação aos direitos
garantidos nos artigos 1(1), 4, 5, 7, 8(1) e 25 da Convenção Americana,
e o artigo 1 da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado
de Pessoas. V.
CONCLUSÕES 38.
A Comissão conclui que é competente para conhecer o fundo do caso
e que esta petição é admissível, de conformidade com os artigos 46 e
47 da Convenção Americana. Com base nos argumentos de fato e de direito
antes expostos e sem prejudicar o fundo da questão,
A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1.
Declarar admissível o presente caso quanto as supostas violações
de direitos protegidos nos artigos 1(1),
4, 5, 7, 8(1) e 25 da Convenção Americana, e o artigo 1 da Convenção
Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.
2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001. (Assinado):
Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente;
Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio Bicudo, Robert K.
Goldman, Peter Laurie, e Julio Prado Vallejo, Membros da Comissão.
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[1]
Sentença da Sala Constitucional da Suprema Corte de Venezuela, de 14
de agosto de 2000. [2]
Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de
1988, série C N° 4, par. 65. [3]
Corte IDH, Caso Castillo Páez, Sentença de mérito, par. 83. [4]
Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença 29 de julho de 1988,
pág. 73, par. 177. [5]
Relatório Anual 1997, Caso 11.218, Arges Sequeira Mangas vs. República
de Nicaragua, pág. 735, par. 97. [6]
Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 26 de julho de
1988, pág. 73, par. 177.
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