RELATÓRIO Nº 86/01

CASO 12.319

FEDERAÇÃO NACIONAL DE TRABALHADORES MARÍTIMOS E

PORTUÁRIOS DO PERU (FEMAPOR)

FÉLIX CAMPOS CAIPO, SERGIO VALDIVIA AYALA, ASISCLO CHINAPRO FERNÁNDEZ, VÍCTOR BRICEÑO MIRANDA E OUTROS 4.101 TRABALHADORES MARÍTIMOS E FLUVIAIS

PERU

10 de outubro de 2001

 

 

            I.          RESUMO

 

          1.          Em 10 de novembro de 1998 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão Interamericana”, “Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma petição apresentada pela Federação Nacional de Trabalhadores Marítimos e Portuários do Peru (FEMAPOR) (doravante denominada “peticionária”) contra a República do Peru (doravante denominada “Peru”, “Estado peruano” ou “Estado”). A peticionária alega que o Estado peruano descumpriu com a sentença da Corte Suprema da República de 12 de fevereiro de 1992. A peticionária alega que referido descumprimento configura violação pelo Estado peruano aos direitos humanos dos Trabalhadores Marítimos e Portuários do Peru e de seus familiares.

 

          2.          O Estado não questionou a admissibilidade da petição.

 

3.          A CIDH, de conformidade com o disposto nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção Americana” ou “Convenção”), decide admitir a petição, no que respeita a supostas violações aos artigos 1(1) e 25(2)(c) da Convenção Americana. A Comissão decide igualmente notificar esta decisão às partes, publicá-la e incluí-la no seu Relatório Anual a Assembléia Geral da OEA.

 

II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.          A Comissão recebeu a petição em 10 de novembro de 1998. Em 17 de dezembro de 1999 a peticionária apresentou informação adicional solicitada pela Comissão. Em 17 de agosto de 2000 a CIDH transmitiu as partes pertinentes da denúncia ao Estado peruano e lhe pediu que apresentasse informação num prazo de 90 dias. Em 23 de abril de 2001 a CIDH colocou-se à disposição das partes para iniciar um procedimento de solução amistosa.

 

5.          Em 18 de maio de 2001 a Comissão reiterou sua solicitação de informação ao Estado. Em 25 de junho de 2001 o Estado apresentou sua resposta.

 

III.          POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.          Posição da peticionária

 

6.          A peticionária indica que até 11 de março de 1991, aproximadamente 4.106 trabalhadores marítimos organizados localmente em sindicatos, e afiliados nacionalmente a FEMAPOR, trabalhavam rotativamente, segundo dispunham as respectivas normas legais, garantindo que as variadas atividades portuárias fossem realizadas exclusivamente por estes trabalhadores, devidamente registrados em sindicatos em cada porto e a serviço de seus múltiplos empregadores (agências marítimas, navegadoras e a Empresa Nacional de Portos). Informam que referidas atividades eram regulamentadas, controladas e administradas pela Comissão Controladora do Trabalho Marítimo (CCTM), entidade pertencente ao Ministério de Defesa, que tinha sido criada por Decreto Supremo em 1935.

 

7.          Assinala que mediante o Decreto Supremo (N° 054-91 PCM), de 11 de março de 1991, o Governo determinou a criação de uma Comissão de Dissolução, com a finalidade de liquidar a referida Comissão Controladora do Trabalho Marítimo (CCTM), e cumprir com as seguintes funções;  a) venda de ativos a cargo da CCTM e dos Escritórios de Trabalho Marítimo e Fluvial, que não haviam sido transferidos ao Ministério de Defesa e Ministério de Transportes e Comunicações, conforme determinava o Decreto Supremo N° 054-91-PCM;  b) recuperação dos saldos devedores a cargo dos empregadores e de outros créditos da CCTM e de seus respectivos escritórios; c) pagamento dos direitos e benefícios sociais dos trabalhadores dos diferentes sindicatos marítimos, compreendidos sob a jurisdição das referidas entidades; e) pagamento dos direitos e benefícios sociais dos trabalhadores administrativos que trabalharam na CCTM e nos escritórios fluviais;  f) determinação da forma de pagamento das pensões dos beneficiários do Fundo de Direitos Adquiridos do ex–Sistema Assistencial, estivadores matriculados do porto de Callao (FODASA), e g) outras que resultassem de competência do processo liquidante.

 

8.          Indica que para assegurar o cumprimento destes encargos, que eram de responsabilidade solidária da CCTM e dos Empregadores, o Governo, com base no artigo 4° do citado Decreto Supremo N° 054-91 PCM, expediu a Resolução Ministerial N° 303-91 TC/15.03, mediante a qual criou um aporte a cargo dos múltiplos empregadores, que somava aproximadamente US$ 1.300.000,00 mensais.

 

9.          A peticionária informa que, ao resultar diminuta a liquidação sobre os montantes que correspondiam aos trabalhadores marítimos, elaborada pela Comissão de Dissolução da Comissão Controladora de Trabalho Marítimo, a FEMAPOR iniciou uma ação de amparo a fim de que a CCTM efetuara os cálculos corretos.

 

10.          Assinala em 12 de fevereiro de 1992, a Corte Suprema da República proferiu uma sentença favorável ao demandante e que, a fim de acatar esta sentença, o governo emitiu o Decreto Supremo Extraordinário N° 030-PCM/92, em 4 de abril de 1992, dispondo que a Comissão de Dissolução da CCTM efetuasse “as ações vinculadas as maiores remunerações que haviam sido judicialmente reconhecidas aos trabalhadores marítimos, situação que implica a uma adequada reestruturação da base de cálculo e dos benefícios sociais, nos casos pertinentes”.  Agrega que o montante da nova liquidação calculada por mencionada comissão, alcançou a soma de US$ 47.506.432,15.

 

11.          A peticionária indica que durante o trâmite de execução de sentença, o juiz respectivo concedeu a FEMAPOR o embargo dos seguintes bens que foram propriedade da ex-CCTM:  a) Fundos Bancários no montante de US$ 3.040.745,89;  b) Imóveis valorizados num total de US$ 384.583,47; c) Mobília valorizada em aproximadamente US$ 20.150,69, para um total de aproximadamente US$ 3.445.485,05. Agrega que, como consequência disto, ficou pendente um saldo por cobrar de US$ 44.060.949,65, sem considerar juros e custos.

12.          Alega que, não obstante que ainda não houvesse arrecadado o montante suficiente para cancelar o saldo devedor, o governo, em aparente contradição ao mandado do Poder Judicial e as suas próprias normas legais, emitiu em 2 de setembro de 1992, o Decreto Lei N° 25702, cujos artigos 1° e 2° derrogam 24 normas de caráter tributário e, entre elas, derrogam também normas relativas ao processo liquidante da ex–CCTM e fundamentalmente, o pagamento dos referidos benefícios sociais, ou seja, o artigo 4° do Decreto Supremo N° 054-91 PCM e a Resolução Ministerial N° 303-91 TC/15.03. Adicionam, entretanto, que o segundo parágrafo do artigo 4° do citado Decreto Lei N° 25702, estabeleceu que: “as demais entidades que foram destinatárias dos tributos derrogados pelo presente Decreto Lei, não compreendidas no parágrafo anterior, poderão solicitar ao Ministério da Economia e Finanças, um prazo que não excederá 30 dias naturais, contados a partir da data de entrada em vigência desta norma legal, a alocação de um montante equivalente aos recursos que houvessem deixado de receber em razão de referido conceito .”

 

13.          A peticionária assinala que em 24 de setembro de 1992, isto é, dentro do prazo estabelecido no artigo 4°. do Decreto Lei N° 25702, os peticionários enviaram os ofícios números 114-92 e 117-92, dirigidos aos Ministérios de Transporte e Economia, respectivamente, mediante os quais a FEMAPOR solicitou formalmente a reposição das normas derrogadas, por aplicação do artigo 4°. do Decreto Lei N° 25702: a) atribuição de um montante equivalente ao total da liquidação dos direitos e benefícios sociais dos trabalhadores marítimos e fluviais; b) atribuição de montantes mensais, a partir de janeiro de 1993, equivalentes às planilhas de pensões dos trabalhadores despedidos pertencentes aos regimes administrados pelo sistema em dissolução.

 

14.          Indica que o disposto pelo Decreto Lei N° 25702, no que concerne a derrogação do artigo 4° do Decreto Supremo N° 054-91 PCM, e do artigo 4° da Resolução Ministerial N° 303-91 TC/15.03, demonstra o deslocamento do Ministério da Economia e Finanças como responsável específico do pagamento dos direitos e benefícios sociais dos trabalhadores marítimos, que até a expedição do Decreto Lei N° 25702 recaia em outro Ministério, mas que ambos Ministérios eram partes inseparáveis do Estado peruano.

 

15.          A peticionária alega que, por esta razão, em 11 de agosto de 1997 a FEMAPOR solicitou que o trâmite relativo à execução emitida em 12 de fevereiro de 1992 pela Corte Suprema da República, com caráter de coisa julgada, fosse deslocada para o Ministério da Economia e Finanças para que, conforme a sua tarefa de embargar bens do Estado, cumprisse em pagar a dívida aos trabalhadores marítimos e fluviais.  Adiciona que tanto a juíza competente como os embargadores da Sala Civil da Corte Superior de Callao decidiram exonerar o Ministério de Economia e Finanças de tal responsabilidade legal, sem tomar em conta a existência do Decreto Lei N° 25702. Indica que houve um voto vencido de um embargador, e que a Sala Civil julgadora não convocou um ou dois mais embargadores até conseguir um voto vencedor de três embargadores, conforme requer o regulamento. Assinala que interpôs uma queixa com relação ao ocorrido perante a Sala Constitucional Social da Corte Suprema da República.

 

16.          Mediante ampliação da denúncia de 12 de fevereiro de 2000, a peticionária apontou que em 28 de dezembro de 1999, recebeu uma resolução da Sala Constitucional Social da Corte Suprema da República que declarou infundada a queixa interposta e determinou seu arquivamento. 

17.          Assinala que o descumprimento com o disposto na mencionada sentença editada em 12 de fevereiro de 1992 pela Corte Suprema da República ocasiona graves detrimentos para todos os trabalhadores afetados por referido descumprimento, bem como para seus familiares, os quais encontram-se submetidos numa situação de miséria que lhes impede de cobrir as necessidades mínimas para poder viver com dignidade.

 

B.          Posição do Estado

 

18.          O Estado indica que no ano de 1935 foi criada mediante Decreto Supremo a Comissão Controladora do Trabalho Marítimo (CCTM), entidade que regulamentava, controlava e administrava as variadas atividades portuárias.  Adiciona que mediante Decreto Supremo N° 054-91-PCM de 11 de março de 1991, foi declarado de dissolução da Comissão Controladora do Trabalho Marítimo, incluindo os Escritórios de Trabalho Marítimo e Fluvial. Assinala que mediante a mencionada norma o governo determinou a criação de uma Comissão de Dissolução, com o encargo de liquidar a CCTM, dispondo ao efeito o seguinte:

 

Artigo 3.- A Comissão de Dissolução, no prazo indicado a partir de sua instalação, terá como funções: 

e.- Pagamento de direitos e benefícios sociais dos trabalhadores administrativos que trabalham na Comissão Controladora do trabalho Marítimo e Fluvial.

d.- Pagamento dos direitos e benefícios sociais dos trabalhadores dos diferentes sindicatos marítimos, compreendidos sob a jurisdição das referidas entidades.

Art. 4.- Na hipótese em que os fundos que administra a Comissão Controladora do Trabalho Marítimo e Fluvial, não alcançar o montante requerido para o pagamento dos direitos e benefícios sociais a que se refere o Art. 3° do presente Decreto Supremo, o Ministério de Transportes e Comunicações fica autorizado a ditar as disposições correspondentes, com cargo aos Agentes Marítimos que executem o embarque e descarga dos produtos de importação e exportação, sem detrimento das responsabilidades administrativas que sejam determinadas oportunamente.

 

19.          O Estado assinala que mediante Resolução Ministerial N° 303-91 TC/15.03, o Governo peruano criou, de acordo com o previsto pelo artigo 3° do Decreto Supremo N° 054-91-PCM, um aporte que seria efetuado por parte de todos os empregadores do setor que alcançou o montante de US$ 1.300.000,00 mensais.  Adiciona que a Federação Nacional de Trabalhadores Marítimos e Portuários do Peru (FEMAPOR), Federação Nacional que reúne os sindicatos locais dedicados às variadas atividades portuárias no país, iniciou uma ação de amparo a fim de que a CCTM efetuasse os cálculos corretos da dívida. 

 

20.          Menciona que em 12 de fevereiro de 1992, a Corte Suprema da República expediu uma sentença a favor de FEMAPOR, e declarou não haver nulidade na sentença de primeira instância de 12 de abril de 1991, que declarou fundada a ação de amparo, e mediante a qual foi ordenado o pagamento de um adicional à remuneração básica mensal que recebiam os trabalhadores marítimos. 

 

21.          O Estado indica que em cumprimento da sentença proferida pela Corte Suprema de Justiça, o Governo emitiu o Decreto Supremo Extraordinário N° 030-PCM/92 de 4 de abril de 1992, estabelecendo que a Comissão de Dissolução da CCTM efetuasse as ações vinculadas às remunerações adicionais dos trabalhadores marítimos judicialmente reconhecidas.

 

22.          Assinala que o montante determinado da nova liquidação alcançou o valor aproximado de US$ 47.506.432,15.  Indica que estando o processo anterior em execução de sentença, concedeu a FEMAPOR o embargo de bens que foram propriedade da ex-CCTM, que chegavam a US$ 3.445.485,05, e cujo saldo pendente a cobrar era de US$ 44.060.949,65. 

 

23.          O Estado peruano informa que em 2 de setembro  de 1992, mediante Decreto Lei N° 25702, foi derrogado o artigo 4° do Decreto Supremo N° 054-91-PCM e a Resolução Ministerial N° 303-91-TC/15.03, ambos relativos aos gravames ao embarque e descarga de produtos de comércio internacional destinados ao financiamento dos benefícios sociais dos trabalhadores a cargo da Comissão Controladora do Trabalho Marítimo e Fluvial.  Assinala que o Decreto Lei N° 25702 determinou em seu artigo 4°, que

 

As demais entidades que foram destinatárias dos tributos que derrogados pelo presente Decreto Lei não compreendidas no parágrafo anterior, poderão solicitar ao Ministério de Economia e Finanças, num prazo que não excederá a 30 dias úteis contados a partir da data de entrada em vigência desta norma legal, a alocação de um montante equivalente aos recursos que tivessem deixado de receber por referido conceito.

 

24.          Assinala que, mediante Decreto Supremo N° 013-92-TCC, o Ministério da Economia e Finanças foi autorizado a prover, a partir de 1° de janeiro de 1993, os recursos necessários para atender o pagamento dos benefícios que correspondiam aos beneficiários dos direitos adquiridos do fundo do ex-sistema assistencial de estivadores matriculados do porto de Callao. Adiciona que a FEMAPOR, dentro do termo da lei, apresentou suas respectivas solicitações ao Ministério da Economia e Finanças, e ao Ministério de Transportes com data de 24 de setembro de 1992.  Nelas assinalou formalmente que a derrogação do artigo 4° do Decreto Supremo N° 054-91-PCM e a Resolução Ministerial N° 303-91-TC/15.03 foi um erro porque se considerou os recursos que geravam como tributos. Adicionalmente, foi solicitado que, mediante reposição das normas derrogadas ou por aplicação do artigo 4° do Decreto Lei N° 25702, fosse alocado um montante equivalente ao total da liquidação dos direitos e benefícios sociais dos trabalhadores marítimos e fluviais e montantes mensais a partir de janeiro de 1992, equivalentes às planilhas de pensões dos trabalhadores despedidos do regime administrado pelo sistema de dissolução.

 

25.          O Estado indica que em 11 de agosto de 1997, a FEMAPOR solicitou que, durante a execução da sentença do processo contra a CCTM, fosse citado o Ministério da Economia e Finanças, a cargo do embargo de bens do Estado, para cumprir com o pagamento da dívida dos trabalhadores marítimos e fluviais. Informa que, mediante auto de 15 de janeiro de 1998, o juiz declarou improcedente a solicitação formulada por parte da FEMAPOR, fundamentando sua resolução no pedido perante o MEF, e que a solicitação depende de uma resolução, seguindo o trâmite administrativo correspondente.

 

26.          Aponta que a FEMAPOR apelou da decisão de 15 de janeiro de 1998, mas a Sala Superior competente confirmou, ao considerar que o MEF não foi demandado e que era improcedente o requerimento. Adiciona que a FEMAPOR solicitou a designação de um embargador para o caso e solicitou a nulidade do mesmo, tendo em conta que três votos são necessários para uma resolução. Indica que a Sala declarou improcedente a solicitação. Adiciona que a FEMAPOR interpôs um recurso de nulidade contra esta resolução, a qual foi declarada improcedente. Indica que em 27 de agosto de 1998, a FEMAPOR interpôs um recurso de queixa, que foi declarado infundado em 28 de janeiro de 1999, pela Corte Suprema de Justiça.

27.           Conclui resumindo que, mediante o inciso I) do artigo 1 do Decreto Lei N° 25702, publicado no Diário Oficial “El Peruano” em 2 de setembro de 1992, foram derrogados o artigo 4° do Decreto Supremo N° 054-91-PCM de 09 de março de 1991 e a Resolução Ministerial N° 303-91-TC/15.03 de 26 de abril de 1991, relativos aos gravames ao embarque e descarga de produtos de comércio internacional destinados ao financiamento dos benefícios sociais dos trabalhadores a cargo da Comissão Controladora do Trabalho Marítimo e dos Escritórios de Trabalho Marítimo e Fluvial.  Adiciona que o referido Decreto Lei N° 25702 estabeleceu no segundo parágrafo do artigo 4, que a entidade destinatária dos tributos, neste caso a Federação Nacional de Trabalhadores Marítimos e Portuários do Peru – FEMAPOR, poderia solicitar ao Ministério da Economia e Finanças a alocação de um montante equivalente aos recursos que tivessem deixado de receber por causa da derrogação da Resolução Ministerial N° 303-91-TC/15.03 e o artigo 4 do Decreto Supremo N° 054-91-PCM.

 

28.          O Estado peruano argumenta que vem avaliando a possibilidade financeira a fim de chegar a uma solução satisfatória com relação a presente petição perante a CIDH, em função dos recursos do Ministério da Economia e Finanças. Adiciona que “estando por concluir o mandato do Governo de Transição, as medidas a serem adotadas a respeito derivarão do novo governo”.

 

IV.          ANÁLISE

 

29.          A Comissão passa a analisar os requisitos de admissibilidade da petição estabelecidos na Convenção Americana.

 

A.      Competência ratione personae, ratione loci, ratione temporis e ratione materiae da Comissão

 

30.          A peticionária encontra-se facultada pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como supostas vítimas a pessoas individuais, as quais o Peru comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. A peticionária se encontra facultada pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. No que concerne ao Estado, a Comissão assinala que o Peru é um Estado parte na Convenção Americana desde 28 de julho de 1978, data em que depositou o instrumento de ratificação respectivo.  Portanto, a Comissão tem competência ratione personae para examinar a petição.

 

31.          A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro do território de um Estado parte no mencionado tratado.

 

32.          A CIDH tem competência ratione temporis, porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado peruano na data em que ocorreram os fatos alegados na petição. 

 

33.          Por último, a Comissão tem competência ratione materiae, já que a petição denuncia violações de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.

 

 

B.          Requisitos de admissibilidade da petição

 

1.          Esgotamento dos recursos internos

 

34.          A petição sob exame refere-se a descumprimento, pelo Estado peruano, da sentença da Corte Suprema da República de 12 de fevereiro de 1992. O Estado não argüiu nenhuma exceção relacionada com o requisito de esgotamento dos recursos da jurisdição interna. A respeito, a Corte Interamericana assinala que “a exceção de não esgotamento dos recursos internos, para ser oportuna, deve ser formulada nas primeiras etapas do procedimento, caso contrário poder-se-á presumir renúncia tácita por parte do Estado interessado”.[1]

 

35.          A Comissão considera cumprido o requisito previsto no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana.

 

 

2.          Prazo de apresentação

 

36.          Com relação ao requisito contemplado no artigo 46(1)(b) da Convenção, conforme o qual a petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses a partir da notificação da vítima da decisão definitiva que haja esgotado os recursos internos, a Comissão reitera sua doutrina conforme a qual:

 

o descumprimento de uma sentença judicial transitada em julgado configura uma violação continuada por parte do Estado que persiste como infração permanente do artigo 25 da Convenção, o qual consagra o direito à tutela judicial efetiva. Portanto, neste caso não opera o requisito concernente ao prazo de apresentação de petições contemplado no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana.[2]

 

37.          Tendo em vista o exposto, o requisito concernente ao prazo de apresentação de petições contemplado no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana não é aplicável no presente caso, no qual se examina o alegado descumprimento continuado da decisão proferida pela Corte Suprema da República de 12 de fevereiro de 1992. Portanto, a Comissão considera que a petição sob exame foi apresentada dentro de uma prazo razoável, nos termos do artigo 32 de seu Regulamento, de conteúdo equivalente ao artigo 38 do Regulamento vigente no momento da apresentação da denúncia.

 

3.          Duplicidade de procedimentos e coisa julgada

 

38.          A Comissão entende que a matéria da petição não está pendente de outro procedimento de acordo internacional, nem reproduz uma petição já examinada por este ou outro organismo internacional. Portanto, os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção encontram-se satisfeitos.

 

4.          Caracterização dos fatos

 

39.          A Comissão considera que a exposição da peticionária refere-se a fatos que, se provados verdadeiros, poderiam caracterizar uma violação ao direito a proteção judicial consagrado no artigo 25(2)(c) da Convenção Americana, bem como a obrigação de respeitar os direitos a que se refere o artigo 1(1) da referida Convenção.

 

V.          CONCLUSÕES

 

40.          A Comissão conclui que é competente para conhecer esta petição e que esta é admissível, de conformidade com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana.

 

41.          Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos e sem prejudicar o fundo da questão,
 
 
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
 
DECIDE:

 

1.     Declarar admissível o presente caso quanto às supostas violações de direitos protegidos nos artigos 1(1) y 25(2)(c)  da Convenção Americana.

 

2.     Notificar as partes desta decisão.

 

3.     Iniciar o procedimento de análise de fundo da questão.

 

4.     Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Robert K. Goldman, Peter Laurie, Julio Prado Vallejo, Hélio Bicudo, Membros da Comissão.

 

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[1] Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1f987, Série C, n. 1, par. 8; Caso Fairén Garbi e Solis Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, Série C, n. 2, par. 87; Caso Gangaram  Panday, Exceções Preliminares, Sentença de 4 de dezembro de 1991, Série C, n. 12, par. 38; Caso Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, Série C, n. 25, par. 40.

[2]  CIDH, Relatório Anual 1998, Relatório N° 75/99 – César Cabrejos Bernuy, Caso 11.800 (Peru), par. 22.